Batata Movies (Especial Oscar 2020) – Os Miseráveis. Intolerância À Flor Da Pele.

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Cartaz do Filme

Um filme traumático, que chegou aos finalistas do Oscar e do Globo de Ouro a Melhor Filme Estrangeiro. “Os Miseráveis”, de Ladj Ly, mostra o explosivo ambiente das periferias de Paris de uma forma extremamente crua e sem qualquer filtro para os mais sensíveis. Um filme absolutamente necessário. Para podermos falar desse filme, vamos lançar mão de spoilers.

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Três policiais num barril de pólvora…

A película mostra a rotina de três policiais: Ruiz (interpretado por Damien Bonnard), Chris (interpretado por Alexis Manenti) e Gwada (interpretado por Djibril Zonga). Eles são da divisão anticrime e patrulham as periferias de Paris, um verdadeiro barril de pólvora, onde várias etnias vivem numa situação de conflito constante: africanos, muçulmanos, ciganos. Ruiz está no seu primeiro dia de trabalho e veio do interior. Chris e Gwada já têm dez anos de serviço, sendo o primeiro branco e altamente violento, enquanto que Gwada tem descendência imigrante, sendo menos violento, mas igualmente temido. Um menino chamado Issa acaba roubando um filhote de leão de um circo de ciganos, o que provoca a fúria dos mesmos e uma guerra étnica iminente na periferia. Os policiais vão tentar solucionar o caso e conseguem, pela internet, identificar Issa. Eles vão apreender o menino, que estava jogando futebol e os demais garotos começam a apedrejar os policiais. Issa consegue se desvencilhar mesmo algemado e Gwada acerta o seu rosto com uma bala de borracha. O grande problema é que um drone de um garoto apelidado singelamente de Bzz filmou toda a ação policial, o que vai ferrar com a vida de nossos protagonistas. Os três policiais irão, então, correr atrás do menino com o drone e ainda ter que acobertar a besteira que fizeram com Issa, que fica com o rosto desfigurado em virtude da bala de borracha. Para isso, os policiais farão alguns acordos com as lideranças locais do submundo, o que vai despertar a revolta das crianças, que vão reagir de forma extremamente violenta e explosiva.

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Um drone detona uma crise…

O que mais chama a atenção no início do filme é que ele começa com o povo comemorando a vitória da França na Copa do Mundo, e o que vemos nas ruas é uma população massivamente mestiça, negra e estrangeira cantando a Marselhesa, com camisas da seleção da França e com bandeiras francesas comemorando nas ruas de Paris. Até o principal jogador da seleção francesa é mestiço. Ou seja, fica bem claro nas intenções do diretor mostrar que a realidade da França agora é, além de branca, também mestiça.

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Negociações tensas…

E aí, dentro desse contexto, toda a tensão social da periferia parece ainda mais injustificada. Mas Ladj Ly também faz questão de mostrar a natureza fragmentada dessa periferia, onde o ódio é uma via de múltiplas mãos. Todas as etnias se odeiam profundamente, esperando um pretexto, por mínimo que seja, para explodir tudo e começar uma guerra, numa situação que parece cada vez mais ser um beco sem saída. É assustador perceber como essa realidade se aproxima da realidade das nossas periferias brasileiras, onde a fragmentação também ocorre, dentro de outras perspectivas, e a violência também é muito latente. O mais curioso aqui é que uma das poucas vozes coerentes do filme é justamente a do líder religioso muçulmano, ele mesmo com um passado de crimes e tráfico, mas que agora professa a fé e busca agir dentro de uma ética. Essa é uma atitude muito corajosa de Ladj Ly, ainda mais numa época de muito preconceito contra o islamismo em virtude da onda recente de atentados terroristas na França.

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Intimidação sobre os moradores locais…

O desfecho do filme é surpreendente, pois a violentíssima revolta das crianças é um reflexo da violência das inúmeras facções mas, principalmente, uma reação à união das facções e dos policiais em acobertar o caso da bala de borracha disparada no rosto de Issa. Não somente a polícia é atacada, mas também o líder comunitário e os traficantes. A cena final, desesperadora toda a vida, e que fica em aberto, é acompanhada por uma citação de Victor Hugo em sua obra “Os Miseráveis”, deixando-nos uma sensação de desalento e, principalmente, desesperança.

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O diretor Ladj Ly

Assim, “Os Miseráveis” é um filme que poderia muito bem abiscoitar esse Oscar ao qual concorre, embora pareça que já está tudo engatilhado para o coreano “Parasita” ganhar. Seria uma grata surpresa ver “Os Miseráveis” ser premiado, em virtude de sua gritante denúncia do ódio e intolerância nas periferias, onde países desenvolvidos e subdesenvolvidos se igualam tragicamente. Um filme obrigatório.

Batata Movies (Especial Oscar 2020) – O Escândalo. Denunciando Práticas Abusivas.

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Cartaz do Filme

Mais um filme baseado numa história real. “O Escândalo” é uma película que trata de um assunto muito delicado, que é o de assédio sexual na rede de TV americana FOX Channel. Esse filme concorre a três Oscars (Melhor Atriz para Charlize Theron, Melhor Atriz Coadjuvante para Margot Robbie e Melhor Maquiagem e Cabelo). A denúncia do caso realmente provocou um escândalo que foi divulgado no mundo inteiro e deixou escancarada a forma como a mulher é tratada como um objeto até nos países mais desenvolvidos. Para podermos entender melhor o filme, vamos precisar de spoilers aqui.

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Uma âncora consagrada…

A película foca na trajetória de três personagens principais: Megyn Kelly (interpretada por Charlize Theron), Gretchen Carlson (interpretada por Nicole Kidman) e Kayla Pospisil (interpretada por Margot Robbie), as três funcionárias da Fox, que foram assediadas por Roger Ailes (interpretado por John Lithgow) que, se não era exatamente o dono da empresa, era quem a chefiava e ditava as regras. Para Ailes, todas as funcionárias da emissora deviam trabalhar de saias e seus dotes, digamos, físicos tinham que ser explorados nos programas de TV com o objetivo de aumentar a audiência. E aí, as funcionárias tinham uma reunião privada a portas fechadas com Ailes, onde elas eram obrigadas a exibir o seu corpo para passar pela aprovação do patrão. E a fazerem outras coisas mais depois. Gretchen Carlson foi a primeira mulher a denunciar na justiça a prática, sendo demitida sumariamente. A batalha judicial obviamente foi muito desigual, dado o poder da Fox, mas Carlson e seus advogados não esmoreceram em nenhum momento e lutaram pesado, levando a demissão do patrão pelo dono da empresa.

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Uma apresentadora de debates que abre um processo…

O mais interessante aqui é que as histórias das três personagens não se cruzam muito. Ou seja, não é aquela história típica de três injustiçadas que se unem na luta contra o patrão inescrupuloso. Há um único e singelo momento em que as três estão juntas… no elevador. Em outros momentos há, no máximo, um ou outro encontro esporádico com duas de cada vez. É interessante também perceber a posição de cada uma na empresa.

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Uma iniciante…

Enquanto que Pospisil ainda quer alçar postos mais altos, sonhando em ser a garota do tempo, Kelly já é uma âncora consagrada que bate com Trump de frente, quando este ainda era candidato a candidato à presidência dos Estados Unidos, amplamente apoiado pela Fox, reconhecidamente de extrema direita, o que lhe rendia hostilidades de muitos telespectadores da empresa. Mas será Carlson que vai empunhar a bandeira da briga contra o machismo da emissora e as práticas abusivas do patrão.

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O único momento do filme em que as três protagonistas estão juntas…

Nem é preciso dizer que as atrizes foram muito bem. Theron foi muito bem como a âncora independente que tinha uma relação mais antiga e assentada com Ailes, o que a colocou numa posição de conflito e silêncio iniciais com relação à situação do processo em cima do patrão. Já Robbie foi perfeita como a mocinha doce de família religiosa e conservadora que passa por maus bocados com o assédio recente. Kidman, por sua vez faz a personagem que sabe que, para entrar na guerra, vai ter que lidar com perdas, mas que, mesmo assim, está muito determinada. John Lithgow volta mais uma vez do passado com seu enorme talento e seu Ailes conseguiu ser simultaneamente odioso e humano. O filme ainda tem uma “personagem bônus” muito interessante, Jess Carr (interpretada pela “caçafantasma maluquinha” Kate McKinnon), uma amiga lésbica de Pospisil que trabalha na Fox. E Malcolm McDowell como Rupert Murdoch, o verdadeiro dono da Fox, que muito pouco apareceu, mas botou ordem na casa no momento do escândalo.

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Um chefe que assedia, se fazendo de coitado…

Dessa forma, “O Escândalo” é mais um filme de denúncia que o cinema produz, sendo esse um programa obrigatório para entendermos os tempos sombrios pelos quais estamos passando. Uma história que mostra até onde o poder de luta (num país mais justo, diga-se de passagem) pode transformar as coisas, por menores que essas transformações sejam. E um filme que nos ajuda a refletir sendo o filme que estimula a reflexão sempre o mais importante. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies (Especial Oscar 2020) – História De Um Casamento. Radiografia De Um Processo Doloroso.

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Cartaz do Filme

Vamos hoje começar a falar de alguns filmes que concorrem ao Oscar. A produção da Netflix “História de um Casamento”, de Noah Baumbach, concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Adam Driver, Melhor Atriz para Scarlett Johansson, Melhor Atriz Coadjuvante para Laura Dern, Melhor Roteiro Original para Noah Baumbach e Melhor Trilha Sonora para Filme), além de ter sido indicado para três Globos de Ouro (Melhor Atriz Coadjuvante em Filme para Laura Dern, que ganhou; Melhor Atriz em Filme de Drama para Scarlett Johansson e Melhor Ator em Filme de Drama para Adam Driver). Ou seja, mais um filme da Netflix que faz parte da boa estratégia da empresa de fazer grandes filmes para ganhar prêmios e elevar a marca. Para podermos falar desse filme, vamos lançar mão de spoilers.

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Uma família em crise…

A película fala do doloroso processo de separação de um casal, Charlie (interpretado por Adam Driver) e Nicole (interpretado por Scarlett Johansson). Ele é um diretor de teatro e ela é atriz numa peça dirigida pelo marido. A moça acha que, ao entrar na vida do marido, ela se anulou e ele, em seu egoísmo, não deu espaço para ela crescer de forma autônoma enquanto indivíduo. Os dois haviam combinado que a separação seria amigável, sem advogados. Mas Nicole foi convencida por uma amiga a procurar uma advogada, Nora Fanshaw (interpretada por Laura Dern), que tem uma postura agressiva no seu procedimento profissional e convence a moça a lutar por seus direitos, não dando qualquer margem para Charlie no processo. Charlie, por sua vez, vai precisar contratar outro advogado agressivo, Jay Marotta (interpretado por Ray Liotta). A inclusão desses dois advogados no divórcio somente deixou tudo mais complicado. A vida de Charlie e Nicole ficou totalmente exposta, com os dois advogados expondo de forma muito agressiva, os defeitos de marido e esposa, além do fato de que os dois gastaram rios de dinheiro para pagar os honorários e ficaram numa situação financeira difícil. O grande fator de discórdia é que Nicole queria viver em Los Angeles enquanto que Charlie tinha melhores oportunidades profissionais em Nova York. Para piorar a situação, eles ainda tinham um filho pequeno, onde a guarda dos dois também era disputada.

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Charlie quer ficar em Nova York…

Ficou-se aqui a impressão de que, se o casal não tivesse colocado os dois advogados no meio e eles decidissem tudo em acordos verbais, teria sido tudo bem mais fácil. O filme provoca uma angústia muito forte na gente, pois sabemos que todo o processo doloroso que vemos é algo bem real e palatável, onde qualquer um de nós pode estar sujeito a isso. Ou seja, a película, ao fim das contas, é um violento choque de realidade do começo ao fim, sem direito a final feliz ou plot twists. Tanto que o desfecho do filme dá a impressão de que a história daqueles personagens não acabou, que somente ela foi contada até um certo ponto e que a vida continua, não sendo mais contada pela película.

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Nicole quer ficar em Los Angeles…

Com relação aos atores, Laura Dern tem uma grande participação, sendo que seu Globo de Ouro é indiscutível. Mas esse é realmente um filme dos atores protagonistas, Adam Driver e Scarlett Johansson. Os dois foram simplesmente primorosos, tanto no que tange a levar o processo de forma amigável, passando pelos pequenos conflitos e culminando na catarse da grande discussão que os dois tiveram, onde um disse o que quis na cara do outro, como se purgassem todas as suas decepções ferindo um ao outro o máximo para, depois do paroxismo, pedirem desculpas um ao outro, decidindo o desfecho da relação de forma amigável. Foi pesado e triste, o que atingia o espectador em cheio. O único problema aqui foi que o tempo de tela de Driver pareceu maior que o tempo de tela de Johansson, quando parecia mais justo que os dois tivessem o mesmo destaque no filme. cabe fazer um pequeno destaque para a presença de Mary Wiseman, a Tilly de “Jornada nas Estrelas, Discovery”, como uma das atrizes da companhia de Charlie. Só que ela entrou muda e saiu calada do filme.

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E, quando a coisa cai nas mãos dos advogados…

Dessa forma, “História de um Casamento”, é mais um grande filme que concorre ao Oscar e que já mostrou sua força no Globo de Ouro. Foi mais uma grande oportunidade que tivemos de ver dois atores de franquias mais pop (Adam Driver e Scarlett Johansson) trabalhando em filmes de drama, mais com os pés no chão, onde o choque de realidade é o grande protagonista. Uma boa aposta na Netflix que vem em peso no Oscar desse ano.

https://www.youtube.com/watch?v=uZ0GpIBdsWQ

Batata Movies – Uma Mulher Alta. Busca Por Um Filho.

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Cartaz do Filme

Um filme russo que representa o seu país na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “Uma Mulher Alta” é uma história sobre o pós-Segunda Guerra Mundial e de como o conflito conseguiu transformar de forma radical a vida das pessoas. Um filme forte e doloroso. Para podermos compreender melhor a película, vamos ter que lançar mão de spoilers.

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Iya, uma enfermeira que “sai do ar”…

Vemos aqui a história de um hospital na Leningrado de 1945 que cuida dos soldados feridos da guerra. A enfermeira Iya (interpretada por Viktoria Miroshnichenko) é a tal mulher alta, que combatia na linha de frente e ficou com um trauma de guerra onde ela temporariamente “sai do ar”, ficando imóvel e travada (ela não escuta, não consegue se mexer e mal consegue respirar). Iya cuida de Paschka, o filho pequeno de sua amiga (e amante) de front Masha (interpretada por Vasilisa Perelygina), mas ao brincar com o menino, ela tem uma de suas crises e cai sobre o garotinho, matando-o sufocado. Masha volta do front para se reencontrar com Iya e descobre que ela matou seu filho involuntariamente. Mas Masha não liga muito para a situação e decide que outro filho deve ser feito. O problema é que Masha volta do front com ferimentos e cirurgias que retiraram a sua capacidade de ter filhos. Assim, ela combina com Iya que esta deve engravidar para lhe dar um filho, algo que será muito difícil para a mulher alta fazer.

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Masha, uma muher que também sofreu com a guerra…

É um filme angustiante, onde o grande vilão é a guerra, que traumatizou Iya, que tirou de Masha a capacidade de ter filhos e a transformou na verdade num objeto sexual dos militares, já que a moça na verdade não atuou no front, mas sim na parte de logística, onde teve que entregar seu corpo para sobreviver num meio tão adverso. Masha chega a lançar mão da paixão de um rapaz para obter comida, como ela fazia nos tempos de guerra, mas seus planos de casar com o rapaz por interesse são rechaçados pela família do jovem e por Iya morta de ciúmes. Ou seja, todas essas situações provocadas pela guerra e com efeitos na vida de todos até após do conflito.

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As duas estabelecem um difícil pacto…

Dessa forma, “Uma Mulher Alta” é um grande filme russo que não é nenhuma surpresa sua presença entre os finalistas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar de ser uma história de ficção, ela muito bem poderia ser real, já que mostra como a guerra provocou sequelas profundas na vida das pessoas, podendo se manter até depois do conflito. Vale muito a pena dar uma conferida nesse programa imperdível.  

Batata Movies – Aqueles Que Ficaram. Delicadeza À Toda Prova.

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Cartaz do Filme

Um filmaço da Hungria, que representa seu país na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e está entre os finalistas. “Aqueles Que Ficaram” traz mais uma vez a inesgotável temática da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente das sequelas que o conflito pode deixar nas pessoas de um país. O detalhe é que isso é mostrado para nós com uma delicadeza que beira o idílico, mesmo se o terreno não fosse o mais propício para isso. Para podermos entender melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Um médico que perdeu a famíla na guerra…

A história fala do ginecologista Körner Aladár (interpretado por Károly Hadjuk), que fez o parto de uma menina, Klára (interpretada por Abigél Szõke). Mas a guerra veio, matando os pais de Klára e a família de Körner. Anos depois, Klara vai com sua tutora (que também perdeu o marido na guerra) para o consultório, pois a menina não consegue menstruar. Klára é a típica adolescente chata e menina problema na escola, muito em virtude do trauma de guerra. Mas a menina se afeiçoa a Körner e passa a viver com ele, numa relação um tanto pai e filha. O problema é que, com o fim da guerra, o regime socialista implantado, representado aqui pela direção da escola de Klára, não vê com bom os olhos a relação do médico com a menina, suspeitando de pedofilia. Assim, vemos o dia a dia desse aparentemente estranho casal que precisa superar os preconceitos para poder viver junto.

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Uma adolescente que perdeu os pais na guerra…

O filme, num primeiro momento, incomoda em virtude dos estereótipos que povoam nossas cabeças. Mas, com o transcorrer da exibição, fica claro que não há maldade naquele relacionamento, mas sim pessoas que tiveram suas vidas destroçadas pela guerra buscando uma reconstrução, apoiando-se umas nas outras lançando mão do afeto. Körner perdera toda a família e precisava de uma filha postiça. Klára perdera os pais e precisava de uma figura paterna. À medida que a relação dos dois vai se estreitando, vemos a aparição de ciúmes entre os dois e uma leve insinuação sexual. Mas Körner consegue uma namorada (uma de suas pacientes, que perdeu o marido), até por sugestão de Klára, e esta consegue um namorado, o que esfria o suposto apelo sexual entre Körner e Klára, não sem algum sofrimento embutido nisso. De qualquer forma, o peso do idílico é muito maior no filme e seu desfecho mostra isso, com todos os personagens do filme se encontrando numa janta depois de três anos, escutando a morte de Stalin ao rádio, o que seria um indício de dias melhores. Vemos até um sofrimento final de Körner pela “perda” de Klára para o namorado, mas logo ele se recompõe para retomar o clima suave, delicado e idílico da película, que acaba sendo o grande personagem.

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Um relacionamento idílico, embora com algum apelo sexual…

As atuações foram muito boas. Károly Hadjuk deu uma serenidade ímpar a Körner, o que contribuiu demais para o clima delicado do filme. Já Abigél Szõke foi mais explosiva, até porque interpretava uma adolescente problemática, mas igualmente frágil, que não aceitava a morte dos pais e caía em prantos à menor carência emocional que sentia, sendo muito dependente emocionalmente de Körner, o que afastava o apelo sexual da relação, embora esse apelo, volta e meia, desse sua cara, mesmo que de forma tímida. O único problema é que as cenas do apartamento de Körner eram demasiadamente escuras, o que pareceu a adoção de um clima mais soturno para representar o pós-apocalipse da guerra. Realmente incomodou um pouco, mas nada que tire a pegada delicada e idílica do filme.

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Klára tinha uma forte dependência emocional…

Dessa forma, “Aqueles Que Ficaram” é uma película obrigatória, pois aborda o trauma da guerra, um tema muito pesado, de uma forma muito delicada e afetuosa, embora haja um leve apelo sexual em alguns momentos na relação entre Körner e Klára. Vale muito a pena pela experiência.

Batata Movies – Dois Papas. Sucessão Papal Em Vida.

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Cartaz do Filme

A Netflix faz mais uma das suas e lançou “Dois Papas” nas telonas do cinema e em seu streaming. E, mais uma vez, faz um investimento de peso. O filme é estrelado por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, respectivamente nos papéis do papa Bento XVI e do então Cardeal Jorge Bergoglio, que se tornaria o papa Francisco. Ainda, o filme é dirigido por nosso Fernando Meirelles, sendo indicado para quatro Globos de Ouro (melhor ator de drama para Jonathan Pryce, melhor ator coadjuvante de drama para Antohny Hopkins, melhor roteiro de drama para Anthony McCarten e melhor filme de drama). Já dá para perceber que temos um filmaço aqui e que spoilers serão necessários para compreendermos melhor a película.

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Um papa é empossado…

Inspirado numa história real, o filme começa com o funeral de João Paulo II e a escolha de Bento XVI para papa por votação dos cardeais, o que significou uma vitória da ala conservadora da Igreja contra a ala progressista, da qual Bergoglio faz parte. Passam-se os anos e Bergoglio quer sua aposentadoria e vai ao Vaticano para que Bento XVI assine os papéis. Será o momento em que os dois personagens protagonistas se encontrarão e vai começar um dos diálogos mais deliciosos vistos no cinema nos últimos anos. A coisa inicialmente gira em torno das posições políticas completamente antagônicas dos dois no que tange às visões de mundo da Igreja. Aqui vemos uma certa tensão na conversa, mas não sem ter doses de um humor inteligente e refinado.

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Bergoglio chega pedindo sua aposentadoria…

Com o tempo, os dois se aproximam e têm momentos mais íntimos como na noite em que Bento XVI toca piano para Francisco, ou nas confissões de Francisco para Bento XVI sobre seus posicionamentos políticos do passado, durante a Ditadura Militar, o que estigmatizou Bergoglio como um traidor e homem que negociava com assassinos. Bento XVI sistematicamente nega a aposentadoria de Bergoglio, pois já havia, de antemão, decidido renunciar ao cargo de Santo Padre em virtude dos casos de corrupção de seu assessor mais direto e em virtude dos sérios casos de pedofilia na Igreja Católica, onde ele não tomou uma posição mais firme, fato do qual se envergonha e também confessa a Bergoglio. Ou seja, além de padres, são dois homens que pecaram e erraram, confessando-se um ao outro. Bento XVI esperava que Bergoglio chegasse ao cargo de papa e botasse ordem na casa, apesar das severas divergências entre os dois.

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Muitas conversas ao pé do ouvido…

Esse é o típico filme de atores, que tiveram atuações simplesmente impecáveis. A coisa foi tão genial que, quando víamos imagens dos reais Bento XVI e Francisco juntos, num breve lampejo a gente ainda tinha uma certa dúvida de se víamos Hopkins e Pryce atuando. A impressão que se dá é que esta é uma película mais de Pryce do que de Hopkins, mas seria uma injustiça colocar a excelência de um sobre o outro. Os dois atores pescaram com competência as características de seus personagens reais (Francisco muito mais aberto  espontâneo e Bento XVI mais fechado e rabugento, mas não menos muito interessante) e foi um deleite de interpretação de uma forma tão mágica que o tempo do filme voou.

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O filme humaniza os papas…

O desfecho da película foi grandioso. Francisco ensinando Bento XVI a dançar tango e, algum tempo depois, os dois assistindo juntos a final da Copa do Mundo de 2014 entre Alemanha e Argentina no Maracanã, onde já sabemos o resultado. Meirelles deu aos dois papas características altamente humanas e mundanas para o cargo que ocupam. Vemos os dois contando piadas, tomando vinho e cerveja, provocações e zoações no futebol, etc., o que aproxima as figuras santificadas dos pobres fiéis mortais.

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Fernando Meirelles dirigindo dois atorzaços!!!

Assim, “Dois Papas” é mais um filmaço da Netflix que deve ganhar mais prêmios por aí, dando ao cinema uma nova dimensão para a produção de boas películas. Um programa imperdível, seja na telona (como este escriba o fez), seja na telinha, como recomendo fortemente, se você tem uma dificuldade de acesso ao cinema. A única coisa que não pode acontecer é o caro leitor perder esse grande filme. Vale muito a pena dar uma conferida nesse programa imperdível.

Batata Movies (Especial Festival do Rio 2019) – Son Mother. A Tradição Como Destruidora De Vidas.

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Cartaz do Filme

Mais um importante filme do Festival do Rio 2019. “Son Mother” é uma co-produção Irã/República Tcheca de 2019 dirigida por Mahnaz Mohammadi. Vista como persona non grata pelo governo iraniano, ficando até presa por um período, Mohammadi é contundente com a religiosidade e as tradições iranianas no que tange aos vários problemas e dilemas que ela pode trazer para as pessoas. E isso se manifesta de forma notória em sua filmografia, como podemos ver nesse filme. Já falei em resenhas pregressas de como um certo preconceito burro contra o cinema iraniano tirou essas películas de nossas salas e de como o Festival é uma das poucas oportunidades de termos contato com o cinema iraniano novamente, cinema esse que rendeu dois Oscars de Melhor Filme Estrangeiro em poucos anos e que ainda é visto de forma muito injusta por aqui. Vamos lançar mão dos spoilers.

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Leila e Amir. Separados pela tradição…

O plot é o seguinte. Leila (interpretada por Raha Khodayari) é uma viúva com dois filhos pequenos, um menino e uma menininha. Ela trabalha numa fábrica e é vista com preconceito pelos homens da fábrica, sendo destratada por eles e recebendo severos pitos de seu patrão. Ao mesmo tempo, um dos motoristas de van da fábrica que transporta os empregados, Kazem,  propõe casamento para a mesma, que é pressionada a se casar pelas convenções sociais. O grande problema é o seguinte: o motorista tem uma filha e, se houver o casamento, ela não poderá viver com o filho de Leila, Amir, sob o mesmo teto, por alguns anos, o que vai implicar que Leila precisará colocar o filho em algum lugar por um tempo (até a filha de Kazem se casar). Inicialmente, Leila fica relutante em fazer isso, mas as pressões que essa sociedade altamente patriarcal e machista vão impor à viúva a forçam a aceitar o casamento (Leila será demitida da fábrica). E aí sobrará para o pobre do Amir que vai ser colocado numa escola para surdos-mudos com a documentação irregular e vai ter que fingir ser um deles, num ambiente de educação muito rígida.

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Kazem quer se casar com Leila, mas rígidas convenções complicam as coisas…

A diretora Mahnaz Mohammadi consegue ser muito contundente ao mostrar como a tradição (vista como a grande vilã do filme) consegue destruir a vida das pessoas. Se num primeiro momento Leila sofre demais com os preconceitos e as convenções da tradição no seu ambiente de trabalho, num segundo momento a película se volta para a realidade cruel de Amir, que tinha uma vida normal, atarefado com seus afazeres escolares e em cuidar da irmãzinha pequena para a mãe que passava todo o dia na fábrica. Só que as obrigações da tradição impõem o menino a viver escondido e sob um rígido regime numa escola de surdos-mudos. O menino chega a fugir da escola e vagar pelas ruas sem eira nem beira, como um menor abandonado, sendo ameaçado até por um pedófilo numa das caronas que pegou. Tudo isso para não passar pela “situação imoral” de conviver com a filha de seu enteado debaixo do mesmo teto enquanto ela não casa. É doloroso para Amir e para nós quando, num encontro com Kazem, ele vê a imagem da nova família com a mãe sorridente e sua irmãzinha juntamente com Kazem no celular do motorista, para novamente se desvencilhar e fugir pelo mundo. Sem destino, resta a Amir retornar para a escola de surdos-mudos e, como a mãe não retornou para regularizar a situação dos documentos do filho (até porque ela não tinha acesso a esses documentos), restou a Amir ficar confinado num orfanato, sendo o desfecho do filme com o menino tendo uma visão da mãe chegando para tirá-lo de lá, que se desvanece na realidade do orfanato, que se parece com uma prisão. Mais contundente e agressivo com o espectador impossível, fazendo com que este sinta toda a dor de Amir.

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Amir é obrigado a encarar uma triste realidade…

Assim, “Son Mother” é um importante filme de denúncia de uma situação em que as convenções morais de uma religião aprisionam as pessoas de uma forma implacável e covarde. Um filme para muito se pensar onde Mohammadi não tem papas na língua ao gritar contra as injustiças de seu país.

https://www.youtube.com/watch?v=L2k88BxOgEo

Batata Movies (Especial Festival do Rio 2019) – Deus É Mulher E Seu Nome É Petúnia. A Macedônia Na Idade Média.

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Cartaz do Filme

O Festival do Rio 2019 começou tardiamente em virtude das dificuldades econômicas e o período nefasto que atravessa nosso país. Ainda assim, no melhor sentido da palavra resistência, mesmo um tanto combalido, o festival aconteceu. E um dos filmes em cartaz foi o enigmático “Deus É Mulher e Seu Nome é Petúnia”, que é uma película sobre machismo numa Macedônia de contornos ainda medievais, lançando mão de um forte tom de denúncia. Um filme que tem elementos que chegam às raias do odioso. E um filme totalmente necessário. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Petúnia, uma mulher humilhada…

Vemos aqui a trajetória de Petúnia (interpretada por Zorica Nusheva), uma moça na casa dos trinta anos que trabalhou apenas como garçonete e é formada em História. Ela vive em Stip, uma pequena cidade da Macedônia, e tem uma entrevista de emprego arrumada por uma mãe rigorosa, que a vê com um certo desprezo. A entrevista se revela um desastre total, pois o possível patrão inicialmente insinua um assédio sexual e depois a humilha como mulher e por ser gorda. Revoltada, Petúnia anda pelas ruas e encontra, no rio local, um ritual religioso com o padre ortodoxo lançando uma cruz ao rio gelado onde os homens da cidade irão disputá-la. Quem pegar a cruz terá boa sorte e prosperidade. O problema é que somente homens podem participar do ritual. E Petúnia, numa atitude totalmente inusitada, se joga ao rio e acaba pegando a cruz. Isso irá dar uma confusão de proporções colossais, com a polícia batendo à porta da moça e a levando para a delegacia. Como se trata de uma violação de uma tradição religiosa mas nenhuma lei secular foi desrespeitada, os policiais têm uma verdadeira batata quente nas mãos, precisando resolver o problema, mas não podendo prender Petúnia. A situação se agrava quando os homens que participavam do ritual da cruz tentam invadir a delegacia para agredir Petúnia, numa verdadeira caça às bruxas, sendo alguns deles presos. Petúnia somente consegue o apoio de uma repórter de TV que tenta denunciar a situação medieval pela qual a moça passava.

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Uma mulher num estranho ritual religioso masculino…

Esse é um filme que mostra, de forma contundente, a forma desprezível como a mulher é tratada em sociedades que se apegam a tradições religiosas em alguns rincões da Europa, onde as mesmas são proibidas de participar de rituais exclusivamente masculinos. Ou seja, é mais um caso de filme onde a tradição é vista como vilã, num momento do mundo em que grupos conservadores e de direita tomam cada vez mais frente. E a constatação de como um tema que fala de harmonia e amor como a religião ajudam a potencializar tanto ódio e preconceito em situações específicas.

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Pegando a cruz….

Apesar do tema pesado (o filme é vendido como uma comédia, mas ele pode ser muito tenso em várias passagens), optou-se por um happy end onde Petúnia sai da delegacia com sua cruz pela porta da frente e a devolve, de livre e espontânea vontade, para o padre, o que pareceu soar um pouco falso. De qualquer forma, ainda assim a película serviu como uma reflexão profunda sobre o conservadorismo de um país como a Macedônia, gritado a plenos pulmões pela trama como ainda muito medieval.

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Querelas com o poder religioso…

Dessa forma, “Deus É Mulher e Seu Nome é Petúnia” é mais uma película que é um reflexo dos tempos sombrios que passamos referentes aos avanços dos grupos conservadores pelo mundo e que precisam ser denunciados aos quatro ventos. Uma película um tanto pesada, mas absolutamente necessária.