Batata Movies – Rocketman. Uma Trajetória Explosiva.

Cartaz do Filme

E estreou o tão esperado “Rocketman”, a cinebiografia de Elton John. Seguindo o rastro de sucesso deixado por “Bohemian Rhapsody”, o diretor Dexter Fletcher investe em mais um ícone do Rock, só que de uma forma diferente da vista no filme do Queen. Vamos lançar mão dos spoilers aqui para compreender melhor isso.

Um autodidata ao piano…

Elton John (interpretado em sua fase adulta por Taron Egerton) era um menino extremamente sensível que muito sofria com a frieza do pai e a indiferença da mãe. Desde cedo, mostrou interesse pela música, praticamente sendo autodidata nos primeiros passos com o piano, o que fez a avó (que era a única que mostrava afeto para com ele) estimular a mãe a colocá-lo numas aulas de música. Seria somente o primeiro passo para ele ter uma carreira musical e descobrir sua sexualidade. Como era muito tímido e recebeu o conselho de um músico americano de que ele devia enterrar quem é e se reinventar, começou a usar roupas e óculos muito extravagantes, o que seria a sua marca registrada.

Uma dupla que deu muito certo. Letras de um lado, música de outro…

Ao se apresentar nos Estados Unidos, (o sonho de ouro de todos os músicos ingleses no período), a sua carreira deslancha e ele se torna uma celebridade.  Mas sua natureza muito sensível não estava pronta para encarar todas as pressões e decepções de uma carreira artística de muito sucesso e sua vida se torna uma verdadeira via crucis, regada a muito sofrimento e drogas.

Óculos sempre extravagantes…

É um filme doloroso, onde o músico começa numa reunião dos alcoólicos anônimos e faz uma recordação de sua vida em flashbacks. A sensibilidade muito intensa de Elton John nos faz compadecer dele, mas, ao mesmo tempo, nos indigna um pouco, pois ele não tomava uma atitude mais firme para pôr a sua vida nos trilhos e, dizendo no bom termo popular, dar uma banana para quem o afetava tanto e via nele apenas uma mina de ouro. De qualquer forma, não temos um desfecho infeliz, pois lá podemos ter informações de como o cantor está hoje, com um novo par cujo relacionamento já dura muitos anos, inclusive com filhos. Realmente seria muito melancólico se o desfecho ficasse mais focado no fundo do poço da carreira do artista. Vemos ele, ao final, na clínica de reabilitação, voltando a ter intimidade com a música e o piano.

Não sabendo lidar bem com as pessoas à sua volta…

Agora, uma coisa que deu grande qualidade ao filme foram as deliciosas pitadas de musical. Isso se encaixou muito bem na película, pois o glamour e a produção bem cuidada e cheia de floreios são a cara de Elton John. E foi bom demais ter as músicas de Elton como base para esses números. Ficou com a cara de musicais antigos e não destoou da dramaticidade que o filme exigia, pelo contrário.

Indo bem à vontade nos Alcoólicos Anônimos…

Se em alguns momentos os números musicais expressavam situações bem alegres, em outros os números musicais intensificavam a situação dramática de dor do personagem protagonista, com um detalhe todo especial: era usada a música “Goodbye Yellow Brick Road” nesses momentos tristes, por um acaso a música do Elton preferida deste escriba (foi ela que me estimulou, ainda muito criança, a pedir para os meus pais o meu primeiro vinil). Ela foi a música mais tocada no filme, três vezes no total. Só é pena que músicas como “Nikita” ou “Sacrifice” (essa tocava no carro que vendia goiabada lá perto de casa) não tenham aparecido no filme. Mas, ainda assim, pode-se dizer que houve um apanhado muito bom das músicas de Elton John na película.

Um excelente trabalho de caracterização de Taron Egerton…

Assim, “Rocketman” é um filmaço, um programa obrigatório não somente para os fãs de Elton John mas também para quem gosta de um bom filme. Uma cinebiografia simples, com infância, crescimento artístico, auge, fundo do poço, e a redenção, só que de forma bem intensa devido à sensibilidade do personagem e à interpretação marcante de Taron Egerton, que parece ter incorporado Elton John em todas as suas virtudes e defeitos. As partes de musical do filme deram um toque todo especial, encaixando-se bem no contexto dramático da película e recordando muito os musicais antigos com momentos altamente lúdicos. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.

Batata Movies – Memórias Da Dor. Muito Sofrimento Por Nada.

Cartaz do Filme

Chega por aqui um filme francês que foi o representante de seu país na competição pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro esse ano. “Memórias da Dor” é um filme denso, existencial e muito, mas muito intrigante. Tudo isso tendo como pano de fundo a França ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, só para deixar a coisa mais perturbadora ainda. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

Uma mulher em busca de seu marido…

Qual é o plot? Vemos aqui a história real da escritora Marguerite Duras (interpretada por Mélanie Thierry), uma famosa escritora que teve o seu marido aprisionado pelos nazistas. Marguerite vai se desdobrar para buscar o paradeiro do seu amado e, simultaneamente, participar do movimento de Resistência. Para que ela consiga informações do esposo preso, vai se envolver com um agente da Gestapo, apaixonado por ela e por seus textos, num jogo de gato e rato com tons de periculosidade, mas que era bem controlado por Marguerite, que usava o agente alemão à sua vontade, um agente que podia ser muito perigoso mas que, com o tempo, perde sua força e importância, à medida que os aliados avançam contra os nazistas na guerra.

Flertando com um agente da Gestapo…

Esse avanço, entretanto, pode ter uma consequência bem grave: os nazistas podem se desfazer de seus prisioneiros, simplesmente os executando. Assim, Marguerite tem a situação paradoxal de ver o avanço aliado não como uma solução para o seu problema, mas sim como podendo motivar um desfecho muito trágico. E ela corre contra o tempo, geralmente com uma visão pessimista do futuro próximo.

Envolvimento com colegas de Resistência…

É um filme que ronda o existencial com um ar um tanto blasé. Marguerite tinha uma característica dúbia: ao mesmo tempo em que ela se empenhava em salvar o marido, ela não tinha uma crença de que conseguiria ter seu amado de volta vivo e se conformava com isso. Tal situação deixou a película extremamente arrastada e difícil de se ver. Nem o seu semblante altamente esgotado e cansado (que produziu um efeito notável) foi suficiente para reverter um grau relativamente enfadonho do filme. Mas antes fosse somente isso. O grande problema foi ao final. Marguerite consegue o que queria, salva o marido, altamente debilitado por ter passado uma temporada no campo de concentração e… se separa dele, decidindo ficar com outro homem.

Mesmo pessimista, Marguerite continua a lutar…

Ou seja, você olha para aquilo tudo e se pergunta por que ficou duas horas dentro de uma sala escura vendo um filme de ritmo altamente lento. Pelo menos a película serviu, e bem, para se ter uma noção de como era o cotidiano da França ocupada, quando cidadãos eram obrigados a se relacionar com funcionários públicos estrangeiros, num certo clima de tensão. Alemães civis também faziam parte do dia a dia e o relacionamento entre franceses e alemães parecia muito distante e frio, pelo menos nessa película existencial e blasé ao extremo.

A verdadeira Marguerite Duras. Bom trabalho de caracterização…

Assim, devo confessar que “Memórias da Dor” não agradou muito, pois o trailer parecia vender outra coisa. Um filme onde há uma causa a ser defendida com unhas e dentes não pode parecer tão monótono ou derrotista assim. E aí, surge aquela dúvida: o filme é baseado numa história real. Será que optou-se por menos elementos fantasiosos que deixariam a história mais interessante? Será que o choque de realidade foi exacerbado aqui e, nesse caso, a realidade foi bem menos interessante que nosso imaginário? Parece ter sido exatamente isso que aconteceu. Mas, mesmo assim, um pouco mais de vibração poderia ter sido inserida.

Batata Movies – Os Invisíveis. Sentindo O Vento Quente Das Narinas Do Demônio.

Cartaz do Filme

Certa vez, numa de minhas aulas de alemão, quando os tempos eram melhores e éramos muito mais felizes, minha professora lançou uma questão: qual era o melhor lugar para os judeus se esconderem dos nazistas? Depois de alguns momentos de silêncio na sala, ela deu a resposta: em Berlim, é claro! Anos depois, a gente se depara com um filme que conta exatamente essa história. “Os Invisíveis” tem como escopo principal mostrar como os judeus driblaram as deportações para os campos de concentração da Europa Oriental e viveram ilegalmente dentro da Alemanha, passando por todo tipo de sufoco que podemos imaginar.

Famílias sendo separadas…

Veremos aqui a história de quatro jovens que farão de tudo para escapar das garras do nazismo. Podemos dizer que esse filme é uma espécie de “docudrama”, pois vemos os relatos dos verdadeiros judeus que passaram por toda essa situação de ficarem invisíveis aos nazistas nas barbas deles e esses relatos eram dramatizados ao bom estilo de um filme de enredo. O mais notável é que tivemos as mais variadas situações. Houve o caso de um rapaz que escapou do campo de concentração, algo que não aconteceu com os seus pais, e ele ainda prestou uma espécie de resistência à ocupação, pois ele falsificava documentos (passes) que salvaram a vida de alguns judeus na mesma condição que ele.

Vivendo na clandestinidade…

Houve, também, um caso de uma moça que precisou sair de seu esconderijo e ficou vagando pelas ruas, sem ter um abrigo, sendo que ela somente conseguiu algum lugar para ficar depois de frequentar um cinema e conhecer o filho da senhora da bilheteria, que iria para a guerra e precisava procurar uma companhia para a mãe. Houve, ainda, o caso das moças que faziam tarefas domésticas na casa de um oficial nazista, que sabia da condição das duas de judias escondidas, mas não as denunciou. E o caso do rapaz que ficou de casa em casa até poder tomar parte num movimento de resistência que queria denunciar a situação desfavorável da Alemanha na guerra mais ao seu término.

O problema de ser confundido com os nazistas…

Como se não bastasse ter que fugir dos nazistas em seu próprio país, os invisíveis ainda tinham que driblar os bombardeios e a sede de vingança dos soldados soviéticos que sofreram duras perdas em seu território por culpa dos nazistas e, agora em território alemão, queriam matar todos os alemães que vissem pela frente. Até os judeus convencerem os soviéticos de que não eram nazistas, já que as notícias sobre a deportação de judeus confirmavam que não havia mais qualquer judeu em Berlim, demorou bastante, sendo mais outra situação de tensão nesse ambiente inusitado e perigoso que é viver sob o nazismo e a guerra.

O medo de ser reconhecido…

O filme, entretanto, traz uma mensagem muito importante. Mesmo a Alemanha estando sob o nazismo, isso não significava que todos alemães fossem nazistas e tivessem um péssimo caráter. Ou seja, a velha e batida história de que não podemos generalizar e às vezes teimamos em não aprender. É de suma importância que lembremos que havia alemães opositores ao regime nazista e lutaram contra isso escondendo judeus e dando até a vida por isso. Definitivamente, não podemos nos esquecer dessas pessoas. E “Os Invisíveis” traz muito bem essa recordação à tona, sendo, portanto, um filme imprescindível.

Servindo os demônios do apocalipse…

Dessa forma, “Os Invisíveis” merece uma conferida, pois os depoimentos dos sobreviventes judeus à guerra e aos agentes da Gestapo dão um tom de legitimidade muito grande às dramatizações vistas na telona. É um filme que lembra da atitude heroica de alguns alemães que lutaram contra o autoritarismo em seu próprio país e salvaram vidas, com alguns alemães perdendo suas vidas por isso. Um filme fundamental e obrigatório por excelência cinematográfica, pelo seu tom de denúncia nos tempos altamente sombrios que vivemos e um filme para não esquecermos de verdadeiros heróis ocultos pela negligência com o passado. Programa imperdível, valendo a pena procurar nos canais especializados ou em DVD. 

Batata Movies – X Men Fênix Negra. Sinistro, Carregando Nas Tintas.

Cartaz do Filme

E estreou o novo X-Men, Tem sido há muito ventilado nas redes sociais de que esse filme seria ruim, já era um fracasso antes mesmo de sua exibição, etc., etc. Eu, como fã do Universo dos mutantes e, ainda mais, fã, daquilo que é chamado de “Primeira Classe’, ou seja, uma geração mais prequel da coisa, preferi esperar pela película em si e não embarcar nessa maré de pessimismo. Veio o filme e fui conferi-lo no cinema. Vamos precisar, mais uma vez, dos spoilers.

De dar medo…

E o que foi que eu vi? Uma coisa bem diferente do que a gente tem visto ultimamente. Esse é um X-Men com um sabor muito sombrio, o que foi a grande virtude da película. Mas talvez, também, o seu grande defeito, já que o diretor Simon Kinberg parece ter errado na mão nesse clima tão sinistro. Digo, desde já, que não conheço muito de quadrinhos e posso ser injusto aqui, mas houve coisas que incomodam no filme, e muito. Se a coisa era tirar o espectador da zona de conforto, a história do filme foi digna de um golpe de mestre. Mas foi impossível não torcer o nariz para algumas coisas.

Uma mulher atormentada…

Bom, o plot é o seguinte: os X-Men precisam salvar um ônibus espacial que está em pane no espaço, depois que uma explosão solar (a cerca de cento e cinquenta milhões de quilômetros do Sol, essa foi difícil de engolir), ameaçava a nave. Mas não era explosão solar coisa nenhuma e sim uma fonte estúpida de energia alienígena. No resgate dos astronautas, Jean Grey (interpretada por Sophie Turner) é atingida por tal massa de energia e começa a ter comportamentos agressivos, usando o seu poder descomunal (qualquer iniciado em X-Men sabe do poder da Fênix) de uma forma muito descontrolada.

Xavier na berlinda…

Esse poder teria destruído o planeta de uma espécie alienígena que quer controlá-lo e a Fênix era a sua melhor chance até agora para isso. Só não se entende por que essa é uma espécie tão agressiva sem motivos aparentes. Capitaneada por Vuk (interpretada por uma pálida e esquálida Jessica Chastain), tal espécie fará de tudo para controlar a Fênix que, tomada pelo poder e muito atormentada por vozes e visões, tem uma postura altamente agressiva que provoca muita destruição.

Mística. Fim fútil…

Não sei até que ponto essa origem de todo esse poder e malignidade da Fênix numa fonte alienígena tem base nas histórias originais dos quadrinhos. De qualquer forma, soou diferente da Fênix Negra que vimos na outra geração dos X-Men, o que pode ser considerado uma virtude. Entretanto, a história traz coisas um tanto perturbadoras. A morte de Mística, por exemplo, feita de uma forma tão fútil. A mesma Mística que discordava dos métodos empregados por Xavier para tornar os mutantes mais aceitáveis para o grande público, levando-os a missões extremamente perigosas, tal como se fosse uma realização pessoal de Xavier que mal se arriscava. Essa vertente sombria da história criminaliza Xavier fortemente, justamente o líder do grupo, que sofre um desgaste exagerado e muito perturbador, culminando com sua aposentadoria da escola. Ou seja, um desfecho demasiadamente melancólico para um personagem tão importante. Mas as perturbações não param por aí.

Cadê o Mercúrio???

Foi muito desconfortável ver Fera e Magneto se unirem em sede de vingança para matar Jean Grey, pois ela foi a responsável pela morte de Mística, mulher cobiçada pelos dois varões. Tal atitude pode até ser esperada de Magneto, que vive em sede de vingança, mas nunca de Fera que, me perdoem o trocadilho, foi demasiadamente “bestializado” no filme, e no mal sentido da palavra. O que era esperado mesmo aqui foi justamente a morte de Jean Grey em seu desfecho, se bem que creio que poderia se ter arriscado uma saída em que ela sobrevivesse. Outro detalhe negativo que chama a atenção foi o total desaparecimento de Mercúrio depois de um certo tempo de exibição. A sua ausência foi muito sentida na sequência final do trem, por exemplo.

Uma Fera bestializada…

Duas virtudes do filme são resumidas em dois nomes: Chastain e Fassbender. A primeira foi uma excelente aquisição. Chastain em seu cabelo louríssimo e sua pele totalmente alva estava fantasmagórica e a maldade de seu personagem pairava sobre a película com tons de alma para lá de penada, sendo uma boa vilã.

Fassbender sensacional como sempre…

E Fassbender, bom esse é hors concours. Seu Magneto é mais ressentimento que ódio, numa mágoa afundada em melancolia que é capaz de gestos nobres, como na sequência final em que convida Charles para uma partida de xadrez num Café de Paris depois da aposentadoria do professor. Eu sou muito suspeito para falar da amizade dos dois, que é uma coisa que eu amo de paixão e o que mais gosto em X-Men. Mas creio que esse derradeiro final ajudou um pouco a esquecer os problemas e inquietações do filme.

Uma Chastain fantasmagórica…

Chegando ao final dessas linhas, fica ainda a dúvida derradeira: “Fênix Negra” é um bom filme? Posso dizer que gostei do clima sombrio, mas lamentei demais a forma como se carregou nas tintas nesse clima, pois apareceram situações muito perturbadoras, como os comportamentos do Fera e do Xavier. Pelo menos Fassbender foi o Magneto de sempre e Chastain trouxe um charme especial a uma espécie alienígena de comportamento inverossímil. Recomendo, apesar dos pesares.

Batata Movies – O Paciente – O Caso Tancredo Neves. Sucessão De Erros Médicos.

Cartaz do Filme

Mais um bom filme brasileiro. “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, do consagrado diretor Sérgio Rezende, já diz ao que vem no título com muita clareza. Ou seja, o filme analisa os últimos dias de Tancredo Neves, o político que conseguiu construir uma complicada aliança política que garantiu a transição da ditadura militar para a democracia no ano de 1985. Eleito presidente pelo colégio eleitoral, Tancredo seria o homem que conduziria o país na chamada “Nova República”.

Um presidente às vésperas da posse…

Mas o país foi assombrado, no dia 14 de março de 1985 (véspera da posse de Tancredo) pela notícia da internação do futuro presidente e sua cirurgia às pressas. Daí, foram mais de trinta dias de angústias e informações desencontradas que culminaram com a morte de Tancredo e um clima de comoção nacional, temperada com um desgosto enorme por ver um antigo apoiador do regime autoritário assumir a presidência, dando a impressão de que nada havia mudado.

Mas há algo errado…

Mas, e o filme? Tivemos Othon Bastos como Tancredo Neves e Esther Góes como Dona Risoleta, ambos em atuações brilhantes. Se Bastos aparece mais ao início do filme, tendo, pouco a pouco, menos chances de atuar, à medida que o quadro de saúde de seu personagem se agravava, com Esther Góes foi justamente o contrário, que se sobressaía à medida que Tancredo piorava. Nessa via de mão dupla, Bastos e Góes se encontravam atuando conjuntamente com uma forte química, sendo um deleite para o público ver o trabalho dos dois.

No hospital, com uma equipe médica que não se entendia…

Agora, o que definitivamente chama mais a atenção no filme, foi toda a via crucis que Tancredo passou em virtude de uma sucessão de erros médicos dignos daqueles que atacam o povão na fila do SUS. Tivemos ali uma infeliz combinação de uma doença se manifestando na hora errada com todo um clima de nervosismo dos médicos que operavam e tratavam do futuro presidente, que se sentiam com uma real batata quente nas mãos. Aliado a isso, uma violenta fogueira de vaidades, onde alguns médicos atuavam como verdadeiras estrelas midiáticas, assumindo para si a função de dar para a mídia informações sobre o estado de saúde de Tancredo, simplesmente atropelando o porta-voz oficial do futuro governo, o jornalista Antônio Brito, que era antes disso um conhecido comentarista político da Globo. O filme mapeia com grande desenvoltura todo esse processo do tratamento do presidente, que foi um jogo de muito mais do que sete erros.

Ótima química entre Othon Bastos e Esther Góes…

Uma coisa incomoda um pouco. Um certo fim abrupto da película, que termina numa espécie de devaneio final de Tancredo com a rampa do Palácio do Planalto engalanada pelas duas fileiras de Dragões da Independência. Seguido a isso, muitas imagens de arquivo do cortejo fúnebre de Tancredo, com a inesquecível “Coração de Estudante” de Milton Nascimento ao fundo. Confesso que bate realmente uma emoção ao rever tudo aquilo, pois quem vivenciou a época se lembra de como foi doloroso todo aquele processo, ainda mais com a falta de consciência, no contexto da época, de minha parte, de todas as articulações políticas que Tancredo fez para conseguir a transição democrática. Todo o momento meio que foi construído pela mídia no intuito de se transformar Tancredo num verdadeiro herói nacional. E aí, a comoção foi inevitável. O único problema é que tudo isso veio de uma forma muito rápida, dando ao filme um desfecho logo em seguida. Parece que faltou algo ali no meio. Ou talvez não se tivesse mais nada a dizer.

A reprodução de uma famosa foto, disfarçando uma situação escabrosa. Fake news desde 1985…

Assim “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, mesmo que tenha tido um desfecho abrupto, ainda assim é um filme de suma importância, tanto pelas boas atuações de Othon Bastos e Esther Góes, quanto principalmente pela abertura da caixa preta que foi a forma como o presidente foi cuidado pela equipe médica, quando o desencontro de informações da época era muito pouco reconfortante. A impressão que se dava é que toda a sonegação de informações era típica daqueles anos de censura e era algo muito normal naquele contexto, uma coisa que assusta hoje em dia, mesmo com o mar de fake news que presenciamos. Vale a pena dar uma conferida nos DVDS da vida ou nos canais especializados.

Batata Movies – Missão 115. Como O Estado Ameaça A Democracia Pelo Terrorismo.

Cartaz do Filme

Um excelente documentário brasileiro. “Missão 115” fala de um dos períodos negros da ditadura militar do Brasil: os atentados terroristas a grupos que pediam a volta da democracia depois das promessas de distensão lenta e gradual de Geisel e da volta a democracia de Figueiredo. Dirigido por Silvio Da-Rin, o documentário tem uma postura altamente corajosa de questionar com volúpia as ações dos militares naquela época de atentados à bomba que matavam ou desfiguravam pessoas como o que aconteceu na sede da OAB. Toda uma atenção especial é dada ao caso do Riocentro de 1981 (a tal “Missão 115” é a do Riocentro), onde tudo já estava bem arquitetado desde o início, não fosse por um pequeno detalhe na hora de se armar os explosivos que acabou provocando a detonação dos mesmos dentro do famoso Puma prateado evitando uma tragédia que, provavelmente, seria de consequências terríveis. O documentário deixa muito claro que o atentado mal sucedido ao Riocentro desmoraliza o regime militar de vez, e a tão sonhada distensão lenta e gradual acaba se abreviando. Figueiredo, segundo o documentário, não poderia ter sido uma escolha pior para suceder Geisel, pois o último presidente militar pertencia ao SNI e à linha dura de extrema direita dos militares, justamente o grupo que praticava os atentados, deixando o presidente numa baita de uma saia justa.

O famoso Puma prateado…

Mas o documentário não para por aí. Ele faz um excelente esforço de reflexão ao questionar a lei de anistia, que ficou mais como uma impunidade generalizada do que uma reparação dos crimes da ditadura. E, ainda, analisa de forma magistral como o ranço autoritário gerado nos anos de repressão pode ter influenciado o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Ou seja, o documentário até elenca um tema principal – o caso Riocentro – mas não fica somente num recorte de tempo muito estrito. Ao se alongar mais no decorrer dos anos, o filme opta por analisar a situação mais como um processo que se perpetua no tempo (ou seja, o autoritarismo latente que sobrevive em práticas de impunidade), mais ou menos num contexto de média duração. A maior prova da perpetuação desse ranço autoritário foi a forma como a Comissão Nacional da Verdade é tratada no filme, tal com se fosse um fantoche altamente manipulável somente para inglês ver e para se dar alguma satisfação para as dores que os humilhados pelas torturas passaram. Uma colaboração pífia das Forças Armadas, uma Comissão que mal tinha tempo hábil para investigações e resultados que já eram do conhecimento da maioria geral. E isso porque o Brasil havia tomado um puxão de orelha da OEA para investigar e punir os crimes da ditadura.

Depoimentos reveladores…

A estrutura do documentário é daquelas bem tradicionais, com uma narração mais pautada em falas de atores sociais daquele momento, testemunhas e pesquisadores especializados. Dentre os pesquisadores, podemos citar a presença dos historiadores Daniel Aarão Reis (UFF), Carlos Fico e Francisco Carlos Teixeira (ambos da UFRJ). Mas também podemos citar o importante depoimento de Cláudio Guerra, ex-militar envolvido nas operações de eliminação dos grupos guerrilheiros da época da ditadura. Alem dos depoimentos, temos, também, uma quantidade muito boa de imagens de arquivo que ilustram bem todo o contexto abordado. Ou seja, e trocando em miúdos: é o tipo de documentário que prende a nossa atenção do início ao fim

O diretor Silvio Da-Rin

Assim, “Missão 115” é um daqueles filmes fundamentais que não podemos deixar escapar de nossa carreira de cinéfilo. É um filme que busca explicar, de forma muito didática, como foram esses períodos negros do passado e qual é a conexão dessa época com o futuro nebuloso que paira sobre nossas cabeças; o cheiro de autoritarismo infelizmente tem andado muito forte por aí e dias sombrios parecem pairar no ar. “Missão 115” nos ajuda a refletir sobre todo esse contexto. Imperdível.

Batata Movies – Onde Está Você, João Gilberto? Só Se Leva Dessa Vida A Vida Que Se Leva.

Cartaz do Filme

Um documentário em co-produção Suíça/Alemanha/França abordou um tema 100% brasileiro: a Bossa Nova e João Gilberto. Há algum tempo, foi noticiado no jornal a situação calamitosa em que o músico se encontrava. Recluso em seu apartamento há décadas, cheio de dívidas por não cumprir seus contratos, o cantor chegou a ser interditado na justiça pela própria filha, para resolver as questões de ordem financeira. Até a porta da casa do artista chegou a ser arrombada, algo extremamente lamentável, mesmo que tenha alguma justificativa. Pois bem, eis que, num belo dia, eu me deparo com o trailer de “Onde Está Você, João Gilberto?” no cinema, realizado pelo alemão Georges Gachot, que aborda a reclusão do artista.

O alvo…

E aí, logo pensei: “esse documentário tem tudo a ver com o que se tem sido noticiado outro dia sobre João Gilberto, e com a vantagem de se ter um olhar estrangeiro sobre a questão”, sendo esse argumento o que fez com que eu me interessasse por esse filme. Eu acreditava que o documentário ajudaria a compreender melhor a alta situação caótica pela qual o artista passa hoje. E qual é a impressão dessa película? Inicialmente, o filme, em parte, nos ajuda a entender um pouco o que aconteceu com o cantor, mas não muito. Há a proposta de se seguir os passos do pesquisador alemão Marc Fisher, que escreveu um livro sobre João Gilberto e tentou, sem sucesso, entrar em contato com o cantor aqui no Brasil.

Uma busca infrutífera…

Quatro meses depois dessa tentativa, Fischer se suicida. Gachot, então, com o espólio intelectual de Fischer, tenta uma nova investida para encontrar o cantor, também sem sucesso. E aí, a figura enigmática do cantor é substituída por entrevistas com nomes consagrados da Bossa Nova, tais como João Donato, Miúcha, Marcos Valle e Roberto Menescal. Obviamente que o assunto das entrevistas era Gilberto, mas esse rosário de artistas da Bossa Nova se tornou bem mais interessante, pois eles tinham vontade de falar com o documentarista. A coisa se processa de uma forma que o cantor acaba até meio que virando um pano de fundo, um suporte para se falar da Bossa Nova, com outros artistas aparecendo de forma muito mais vívida. É claro que João Gilberto sempre é o assunto principal. Só que seu autoisolamento faz com que as pessoas que falam sobre ele se tornem personagens bem mais interessantes.

Marcos Valle…

O desfecho do documentário, por sua vez, é melancólico. Ridículo, até. Numa última cartada para chegar perto do artista com pecha de mito, Gachot tenta se aproximar do empresário de Gilberto, que se revela uma pessoa com uma lábia um tanto enrolada, que inicialmente acorda uma coisa, mas depois reluta em cumprir. E aí, combina-se que Gilberto ficará num quarto do Copacabana Palace e cantará, enquanto que Gachot ficará do lado de fora para escutar a música. Mas aí fica a grande dúvida: Gilberto estaria lá mesmo? Ou o empresário colocou um baita de um CD e tocou um playback? Gilberto sairia mesmo de seu apartamento onde ficou confinado por praticamente trinta anos ininterruptos para tocar atrás da porta de um quarto do Copacabana Palace? Difícil de acreditar.

… e Miúcha, muito mais interessantes…

Sendo Gilberto ou não atrás da porta, uma frase me vem a cabeça e está aí em cima, no título do artigo: “Só se leva dessa vida a vida que se leva”, ou seja, a gente colhe aquilo que planta. E me parece que Gilberto não semeou as sementes certas, dada a situação melancólica em que ele se encontra. Pelo menos, se seus atos tivessem consequência somente sobre si, a gente ainda poderia apenas lamentar.

Uma conversa com o empresário e seus vistosos óculos vermelhos…

O problema é que ele arrasta fãs seus para essa mesma torrente de melancolia. E aí a coisa não fica muito legal, pois ele frustra outras pessoas com seu comportamento, o que é ainda mais lamentável. Confesso que dá uma certa pena de Gachot e Fisher de ficar correndo atrás de um cara que é tratado como um mito, mas se comporta como um fantasma. E, como brasileiro, rola até um certo constrangimento. Enfim…

Georges Gachot. Esse tem um lugar garantido no Céu…

Assim, “Onde Está Você, João Gilberto” vale mais pelos entrevistados e pelos “causos” sobre o cantor do que sobre o próprio artista em si. De se louvar é a posição de investigador de Gachot e Fisher que fizeram uma meticulosa busca para poderem chegar ao seu ídolo. Infelizmente, eles não obtiveram êxito em sua busca. Vale a pena assistir, apesar de um certo sentimento de constrangimento.

Batata Movies – Minha Obra Prima. As Ironias Da Arte Como Estratégia De Sobrevivência.

Cartaz do Filme

Um bom filme argentino em co-produção com a Espanha. “Minha Obra Prima” traz um bom dueto de atores: Guillermo Francella e Luis Brandoni. Pode-se dizer que o filme tem uma comédia um tanto ácida, embora ele possa se aproximar também de momentos de drama mais profundo. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

Um galerista com um problema…

A trama se passa em Buenos Aires, onde o galerista Arturo Silva (interpretado por Francella) tem uma relação muito conturbada com o artista plástico Renzo Nervi (interpretado por Brandoni). Na década de 80, a sociedade entre os dois era muito próspera, com Nervi vendendo como nunca. Mas nos dias atuais ninguém mais compra suas obras e Nervi, com sua natureza excêntrica, acaba melando todas as tentativas de Silva de reerguer a carreira do artista, o que leva a muitos momentos engraçados do filme.

Ele tem um amigo artista…

Só que chega uma hora em que Silva não aguenta mais as sucessões de bolas fora do amigo e finalmente o abandona. Nervi será atropelado na rua e perderá a memória, o que fará com que Silva se reaproxime para tentar restaurar as lembranças do amigo. Apesar dos dois se aproximarem novamente, os problemas financeiros continuam e é aí que Silva tem uma ideia. Ele vai tirar Nervi do hospital, dá-lo como morto, o que vai alavancar o valor das obras deste no mercado e seu acervo de duzentas obras, mais o que Nervi produzirá escondido começará finalmente a ser vendido por um grande valor. Só que a mutreta dos dois estará ameaçada. Paremos com os spoilers por aqui.

… que não bate muito bem…

É um filme de atores, sobretudo. Francella sempre foi muito talentoso e mais uma vez prova isso aqui. Foi muito engraçado ver seu personagem pisando em ovos, indo desde uma educação e refinamento com seus clientes passando ao outro extremo de uma relação mais rude e mal-educada com seu amigo pintor de longa data. Mas esse é, definitivamente, um filme de Luis Brondoni. A forma como ele trabalhou seu personagem Renzo Nervi foi simplesmente estupenda, sendo o artista excêntrico, egocêntrico e altamente mal-humorado cujas atitudes extremas conseguiam despertar boas risadas.

Eles têm um plano…

E, depois do acidente, temos um Nervi bem mais calmo (me perdoem o trocadilho infame) e doce, tornando-se a amizade ideal de Silva, tal como se o acidente fosse um prêmio para o galerista que recebe um amigo mais afetuoso depois de anos aturando um mala sem alça. Agora, cá para nós, Silva e Nervi atuaram como dois bons trambiqueiros  e isso os colocaram numa tremenda saia justa que poderia melar de vez a simpatia dos dois por parte do público. Só que o par de amigos foi salvo pelo gongo da Lei de Murphy, onde tudo tem tendência de dar errado ao quadrado. A verdade é uma só: por mais falta de caratismo do par de protagonistas, é impossível não torcer por eles dada a natureza cativante da dupla, que teve uma química perfeita.

… para levar a vida numa boa. Mas…

Assim, “Minha Obra Prima” é um filme que traz de volta o melhor do cinema argentino (confesso que tenho visto as produções portenhas como mais medianas ultimamente), usando sempre o talento de atores para lá de consagrados como Francella e Brandoni (isso mesmo, o cinema argentino não é só sua figura máxima Ricardo Darín). É o típico filme que vale pagar o ingresso para se deleitar com o talento dos atores. Vale muito a pena dar uma conferida.