Mais uma franquia. “Millennium, A Garota Na Teia De Aranha”, traz Claire Foy (que trabalhou em “O Primeiro Homem”), dando sequência à sua personagem Lisbeth Salander, que tem como diversão principal tripudiar, e muito, de homens que maltratem mulheres. Só que, dessa vez, a moça precisa tirar de mãos erradas (leia-se Estados Unidos), um software que aciona ogivas nucleares, que acabam parando em mãos mais erradas ainda. Sanders será contratada pelo próprio cientista que desenvolveu o software para que se possa dar um fim no perigoso programa de computador cobiçado por muita gente. Para piorar toda a situação, a máfia russa (que são as tais mãos mais erradas ainda) tem em seus membros sua irmã, a única mulher que Lisbeth não salvou dos abusos que ela sofria do próprio pai, o que vai rolar uma mágoa complicada entre as duas.
Lisbeth Sanders. Grande presença…
Para quem gosta de ver machistas e misóginos entrando na porrada, o filme acaba sendo uma decepção total. O trailer meio que vende a ideia de que Lisbeth sairá defendendo mulheres indefesas. Mas infelizmente, esse não foi o caso. Assim, o filme recai numa compilação de cenas de ação que já estamos carecas de ver por aí e fica uma coisa meio enfadonha, embora a gente nunca deva esquecer de mencionar que Foy sempre aparece notável nesses filmes.
Uma porradinha no misógino, mas fica por aí…
O filme até tem uma trama de espionagem que cativa um pouco e, talvez, seja a grande atração do filme, com alguns plot twists, o que não deixa a coisa ficar apenas pautada na ação e no tiro, porrada e bomba. Mas, mesmo assim, o filme infelizmente não empolga muito não, o que é uma grande pena.
Uma irmã como inimiga…
Dessa forma, “Millennium, A Garota Na Teia De Aranha”, infelizmente é um filme de ação banal, que a gente consome e descarta logo depois. Uma forma de entretenimento puro e simples que não apresenta nada de extraordinário que deixe essa película para a posteridade. Tiroteios, explosões, perseguições de carros, pancadarias, uma fórmula já batida. É até chato a gente constatar isso, pois a história e a personagem têm potencial para mais do que vimos na telona. Um filme para apenas rodar as engrenagens da indústria cinematográfica, fazer dinheiro e ficar depois esquecido numa promoção de DVDs nas lojas.
Um excelente “meio” documentário em co-produção Argentina/Brasil. “Moacir, O Santista Que Conquistou Os Argentinos” parece até um título sobre um jogador de futebol brasileiro que vai fazer carreira na Argentina, não? Foi essa a impressão que eu tive ao ler o título e não procurar a sinopse. Entretanto, a história de nosso santista é muito diferente.
Uma figura surpreendente…
Moacir dos Santos vivia na sua cidade, Santos, e chegou a lavar o carro de, ninguém mais, ninguém menos que Pelé. Depois que sua mãe faleceu, nos anos 80, Moacir pega um ônibus e vai tentar a vida em Buenos Aires. Lá, se sustenta como lavador de carros, mas acaba internado num hospital psiquiátrico. Ele será descoberto pelo cineasta Tomás Lipgot, que faz dois filmes sobre sua vida. Por ser uma figura muito peculiar, que gosta de cantar antigos sambas, e de ter um carisma que vai às alturas, Moacir se torna uma espécie de celebridade na Argentina (embora nunca tenha sido ouvido falar por aqui) e Lipgot faz dois filmes sobre ele.
Moacir quer fazer um filme…
A presente película já é uma terceira produção sobre Moacir, que mostra a vida dele depois que consegue ter alta do manicômio e embarca na aventura de se fazer um filme onde ele é o ator principal. O resultado da película é uma espécie de making of desse suposto filme, onde podemos conhecer mais de perto a natureza singular de Moacir.
Criando o personagem…
Ele fala de suas músicas prediletas, sejam brasileiras, sejam argentinas, canta muitas delas, expõe toda a sua sexualidade, vontade de atuar, enquanto que o filme vai sendo gravado, numa mistura de documentário e ficção. O resultado de toda essa salada é surpreendente e o filme tem uma espécie de desfecho apoteótico bi-nacional, se é que vocês podem me entender. Só vendo o filme mesmo.
O homem é um show man!!!
Esse é um filme, acima de tudo, humano. A figura de Moacir é uma prova de que, dentre aqueles que a sociedade descarta, e relega ao ostracismo ou à loucura, há preciosas joias que precisam ser resgatadas. Aliás, Moacir é a prova cabal de que todo ser humano é uma joia e não se pode ficar confinado à segundo plano.
Momentos tristes, mas alguns não conseguem esconder o riso…
Numa sociedade mais humana e solidária, todos devem ter igual atenção, respeito e consideração. E, quando Moacir é resgatado e ele se mostra em toda a sua virtude e autenticidade, ele consegue transformar a vida das pessoas que o cercam, além de irradiar seu espírito, otimismo e amor pela vida para as pessoas que assistem ao filme.
O desfecho é uma verdadeira apoteose…
Só é de se lamentar que eu tenha sido a única pessoa na sala de cinema a testemunhar a força criativa de Moacir e do filme. Isso mesmo, caro leitor, se eu não tivesse ido prestigiar o filme, o público teria sido zero. É realmente uma pena mais pessoas não terem tido a oportunidade de ter conhecido essa figura ímpar. É por essas e por outras que a gente escreve aqui para ajudar um pouco o leitor de ter um pouco mais de atenção com tais filmes.
Conversando com o diretor Tomás Lipgot
Assim, não deixe de conhecer Moacir, pois você não vai se arrepender. E se você quer conhecer os outros dois filmes de Moacir, “Moacir” e “Fortalezas”, vá ao site da produtora Duermevela, clique em films e role a página para baixo até em Sala de Proyécíon. Para acessar o site, é só clicar aqui.
Um
filme italiano intrigante. “O Caravaggio Roubado” parece fazer um jogo de gato
e rato com o espectador com a intenção de dar um nó na cabeça de quem assiste. Até
onde o que vemos está no campo da realidade ou da ficção? A gente se pergunta
muito sobre isso, principalmente quando vemos os créditos finais. Vamos usar
spoilers aqui.
Uma secretária e um policial numa trama bem complexa…
Vemos
aqui a história de Valeria (interpretada por Micaela Ramazzotti), uma
secretária que desempenha a função de ghost writer para um roteirista,
Alessandro Pes (interpretado por Alessandro Gassman) numa produtora de cinema. Ela
busca histórias interessantes por aí e acaba encontrando um misterioso policial
que lhe fornece a história de um Caravaggio roubado pela máfia italiana em
1969. A moça, então, escreve um roteiro que fica sob a autoria de Pes. É claro
que os mafiosos não gostaram disso e acabaram sequestrando Pes, o torturaram e
o espancaram. Valeria, então, irá se envolver numa trama onde o seu contato
policial está envolvido, assim como os mafiosos e até pessoas do alto escalão do
governo italiano.
Um Caravaggio roubado…
É um filme um pouco complicado de assistir. Existem muitas tramas intrincadas e confesso que me perdi um pouco nelas. Entretanto, o filme acaba entregando um desfecho meio que em aberto, mas compreensível. E o mais intrigante está nesse desfecho. Fica parecendo que a história é real. Ou baseada em fatos reais. E aí, fica a pergunta: até onde o roteiro dessa película causou ou não indignação na máfia de verdade? Será que houve algum tipo de agressão ou pelo menos ameaça aos roteiristas do filme? Ou foi tudo uma grande brincadeira que o diretor Roberto Andó faz com o espectador? Essa já é uma película que fala da produção de um filme.
Momento de suspense…
Já vemos aqui a exibição do filme dentro do filme, enganando o espectador ao estilo da peça de teatro de “O Último Metrô” de Truffaut. E aí fica a pergunta: se vimos o filme dentro do filme, até aonde o filme também mascara ou imita situações da vida real? De fato, o Caravaggio foi roubado. Qual foi o fim dele? Como estão as investigações e as buscas hoje? Até onde a máfia tem poder para obstruir as investigações e qual foi a real reação dela à execução dessa película? Foi algo semelhante ao que vimos no filme? E as ligações na vida real entre a máfia e os altos escalões dos governos italianos? Realmente é um filme que levanta muitas questões.
Um filme dentro do filme…
Assim,
“O Caravaggio Roubado” é uma película intrigante que mostra um filme dentro do
filme, mas também leva a vida real para dentro desse loop. Um filme que tem uma
história um pouco enrolada dificultando a compreensão do suspense. Vale muito
como curiosidade e para a gente entender um pouco o poder da máfia na Itália há
algumas décadas
Uma co-produção Índia/França. “A Costureira de Sonhos” é mais um daqueles filmes de empregada doméstica, um tema que sempre chama a atenção quando passa por aqui, até porque a figura dessa profissional é um dos resquícios bem claros do escravismo em nossa sociedade brasileira contemporânea. Para analisarmos essa película, vamos lançar mão de spoilers.
Uma empregada cheia de sonhos…
Vemos aqui a trajetória de Ratna (interpretada por Tillotama Shome), uma moça condenada pelo destino, pois enviuvou muito cedo em sua vila no interior da Índia. Segundo a tradição, quando isso acontece, a moça fica marcada e meio que amaldiçoada, não podendo mais casar. Ratna decide, então, tentar a sorte na cidade grande como empregada doméstica para juntar dinheiro. A moça, também, tem um sonho: ela quer aprender costura para se tornar uma estilista profissional. Mas ela vai ter que suar a camisa demais para atingir seus objetivos. Ela trabalha na casa de um rapaz muito rico e ocidentalizado, Ashwin (interpretado por Vivek Gomber). Ele ia se casar, mas o relacionamento terminou de forma, digamos, desagradável, às vésperas da cerimônia. Desde então, ele mete as caras no trabalho e tem uma postura muito reservada. E aí, os dois, patrão e empregada, vivem juntos num apartamento enorme. Impossível não rolar algo.
Ela quer ser estilista…
Há algum tempo, “Roma” de Alfonso Cuarón, ganhou as manchetes e Oscars. Um filme um tanto autobiográfico onde o diretor quis celebrar as lembranças afetivas de sua infância e da empregada da família, não sem mencionar um contexto mais social, onde o relacionamento entre patrão e empregada podia ser eivado de preconceitos. Me pareceu na ocasião que essa questão social poderia ter sido um pouco mais abordada na película. E aí, filmes brasileiros como “Que Horas Ela Volta”, com a Regina Casé, e até “Romance da Empregada”, com Betty Faria teriam abordado essa questão social de uma forma mais aprofundada que “Roma”. Agora, “A Costureira de Sonhos” faz o mesmo, ainda abordando um tema extremamente complexo, o sistema de castas indiano, onde a estratificação social atinge níveis extremos aos nossos olhos ocidentais.
Surge um clima com o patrão…
Ashwin e Ratna se apaixonam. Há uma correspondência entre os dois, mas o preconceito na sociedade indiana de um casal formado por estratos sociais tão diferentes impede com veemência essa união. E, leia-se, não é apenas uma imposição de uma classe mais alta sobre uma classe mais baixa. Os colegas de Ratna, também de seu estrato social, zombavam dela quando percebiam o interesse de Ashwin nela. Isso bloqueava totalmente um possível relacionamento entre os dois e o filme deixou bem claro como essa tradição (vista inteiramente como a vilã da história aqui) aniquila os desejos dos indivíduos.
Zombada pelo próprio estrato social…
O
desfecho foi curioso. Tudo indica um chute no happy end. Mas optou-se por uma relativização
da coisa, ou seja, como se trata de um amor impossível, Ashwin deu uma última
cartada para dar uma esperança de dias melhores para Ratna. Assim, o gosto
amargo de um amor não concretizado vem com um recheio de um futuro de esperança
para a nossa protagonista, o que deixa o filme simpático aos olhos do
espectador que não tem apenas que enfrentar a acidez dos problemas sociais
provocados pelo sistema de castas da Índia.
Uma pausa para o descanso…
Assim,
“A Costureira de Sonhos” é um filme que vale a pena ser visto, mostrando que a
questão social das empregadas domésticas sempre pode ser abordado de uma forma
inédita e criativa. Desde “Roma”, que tinha um escopo mais afetivo que social,
passando pelos filmes brasileiros de empregada que nos mostram a coisa de uma
forma bem mais familiar, chegando até essa película que aborda a questão numa
sociedade diferente da nossa como a indiana. Parece que os filmes de empregada
estão virando uma espécie de gênero próprio.
A Disney lança mais um live action inspirado em suas animações consagradas. É a vez de “Aladdin”, que conta com o grande nome de Will Smith no elenco. Lembro-me que quando foi noticiado nos facebooks da vida que ele seria o gênio, algumas pessoas torceram bem o nariz e criticaram. Mas é aquela coisa: Will Smith já está naquele panteão de atores em que você vai ao cinema somente para vê-lo. Como era dito em tempos pretéritos: vou ao cinema para ver o ator tal, nem que ele (ou ela, na maioria das vezes) esteja com uma melancia pendurada no pescoço e com a bunda pintada de vermelho. Bom, no caso aqui, Smith está pintado de azul.
Aladdin. Uma excelente caracterização…
Creio que todo mundo já deva conhecer a história de Aladdin (embora eu confesse que ainda não a conhecesse em sua plenitude). Uma coisa aqui chamou bastante a atenção: é uma história que tem uma lição de moral em torno dos três desejos do gênio da lâmpada, pois três desejos nunca parecem ser suficientes. Mas é justamente nesse ponto que reside a lição de moral, já que, ao ser confrontado com a possibilidade de realizar três desejos, o amo em questão vai tomar uma atitude insaciável perante à vida, além de muito arrogante.
Um vilão clássico…
É como se os três desejos entorpecessem a pessoa com um sentido de poder e soberba. E aí, o negócio é ser você mesmo e correr atrás dos seus objetivos na vida. Aladdin passou por todos esses estágios na película, tendo a figura do gênio como grande amigo, gênio esse que nunca havia sido tratado como amigo por qualquer amo pregresso, que pensava no próprio umbigo quando pedia os desejos e nunca libertava o gênio dos grilhões de realizar desejos (o gênio só poderia ficar livre se seu amo desejasse isso). Tal lição de moral é o grande barato da película.
Uma princesa empoderada na medida certa…
Mas
o filme teve outros momentos marcantes. O que chama muito a atenção é o quê de
musical inerente às produções da Disney. Se bem que, aqui, tivemos um sabor de
musicais antigos, com coreografias muito bem ensaiadas (será que foi CGI???) e
um figurino espetacular, muito colorido e lindo. Para este escriba, que ama os
tempos de Astaire, Rogers, Kelly, Sinatra e muitas outras figurinhas carimbadas
dos musicais de outrora, todo esse cuidado com a produção foi um colírio para
os olhos.
Um Will Smith azul…
E o elenco? Era Smith e mais dez, como costuma-se dizer por aí. A apresentação do personagem do gênio foi até um tanto boba, mas, com o tempo, a química entre Aladdin e o gênio trouxe momentos muito bacanas e engraçados, além de ser o sustentáculo da lição de moral explicitada acima.
Dois amigos do peito e da fumaça…
Mena Massoud, o Aladdin em questão, estava muito vivaz no papel e foi um parceiro à altura de Smith, uma tarefa difícil. Outro destaque foi Naomi Scott, que interpretou a princesa Jasmine. Em tempos de empoderamento feminino, a moça teve um momento marcante na película, onde a coisa não ficou exagerada nem fora de tom, convencendo o chefe da segurança do Sultão, pai de Jasmine, a não obedecer ao grande vilão da história, Jafar (interpretado por Marwan Kenzari). Tudo na base da conversa e da diplomacia. Jasmine era uma mulher preocupada com seu povo e queria liderá-lo e protegê-lo da guerra, ao contrário do belicista Jafar. Ou seja, Jasmine não ficou somente como uma princesinha da Disney ao bom estilo “Wi Fi Ralph”.
O elenco do filme numa pose, digamos, mais descontraída…
Dessa forma, “Aladdin” é mais uma produção da Disney que merece toda a nossa atenção, dado o talento dessa grande empresa de entretenimento que sempre joga para ganhar. Se há efeitos especiais em CGI (sobretudo com araras e macacos), o filme tem um sabor de musicais antigos bem produzidos com preocupações com cores e figurinos.
A sequência mais bonita do filme…
Alguns momentos pareciam, no bom sentido da palavra, com desfiles de escola de samba, dadas a explosão de cores e roupas. E tem o Will Smith, que mesmo azul é o máximo. Um programa imperdível.
Um bom documentário brasileiro. “Tá Rindo de Que?”, que tem o ex-casseta Cláudio Manoel entre seus realizadores (os outros são Álvaro Campos e Alê Braga) tem como escopo analisar a produção cultural humorística no período 1964-1985, ou seja, durante o período da Ditadura Militar onde havia a obrigação de um relacionamento com a censura nos anos mais difíceis da repressão.
Carlos Alberto de Nóbrega. “Praça é Nossa” não é humor ultrapassado…
Dessa forma, o primeiro tema a ser abordado no filme será justamente “O Pasquim”, jornal que combatia abertamente a ditadura, cuja redação foi toda presa após o fatídico balão “Eu quero mocotó!” (frase de uma música famosa da época) sobre a cabeça de D. Pedro I, numa reprodução de “O Grito do Ipiranga” de Pedro Américo. Para falar de “O Pasquim”, temos depoimentos de Jaguar, Chico Caruso, Sérgio Cabral (o pai, pelo amor de Deus) e até um trechinho antigo de Paulo Francis. O mais curioso foi ver os humoristas “reclamando” da abertura política, quando a censura arrefeceu um pouco e eles se viram na obrigação de produzir mais conteúdo, ou seja, trabalhar mais e com mais eficiência, pois não haveria mais a censura para “cortar” as coisas, quando se produzia qualquer besteira para a censura cortar.
Jaguar é um dos entrevistados…
Mas
o documentário não ficou somente aí. Carlos Alberto de Nóbrega também deu
depoimentos sobre o seu programa “A Praça é Nossa”, antigo “A Praça da Alegria”,
inventado por seu pai, Manuel de Nóbrega, e falou sobre o estigma de “humor
ultrapassado” do programa. Ainda na TV, falou-se de figuras como Jô Soares,
Ronald Golias, Zeloni (“A Família Trapo”), Agildo Ribeiro, Paulo Silvino,
Renato Corte Real (“Faça Humor, Não Faça Guerra”, “Satiricon”), Chico Anysio
(“Chico City”), “Os Trapalhões” e o grupo musical “Asdrúbal Trouxe O Trombone”,
com figuras como Evandro Mesquita, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães,
Patrícia Travassos e Nina de Pádua. Ou seja, é um documentário que consegue
fazer um mapeamento muito eficiente de todas as matizes de humor nesse período
de 21 anos.
Agildo Ribeiro…
O
formato do documentário foi um daqueles bem convencionais, sem uma narração em
terceira pessoa, mas com muitas e muitas entrevistas dos personagens principais
de todo aquele processo, cujas falas são ilustradas por um farto material de
imagens de arquivo que, obviamente, despertavam risos da plateia. Foi também
uma oportunidade ímpar da gente matar saudades de muitas figuras que já se foram,
tais como: Paulo Silvino, Dercy Gonçalves, Agildo Ribeiro, Golias, Mussum,
Zacarias…
… e Chico Anysio, exemplos de humor politizado na TV
Quando a gente se lembra que fazer humor é algo muito difícil, pois uma piada só tem graça quando contada da primeira vez e o humorista precisa constantemente se renovar, percebemos como esse documentário é importante, pois ele mostra a nós o alto grau de inventividade de nossos humoristas, já que há vários sub-gêneros do humor e da comédia apresentados durante a exibição da película.
Evandro Mesquita, do “Asdrúbal Trouxe O Trombone”…
Ou seja, não havia somente uma crítica política e social no humor da época da ditadura (embora essa crítica fosse mais predominante) , mas também um humor como o da “Praça É Nossa”, “A Família Trapo” ou até uma coisa mais circense como “Os Trapalhões” que tinham espaço naqueles dias. A transição do rádio para a TV é mencionada, onde um dos maiores paradigmas foi o programa “Balança Mas Não Cai” e um de seus principais quadros, “O Primo Pobre e o Primo Rico”, interpretados, respectivamente, por Brandão Filho e Paulo Gracindo, primeiro no rádio e depois na TV.
Claudio Manoel é um dos realizadores…
Assim,
“Tá Rindo de Que?” é um excelente documentário que mapeia com muita eficiência
a produção cultural humorística dos anos da Ditadura Militar. Produção cultural
humorística essa que se revela altamente prolífica, com direito a críticas político-sociais,
mas também com conteúdos populares e também circenses. Para dinossauros como
eu, foi também uma viagem no tempo, onde deu para matar as saudades de
humoristas queridos que já não estão entre nós. E o final do documentário já
deixou anunciado que haverá uma continuação, falando do humor dos tempos da
democracia. Confesso que aguardo ansiosamente. Mas, por hora, vale muito a pena
prestigiar essa primeira parte.
Uma
perturbadora co-produção Áustria/Alemanha. “Mademoiselle Paradis” conta a
história real da pianista Maria Theresia Paradis (interpretada pela bela Maria
Dragus), que vivia na Áustria do século 18 e era cega. Esse é um filme que
mostra a venalidade humana em fortes cores e como uma mocinha, a princípio
indefesa perante tudo isso, cresce e se fortalece para viver nesse mundo. Mais
uma vez os spoilers serão necessários.
Uma pianista cega…
Paradis, apesar de seu mal, era uma exímia pianista e servia como uma espécie de suporte para seu pai e sua mãe, que ganhavam uma pensão em função das apresentações da filha. O semblante cego da moça causava muita estranheza e ela era fortemente controlada por sua mãe, que dizia como ela devia se portar, falando até como usar suas expressões faciais. Os pais, incomodados muito mais com a má impressão dos olhos cegos de Paradis, buscam a ajuda de um médico, o doutor Franz Anton Mesmer (interpretado por Devid Striesow). Sua terapia, revolucionária para a época, consistia em usar magnetismo para curar diversas doenças.
Pais ambiciosos…
Inicialmente, Paradis estranhou muito o ambiente, que tinha até pacientes com esgotamento nervoso agudo. Mas, com o tempo, a moça foi se adaptando, fez amizade com uma criada e passou até a enxergar cores e vultos, além de estabelecer um forte vínculo com Franz. O grande problema é que o médico, para ser aceito pela sociedade, precisava submeter Paradis, assim como seus pais faziam, a testes públicos para provar o êxito de sua medicina.
Um controle feroz…
Só que, com uma visão mínima, Paradis não mais conseguia se concentrar em suas apresentações de piano, pois as teclas lhe pareciam embaralhadas, o que tornava seus recitais um fracasso retumbante. E aí, a pobre moça era engolida de forma impiedosa pelos membros da alta sociedade que a ridicularizavam publicamente. Isso provocava a ira dos pais que, ao invés de ficarem do lado da filha e do médico, tinham um comportamento igualmente agressivo, que acabou resultando na saída de Paradis da casa do doutor.
Paradis irá começar um tratamento com o Doutor Mesmer…
O
filme parece ter um desfecho infeliz. Em parte isso realmente aconteceu, pois
se Paradis tivesse continuado o tratamento (ainda considerado um tanto revolucionário
para os dias de hoje), provavelmente ela teria tido alguma visão, mesmo que
limitada. Entretanto, a moça muito cresceu e amadureceu com essa experiência,
peitando frontalmente os pais e, mais tarde, se tornando uma pianista e até
professora de música, como é dito nos créditos finais. Só é de se lamentar que
poucas de suas composições tenham sobrevivido e chegado até nós. Coisas de uma
sociedade de Antigo Regime para lá de machista.
O tratamento podia ser muito difícil…
A produção do filme é muito bem cuidada. Temos lindas locações e um figurino esplendoroso, o que colocava a gente no ambiente do século 18, tanto aquele dos livros de História e de Arte, quanto aqueles que estão mais escondidos, onde nada havia de glamouroso como, por exemplo, os tratamentos de médicos anteriores a que Paradis era submetida, que mais prejudicavam a saúde e enchiam seu couro cabeludo de pus. Ecos da medicina menos desenvolvida da Europa no período. Mas, preciosa mesmo, foi a captura da empáfia da cultura de Antigo Regime, onde as aparências contavam muito mais do que qualquer coisa, até a vida e a felicidade de uma filha. Nesse ponto, a diretora Barbara Albert e a roteirista Kathrin Resetarits foram perfeitas. Lembrando sempre que a história é baseada no romance de Alissa Walser.
A moça era submetida a testes constantes…
Assim,
“Madeimoselle Paradis” é um programa imperdível, pois é um drama histórico bem construído,
com personagens bem elaborados e que mostra de forma contundente aspectos da
cultura de Antigo Regime. Vale muito a pena dar uma conferida.
Mais
uma curiosa história real retratada no cinema. “A Espiã Vermelha” nos lança uma
questão perturbadora. A película insinua (alerta de spoiler) que a Guerra Fria
que manteve União Soviética e Estados Unidos num campo de igualdade no contexto
nuclear durante décadas foi forjada por uma cientista inglesa que compartilhou
com a União Soviética informações nucleares para gerar o equilíbrio entre as
potências e frear a guerra.
Revivendo o passado…
Vemos aqui a trajetória de Joan Stanley (interpretada por Judi Dench na velhice e por Sophie Cookson na juventude), uma senhora que recebe a visita da polícia que a intima a um interrogatório por ser acusada de traição contra a Inglaterra. Durante o interrogatório, temos um flash-back que explica o que aconteceu. Joan era estudante universitária de Física na juventude, se envolvendo com estudantes de esquerda que depois se revelam espiões da União Soviética no Ocidente.
Uma jovem metida com átomos e espionagens…
Ao mesmo tempo, Joan passa, sem perceber, a fazer parte do Programa Nuclear da Inglaterra, que busca a construção da bomba atômica. Leo (interpretado por Tom Hughes), um dos amigos comunistas de Joan, e que se envolveu com ela amorosamente, tenta convencê-la de compartilhar os segredos nucleares dos ingleses com os russos, mas Joan rechaça tal atitude com muita veemência, pois ela tem plena consciência de que participa de um projeto altamente confidencial.
Passando um aperto nos interrogatórios…
Entretanto, Joan irá mudar de ideia quando os Estados Unidos conseguem explodir a sua primeira bomba e, mais tarde, destroem as cidades de Hiroshima e Nagazaqui. A partir daí, ela compartilha os segredos nucleares com os espiões russos, pois acredita num equilíbrio entre as futuras superpotências como um expediente para evitar mais uma guerra.
Amigos espiões…
Essa é uma história surpreendente, ainda mais porque a gente tem uma espécie de “mãe” da Guerra Fria aqui. Vista como uma traidora por seu país, Joan se via como uma espécie de salvadora da própria humanidade ao buscar uma forma de evitar mais guerras, ainda mais numa época em que guerras mundiais em sequência massacraram demais gerações inteiras. Assim, o filme tem a coragem de relativizar o papel de uma personagem real acusada de traição.
… e uma paixão…
Quando
temos uma atriz do naipe de Judi Dench, a gente sempre espera que ela tenha o
maior tempo de tela possível. Infelizmente, isso não ocorre aqui. Já que temos
uma história em flash-back, Sophie Cookson teve uma presença maior e não foi
mal, com uma atuação bem convincente. Dench, como não podia deixar de ser,
rouba a cena nos momentos em que aparece. Mas tivemos também uma boa atuação de
Stephen Campbell Moore, no papel do cientista Max Davis, chefe de Joan no
Projeto Nuclear, mas também seu amante muito apaixonado, que passou por momentos
de altos e baixos emotivos, além de fazer no início um austero chefe.
Um austero e apaixonado chefe…
Assim,
“A Espiã Vermelha” é um filme que merece muito a atenção do público, pois chama
a atenção para o importante fato histórico de que Joan Stanley, uma ilustre
desconhecida, teve um papel marcante na gênese da Guerra Fria. Ainda, é uma
história bem instigante com boas atuações de Judi Dench, Sophie Cookson e
Stephen Campbell Moore. Vale a pena dar uma conferida.