Batata Movies – O Jovem Karl Marx. Socialismo Científico, Socialismo Utópico E Porrada Na Burguesia.

                  Cartaz do Filme

Uma co-produção alemã, francesa e belga em nossas telonas. “O Jovem Karl Marx” fala dos anos de juventude do famoso pensador socialista, justamente na época em que ele conhece Friedrich Engels e os dois começam a tocar o projeto de desenvolver o socialismo científico, em detrimento ao socialismo utópico.

                             Dupla Dinâmica!!!

Temos aqui uma dupla preocupação no roteiro. A primeira é mostrar a vida pessoal desses dois pensadores, tanto no âmbito dos relacionamentos familiares dos dois quanto no próprio relacionamento entre os protagonistas. Vamos ver aqui como Karl Marx teve uma vida, digamos, mais proletária, vivendo de seus textos considerados subversivos que mais colocavam ele na cadeia e no exílio do que lhe rendiam alguma grana.

               Proudhon, um socialista utópico…

Ainda, Marx tinha uma esposa de origem mais burguesa. Por outro lado, Engels vinha de família rica e trabalhava na fábrica do pai, um implacável empresário capitalista, tendo um difícil acesso à classe trabalhadora, conseguindo depois de muito insistir. Isso lhe dava uma visão mais ampla de como viviam a burguesia e o proletariado. Se Marx teve uma esposa burguesa, Engels, por sua vez, se casou com uma proletária. As duas origens diferentes dos pensadores também influenciavam em seus comportamentos. Marx era mais impetuoso e combativo; já Engels era mais contido e diplomático.

                     Filme trabalha vida pessoal dos protagonistas…

Mas o filme é, também, uma discussão de teorias, sendo essa a segunda preocupação do roteiro. Pudemos ver os protagonistas interagindo com vários pensadores em meados de 1830, 1840: Proudhon, Bakunin, Weitling, etc. A principal crítica de Marx aos seus pensadores contemporâneos era a de que eles criavam ideias um tanto abstratas, sem uma base teórica mais coesa e científica. Por isso mesmo, tais pensadores ficaram conhecidos como socialistas utópicos. O filme deixa a entender que os socialistas utópicos estavam na vanguarda do pensamento socialista na Europa e, de repente, dois jovens um tanto arrogantes aparecem trazendo um novo modo de se ver as coisas, justamente pautados nessa teoria mais científica e coesa que analisaria a fundo a sociedade e as relações de produção. O filme mostra, com maestria e interesse, como foi para Marx e Engels penetrar nesse clube dos socialistas utópicos e, pouco a pouco, mostrar a importância de um socialismo mais científico.

                     … mas não se esquece das discussões teóricas…

Só é pena que o filme vá até o Manifesto Comunista, escrito numa linguagem de mais fácil entendimento para o proletariado, e não se aprofunde um pouco mais no desenvolvimento da teoria do socialismo científico. Isso seria uma espécie de cereja do bolo que é o filme. Mas, mesmo com essa pequena e incômoda ausência, tivemos ainda um filme altamente inteligente e instigante, onde o trabalho dos dois atores que interpretaram os protagonistas (August Diehl interpretando Marx, e Stefan Konarske interpretando Engels) esteve sublime. Diehl nos deu um Marx altamente simpático, que sabia ser enérgico, mas também bem humorado e divertido. Já Konarske nos deu um Engels delicado, refinado, muito compreensivo e diplomático. Essa dupla teve uma excelente química e ajudou muito a colocar o espectador em sintonia com as discussões teóricas presentes na película.

       Os verdadeiros Engels (esquerda)  e Marx, com suas esposas…

Assim, “O Jovem Karl Marx” é um filme imperdível, que nos ajuda a entender melhor o que os pensadores socialistas do século XIX desenvolviam e, com isso, diminui um pouquinho o nó na cabeça das pessoas de hoje em dia, que tem falado coisas tão abomináveis por aí por pura falta de um entendimento mais aprofundado das coisas. Esse é um tipo de filme que deveria ser mais acessível a todos e vale muito a pena ter uma cópia e guardar, pois se constitui numa opinião um tanto diferente da veiculada nos círculos da grande mídia. Programa imperdível para cinéfilos e historiadores, seja de qual ideologia eles seguirem.

Batata Movies – O Rei Do Show. Respeitável Público, A História Do Circo.

                                                     Cartaz do Filme

Todo mundo gosta do Hugh Jackman (ou, pelo menos, é raro encontrar quem não goste dele). Imortalizado por ter feito oito filmes com o personagem Wolverine, Jackman corre o risco de ficar lembrado para sempre como o ator de um personagem só, o que é um verdadeiro estigma para um profissional dessa área, dependendo do ponto de vista. Pois bem. Ele volta às telonas investindo novamente num gênero que nem sempre o público contemporâneo (pelo menos daqui do Brasil) entende muito: o musical. E Jackman já teve uma grata experiência ao filmar “Os Miseráveis”, que também vai nessa linha dos filmes musicais. Entretanto, agora Jackman tem a chancela de ser o ator protagonista do bom “O Rei do Show”, com todas as atenções voltadas a ele. Um grande desafio em sua carreira e que, cá para nós, rendeu bons frutos.

Um homem luta pata pôr sua ideia em prática…

O filme fala da história de P. T. Barnum, um homem de infância pobre que queria se casar com uma garotinha rica e entrou para o show business numa Nova York do século XIX. O homem conseguiu comprar um prédio depois de passar uma conversa no gerente de um banco e conseguir um empréstimo. O prédio era uma espécie de museu abandonado com vários animais empalhados. A coisa não ia muito bem (praticamente ninguém visitava o museu), quando uma das filhinhas de Barnum sugeriu ao pai que ele tivesse atrações vivas. Foi aí que ele buscou pessoas de grupos sociais vistos com espanto e desprezo pela sociedade mais tradicional: anões, pessoas obesas, irmãos siameses, mulher barbada, etc.

                   Sonho colocado em prática

Isso mesmo, caro leitor, está aí a gênese do circo. Mas, se por um lado, o agora circo vivia cheio, com as mais variadas atrações, por outro, a crítica nos jornais era muito severa, dizendo que o que Barnum fazia não era teatro e sim um embuste, o que fez que o circo também sofresse perseguições. Pouco a pouco, Barnum foi vencendo todas as dificuldades e se tornou um empresário de sucesso. Mas ele enfrentaria outras dificuldades não somente provocadas pelo preconceito, mas também por suas atitudes.

                      Negociando contratos…

Esse é o tipo do musical que não é uma cópia descarada de algo produzido pelo teatro, onde testemunhamos números musicais o tempo todo. Apesar dos números musicais serem até demasiadamente longos em alguns momentos, há também o cinema e sua narrativa, como nos musicais mais antigos. Os números musicais são muito instigantes e dão um sabor todo especial à película (sou muito suspeito para falar, pois adoro os musicais de antigamente e vejo com muitos bons olhos quando esse gênero é revisitado nos dias atuais). Mas o filme não é somente isso. Ele também traz a mensagem da necessidade de inclusão e aceitação das diferenças, onde componentes raciais, eugênicas e sociais foram lembradas. Tais mensagens de inclusão foram bem reforçadas em alguns números musicais, e aí pudemos ver como o cinema cumpriu sua função social de denúncia utilizando um gênero que era até visto como alienante em tempos pretéritos (sabe-se que os musicais foram muito criados em cinema para desviar um pouco a atenção do grande público das agruras da vida nos anos da Grande Depressão, lá para o fim da década de 20 e ao longo da década de 30). Assim, foi muito legal ver como esse filme traz uma reflexão e uma mensagem, além do entretenimento espetaculoso desse gênero que, toda vez que aparece, chama a atenção.

                       A mulher barbada!!!

Pode-se dizer que esse filme foi uma espécie de presente para Jackman, pois ele pôde destilar todo o seu talento por lá. O homem atuou bem, dançou, pulou, cantou, agarrando bem a chance de ser protagonista e transpirando simpatia para todo o público. Mas o filme também teve boas participações de Michelle Williams, Rebecca Ferguson e Zac Efron. Um destaque especial deve ser dado à atriz Zendaya que, além de ser muito jovem (é nascida em 1996), teve as atenções concentradas nela em virtude de ser negra e sua personagem sofrer discriminação racial e social.

                            Uma grata surpresa em forma de musical

Assim, se você gosta de um bom musical sobre um tema que, creio que ninguém fica indiferente, que é o circo, não deixem de ver “O Rei do Show”, pois inclusive o filme concorre a três Globos de Ouro, que são: melhor filme (musical ou comédia); melhor canção original; e melhor ator (comédia ou musical) para Hugh Jackman. É um filme do qual você sai levinho, não sem deixar de dar uma refletida.

Batata Movies – Com Amor, Van Gogh. Os Últimos Dias De Um Gênio.

                   Cartaz do Filme

Passou recentemente em nossas telonas um filme bem curioso. “Com Amor, Van Gogh” busca cobrir os últimos dias do famoso pintor Vincent Van Gogh, onde pudemos testemunhar todo um rosário de suas desventuras e desesperos, até culminar em sua morte. Um filme que fala da sensibilidade de um homem totalmente atormentado por si mesmo, mas também por pessoas que não entendiam que ele era uma figura que precisava de ajuda.

                      Um artista atormentado…

O enredo do filme vai se desenrolar a partir do pedido que o carteiro de Van Gogh, Joseph Roulin (interpretado por Chris O’Dowd) faz ao seu filho, Armand (interpretado por Douglas Booth) de entregar uma carta de Vincent ao seu irmão, Theo.

               Um carteiro barbudo e seu filho…

Inicialmente, Armand não estava nem aí para tal tarefa, mas seu pai consegue convencê-lo a fazer uma viagem para entregar a carta. A partir daí, Armand vai mergulhar numa espécie de investigação sobre o que aconteceu com o artista desde quando ele decide começar a  pintar até o fim de sua vida. Num momento da película, dá-se a entender que Armand suspeitou que Van Gogh poderia ter sido assassinado. Mas, à medida que o filho do carteiro se inseria mais e mais nesse curioso mundo, a certeza do suicídio do artista somente crescia.

      Reprodução de quadros do artista no filme…

Esse é um filme de andamento muito lento, com a busca do filho do carteiro beirando o enfadonho. O que era realmente curioso era a reconstituição dos passos do pintor e sua vida altamente depressiva até o seu momento final. Claro que toda essa reconstituição se dava quando o filho do carteiro ia entrevistando as pessoas que tiveram algum tipo de contato com o artista e víamos os momentos atormentados de sua vida em flash-back. Mas esse não foi o grande destaque do filme e sim o fato de que a película foi pintada à mão, onde dá-se a impressão de que temos uma animação à óleo acontecendo, onde são reproduzidos muitos quadros do pintor, ficando a sensação de que vemos uma verdadeira obra de arte em movimento. O filme ainda tem a grande característica de, ao seu final, fazer uma espécie de inventário de todos os personagens (reais) que apareceram ao longo do filme e tiveram uma participação na vida de Van Gogh. Ou seja, o filme tem um quê altamente descritivo e possuir uma cópia dele é altamente justificável se você deseja ter detalhes da biografia desse grande artista.

    Pessoas que fizeram parte da vida do artista…

Assim, “Com Amor, Van Gogh” pode até ter um roteiro um tanto arrastado e chato, se a gente se prender à toda a intenção do filho do carteiro de investigar um suposto assassinato do artista, mas, por outro lado, o efeito de animação é altamente interessante e instigante, tornando a película algo bonito de se ver, sem falar na descrição detalhada da biografia de Van Gogh e das pessoas que o cercavam. Vale a pena dar uma olhada nesse quando do lançamento do DVD, pois infelizmente o filme já saiu de cartaz.

 

Batata Movies – Verão 1993. Idílios E Vírus.

                   Cartaz do Filme

Um filme espanhol falado em catalão e premiado no Festival de Berlim já paira há algum tempo em nossas telonas. Trata-se do curioso “Verão 1993”, uma película um tanto idílica escrita e dirigida por Carla Simón, que fala de uma menininha chamada Frida, uma garotinha que tem aparentemente uma boa vida, mas que seu passado guarda um trágico acontecimento. E aí, a mocinha mal sabe do porquê de sua guinada na vida.

Frida. Uma menina que perdeu seus pais…

Frida morava na casa dos avós paternos. Tanto o seu pai quanto sua mãe haviam morrido de uma forma misteriosa. Com o tempo, Frida irá morar na casa do tio, que tem uma esposa e uma filhinha chamada Anna, que será a sua amiguinha. A casa dos tios fica no campo e ela terá uma vida idílica com sua nova família. Por um bom intervalo de tempo no filme, vemos duas menininhas (uma na casa dos seis anos e outra na casa dos três anos) brincando e se divertindo no quintal de uma casa cercada por florestas por todos os lados, algo que pode ser muito maçante e que te coloca uma dúvida na cabeça do porquê desse filme ter sido tão bem falado num festival de importância como o de Berlim. Entretanto, com o desenvolver da película, a gente vai começando a perceber a sua importância, quando sabemos que o pai e a mãe de Frida morreram de um “vírus” (agora fica óbvio o que os matou) e de como a menina passa a ter dificuldades de relacionamento com seus tios e com a priminha, já que ela foi criada com muito mimo pelos avós em virtude de sua situação trágica e sua postura pode, inclusive, levar a algumas situações um tanto perigosas, o que vai provocar sérias dificuldades de relacionamento e mostrar que a vida idílica no campo pode não ser tão idílica assim.

                   Brincadeiras de criança…

Mesmo que o filme seja em grande parte muito arrastado, esses pequenos elementos nos despertam a curiosidade e nos chamam a atenção. Agora, creio que o que mais chamou a atenção na película foi o seu desfecho (que, infelizmente, não posso contar aqui), pois ele destoou totalmente de toda a situação de anticlímax da película e bombardeou o espectador com uma explosão emocional, marcando uma espécie de “fim de infância”. Nesse momento, o espectador é sacudido da letargia que entorpecia todo o filme para uma postura mais comovida, vindo em seguida, o fim abrupto, deixando quem assistia suspenso no ar na cadeira, sem saber muito o que fazer com o que via. Obviamente, uma situação de grande impacto.

               Com Anna, sua nova amiguinha…

Assim, se “Verão 1993” é um filme em sua grande parte lento e letárgico, alguns pequenos elementos que são introduzidos em seu desenrolar fazem com que o espectador prenda sua atenção na tela e o final totalmente destoante de toda a sua execução fisga com maestria a todos que o assistem. Esse pode ser o segredo de todos os louros de sua premiação, não sem constatar que a película tem os seus valores, tais como um retorno aos dias de infância. Vale a pena dar uma conferida, apesar da letargia.

https://www.youtube.com/watch?v=tbkfqwV6AAQ

 

Batata Movies – Suburbicon: Bem Vindos Ao Paraíso. Doce Utopia Distópica.

              Cartaz do Filme

Os irmãos Ethan e Joel Cohen voltam a atacar e assinam o roteiro, juntamente com George Clooney (que também é o responsável pela direção) do bom filme “Suburbicon: Bem Vindos ao Paraíso”. Mais uma vez temos o (des) prazer de constatar como algumas estruturas consideradas muito arcaicas na sociedade estadunidense ainda se fazem presentes, principalmente quando vemos alguns discursos de ódio proferidos por alguns grupos por aí. Tais grupos já não deveriam ter um mínimo de voz, mas parecem que estão cada vez mais poderosos e atuantes, pois o discurso retrógrado de um filme que se passa em tempos pretéritos soa ainda muito familiar.

                          Um pai exemplar…

O filme em si se passa em meados da década de 50, quando o “American Way Of Life” institucionalizou a vida paradisíaca nos subúrbios, longe da agitação das grandes cidades, formando comunidades isoladas e um tanto autossuficientes, com serviços próprios de comércio, bombeiros, hospitais, etc., tudo para que os moradores desses supostos “Édens” paradisíacos não necessitem sair de seu bairro isolado do resto da humanidade. Suburbicon será o paradigma ideal desses bairros de subúrbio. Mas a coisa muda um pouco de figura quando um casal negro vai morar no bairro, o que provoca o afloramento de um racismo num lugar onde nunca ninguém sequer teve a leve intenção de escondê-lo. Duas irmãs gêmeas que eram vizinhas do casal negro (ambas interpretadas por Julianne Moore) induzem o menino da casa a brincar com o filho do casal negro para quebrar um pouco o gelo. À noite, a casa será invadida por dois homens que irão usar clorofórmio nas irmãs, no chefe da família (interpretado por Matt Damon) e no menininho. Todos irão parar no hospital e uma das irmãs morrerá, pois ela era tetraplégica e era mais fraca que os demais. Essa irmã tetraplégica é mãe do menininho e esposa do chefe da casa. A partir daí, o filme se desenrolará numa sucessão de tramas onde o racismo é apenas a ponta do iceberg e o menor dos problemas.

                           Uma titia boa pinta…

Esse é um filme, acima de tudo, sobre como uma comunidade aparentemente austera como a branca americana pode produzir algumas células desajustadas aqui e ali, embora toda a motivação do crime seja mais um caso particular que quer se espelhar como geral. Ou seja, os artífices de um crime bem peculiar não necessariamente devem ser encarados como um produto da sociedade (nem todos da sociedade WASP cometeriam tal delito), mas, por outro lado, o filme alerta como tal manifestação um tanto psicótica pode acontecer nas melhores famílias. Como a sociedade de Suburbicon está mais preocupada em execrar a família negra, ela mal percebe que toda uma trama diabólica provocada por seus vizinhos de bem acontece bem debaixo de seu nariz. Mas essa sociedade aparentemente etérea e não psicótica pode tomar atitudes bem desprezíveis ao atacar com violência a família negra. Nesse ponto, podemos dizer que há uma doença em nível social.

             Um investigador inescrupuloso…

Dá para perceber, pela descrição acima, que a coisa não é muito trivial. Não é à toa que a película toma direções um tanto absurdas em alguns momentos, o que ajuda muito a prender a nossa atenção. Todo esse absurdo destoa completamente daquela sociedade altamente utópica e nos lança dentro de uma distopia e de uma psicose total.

Os atores estiveram muito bem. Moore teve a competência de interpretar dois papéis um tanto diferentes. Damon, ao fazer o pai íntegro, consegue conduzir bem o jogo da trama, que vai se desabrochando aos poucos, atraindo a atenção do espectador. Tivemos, também, a ótima presença de Oscar Isaac, como um corretor de seguros que investiga falcatruas de seus clientes, sendo simpaticamente cínico e perigoso, numa mostra de que ele não deve apenas ser lembrado como o Poe Dameron de “Guerra nas Estrelas”. Mas devemos dar um destaque todo especial ao ator mirim Noah Jupe (que também está no filme “Extraordinário”) que fez o papel do filho da família protagonista. Foi ele que começou a perceber que o crime praticado em sua casa tinha um rumo um tanto diferente do que parecia que ia tomar. E o menino convenceu bastante ao ficar indefeso nas mãos de um monte de adultos sem escrúpulos.

            Um menino que percebe uma fria…

Assim, “Suburbicon” é mais um daqueles filmes dignos de nota, pois ele nos ajuda a pensar sobre questões do cotidiano como o conservadorismo, o racismo e de como um verniz de utopia pode ser algo muito frágil ao esconder uma distopia total. Um crime que toma rumos um tanto inesperados que passam despercebidos numa sociedade cega por suas convenções retrógradas. Um filme que abraça o inusitado e o absurdo, tornando-o mais interessante do que uma película meramente reflexiva. Um filme imperdível.

https://www.youtube.com/watch?v=P6BnHrdRCUM

Batata Movies – Lumière, A Aventura Começa. Uma Linda Homenagem.

                 Cartaz do Filme

Esse final de ano nos brindou com um excelente documentário. Eu diria mesmo um grande presente de Natal. “Lumière, A Aventura Começa”, é um deleite para os olhos de qualquer fã de cinema. Realizado de forma muito simples por Thierry Frémaux e contando com a presença mais que ilustre de Bertrand Tavernier e Martin Scorsese, esse singelo documentário é uma homenagem aos irmãos Lumière, que são considerados os pais fundadores do cinema moderno.

    O famoso filme da saída da fábrica Lumière

O filme consiste basicamente em apresentar 108 dos cerca de 1400 filmes dos irmãos Lumière, com a narração de Frémaux. Essas 108 películas de cerca de cinquenta segundos cada uma foram divididas em vários assuntos. Tivemos a oportunidade de ver a famosa saída dos trabalhadores da empresa Lumière, considerada o primeiro filme de cinema, e saber que houve várias versões desse filme. Outras películas onde apareciam crianças da família dos irmãos cineastas já ensaiavam os primeiros closes.

            Dando tchauzinho para a câmara…

O documentário também deixa claro que, apesar dos filmes terem a intenção, na maioria das vezes, de registrar a vida cotidiana, os irmãos Lumière sempre os faziam com alguma encenação, mesmo que fosse mínima. O filme que mostrava a demolição de uma parede teve a curiosidade de ser rebobinado numa sessão com a luz do projetor acesa, o que provocou grande espanto do público ao ver a parede sendo “remontada”.

              Um dos primeiros filmes de humor…

Outra curiosidade foi o fato de que os dois cineastas começaram a viajar pelo mundo para tirar “vistas” de outros países considerados mais exóticos aos olhos dos europeus, como o Egito. Mas tomadas da Inglaterra, Estados Unidos e do próprio sul da França também estão entre essas tomadas “estrangeiras”. Os irmãos Lumière também fizeram filmes de enredo, geralmente comédias, onde sempre aparecia uma pessoa rindo da situação para mostrar de que se tratava de um filme cômico que terminava, na maioria das vezes, em cenas de pancadaria deliciosamente simulada. Era muito interessante ver que existia ainda toda uma preocupação em se mostrar alguns tipos de trabalho ou então detalhes da modernidade que assolava aqueles dias do fim do século 19 ou também alguns esportes como o ciclismo. Um filme em específico choca bastante: duas ricas francesas, na Indochina, às risadas, jogando moedas para uma população local faminta e desesperada por algum dinheiro que pudesse amenizar sua pobreza.

Uma das salas de cinema dos Lumière na Inglaterra

Frémaux é categórico ao dizer que esse filme hoje é um documento ícone do neocolonialismo francês na Ásia. Mas, cá para nós, isso também não lembra uma situação muito específica que vemos num programa de TV de um país sul-americano cujo nome começa com “B” e não é a Bolívia?

                                     Os caras!!!

Assim, “Lumière, A Aventura Começa” é um programa obrigatório para todos os cinéfilos de plantão, pois descortina com maestria parte da prolífica produção dos irmãos Lumiére, sendo um testemunho do nascimento do cinema e uma fonte histórica inestimável de tempos muito antigos, mas nem por isso, menos interessantes. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.

 

Batata Movies – Professor Marston E As Mulheres Maravilhas. A Gênese De Uma Heroína.

                  Cartaz do Filme

Um filmaço em nossas telonas. “Professor Marston e as Mulheres Maravilhas” conta a história real de William Moulton Marston, um professor universitário de psicologia que ficou conhecido por desenvolver um tipo de detector de mentiras e por conceber a famosa heroína Mulher Maravilha dos quadrinhos. O filme tem todo um charme especial, até porque a vida de nosso professor Marston foi extremamente singular, ainda mais para a época em que ele viveu (ali pela década de 20, 30, 40…). Singular eu digo por ele ser um homem à frente de seu tempo, desafiando de peito aberto as convenções rígidas da sociedade americana e caretíssima da época, embora ele não tenha feito isso sozinho.

                    Um professor e sua esposa…

Pois bem, nosso professor Marston (interpretado por Luke Evans, que as pessoas lembram mais por seu papel na mais recente versão de “Drácula”) criou uma teoria em psicologia que ele queria usar para compreender as relações humanas. Marston vivia com sua esposa Elisabeth (interpretada por Rebecca Hall), outra pesquisadora formada que tentava, sem sucesso, seguir sua carreira acadêmica, pois não era aceita nos doutorados da vida por ser mulher. Ambos observavam as pessoas no campus da universidade e observavam o comportamento delas para suas pesquisas. Até que um dia surgiu uma jovem lourinha muito bonita de nome Olive (interpretada pela fofíssima Bella Heathcote) que logo interessou ao casal, que queria trabalhar em especial com a moça. Esse singular relacionamento a três foi sendo balizado e dilapidado pelo detector de mentiras que Marston havia desenvolvido, chegando a algo muito inusitado para a época e servindo de inspiração para Marston conceber a Mulher Maravilha posteriormente. Mas não entrarei em mais detalhes por causa dos spoilers.

                   Uma aluna muito atraente…

O filme surpreende principalmente aqueles que não conhecem o universo dos quadrinhos da Mulher Maravilha, pois a heroína foi concebida originalmente de uma forma bem diferente da apresentada hoje em dia. Entretanto, já podíamos presenciar na película muitos elementos que reconhecemos hoje na Mulher Maravilha: os braceletes, a roupa apertada e curta, a tiara, a influência da cultura grega antiga, o laço que forçava as pessoas a falar a verdade, etc. Fica bem claro que a personagem foi fortemente inspirada nas duas mulheres que faziam parte da vida de Marston, ou seja, Elisabeth e Olive.

                 Um relacionamento singular…

Esse também é um filme que fala do assunto de superar tabus e preconceitos numa sociedade com um conservadorismo extremamente indócil, onde as pessoas acham que podem ditar o seu modo de vida, desvalorizando e perseguindo aqueles que não rezam por sua cartilha. O professor Marston, Elisabeth e Olive enfrentaram juntos situações muito escabrosas em vários momentos, levando a contenda de cabeça erguida em alguns episódios, mas fraquejando em outros, o que despertava um sofrimento enorme, e que nos ajudava a lembrar de que se tratava de seres humanos ali, independentemente de suas escolhas de vida e de convenções sociais.

Os três atores protagonistas estiveram muito bem. Não conheço toda a carreira de Evans, mas dos filmes que vi, esse foi disparado o que teve a sua melhor atuação. Rebecca Hall estava simplesmente primorosa, no seu papel da forte e, ao mesmo tempo, frágil Elisabeth. A belíssima Bella Heathcore não chegou ao nível dos dois atores já descritos aqui, mas ela emocionava muito nos momentos mais dramáticos. Ou seja, eles formaram uma trinca de respeito que vendeu bem a ideia principal do filme, que é a de ser feliz, não importa o que seu entorno diga de sua felicidade e de seu modo de vida. Outro grande barato da película foi ver algumas páginas de quadrinhos originais da Mulher Maravilha, tal como ela fora concebida pelo Professor Marston. Esse pequeno detalhe já é motivo suficiente para justificar o preço do ingresso do filme para os amantes dos quadrinhos.

                  Busca por novas experiências…

Assim, “Professor Marston e as Mulheres Maravilhas” é um filmaço que deve ser assistido por todos. Pelos amantes dos quadrinhos, pelos amantes de um bom filme que reflete sobre os avanços e retrocessos da mentalidade de uma sociedade e pelos amantes do chamado empoderamento feminino que circula por aí hoje, cuja gênese foi formada há várias décadas e da qual a Mulher Maravilha é o seu maior ícone. Esse é o caso clássico do filme que é para ver, ter e guardar. Programa imperdível.

Batata Movies – A Bela Da Tarde. Surreal Disputa Entre Real E Onírico.

                                                    Cartaz do Filme

Ao que eu me lembre, só havia visto um filme de Luís Buñuel, o longínquo “Um Cão Andaluz”, lá da época do cinema mudo e um dos ícones clássicos do surrealismo. Qual não foi a minha surpresa quando vi que estava em circuito uma cópia restaurada de “A Bela da Tarde”, em comemoração aos cinquenta anos da película, realizada lá no ano de 1967, com Catherine Deneuve no auge de sua juventude e beleza? Essa era uma oportunidade de ouro e me despenquei lá para o Espaço Itaú para assistir.

                                       Uma esposa frígida e recatada…

E quais foram as impressões? Esse é um filme que tem um enredo um tanto manjado (alerta de spoiler em filme de cinquenta anos!!!). Uma esposa frígida sexualmente (interpretada por Deneuve), que tem um marido dedicado e bem sucedido na carreira de médico, vive atormentada com sua condição, mesmo com toda a compreensão do mundo do cônjuge. Um belo dia, ela descobre, por intermédio de uma amiga, que os famosos prostíbulos ainda existem nas ruas de Paris. Tomada por toda uma curiosidade, ela visita um deles e começa a trabalhar como prostituta, algo que vai transformar sua vida, pois a moça fica bem mais ativa com suas experiências sexuais, e ela consegue levar uma vida mais afável com o marido. O problema é que um dos amigos do marido, tremendamente inconveniente com a moça, a descobre no prostíbulo, o que faz a esposa largar a profissão em que ela somente pode estar à tarde (daí o título do filme). Mas um de seus clientes é um perigoso bandido que descobre seu endereço e acaba atirando em seu marido, que fica paralítico.

     … tem uma vida tranquila com o marido…

Esse drama um tanto sexual com ares de tragédia cairia num lugar comum não fosse uma pequena batalha presente na estrutura narrativa da película. Os pólos atuantes desse embate são o mundo real e o onírico, onde um não respeita o limite do outro. Assim, no início da película, presenciamos uma situação onde o casal anda numa carruagem e fala da frigidez da esposa.

                        Fetiches surrealistas…

Num rompante, o marido para a carruagem e ordena aos cocheiros que chicoteiem e estuprem a moça. Mas isso na verdade é somente um devaneio fetichista da esposa, que está segura na cama de seu quarto. Esse é apenas um dos exemplos que permeiam todo o filme, com o detalhe de que o onírico é extremamente inusitado, beirando o surreal, algo que tem tudo a ver com um diretor como Buñuel. O leitor mais atento pode então frisar que esse jogo de gato e rato entre o real e o onírico então é de fácil percepção, ou seja, é só tudo se tornar surreal que sabemos o que é real e o que é invenção da mente da esposa. Vemos até umas armadilhas relacionadas com essa ideia em alguns momentos do filme. Mas a coisa não é tão simples assim e o fio narrativo que considerávamos como parte do mundo real se revela, ao final da película, nada mais do que um outro devaneio ilógico da esposa, que aparece finalmente como uma perfeita casada no mais perfeito dos mundos.

                                Ela experimenta a vida de prostituta…

Essa brincadeira um tanto lúdica entre o real e o onírico com toques de surrealismo é a grande atração do filme depois da beleza estonteante de uma jovem Deveuve de cinquenta anos atrás.

    …com direito a algumas ligações perigosas…

Assim, “A Bela da Tarde” justifica toda a sua fama de ser um clássico da história do cinema, com a chancela de dois nomes fortes do porte de Buñuel e Deneuve. Se o estimado leitor não tiver a oportunidade de assistir a essa cópia restaurada que está em circuito, procure em DVD ou no Youtube, pois vale muito a pena, não somente para os amantes de um bom cinema como também para admirar a beleza de uma diva das telonas.