Batata Movies – A Prece. Para Heroína, Schygulla E Ave Maria.

Cartaz do Filme

Quando soube do filme “A Prece”, achei que ele seria um saco, já que o plot era sobre um rapaz viciado em heroína que ia para uma espécie de clínica de reabilitação onde os jovens trabalhavam duro e entoavam cânticos religiosos o tempo todo. Já ia desistindo do filme, ao ler a reportagem sobre ele no O Globo, quando descobri que Hanna Schygulla apareceria no filme, mesmo que por uns poucos momentos. Foi o suficiente para ir assisti-lo. Típico caso em que a gente vai ao cinema para ver o ator ou atriz que a gente gosta, seja o que for que ele ou ela façam no filme.

Um rapaz atormentado…

Bom, o filme, dirigido pelo ator Cédric Kahn, era mais ou menos o que eu pensava mesmo, ou seja, um caminhão de clichês. O protagonista, Thomas (interpretado por Anthony Bajon), viciado em heroína, chega à fazenda, recebe as instruções de que a disciplina para recuperação será rígida, vai tentar dar uma escapadinha com um cigarro, vai dar um chilique e fugir ao ser solicitado a pedir desculpas, se apaixona por uma mocinha de uma vila próxima que o convence a voltar ao centro, torna-se o paciente exemplar, mas ainda sem Deus no coração, tem a revelação quando passa por um sufoco e quer ser padre.

Uma comunidade de jovens em recuperação…

Mais clichê, impossível. E tome Ave Maria para cá e para lá, para sacramentar a crença dos fiéis. Então, por que ver esse filme? É que, em alguns momentos, a coisa sai do clichê, seja nas piadas com Jesus Cristo, seja no final do filme, onde um pequeno plot twist acaba mexendo mais uma vez com nosso personagem protagonista. Muito pouco, é verdade, em face dos volumosos cânticos religiosos que permeiam boa parte do filme. Mas eu fui ao cinema para, acima de tudo, ver Schygulla que, mesmo envelhecida pelo tempo (ela já está na casa dos seus 74 anos), ainda mostra aquele sorriso doce e irresistível, coroado pelo azul piscina de seus lindos olhos.

Filme algumas vezes foge dos clichês…

Eu tive a oportunidade de cortejar (e babar muito) a atriz quando ela esteve no Festival do Rio de 2003. Naquela oportunidade, ela musicou um filme de Louise Brooks com um piano, algumas cordas e sua voz, e quase fui fulminado pelo azul dos olhos dela, que tanto vi como luzes numa tela. Eu, que tanto admirei aqueles olhos, naquele fugaz momento de 2003 acontecia o contrário: eram aqueles olhos que me viam. Confesso que um frio elétrico percorreu meu corpo inteiro naquele momento.

Buscando um caminho…

Mas, findo o parênteses do fã histérico e voltando ao filme, Schygulla interpretou a irmã Myriam, que se tornou uma espécie de mentora relâmpago de Thomas, agindo de forma doce e, simultaneamente, muito severa, alertando-o para o fato de sua fé não ser totalmente sincera, depois que ele não conseguiu discursar para a plateia de dependentes sobre sua história de vida, esse o momento mais bonito do filme, não somente pela contrição de Thomas, mas também pelos depoimentos dos outros dependentes. De qualquer forma, Thomas faria o seu discurso no momento oportuno, o que também foi um momento bem comovente.

Frau Schygulla, irresistível como sempre…

Dessa forma, apesar de “A Prece” ser um filme com muitos clichês, ele ainda traz alguns atrativos para o público, como um pequeno plot twist, mas também pela presença etérea de Hanna Schygulla, a eterna Lili Marlene e Maria Braun. Vale a pena dar uma conferida e adorar um pouco uma atriz que é uma verdadeira instituição cultural do pós-guerra.

Batata Movies – Um Homem Comum. E Quando Você Se Importa?

Cartaz do Filme

Um filme perturbador, escrito e dirigido por Brad Silberling (o mesmo de “Cidade dos Anjos”). “Um Homem Comum”, estrelado por Ben Kingsley, mostra o quanto o cheiro de sangue da morte de um culpado pode ser inodoro ou, pelo contrário, trazer a marca amarga do arrependimento.

Um general genocida…

Qual é o plot? Estamos na Sérvia pós-guerra dos Bálcãs. Um general acusado por todo o mundo por atrocidades de guerra (interpretado por Kingsley) vive às escondidas para não ter que encarar o tribunal e as penas para os seus crimes contra a humanidade. Desafiando a tudo e a todos, ele anda tranquilamente pelas ruas, para o desespero de seus seguranças e é tratado como herói por algumas pessoas. Ele troca constantemente de endereço e, quando chega a um novo apartamento, ele se depara com uma jovem e linda moça, Tanja (interpretada por Hera Hilmar), que é a empregada doméstica da antiga moradora. O general então irá submetê-la a uma espécie de interrogatório, digamos, peculiar e pede que a moça seja a sua empregada doméstica em tempo integral. Vai começar uma estranha relação onde o temperamento ríspido do general tenta invadir o íntimo da jovem. Mas algumas reviravoltas ainda iriam acontecer nessa história.

Uma empregada de passado nebuloso…

É um filme que te tira da zona de conforto, pois o protagonista, com o qual o espectador deve se envolver, é um genocida de marca maior. Mas isso não impede que ele tenha um passado, mágoas, sofrimentos e frustrações. E, ao se relacionar com uma jovem que teima em esconder o seu passado, a coisa pode ficar turbulenta em algumas vezes. De qualquer forma, o relacionamento e a proximidade desabrocham, sem qualquer espaço para um romance improvável, dadas as circunstâncias como o próprio espectador irá testemunhar. De qualquer forma, o desfecho é extremamente chocante, o que faz desmoronar a montanha de empáfia e dureza do general, imprimindo novamente a máxima de que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”.

Um relacionamento inicialmente difícil…

Esse é um filme de, basicamente, dois atores: Kingsley e Hilmar. É claro que o grande ator é o centro das atenções e a película gira em função dele. E podemos dizer que ele destilou sua competência de sempre, principalmente pelo fato de que podemos ter sentimentos conflitantes para com o personagem: de uma raiva latente pelo seu descaso com as atrocidades que cometeu, passamos pela forma esporadicamente meiga com a qual ele trata a sua personagem, assim como nos compadecemos com suas dores do passado e com seus lampejos de arrependimento por tudo o que fez.

Mas pode haver um entendimento…

A gente percebe que, à medida que a exibição corre, ele sai de um estado de dureza absoluta para uma vulnerabilidade quase que total, constituindo-se num personagem altamente complexo, que somente um ator do naipe de Kingsley poderia fazer. Já Hilmar teve a dificílima missão de contracenar com Kingsley, não comprometendo em sua atuação, mas parecendo mais uma escada para o ator. De qualquer forma, ela teve uma importância fundamental num momento chave do filme, que o spoiler me impede de dizer.

Indo a lugares distantes e proibidos…

Dessa forma, “Um Homem Comum” é um filme que vale a pena a atenção do espectador, pois conta com o grande talento de Ben Kingsley e é uma película perturbadora, que te tira da zona de conforto, pois vemos um personagem odioso se abrindo aos poucos, tornando-se cada vez mais vulnerável com o tempo. Além disso, o filme tem um desfecho forte, daqueles que fazem a gente sair da sala num estado letárgico, perplexo, abobalhado, até, e que expõe toda a fragilidade da vida humana. É recomendado pelo impacto. Nós não ficamos indiferentes ao que vemos.

Batata Movies – O Grande Circo Místico. Um Filme Lúdico E Fofo.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro, que foi o nosso representante no Oscar 2019. “O Grande Circo Místico” é inspirado no disco de 1983, composto por Chico Buarque e Edu Lobo, sendo um ícone de nossa MPB. As músicas são interpretadas por antológicas figuras como Milton Nascimento, Gal Costa, Jane Duboc, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil, Zizi Possi e os próprios Chico Buarque e Edu Lobo. Agora, Cacá Diegues traz para o cinema a saga desse circo centenário, surgido a partir de uma tradicional família austríaca (Knieps), onde tivemos um romance entre um aristocrata e uma acrobata, que dá início à trupe.

Jesuíta Barbosa e Bruna Linzmeyer

O filme transcorre ao longo de um século, onde vemos um rosário de bons atores: Bruna Linzmeyer, Mariana Ximenes, Juliano Cazarré, Antônio Fagundes. Mas os grandes destaque entre os atores são Vincent Cassel e Jesuíta Barbosa. Cassel interpreta Jean Paul, um homem que quer vender o circo e usar esse capital para investir em terrenos, sendo um marido cruel e violento. O ator, apesar de aparecer pouco, rouba a cena em seus momentos no filme e engrandece em muito a produção.

Mariana Ximenes faz uma evangélica…

Mas a grande figura, sem a menor sombra de dúvida, é Jesuíta Barbosa, que esteve simplesmente extraordinário em seu personagem Celavi (o leitor mais atento deve ter percebido que o nome do personagem é uma corruptela de “C’est la vie”, ou simplesmente, “É a vida”). Esse personagem está no circo por durante todos os seus cem anos, sem sequer envelhecer, acompanhando todas as gerações. Era divertido testemunhar como Celavi mudava de visual (vestuário, cabelos, etc.), com o passar do tempo, se adequando a todas as tendências da moda de cada época. Celavi era vívido, lúdico, brincalhão, amável e respeitoso, o verdadeiro guardião da tradição do circo. Jesuíta Barbosa deu tons altamente marcantes de carisma para seu personagem, surgindo uma empatia imediata entre ele e o espectador. Celavi era o verdadeiro condutor da película. O tempo passava, membros da nova geração chegavam e lá estávamos nós procurando onde Celavi estava.

Participação marcante de Vicent Cassel…

Aqui precisamos dar um alerta de spoiler. Algumas pessoas talvez tenham se incomodado com as excessivas cenas de nudez e sexo. Pelo estilo do diretor, tinha horas que essas cenas nos remetiam ao cinema brasileiro da década de 70. Mas Diegues conseguiu dialogar com o aparente estereótipo e o fez de forma magnífica, principalmente na cena das irmãs gêmeas voando nuas sobre o picadeiro, o ponto alto do filme. A coisa ficou lúdica, inocente, esteticamente muito bonita, repelindo qualquer avaliação que qualificasse a sequência como imoral ou de mau gosto. Foi o ponto alto do filme e de todo o clima lúdico e infantil ao qual a coisa se propunha (a gente já sentia isso de forma muito forte no trailer, que somente confirmou esse quê poético do filme). Definitivamente, é uma justa homenagem em imagens a esse trabalho tão conhecido de Chico Buarque e Edu Lobo.

Borboletas virtuais…

Só é de se lamentar que tudo tenha um fim. Mas como é dito por aí, “C’est la vie”. E o personagem principal do filme não nos deixa esquecer isso um segundo sequer. A vida pode trazer momentos de alegria, típicas dos espetáculos que vemos no picadeiro, mas também podem nos trazer momentos de trevas, melancolias e até de tragédias. Cem anos são muito tempo para experimentarmos uma série de situações felizes e tristes. E, ao final, o olhar sobre o passado nos revela um caleidoscópio de luzes e trevas.

Cacá Diegues e Marcos Frota, que tem um circo de verdade

Dessa forma, apesar de “O Grande Circo Místico” não chegar aos cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uma coisa é certa: esse filme já é em si um grande prêmio, uma pequena joia de nosso cinema que está guardada numa caixinha de música toda ornamentada, com trapezistas, leões, elefantes, domadores, palhaços, bailarinas, e um ícone de lúdico resistente ao tempo. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.

Batata Movies – Robin Hood, A Origem. Montando Um Prólogo.

Cartaz do Filme

Mais um filme de Robin Hood. Como ficaria muito óbvio recontar a história do carinha que tira dos ricos e dá para os pobres, o filme resolveu contar algo, digamos, um pouco diferente, ou seja, quais foram as condições iniciais para que a história que todos conhecemos se estabelecesse? Como Robin Hood aparece e vai se estabelecer na Floresta de Sherwood com seus companheiros e todo aquele povo?

Um homem em busca de justiça…

Bom, o plot é o seguinte. Robin de Loxley (interpretado por Taron Egerton) é um nobre local de Nottingham que vai para o Oriente Médio combater com os mouros nas cruzadas. Numa de suas incursões (que mais parecia uma ação militar no Iraque com arcos e flechas), os cristãos são emboscados por mouros. Depois de muita luta, eles conseguem aprisionar os muçulmanos. Será aí que Robin começará a lutar contra as injustiças, pois ele tenta evitar que um jovem mouro, sem sucesso, seja decapitado. O rapaz é filho do cara que será o Little John de Robin (interpretado por Jamie Foxx).

Robin e Little John. Dupla Dinâmica

Robin é preso por traição e enviado à Inglaterra. John também consegue se esconder no navio que leva Robin para a Europa. Quando chega ao seu castelo, percebe que ele está destruído e roubado. São os esforços de guerra empreendidos pelo sórdido Xerife de Nottingham (interpretado pelo “Rogue One” Ben Mendelsohn), que não só destruiu seu castelo mas também colocou a população pobre numa área de mineração. Dentre os mais desassistidos está a namorada de Robin, Marian (interpretada por Eve Hewson) que, agora, namora outro homem. Completamente desiludido, Robin acaba encontrando Little John, que propõe que os dois façam uma dupla para lutar pela justiça e pelos fracos e oprimidos, com direito a muita porrada, bomba e tiro para variar.

Ensinando a namorada a dar umas espetadinhas…

Creio que o leitor já sabe de antemão a pegada do filme: uma coisa Sessão da Tarde, com muita ação, lutas coreografadas e efeitos especiais com um jeito Matrix de ser. Ou seja, nada que vá adicionar muita coisa. Somente entretenimento mesmo. Pelo menos, o filme mostrou duas coisas que chamam a atenção: F. Murray Abraham como um cardeal corrupto e, indo nesse gancho, uma crítica severa à corrupção na Igreja Católica (é até de se estranhar que uma película desse porte, ou seja, voltada exclusivamente para a ação e entretenimento, seja tão declaradamente anticlerical). No elenco, pouca coisa se salva. Ben Mendelsohn parece que vive para ser vilão nos cinemas e, quando faz isso, sempre tem sua atuação exagerada e afetada, beirando o caricato. Ou seja, é o tipo do vilão que serve para ser ridicularizado pelo mocinho. Não é por aí. É melhor que o cara seja mais ponderado, centrado e, muito mais perigoso, sem explosões emocionais despropositadas. E Taron Egerton? Sem gracinha, ele. Poxa, eu sempre ficava me lembrando do Robin Hood do Kevin Costner e do Morgan Freeman nessas horas. Se lá a interpretação era o que mais valia, aqui, parece que esses rostinhos bonitos (principalmente o de Marian) precisavam mais dos efeitos especiais para se afirmarem. De qualquer forma, o grande cara do filme no campo da atuação foi Jamie Foxx, fazendo um Little John bem agressivo e muito carismático. Chama a atenção também o ator Tim Minch, fazendo um engraçado Frade Tuck.

Frade Tuck (esquerda) e o Xerife de Nottingham (direita). O alívio cômico e o vilão…

Dessa forma, “Robin Hood, a Origem” é mais um filme comercial de ação com o único e exclusivo propósito de se fazer dinheiro. Nada de muito profundo essa película vai deixar. Virtudes? O ato de se contar uma história nova, Jamie Foxx e F. Murray Abraham, nada mais. E olha que a película deixou um gancho para uma continuação. Vamos ver se essa sequência irá vingar e no que vai dar.

Batata Movies – As Viúvas. Herança Maldita.

Cartaz do Filme

“Viúvas” foi o filme que abriu o Festival do Rio no ano de 2018. Mas como ele já estava aparecendo em trailer no circuitão, só o assisti depois de sua estreia . Pelo trailer, a coisa parecia ser muito boa. Foi mostrado um baita de um elenco: Liam Neeson, Viola Davis, Robert Duvall, Colin Farrell, Daniel Kaluuya e direção de Steve McQueen. O filme, portanto, acabou se tornando algo muito esperado.

Quatro mulheres em busca pela sobrevivência…

O plot é o seguinte: três assaltantes, liderados por Harry Rawlings (interpretado por Neeson), fazem um grande assalto, mas morrem numa explosão. Rawlings acaba roubando dois milhões de dólares de um candidato a vereador de um distrito de Chicago, Jamal Manning (interpretado por Brian Tyree Henry). Jamal irá até a casa da viúva de Rawlings, Veronica (interpretada por Davis) e a ameaça, lhe ordenando que o dinheiro tem que ser pago em duas semanas.

Dor de perder o marido…

Veronica começa a investigar e descobre que precisa ter acesso a um caderno do marido, onde ele anotava todos os assaltos que praticaria. Ela descobre que outro assalto seria feito e a quantia a ser subtraída seria de cinco milhões de dólares. O problema era descobrir onde esse assalto seria praticado. E aí, Veronica convoca as outras duas viúvas, que também correm risco de vida, para investigar o caso. Vai começar aí uma trama de investigação mesclada com ação, com direito a um plot twist.

Magistral participação de Viola Davis…

Para quem espera que esse será um filme de ação, com direito a muita porrada, bomba e tiro, está enganado. O ritmo da película é bem lento e fica mais na retórica do filme de suspense, com direito a muita investigação. Apesar de ser um pouco maçante em alguns momentos, o filme tem a virtude de mostrar uma história bem elaborada que consegue prender bem a atenção do espectador. Um pouco mais de ação somente na parte final da película, mas definitivamente esse não é o mote. Pode-se dizer que o filme prima mais por um certo suspense mesclado com um drama psicológico. Afinal de contas, esse é um filme de mulheres que perderam seus cônjuges queridos.

Querelas políticas em meio a lidar com quadrilhas…

Agora, o grande atrativo é o já mencionado elenco. Tudo gira em torno de Viola Davis, que rouba a cena. Ela interpreta com maestria uma mulher fragilizada pela perda e pela ameaça, mas que precisa manter a aparência de durona para sobreviver. Transitar por esses dois polos não deve ter sido uma tarefa fácil, mas Davis tirou de letra. Neeson aparece pouco no filme, mas ele também chama bastante a atenção em seus poucos momentos. Colin Farrell e Robert Duvall fazem uma boa dupla como filho e pai que disputam a eleição de vereador com Jamal. O primeiro carregava a pecha de ser um político idealista que tinha a reputação manchada pelos malfeitos do pai corrupto no passado. As brigas entre os dois eram realmente muito tensas e agressivas, o que muito chamou a atenção. Já Kaluuya, com seu personagem Jatemme Manning, ficou responsável pelas sequências mais violentas do filme, algo que impressionou, pois seu papel em “Corra”, onde fazia um hóspede indefeso contra uma família racista e seu olhar de peixe morto não parecem lhe dar o perfil de interpretar um personagem violento. Mas acho que o olhar de peixe morto deu um quê de indiferença à violência que ele empregava contra suas vítimas, o que tornou a coisa assustadora.

Robert Duvall. Outra ilustre presença…

Dessa forma, se “Viúvas” parecia um filme de ação mais cascudo e enveredou por uma narrativa um pouco mais lenta, por outro lado, essa narrativa mescla a investigação, o suspense e o drama psicológico de uma forma interessante, o que compensa esse ritmo mais lento que se poderia tornar enfadonho. Os atores também ajudam muito, dando um toque todo especial ao filme e sendo um chamariz para o grande público.

Batata Movies (Especial Oscar 2019) – Roma. O Desmoronamento De Duas Vidas.

Belíssimo Cartaz do Filme

Vamos hoje falar de um filme com dez indicações ao Oscar. “Roma”, de Alfonso Cuarón, concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Filme, Melhor Atriz para Yalitzia Aparicio, Melhor Atriz Coadjuvante para Marina de Tavira, Melhor Roteiro Original, Melhor Design de Produção, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som. O filme acabou abiscoitando os prêmios de Melhor Filme Estrangeiro, Fotografia e Direção. Ainda, ganhou os Globos de Ouro de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro, além de ganhar os Baftas de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Filme em Língua Não Inglesa, recebendo também o prêmio David Lean por Direção. Lembrando que esse filme é uma produção da Netflix e se mostrou uma boa aposta do serviço de streaming para fazer um filme mais “cabeça” e digno de premiações. Vamos aqui lançar mão de spoilers para poder analisar o filme.

Yalitzia Aparicio. Indicação de Oscar para Melhor Atriz em seu primeiro filme

O plot é muito simples. No bairro Roma, de classe média alta da Cidade do México, temos a empregada doméstica Cleo (interpretada por Aparicio) que, junto com uma parente, serve a uma família abastada. De origem indígena, ela conversa com sua parente na sua língua nativa e em espanhol com a família, cheia de filhos. Tratada como se fosse “da família”, onde a ligação afetiva com as crianças é muito estreita, Cleo também é tratada com rispidez em alguns momentos por sua patroa Sofia (interpretada por Tavina), pois o patriarca da família está se separando e saindo de casa, o que faz a esposa cair numa pilha de nervos.

Tratada como “da família”…

Por outro lado, Cleo engravida de um namorado que nega a paternidade do bebê. Assim, vemos duas vidas entrando em parafuso: a de Sofia, a patroa, que tem que encarar uma separação com uma penca de filhos, e a de Cleo, que tem que levar uma gravidez sem a presença de um companheiro. Lembrando que essa película tem por base as memórias afetivas da infância do próprio Cuarón, que tinha uma empregada doméstica em sua casa.

Afeição maternal com as crianças da casa…

Essa temática que Cuarón abordou em seu filme de realidade mexicana – a forma como as empregadas domésticas são tratadas pela elite – é muito familiar e conhecida para nós aqui no Brasil, com o agravante de uma tradição escravista que envenena ainda mais a relação patrão-empregado. Na película de Cuarón, a coisa foi até leve em boa parte do filme, com um cotidiano das empregadas sempre presentes no emprego e com uma relação até certo ponto idílica com os patrões e as crianças. Em alguns momentos, a hierarquia sobressaía, como na reclamação feita pelo pai da família da garagem cheia de sujeiras de cachorro, as grosserias que a mãe da família fazia com Cleo quando a matriarca estava estressada com sua crise conjugal, ou na necessidade de Cleo e sua parente fazerem seus exercícios no quartinho da empregada à luz de velas para não gastar energia elétrica.

Uma guardiã dedicada…

Mas o clima um tanto suave do filme passa a ficar turbulento na segunda metade da película, onde as tensões políticas de um México do início da década de 70 começam a influenciar o microcosmos da empregada. É nesse momento que o filme vai adquirir um ritmo bem mais frenético e prender mais a atenção do espectador. Mas tocar nessa parte da película seria dar muitos spoilers. Para se dar apenas uma dica, o filme opta por um happy end galgado numa espécie de redenção, ou seja, uma opção mais hollywoodiana, quando um final mais realista talvez fosse mais adequado. De qualquer forma, com a denúncia de uma situação social concretizada, não podemos nos esquecer de que a película ainda é produzida numa mídia de entretenimento como a Netflix. E aí o happy end é mais aplicável aqui.

Filme tem uma fotografia lindíssima…

Vale falar apenas mais uma coisa que chama muito a atenção: a película foi rodada em preto e branco, ou seja, artística demais nesse ponto, em termos de Netflix. Lembrando sempre da preferência desse humilde escriba pelo preto e branco pelo fato dos contrastes ficarem bem mais destacados que no colorido, dando grande qualidade estética à imagem.

Mais um exemplo da fotografia impecável da película

Dessa forma, “Roma” é uma grata surpresa da Netflix e de Alfonso Cuarón. Um filme “cabeça”, de arte, em preto e branco, feito pelo serviço de streaming, e que fala de uma realidade social da América Latina. Ainda que o tradicional happy end dos filmes hollywoodianos tenha sido usado como opção, temos que dar o braço a torcer que a Netflix assumiu um projeto muito ousado para o tipo de mídia e de público ao qual ela se propõe. E tal atitude deve ser reconhecida e muito celebrada, tanto que a película ganhou dois Globos de Ouro, quatro Baftas e recebeu dez indicações ao Oscar, levando três estatuetas.

O diretor Alfonso Cuarón

Creio que isso é algo muito bom para estimular os serviços de streaming a melhorarem a qualidade das películas que produzem, aumentando a qualidade para o espectador. E seria legal, também possibilitarem o acesso aos cinemas dos filmes que são produzidos para o cinéfilo mais tradicional ter a experiência de ver esse tipo de filme (que tem uma qualidade fotográfica ótima) na telona.

https://www.youtube.com/watch?v=FkzidhAg45U

Batata Movies – Troca De Rainhas. Cosmogonia De Antigo Regime.

Cartaz do Filme

Um bom filme histórico. “Troca de Rainhas”, uma co-produção França/Bélgica, dirigida por Marc Dugain, aborda a cultura de Antigo Regime, onde o político institucional se mesclava fortemente com as relações pessoais. É o tipo de filme que busca ser fiel com a reconstituição histórica, apesar de um ou outro percalço.

Uma jovem rainha…

No que consiste a história? O ano é 1721 e França e Espanha acabam de sair de uma sangrenta guerra e precisam sacramentar a paz de alguma forma. O regente francês, Felipe d’Orléans (interpretado por Olivier Gourmet) tem a ideia de “trocar princesas” com o reino espanhol para selar um acordo de paz. Ou seja, o herdeiro do trono, Luís XV (interpretado por Igor van Dessel), com ainda onze anos, recebe em casamento a mão de Maria Anna Vitória (interpretada por Juliane Lepoureau), uma infanta espanhola de apenas quatro anos (!!!), ao passo que o rei Felipe V da Espanha (interpretado por Lambert Wilson), casará seu filho, o príncipe das Astúrias (interpretado por Kacey Mottet Klein) com a filha de Felipe d’Orléans, Louise Elisabeth (interpretada por Anamaria Vartolomei).

… e outra, mais jovem ainda…

Pois bem, a troca de princesas é feita, e logo podemos presenciar duas situações bem diferentes: Louise Elisabeth, por já estar na adolescência, repudia com veemência toda aquela situação de ser obrigada a se casar com uma pessoa que mal conhece, enquanto que o Príncipe das Astúrias se apaixona por ela. Por outro lado, Maria Anna Vitória vai, na sua pureza de criança, toda animada para se casar com Luís XV, pois vai se tornar a Rainha da França, mas aqui será o futuro monarca que não dará muita confiança para a menina. Em toda essa trama de casamentos arranjados, as coisas infelizmente não sairão muito como o planejado. Mas chega de spoilers por aqui.

Um futuro rei atormentado

O que chama muito a atenção nessa película? É o fato de se tentar explicar como funcionavam as dinastias europeias na sociedade de Antigo Regime. O mais desavisado pode até ficar chocado com todos esses casamentos arranjados, inclusive entre crianças. Mas isso era prática comum para selar acordos políticos entre nações, numa mistura radical do público com o privado, que o sistema capitalista conseguiu separar tão bem. Ou seja, não havia qualquer espaço para as historinhas de contos de fadas onde o príncipe e a princesa se casaram e foram felizes para sempre. Para se ter uma ideia, quando Napoleão Bonaparte dominava a Europa.,o príncipe regente de Portugal, D. João (futuro rei D. João VI) ofereceu D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga), que tinha então apenas nove anos, para se casar com a sobrinha de Napoleão para convencer o Imperador francês a não atacar Portugal. Devo dizer aqui que essa ideia não colou muito e Napoleão não aceitou. Assim, não era de se chocar na época que o futuro rei e rainha da França já estivessem prometidos um ao outro com apenas onze e quatro anos, respectivamente. Outra coisa que chama muito a atenção é a enorme quantidade de doenças que esses membros de famílias reais europeias contraíam. Isso acontecia em parte não apenas por causa da medicina menos avançada da época, mas também porque havia um certo grau de parentesco entre esses membros de famílias reais dos países, com eles se reproduzindo entre eles, o que gerava pessoas com um sistema imunológico mais fraco (a própria expressão “sangue azul” vem do fato de que as pessoas, por serem muito debilitadas, ficavam pálidas com as veias azuis todas à mostra). Havia casos até de meninas hemofílicas que morriam na primeira menstruação. O filme toma muito cuidado de se mostrar como vários membros das famílias reais eram acometidos de doenças, algo que atormentava Luís XV, onde o menino dizia que todos os que estavam à sua volta morriam.

Filme tem grande atuação de Lambert Wilson…

Se o filme mostra alguns aspectos relativamente fidedignos com relação à cultura de Antigo Regime, por outro lado há alguns elementos que parecem fugir um pouco disso como, por exemplo, a atitude muito empoderada de Louise Elisabeth em pleno século XVIII, que resistia bravamente a todas as imposições do sistema. Parece que foi algo exagerado e, pela posição de submissão da mulher na época, a impressão é de que a moça aceitaria com mais resignação tal situação. O choro de Felipe V ao se despedir da filhinha parece algo, por outro lado, mais aceitável, até porque o rei espanhol era muito instável emocionalmente. Aliás, Wilson mostrou um poder de atuação como poucas vezes foi visto. Ele foi excelente como o rei atormentado pela sombra de Luís XIV, seu antepassado e modelo de rei absolutista.

Agora, somente mais um pequeno spoiler. Maria Anna Vitória acabou não vivendo com Luís XV (ela foi singelamente “devolvida” para a Espanha) e, anos mais tarde, se casaria com D. José, que seria o rei de Portugal. Assim, Maria Anna Vitória é mãe de D. Maria I (a Louca), avó de D. João VI e bisavó de D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga).

Assim, “Troca de Rainhas” é uma boa dica para quem gosta de Cinema e de História, pois é um filme que busca analisar com uma certa precisão as nuances da cultura de Antigo Regime e o faz numa linguagem fácil, sem que a narrativa seja muito elaborada, não se exigindo muito da atenção do espectador. É um filme de fácil compreensão que passa bem rápido, por sua qualidade. Isso sem falar no bom figurino e reconstituição de época. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – A Mula. Tráfico Na Terceira Idade.

Cartaz do Filme

Clint Eastwood está de volta assinando a direção e atuando como protagonista em “A Mula”, um filme baseado numa história real um tanto inusitada. Um senhor beirando os noventa anos, que cultivava lírios e que passou a transportar drogas em sua picape em virtude de problemas financeiros. Uma película de tema espinhoso mas, ao mesmo tempo, com uma certa dose de humor em virtude da personalidade do ancião. Lançaremos mão dos spoilers aqui.

Um veterano de guerra com problemas financeiros…

Vamos ao plot. Earl Stone (interpretado por Eastwood) é, como foi dito, um homem que cultiva lírios e é uma personalidade dentro de seu microcosmos, sempre ganhando os concursos de expositores. Por causa disso, ele é muito afastado de sua família, o que provoca atritos com a filha e a esposa, embora sua neta tenha um comportamento mais complacente com ele. O problema é que nosso protagonista se afundará em dívidas e acaba perdendo sua propriedade onde os lírios eram cultivados. Ele, sem ter onde ir, aparece na festa de casamento da filha, mas é expulso por ela.

Problemas com a família…

Um dos convidados começa a conversar com ele e percebe que sua picape não deixa qualquer suspeita. Stone se gaba de nunca ter recebido uma multa sequer depois de décadas dirigindo. O convidado, então, dá um cartão para ele, oferecendo uma espécie de proposta de emprego que é apenas dirigir. Como Stone está na pindaíba, ele aceita. E cai no meio de um monte de traficantes mexicanos, onde ele transporta drogas em enorme quantidade. A primeira vez deu certo, ele ganhou uma grana boa. Daí, decidiu que seria apenas aquela vez. Entretanto, a necessidade de mais dinheiro para suas dívidas o empurrou para um segundo, terceiro, quarto serviço, não saindo mais e cada vez se enrolando mais e mais à medida que fazia as viagens.

Ops, a polícia…

É um filme com uma história inusitada e que chama muito a atenção pelo fato de a gente não ver um Clint Eastwood durão que sai dando tiros para cima de todo mundo como estávamos acostumados com seus filmes mais antigos. Pelo contrário, ele é um senhor em idade bem avançada e corre muitos perigos nas mãos dos bandidões bem mais novos que ele. Como ele não pode mais ser um “Dirty Harry”, resta aqui a gente ver um idoso de gênio um tanto forte (ele engrossa algumas vezes para cima dos traficantes na sua condição de veterano da Guerra da Coreia) mas que também sabe levar a vida na flauta, fazendo tudo com improviso e bom humor, para o desespero dos traficantes que tinham as suas ordens sempre desrespeitadas. Aí, o leitor pode perguntar: e por que os traficantes não deram um fim nele? Porque ele era uma mula extremamente eficiente e transportava muitos quilos de cocaína, o que não era para qualquer um. Stone até caiu nas graças do chefão mexicano Laton (interpretado por Andy Garcia). Assim, se o filme trabalha um tema policial, bem ao estilo de Eastwood, o diretor também soube acrescentar um humor simpático à história, o que somente aumentou a empatia do público com o protagonista.

O crime compensa???

Além do tema policial e do tema do humor, o filme também tem um bom conteúdo dramático, pois Stone era um cara que se afastou de sua família e tentou recuperar o tempo perdido, mesmo que as tarefas do tráfico pudessem colocar um empecilho nisso, É claro que essa tarefa foi um tanto árdua, já que anos de ressentimento não desaparecem de uma hora para a outra, e essa tentativa de reconquista deu um sabor todo especial ao filme e foi determinante num ponto chave da trama, mas não vou ficar dando mais spoilers por aqui.

Rompantes de durão…

O filme também prima pelo bom elenco. Além de Eastwood e Garcia, temos figuras como Laurence Fishburne, Bradley Cooper e Michael Peña, que fazem os policiais que investigam a mula nonagenária. Foi muito legal ver Eastwood e Cooper (que já participou de outro filme do diretor, “Sniper Americano”) contracenando juntos e falando sobre família.

Boa participação de Bradley Cooper…

Assim, “A mula” é mais um bom filme de Eastwood, que mostra um talento e tanto como diretor de cinema, mas que de vez em quando tem que aparecer na telona para matar a saudade de seu público. Um filme onde ele agora é um senhor em idade avançada e não pode mais ser o policial durão ou o cara que sai destruindo tudo. Mas é um velhinho meio duro na queda e engraçado. Um veterano de guerra que não leva desaforo para casa. E laureado por um bom elenco. Típico filme que a gente vai para ver os atores que gosta. Imperdível.