Batata Movies – Amor Até As Cinzas. Sem Eira Nem Beira.

Cartaz do Filme

Uma co-produção China/França/Japão de 2018. “Amor Até As Cinzas” é um filme perturbador pelo seu choque de realidade que por vezes trespassa o inusitado. Um filme difícil e um tanto doloroso de se ver. E com a curiosidade de se também espelhar a situação da China contemporânea. Vamos usar spoilers aqui.

Uma quadrilha com um grande líder…

O plot começa em 2001, onde testemunhamos, em plena China Comunista, o dia-a-dia de quadrilhas de bandidos bem ao estilo capitalista. Dentre esses criminosos, temos o casal Bin (interpretado por Liao Fan) e Qiao (interpretada por Tao Zhao). Os dois têm uma vida intensa juntos, regada a poder e riqueza. Até o dia em que o carro do casal é cercado por uma quadrilha que começa a espancar Bin. Para salvar o amado, Qiao começa a disparar uma pistola para afugentar os algozes. Ela acaba presa por porte ilegal de arma (a moça não diz que a arma é de Bin) e acaba pegando uma pena de cinco anos.

A namorada do chefão…

Quando sai da prisão, Qiao esperava a presença de Bin com braços abertos e grato por deu sacrifício, mas nada. Qiao começa uma procura pelo amado e descobre que ele saiu da vida de crimes, além de ter começado um novo relacionamento. Largada no mundo, Qiao vaga por aí sem eira nem beira, até encontrar novamente o amado anos depois, preso a uma cadeira de rodas. Ela passa a cuidar de Bin, que volta a se relacionar com seus antigos companheiros de crime, que agora o tratam de uma forma humilhante. O relacionamento de Qiao e Bin é bem mais ácido nesse momento, cheio de ressentimentos. Até que Bin, mesmo paraplégico, sai novamente da vida de Qiao, que fica comendo mosca ao final da película.

Uma mulher forte…

Essa bem podia ser uma história real. Vemos alguns exemplos melancólicos desse naipe por aí. De qualquer forma, Bin voltar a se relacionar com Qiao depois de estar paraplégico parece uma forçada de barra aqui. Agora, o desfecho até é compreensível, pois parece que Bin tomou consciência de todo o mal que provocava em Qiao e decidiu se afastar definitivamente. O que parece um final exageradamente deprimente, acaba podendo ser uma oportunidade de um recomeço total, embora tenha ficado um forte gosto de cabo de guarda chuva na boca do espectador.

Qiao se sacrifica pelo amado…

Esse é também um filme que fala sobre a China. A relação entre a tradição e modernidade é discutida aqui, mas de forma superficial, já que o relacionamento dos personagens protagonistas tem um peso maior na trama.

Depois, vaga pelo mundo…

De qualquer forma, o pai de Qiao é um exemplo de discurso socialista baseado na tradição. Já a passagem do tempo (a película conclui no ano de 2018) mostra a modernidade no uso dos celulares ou na Usina Nuclear que integra uma paisagem lamacenta. Entretanto, não se deixe enganar. Temos um drama pesado aqui como a atração principal.

E não encontra correspondência no seu sacrifício…

Um fator que deixa o filme um tanto enfadonho é o seu ritmo lento. De qualquer forma, a personagem Qiao é envolvente e prende a atenção do espectador.

Desfecho melancólico. Qiao fica sozinha…

Assim, “Amor Até As Cinzas” não é exatamente um primor pelo seu banho de água fria provocado pelo choque de realidade. Mas ainda assim é uma película que desperta uma reflexão no sentido de o que devemos planejar ou não no campo dos relacionamentos. Por mais melancolia que o filme desperte, pensar sobre as coisas da vida nunca é demais. E essa película o faz muito bem. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Vingadores Ultimato. Um Digno Desfecho.

Cartaz do Filme

E finalmente estreou “Vingadores Ultimato”, o filme que dá desfecho a toda uma série de películas do MCU. Desde o clima mórbido imposto por “Guerra Infinita”, havia uma grande expectativa sobre o que aconteceria na película derradeira. Aparentemente, a solução seria bem simples: “só” tomar de Thanos a sua manopla com as joias do infinito e desfazer todo o estrago malthusiano do vilão. O problema seria como tirar essa manopla dele. O detalhe é que o filme não foi por essa solução óbvia e inovou. Vamos falar agora dessa película, lembrando sempre que os spoilers estão liberados aqui.

Um Capitão América amargurado…

O Homem de Ferro foi resgatado pela  Capitã Marvel. Ao retornar à Terra, ele encontra um grupo de heróis sobreviventes muito abalados, mas que precisam de qualquer jeito fazer alguma coisa para reverter a situação provocada por Thanos. Stark não estava em condições emocionais para isso e fica na Terra. Quando os Vingadores chegam ao planeta onde Thanos goza da sua aposentadoria, descobrem que ele destruiu todas as joias do infinito, pois elas tinham se tornado desnecessárias.

Viúva Negra. Sacrifício…

No processo, Thanos ficou seriamente comprometido, tornando-se uma presa fácil para Thor, que decapita o vilão. Entretanto, o gosto de derrota é inevitável, pois era impossível reverter tudo o que havia acontecido. Cinco anos depois, os heróis continuam sua existência vazia num mundo completamente degradado. Entretanto, o Homem Formiga sai de sua espécie de clausura  quântica e ele procura os Vingadores depois de descobrir toda a catástrofe.

O inimigo a ser batido…

Será o Homem Formiga que lançará a ideia de se usar o mundo quântico para realizar a viagem no tempo, pegando as joias do infinito nas épocas pretéritas onde davam o ar de sua graça. Mas a pessoa mais qualificada para empreender a viagem no tempo, Tony Stark, tem agora uma vida prosaica de casado com Pepper e sua filhinha, não querendo muito salvar metade da vida no Universo. É claro que tudo será apenas um charminho e ele ajudará Bruce Banner a criar uma “máquina do tempo”. Bruce Banner, aliás, que apresenta uma versão mais calma e resolvida do Hulk. A partir daí, os Vingadores se reúnem em grupos para buscar as joias. Entretanto, o Thanos do passado descobre o plano e novamente há o risco dele pegar todas as joias do infinito.

Homem de Ferro. Outro sacrifício…

Esse é um filme de praticamente três horas que é diferente dos demais filmes da Marvel. Como essa película tinha o objetivo de dar um desfecho a toda a saga, tivemos uma grande preocupação com a construção de personagens, sobretudo Steve Rogers e Tony Stark. E isso deu um sabor todo especial ao filme. Geralmente um filme de heróis do naipe de Vingadores tem como vedete principal as emocionantes cenas de ação com muitos CGIs. É claro que teremos uma cena épica desse naipe, dando uma solução para toda a crise. Entretanto, o que chama a atenção é que essa sequência de ação está inserida no meio de  duas partes mais lentas e dramáticas que funcionam muito bem. A primeira parte mostra como os heróis ficaram psicologicamente abalados com a derrota, tal como se eles fossem os verdadeiros culpados por metade da população viva do Universo ter perecido. E fica uma tremenda sensação de impotência por não haver o que fazer, até que aparece a segunda chance com a viagem no tempo. Já o segundo e último momento mais dramático, que começa com o funeral de Stark, dará um desfecho a vários personagens e resolve a perda sofrida pelo Capitão América.  Essas duas partes mais lentas prendem demais a atenção do espectador, funcionando maravilhosamente bem, pois temos personagens muito envolventes.

Um pacto de confiança…

Esse é também um filme que optou pelo “happy end”, entretanto de forma relativa, já que três heróis morreram. Ou seja, “Vingadores Ultimato” é também um filme de perdas, muito sentidas ao final. Além do sacrifício de Tony Stark, tivemos, também, o sacrifício da Viúva Negra e a confirmação da morte do Visão, que não retorna neste filme, já que uma das joias estava incrustada em sua cabeça e foi violentamente arrancada por Thanos. Dada toda a querela em torno das joias, infelizmente a volta do Visão acaba sendo mais problemática e terminou descartada. Uma dúvida aqui: o que teria acontecido com Loki, que conseguiu ter acesso a uma das joias do infinito, desaparecendo lá no passado???

Ele está de volta…

A película também teve momentos muito interessantes nas viagens no tempo pela busca das joias. Os heróis retornaram à época de vários filmes da Marvel e cabia ao espectador identificá-los, confiando no conhecimento que o público tinha do cânone. Foi marcante, por exemplo, os encontros de Tony Stark com seu pai e de Steve Rogers com sua amada da década de 40, mesmo que atrás de uma persiana. A luta entre dois capitães América de épocas diferentes trouxe uma marca registrada da Marvel, que é o seu humor de sempre, tendo o seu espaço mesmo num filme de dimensões apocalípticas como esse. Talvez a situação mais tragicômica tenha ocorrido justamente com um Thor beberrão e barrigudo, com uma tremenda cara de Lebovsky, como o próprio Stark atestou.

Capitã Marvel mais poderosa que nunca…

No mais, fica um destaque para os créditos finais, onde os atores principais de todos os filmes da Marvel apareceram. Uau, se essa fosse apenas uma película, teria um megaelenco superestelar!!! Ah, e sim, como é o último filme dessa fase da franquia, não houve cenas pós -créditos.

É o Homem Formiga que dá a sugestão para salvar o dia…

Dessa forma, “Vingadores Ultimato” vem confirmar tudo aquilo que já sabemos da Marvel, ou seja, a sua grande competência para fazer histórias. Algumas análises do filme apontaram para alguns furos de roteiro. Entretanto, quem os não tem? E mais: tais furos são, a meu ver, até perdoáveis, pois a história é tão envolvente que a gente acaba não ligando muito para isso. É a seguinte coisa: viagem no tempo gera uma história que pode ter um alto grau de complexidade, sendo um prato cheio para imprecisões e furos. Nada disso impede que a película tenha grande brilho. Definitivamente, um programa imperdível.

Batata Movies – Border. O Surreal Do Surreal.

Belo Cartaz do Filme

Um filme sueco para lá de perturbador. “Border” pode ser qualificado inicialmente como uma obra altamente surreal. Mas ela possui algo nas entrelinhas. Ou seja, é um filme altamente complexo que não pode ser julgado logo de primeira. Até porque ficamos com um baita nó na cabeça ao assistir. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

A menina da floresta…

O plot fala de Tina (interpretada por Eva Melander), uma funcionária da alfândega de um aeroporto que consegue descobrir uma série de irregularidades somente pelo faro. Sentimentos como vergonha, culpa e raiva passam por suas narinas, sendo a policial perfeita. Mas essa característica peculiar também lhe dá uma aparência grotesca, praticamente não humana. Um belo dia, passa pelo aeroporto Vore (interpretado por Eero Milonoff), um cara da mesma “espécie” que ela. Os dois começam a estabelecer um relacionamento. Vore come larvinhas que colhe na natureza e revela a Tina que eles são de uma espécie chamada Trol e que existem mais deles. Ainda, os humanos sempre querem destruir aquilo que não conhecem. Trol tem, então, uma espécie de complexo de magneto e quer fazer de tudo para prejudicar a humanidade, colocando em conflito toda a ética e retidão de Tina, que vai precisar tomar uma decisão entre seu amigo trol e seus princípios inerentes à humanidade.

Um dia, ela encontra um de sua espécie…

Falando dessa forma resumida, o plot parece demasiado simples. Mas o detalhe aqui é que a espécie trol foi pensada com o intuito de causar a maior estranheza possível no espectador. Quando quero dizer isso, é da forma mais repugnante possível mesmo, como se a narrativa provocasse o público de forma hiperexagerada para atestar até onde ele tolera as diferenças. Além de colocar os trols feios demais, a experiência sexual dos dois foi concebida para ser a mais perturbadora possível, sendo extremamente animalesco, com direito a muitos urros, além dos dois terem sexos trocados (isso mesmo, era a Tina que era a detentora do pênis aqui). Para arrematar, ambos tinham uma marca de cirurgia nas costas, pois tiveram a sua cauda cortada quando eram bebês, da mesma forma que se corta a cauda de cachorrinhos. Mas o que chama mesmo a atenção é a decisão que Tina tem que tomar ao ver o comportamento destrutivo de seu par. Ela se agarra a sua ética e ao seu jeito humano de ser. Ou seja, mesmo com todo o preconceito que sofre, o trol não tem o direito de assumir um comportamento agressivo e covarde com humanos indefesos (não me estenderei mais com os spoilers), pois isso viola os princípios de Tina.

Filme tem momentos idílicos…

O filme, por ser muito surreal, transita entre vários campos. Além da óbvia questão da discussão do respeito à diferença, assim como o forte clima de estranhamento imposto, temos um clima de romance bucólico, com o casal trol em idílio totalmente nu pela floresta (provavelmente seu habitat natural) assim como até um leve arremedo de terror, quando as intenções macabras de Vore se manifestam.

Filme é surreal até para a protagonista…

Assim, “Border” é um programa obrigatório, pois, pelo seu grau de surrealismo, consegue suscitar muitas reflexões e até a presença de mais de um gênero. Não podemos nos esquecer de que esse filme é de um diretor iraniano radicado na Suécia, Ali Abassi, que assina o roteiro baseado no conto de John Ajvide Lindqvist, o mesmo que escreveu a história de “Deixa Ela Entrar”, sobre um romance pré-adolescente entre um garotinho e uma sanguinária vampirinha, que também chegou às telonas há alguns anos. Ou seja, o exotismo aqui transpira, tornando esse filme imperdível.

Batata Movies – O Mau Exemplo De Cameron Post. Necessário, Apesar Do Clichê.

Cartaz do Filme


O filme “O Mau Exemplo De Cameron Post” provocou um enorme burburinho há tempos atrás por não ter sido exibido por aqui. Como se tratava de uma história de uma moça lésbica que foi submetida a uma espécie de clínica de reabilitação evangélica, aplicando uma suposta cura gay, o fato do filme não ter a sua exibição prevista no Brasil acabou soando como censura. Mas aí logo foi tudo desmentido e a exibição foi prevista para acontecer. Agora, tivemos a estreia recentemente. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Uma menina que é vítima de intolerância…


E o que podemos dizer dessa película? A primeira impressão é a de que foi muito barulho por nada. É um filme bem simplório, cheio de clichês, com um desfecho bobinho e sem conflitos, ao contrário do que se poderia esperar de uma película que trabalha um tema tão espinhoso. Entretanto, dada a dificuldade retumbante dos tempos que passamos, qualquer contribuição que traga uma reflexão em direção à tolerância é bem válida. A Cameron em questão (interpretada pela bela Chloë Grace Moretz) tem cenas de amor com sua namoradinha relativamente tórridas, mas a coisa fica por aí, fora um eventual amasso com sua companheira de quarto na clínica.

No início tudo, tudo era prosaico…

O que mais chama a atenção é a forma como todo o contexto de sua internação a deixa num estado de dúvida com relação a si mesmo, embora essa dúvida logo se disperse quando ela encontra dois companheiros de clínica, digamos mais descolados, que não aceitam passivamente o estabelecido, e que representam as minorias (a mocinha é latina cheia de dreads e o rapaz é um indígena cabeludo, mais clichê impossível). Esses amiguinhos salvarão a protagonista Wasp das loucuras de meu Deus (licença Hermes e Renato). E eles fogem calmamente numa picape ao final da película com um adesivo da campanha Clinton Gore no vidro traseiro (eu disse que o filme era muito clichê).

Rolava até algo mais tórrido…


Bom, não vamos somente falar da parte simplória do filme. Há também um mérito a ser falado aqui. Há toda uma variedade de pacientes na clínica, desde os mais submissos, passando por uma espécie de estado intermediário, onde aceitam o tratamento mas com uma série de questionamentos, chegando aos totalmente rebeldes, que são da patota de Cameron. O relacionamento entre esses três grupos foi algo interessante de se ver, até o momento em que há uma espécie de implosão de tudo, na tentativa de suicídio de um dos internos, onde fica bem claro que os responsáveis pela clínica não sabem muito bem o que fazer com seus pacientes (Mais um clichê).

Mas, na clínica, só havia dúvidas…


Confesso que gostei dos atores pós adolescentes. Eles conseguiram passar bem os tormentos pelos quais passavam, uns em maior e outros em menor grau. A boa atuação ajudou a aturar um pouco mais a obviedade dos clichês.

No fim, a fuga, sob a proteção de Clinton e Gore…


Dessa forma, “O Mau Exemplo De Cameron Post” é uma película da qual não se pode esperar muito, ainda mais depois de todo o alarde feito. Mas ainda assim, e apesar de todos os clichês, dá para tirar algumas coisas boas, se a gente espremer bastante. Vale mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa.

Batata Movies – O Gênio E O Louco. Qual É O Sentido Do Perdão?

Cartaz do Filme

Um filme muito tocante. “O Gênio e o Louco” é uma história sobre a construção de um dicionário. Mas, acima de tudo, é uma história sobre perdão. Até onde vai a sua coragem de perdoar o imperdoável? Como você pode se desvencilhar de mágoas profundas e reconstruir um futuro a partir de sua dor? Dá para perceber que este é um filme que suscita uma reflexão bem pertinente. E isso já é o indicativo de que o filme é bom. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Um médico perturbado por um trauma de guerra…

O plot é o seguinte. Doutor Minor (interpretado por Sean Penn) é um homem profundamente atormentado. Ele é um veterano da Guerra de Secessão e vive na Inglaterra de perto da virada do século. O doutor teve que, durante a guerra, marcar com ferro quente o rosto de um desertor. Mas nosso médico tem esquizofrenia e passou a ter visões do tal desertor o perseguindo. Por causa disso, ele mata um inocente, pai de seis filhos, e acaba internado num manicômio judiciário. Enquanto isso, o autodidata James Murray (interpretado por Mel Gibson) busca convencer o rígido meio acadêmico de Oxford a empreender a produção do mais ambicioso Dicionário da Língua Inglesa. Para isso, seria necessário fazer uma pesquisa minuciosa da produção literária do idioma em todo o mundo. Murray teve a ideia de pedir que as pessoas enviassem palavras e seus significados em determinadas obras literárias pelo correio. Esse apelo chega aos ouvidos de Minor no manicômio e ele começa a produzir freneticamente, ajudando em muito o trabalho de Murray e levando a uma grande amizade entre os dois. Por outro lado, Minor tenta se redimir do seu crime, ajudando financeiramente a viúva do homem que matou, o que leva a uma aproximação entre os dois que provocará fortes conflitos na mente perturbada do médico e será um empecilho na confecção do dicionário.

Um autodidata com uma missão quase impossível…

Como dito acima, é um filme sobre perdão. O Grande barato aqui é a difícil aproximação entre o doutor e a viúva, que despertou os momentos mais ternos e angustiantes do filme, provocando uma verdadeira montanha russa de emoções no espectador. A coisa foi tratada com uma delicadeza extrema e envolvia demais o público, o que fazia a gente se colocar no lugar do doutor e experimentar com muita intensidade todo o seu sofrimento e sentimento de culpa. Poucas vezes um filme contemporâneo se aproximou tanto dos paroxismos típicos do expressionismo. E, por se tratar de uma história real, o espaço para o happy and não existe aqui, dando um grande tom de legitimidade a todo o conjunto.

O que podemos falar dos atores? Esse é um filme de Sean Penn. Sua atuação foi tão maravilhosa que me arrisco a dizer que Mel Gibson chegou a ser um coadjuvante de luxo. Como ele nos envolvia com sua inigualável competência dramática! Definitivamente, Penn é um ator que precisa estar mais presente em nossas telonas. Já Gibson não comprometeu com um personagem que tinha um imenso obstáculo pela frente, que era o de fazer um trabalho altamente exaustivo (ao fim das contas ele durou décadas) perante um meio acadêmico extremamente arrogante. Ele executou com eficiência todas as nuances emocionais de otimismo e desânimo, também nos envolvendo. Não podemos deixar de dizer aqui que esse também é um filme de fortes personagens femininas. Natalie Dormer fez Eliza Merrett, a viúva, tendo uma enorme química com Penn. Sua personagem era muito forte, inicialmente não aceitando as tentativas de reparação de Minor, mas pouco a pouco se aproximando dele e aceitando seu perdão. Minor a ensina a ler e ela desbrava todo um mundo novo através das palavras cujo acesso é dado pelo algoz de seu marido. Nesse momento, nossa cabeça, tão acostumada a um mundo de ódio, fica a mil, despertando sentimentos muito conflitantes. A outra personagem feminina, Ada Murray (interpretada por Jennifer Ehle), a esposa de James Murray, fez uma mulher que apoiava integralmente o marido em suas ambições e desejos, a ponto de aceitar que ele abandonasse uma carreira segura para embarcar na arriscada jornada do dicionário. Ada ainda teve a coragem de interceder a favor do marido junto ao arrogante meio acadêmico de Oxford. Eliza e Ada se mostram verdadeiras mulheres à frente de seu tempo.

Uma amizade vinda de um dicionário…

Por fim, ainda podemos assinalar mais uma virtude do filme. Ele acaba concluindo que a confecção de um dicionário definitivo é impossível, já que a língua é viva e palavras são inventadas constantemente, como foi demonstrado na conversa entre crianças que aparece ao final do filme.

Qual é o verdadeiro sentido do perdão?

Dessa forma, “O Gênio e o Louco” é um programa obrigatório, pois nos mostra uma incrível história real que fala sobre temas humanos tão caros quanto o perdão, assim como tem uma interpretação memorável de Sean Penn, além de fortes personagens femininas, sem falar que lembra que o idioma é vivo e em constante mutação. Um filme que nos faz muito refletir, o que atesta a sua grande qualidade. Imperdível.

Batata Movies – Museu. Inconsequências De Dimensões Pré-Colombianas.

Cartaz do Filme

Um filme mexicano. “Museu” é estrelado pelo galã Gael Garcia Bernal, e se vende como uma história 100% verídica, embora ele lance algumas dúvidas sobre isso no transcorrer da exibição. A película vai contar a história do furto, realizado em 1985 no Museu Nacional de Antropologia do México, que abriga valiosíssimas peças pré-colombianas. São subtraídas 140 peças de valor inestimável por dois amigos que, embora tenham sido muito profissionais na hora de retirar os artefatos do museu, se revelaram extremamente incompetentes depois do furto em si, não sabendo muito o que fazer com as peças

Juan, um carinha meio perdido…

Juan Nuñez (interpretado por Bernal) tem uma família muito esquisita. As pessoas meio que se agridem em plena noite de Natal, ele tem conflitos com os familiares, ao bom estilo de um pós-adolescente que não sabe muito bem o que quer da vida. Ele tem um amigo, Benjamin Wilson (interpretado por Leonardo Ortizgris), que o acompanha em noitadas e doideiras, além de ter um pai muito doente em casa. Vai ser essa dupla, aparentemente sem muita noção, que vai realizar o furto dos artefatos pré-colombianos.

Um assalto bem sucedido

Essa ação será até relativamente fácil (por incrível que pareça). O problema vai ser vender isso para colecionadores de forma ilegal, por se tratar de um patrimônio inestimável da cultura mexicana e pelo fato de toda a polícia do mundo estar atrás dos dois. Aí, nossos dois protagonistas passarão pelas mais estranhas situações, onde os artefatos valiosíssimos entrarão na mesma vibe. E assistimos, incrédulos, às situações inusitadas que aparecem na película, sendo que, se foram realmente verídicas como o filme aponta, o México esteve muito perto de perder seu patrimônio histórico da forma mais tosca possível, o que dá uma certa dor no coração. O mais curioso é o toque contraditório de Juan, pois ele furta peças de valor inestimável mas não quer vê-las nas mãos dos “gringos”, sendo esse paradoxo um atrativo a mais no filme.

Uma negociação fracassada…

De qualquer forma, a película mostra um ritmo um pouco lento, um roteiro um tanto enrolado (Guilherme Tell com cubo mágico é sacanagem) e o trailer muito bem feito, pois o filme parecia ser algo muito maior do que o visto. A película vale pela cena do furto em si, bem elaborada, e pelas cenas dos sítios arqueológicos mexicanos, para lá de grandiosos. O desfecho até foi interessante, pois põe em dúvida a veracidade da histórica contada, assinalada taxativamente como verídica em seu início, e nos dá a tentação de conhecê-la um pouco mais. Ah, sim, não podemos nos esquecer da participação meteórica, mas muito marcante, do bom ator Alfredo Castro, como o pai de Juan. A última vez que escutei a expressão “hijo de puta”, assim no original em espanhol e tantas vezes foi num jogo da Taça Libertadores da América que assisti na televisão.

O que fazer com peças tão valiosas e procuradas???

Dessa forma, se “Museu” parece um pouco menos do que o trailer vendia, ainda assim foi um filme relativamente interessante, pela quantidade de situações muito inusitadas que a película apresenta. Além disso, o jogo de gato e rato entre ficção e realidade foi um atrativo a mais, assim como o tema trabalhado (as relíquias pré-colombianas), que nos colocaram em sintonia com a impressionante antropologia mexicana, uma espécie de personagem e atração à parte do filme. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Nós. Quem É Quem?

Cartaz do Filme

O diretor afro-americano Jordan Peele muito chamou a atenção há algum tempo com seu filme “Corra”, onde ele mesclou o gênero de terror com questões de cunho mais social como o racismo, provando que, ao contrário que nosso senso comum pode dizer, tais gêneros são inteiramente compatíveis, principalmente quando você tem um roteiro bem escrito. Agora, Peele está de volta com o surpreendente “Nós”, lançando mais uma vez mão do gênero de terror. Mais uma vez, os spoilers serão necessários aqui.

Uma mulher atormentada…

O plot é o seguinte. A menina Adelaide Wilson (interpretada por Lupita Nyong’o em sua fase adulta) passeia com os pais por um parque de diversões no longínquo ano de 1986. Num momento de distração do pai, ela se afasta e entra na sala de espelhos do parque, quando encontra uma figura que é igualzinha a ela e não é meramente a sua imagem refletida. Passando para os dias atuais, Adelaide está casada e volta a mesma região para passar férias com a família. Ela se sente muito desconfortável ao retornar para lá e rememorar seu trauma de infância. Na casa onde ficam, que, obviamente, é afastada de tudo, a família de Adelaide recebe uma estranha visita: uma família homicida vestida de vermelho, que é igualzinha a eles. Uma perseguição vai começar, num jogo de gato e rato pela vida e pela morte.

Crise de identidade…

Confesso que não sou muito fã de filmes de terror, acho-os muito bobos, embora alguns vistam essa camisa e descambem para o besteirol, quando a coisa acaba ficando até interessante. O detalhe nas películas de Jordan Peele é que há algo a mais em seus filmes de terror. A crítica social está lá, velada. Quando você tem a si mesmo como seu próprio algoz, por exemplo, há uma ideia de que você, enquanto membro da sociedade, tem uma parcela de culpa sobre as mazelas que ela provoca. É claro que isso tem sido usado mais para um modelo americano, com todas as monstruosidades que os Estados Unidos praticam sendo consequência de sua própria sociedade. Entretanto, creio que tal modelo pode ser expandido para o lado podre de outras sociedades também. É um filme sob nosso lado ruim e nebuloso. Os próprios pares malignos vêm das profundezas, de uma rede de túneis que existem atravessando todos os Estados Unidos, uma interessante informação que a película nos fornece logo em seu início. Foi brilhante também a ideia de associar as criaturas das profundezas ao “De Mãos Dadas Pela América Contra a Fome”, de 1986. Ali podemos interpretar como uma espécie de alusão à hipocrisia da sociedade americana, pois é muito melhor você como indivíduo fazer algo concreto contra a fome do que algo meramente simbólico que não terá efeito prático a curto prazo. Quando discutimos tais questões de uma certa profundidade num filme de terror, vemos como o trabalho de Peele é diferenciado e de como ele reinventa esse gênero, mais ligado ao entretenimento e ao mau gosto de se dar susto nos outros em algo mais reflexivo, com tudo inteligentemente colocado nas entrelinhas. Como se tudo isso não fosse notável, Peele ainda consegue colocar um fenomenal plot twist ao fim da exibição, o que aumenta ainda mais a encucação do espectador. Definitivamente, “Nós” é uma apologia à crise de identidade.

Nyong’o em dose dupla de talento…

E os atores? A mais famosa e maravilhosa é Nyong’o, curiosamente nascida no México, mas africanaça de raiz, o que lhe dá um sabor todo especial à sua grande beleza e talento. Sem dúvida nenhuma, fez o melhor trabalho entre todos do elenco. Ela tinha que ser a mãe que tinha medo de um passado distante e, ao mesmo tempo, a criatura sombria de voz rouca que era a porta-voz dos seres das profundezas. Agora, cá para nós, se pensarmos que todo o elenco principal teve que fazer dois papéis, podemos dizer que houve um grande esforço por parte de todos e um grande desafio de interpretação. Curiosamente, a tarefa mais fácil ficou para os atores que faziam os pais, pois a versão sombria deles era demasiadamente troglodita. Confesso que não entendi porque os chefes de família do mal eram tão brucutus. Por outro lado, foi impressionante a atuação dos dois filhos do casal protagonista, principalmente na sua versão sombria. A menina, Shahadi Wright Joseph, usava muito de sua expressão facial para dar medo. Já o menino, Evan Alex, surpreendeu na linguagem corporal para meter medo, já que seu rosto era coberto por uma máscara. O moleque ficou macabro para chuchu.

De mãos dadas pela América…

Assim, “Nós” é o tipo de filme que o cinéfilo que não dá muita trela para filme de terror (como eu) pode assistir tranquilo, pois o que importa aqui não é o terror explícito do filme, mas toda uma temática social altamente reflexiva que está implícita nas entrelinhas. Jordan Peele gradativamente se consagra mais e mais como um dos grandes diretores de sua geração. Programa imperdível.

Batata Movies – Um Ato De Esperança. Derretendo O Iceberg.

Cartaz do Filme

Uma interessante co-produção Inglaterra/Estados Unidos. “Um Ato de Esperança” chama a atenção de cara pelo elenco: Emma Thompson e Stanley Tucci. Típico filme que você vai para ver os atores que gosta atuando. Mas a película não é somente isso. Temos aqui também uma boa história, daquelas que nos faz refletir sobre a condição humana e relacionamentos. Um filme que mostra que você às vezes aprende as lições da pior maneira possível. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Uma juíza muito dedicada…

Vamos ao plot. Fiona Maye (interpretada por Thompson) é uma juíza muito dedicada que decide casos extremamente delicados de forma muito fria e lógica. Casos de vida ou morte, quero dizer. Daqueles casos que qualquer que seja a decisão, sempre um trauma vai se instalar nas partes atingidas. Por ser muito comprometida com seu trabalho, ela se esquece do casamento e seu cônjuge, Jack Maye (interpretado por Tucci), abandona o relacionamento para ficar com a amante. Isso num momento onde Fiona pega um caso em que um rapaz que é Testemunha de Jeová e que tem leucemia recusa uma transfusão de sangue por motivos religiosos com sua vida estando em sério risco por isso. Nesse julgamento, Fiona não tem uma convicção do veredicto que vai dar, mesmo depois de escutar os argumentos dos advogados do hospital e da família e vai conversar com o rapaz, Adam (interpretado por Fionn Whitehead). Adam fica fascinado com a presença de Fiona no hospital e, depois de uma conversa, a juíza decide pela transfusão e pela vida do menino. Algum tempo se passa e Adam começa a tentar entrar em contato com Fiona, sendo que a juíza vê isso com muitas reservas e uma certa insensibilidade. A coisa chega ao nível da obsessão e Fiona corta com veemência qualquer tentativa de aproximação com Adam. Enquanto isso, Jack volta para casa, mas é tratado por Fiona de forma muito distante e até agressiva. Mas esse comportamento ríspido da juíza está com os dias contados, pois a leucemia de Adam retornará e, dessa vez, ele opta por não fazer a transfusão de sangue (já é maior de idade) e acaba morrendo. Tal situação deixa Fiona arrasada e, ao lado dela, está Jack.

Problemas no casamento…

É um plot muito simples, que não se complica e que dá uma lição muito boa para nós: como devemos tratar as pessoas que nos cercam. Ficou aqui a impressão de uma juíza que ficava muito mergulhada em seu trabalho, tomava decisões de forma muito lógica e agia com agressividade quando era contrariada. Ou seja, uma pessoa um tanto difícil de conviver. Pouquíssimo espaço para uma visão mais afetuosa, emotiva e tolerante das coisas.

Um encontro no hospital…

E aí, vem a lição. A vida promissora de um jovem que ela salvou se torna totalmente sem sentido para ele quando não há interesse, por parte dela, de compartilhar com as descobertas do rapaz, que era muito sensível. Ou seja, se sua lógica fria num momento salva a vida de Adam, num outro momento sua falta de empatia e emoção destroem-na. E, nessa hora, a dor da culpa é insuportável. Mas ainda há Jack que, mesmo saindo do casamento, ainda a ama e retorna para ser seu apoio. Vemos isso na linda cena em que o marido pega a mão da esposa, ainda na cama de manhã, logo depois da morte de Adam.

Ela já não tolerava mais as perseguições do rapaz…

Nem é preciso dizer que Thompson rouba a cena. Sua frieza incomodava a gente, mas seu ataque de choro e remorso mais ao final também foi muito convincente. Fionn Whitehead, o Adam, foi muito bem, ainda tendo que contracenar junto a um medalhão como Thompson. Despertamos uma empatia por ele no primeiro momento em que o vemos, pois ele fica deslumbrado de cara pelo interesse da juíza em seu caso. E depois ele coloca muito bem aquela paixão obsessiva adolescente pela qual todos nós passamos na vida. Ou seja, nos identificamos muito com seu personagem, pois ele representa uma época comum a todos nós de nosso passado. Já Tucci, uma espécie de eterno coadjuvante, fez uma interpretação muito sóbria de quem está realmente pisando em ovos, sendo o marido nem tão fiel, mas que quer estar ao lado da esposa para todas as situações.

Um desfecho inesperado

Dessa forma, “Um Ato de Esperança” traz uma história escrita de forma simples, que traz uma grande lição e reflexão para o espectador, sem falar de que temos um elenco bem interessante e atuações convincentes e envolventes. Vale a pena dar uma conferida.