Batata Movies – Comeback. Retorno À Moda Antiga.

                   Cartaz do Filme

Nelson Xavier era um baita ator. Imortalizou-se como Lampião na tv, mas destilava seu talento também no cinema. É o que podemos ver aqui nesse “Comeback”, um filme sobre matadores e chacinas. Uma película que alguns críticos têm rotulado como uma espécie de homenagem ao faroeste. Pode até ser, embora eu creia que, antes disso, esse filme pode ser encarado de outras formas, onde a nossa realidade social brasileira se mostra de um jeito muito mais latente. Um filmão sobre o Brasil em si, com leve verniz de western, talvez.

Amador. Um homem que se vangloria de seu passado

Vemos aqui a história de Amador (interpretado por Xavier), um pistoleiro aposentado que coleciona um álbum de recortes de jornal, cujas chacinas lá noticiadas teriam sido obra dele. Amador tem uma vida difícil, trabalhando para um rico empresário que espalha suas máquinas de caça-níqueis em barzinhos da periferia. Cabe a Amador entregar estas máquinas. Ainda, uma equipe de filmagem procurou Amador para fazer entrevistas para um documentário sobre chacinas. Essa equipe insistiu que Amador providenciasse três metralhadoras para serem usadas nas filmagens. Só que Amador tem dificuldade em arrumar tais metralhadoras com o empresário para quem trabalha. Fica cada vez mais evidente que Amador perdeu o prestígio de outrora. Cansado de tantas pancadas na vida, Amador decidiu tomar uma atitude. Qual atitude foi essa? Chega de spoilers!

    Trabalhando para o dono da comunidade

O filme em si já é uma curiosidade na escolha do nome do personagem protagonista. A palavra Amador aqui é um paradoxo com o profissionalismo do personagem e com o fato de que uma “pessoa que ama” não cometeria chacinas. Foi uma feliz escolha esse nome. A película também atenta para um importante problema social: a violência e as chacinas, colocando-as como problemas de periferia, o que parece soar falso num mundo em que a violência adquire contornos cada vez mais globais. Também soou falso o fato de as chacinas pertenceram mais a um passado e serem menos prováveis hoje, mesmo que por imposição de uma liderança velada local.

A película adquire um tom de certa melancolia ao tratar o personagem principal como uma pessoa já sem qualquer fama e valor, que vive de um passado glorioso como pistoleiro. A glória e glamour do passado de Amador talvez aproxime o filme da referência ao western, mas é muito mais forte na película a referência ao ostracismo do protagonista e até as dúvidas de seu passado glorioso. Nesse ponto, podemos colocar “Comeback” próximo a um western como “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood. Contudo, o filme ainda nos remete mais aos violentos homicídios ocorridos no Brasil na época da ditadura e de suas perversas e tortuosas relações com membros de uma elite que governam suas áreas com mãos de ferro.

             Preparando um documentário…

O desfecho da película é daqueles que nos incomoda, pois tem a famosa cara de anticlímax, ficando a sensação de que a história está incompleta. Aqui, vou lançar mais uma vez a minha hipótese para uma situação dessas: o anticlímax ao final do filme atua como um choque de realidade, afastando-se do cinema como espetáculo (onde sempre é necessário algo de mirabolante e que traga um bom desfecho para o protagonista, lançando mão do happy end) e se aproximando mais do cinema como imitação da vida, onde as desventuras do dia-a-dia se fazem mais presentes e reais, tirando a oportunidade do protagonista de sorrir no final da história. É um final mais injusto e duro, mas também mais interessante e não tão fantasioso como o happy end que aqui cairia mal em virtude do clima sombrio da película.

Assim, “Comeback” é um filme obrigatório, até para nos despedirmos de Nelson Xavier, mas que também é atraente pela sua amargura. Um filme que, sim, lembra de leve o western mas que se remete muito mais à violência urbana da época da ditadura militar. E um filme que faz um convite à reflexão: até que ponto, em dias contemporâneos de violência global, a chacina pode ser considerada uma coisa do passado e um fenômeno isolado, restrito à periferia? O tal comeback procede? Ou as chacinas sempre estiveram por aí, escondidas de nossos olhos? Vale a pena conferir e refletir.

https://www.youtube.com/watch?v=SsFXL9z4kPs

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Procura De Spock. (Parte 1)

                   Cartaz do Filme

Falemos do terceiro longa da franquia. Como vimos nos artigos de “A Ira de Khan”, o desejo de se continuar as aventuras da tripulação da Enterprise era premente ao final das filmagens, principalmente porque se percebeu que financeiramente a Paramount estaria dando um tiro no pé caso encerrasse a franquia naquele contexto. Para corroborar essa impressão, o filme havia ido bem nas bilheterias. Nimoy parecia mais por cima da carne seca do que nunca. Tanto que ele pediu a direção do filme, no que foi prontamente aceito (Meyer, o diretor de “A Ira de Khan”, não aceitou dirigir a sequência, pois ficou chateado com as alterações no final do filme; para ele, Spock deveria ter morrido e ponto final). Entretanto, seguiram-se longas semanas de silêncio e nada do projeto ser tocado adiante. Ao ligar para o chefão da Paramount, Michael Eisner, Nimoy foi surpreendido com a alegação de que ele não poderia dirigir o filme, pois ele não gostava do personagem Spock e que a ideia de matá-lo seria do próprio Nimoy, algo que foi desmentido imediatamente pelo intérprete do vulcano. Desfeitos os desentendimentos, as filmagens foram adiante.

                                            Elenco

Só para rapidamente relembrarmos, o filme começa com todas as cenas da morte de Spock em “A Ira de Khan”, para se retomar o gancho. Kirk retorna à Terra com grande parte da tripulação de novatos transferida e ainda sentindo a perda do amigo. Assim, o tom otimista do final do filme anterior se desvanece por completo. McCoy, por sua vez, comporta-se de forma estranha e invade os aposentos de Spock, falando como ele e pedindo para ser levado ao Monte Seleia em Vulcano. Inicialmente, Kirk acha bizarra aquela atitude de McCoy, mas logo entenderá o que está acontecendo quando o embaixador Sarek, pai de Spock, vai à sua casa. Ele interpela Kirk porque o almirante não levou o Katra (alma) de Spock para Vulcano. Kirk disse que Spock não lhe passou o Katra. E aí, observando os arquivos da nave, Kirk conclui que Spock passou seu Katra para McCoy através do elo mental (“Lembre-se”). Assim, os corpos de Spock e McCoy teriam de ir a Vulcano para o cerimonial que daria um fim digno a Spock. Mas o corpo de Spock estava no planeta Gênese, região com acesso restrito imposto pela Federação, onde somente David, o filho de Kirk e a vulcana Saavik estudavam o processo de terraformação. Além disso, a Enterprise, muito danificada e velha, iria para o ferro velho. Kirk, então, terá que violar todas as regras para ir a Gênese e recuperar o corpo de Spock. Mas uma Ave de Rapina Klingon, liderada pelo capitão Kruge (interpretado pelo competente Christopher Lloyd) está no caminho para atrapalhar os planos do almirante. Kruge quer o projeto Gênese para usá-lo como arma. Caberá a Kirk recuperar Spock, que se regenerou ao ser sepultado em Gênese, devido ao processo de terraformação, e enfrentar Kruge.

                                            Kruge

Apesar de não ter sido um filme tão bom quanto “A Ira de Khan”, “A Procura de Spock” tem seus méritos. Em primeiro lugar, deu mais espaço para os klingons nos longas, criando todo um universo para essa espécie alienígena, utilizado inclusive nas séries que viriam. Os inimigos da Terra haviam aparecido apenas no início de “Jornada nas Estrelas, o filme”, onde o capitão da nave era Mark Lenard (o pai de Spock) e os poucos diálogos em Klingon foram feitos por… James Doohan! Isso mesmo, o sr. Scott!!! Em “A Procura de Spock”, foi contratado um linguista para desenvolver o idioma klingon, o mesmo que havia feito o rápido diálogo em vulcano de Spock e Saavik para o segundo filme. A Ave de Rapina, originalmente concebida para os Romulanos, (daí as penas em relevo na carcaça da nave) causou muito espanto, pois lembrava os ombros de um homem musculoso (essa foi a ideia), sem falar que as asas eram móveis. Reza a lenda que Nimoy preferiu usar Klingons a Romulanos, pois os primeiros eram mais teatrais e adequados para trabalhar com uma situação de beligerância que remetia à Guerra Fria (olha ela aí de novo!). Mas a Ave de Rapina permaneceu, é dito, por questões de economia. E, cá para nós, ficou muito bom o design da bichinha! Ainda sobre os Klingons, não podemos nos esquecer do desenvolvimento da maquiagem por Robert Fletcher, que diminuiu as cristas na testa dos Klingons (no primeiro filme elas obscureciam muito os rostos dos atores), mas manteve o estilo. Segundo Fletcher, Gene Roddenberry não gostava dessa maquiagem, pois ele achava que os Klingons deveriam se parecer mais com os humanos, como o era na série clássica. Outras referências, por sua vez, diziam que essas cristas pronunciadas na testa sempre fizeram parte dos anseios de Roddenberry ainda na série clássica. Para finalizar sobre os Klingons, não podemos nos esquecer da excelente e dramática atuação de Christopher Lloyd como Kruge, expressando muito bem o espírito da cultura Klingon e se esforçando para reproduzir as entonações do idioma alienígena recém-criado.

                       Batalhas com klingons

Como “Jornada nas Estrelas” sempre implica em discussões muito vastas, nos vemos na segunda parte desse artigo. Até lá!

Batata Movies – Pitanga. Lenda E Lendas.

Cartaz do Filme

Um notável documentário brasileiro passou em nossas telonas há alguns meses. “Pitanga”, cujo título já diz tudo, fala de nosso polivalente e multiversátil ator Antônio Pitanga. Os olhos preconceituosos de nossa sociedade podem até rotulá-lo de “marido da Benedita da Silva” ou “pai da Camila Pitanga”, além do já clássico preconceito já clássico da questão racial ou de suas preferências políticas, este último um tipo de preconceito que, aliás, divide cada vez mais nossa sociedade hoje em dia. Mas esse documentário consegue dar um duro golpe (epa!) em todos esses preconceitos e mostra o verdadeiro talento e, principalmente, a figura humana que é esse grande ator.

Foi Camila Pitanga quem dirigiu!!!

O documentário é montado de uma forma extremamente simples e muito feliz. Essa montagem consiste basicamente de Pitanga conversando com todo um rosário de pessoas que participaram de sua vida. E isso alternado com trechos de filmes que ilustravam as conversas. Assim, o próprio Pitanga se tornou o apresentador do documentário e falava de sua vida. Mas a coisa foi feita de um jeito tão informal que nem sentíamos isso. Aliás, parecia que nós, espectadores, estávamos também naquela conversa in loco, o que só ajudou a aumentar ainda mais o clima intimista com o ator.

“Affair” com Maria Bethânia

E quem conversou com a lenda Pitanga? Desde desconhecidos amigos dele até muitas personalidades e lendas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Maria Betânia (com quem teve um de seus muitos affairs), Sérgio Ricardo, isso somente para citarmos parte do meio musical. Mas Neville D’Almeida, diretor de cinema, também estava lá. Atrizes como Ítala Nandi e Tamara Taxman, responsáveis por momentos muito ternos da película, eram outras personalidades. Mas podíamos ver nos papos uma trinca Ney Latorraca, Pitanga e Jards Macalé, ou até uma conversa na casa de Tonico Pereira ou do saudoso Hugo Carvana. Dá para perceber com todas essas personalidades e pelo nível informal das conversas como esse documentário é muito bom.

Com José Celso Martinez Correia

E qual é a importância de Antônio Pitanga para o cenário artístico brasileiro? Essa é a grande joia do filme, que consegue mostrar isso de forma muito nítida, antes que algum incauto ainda critique Pitanga por puro preconceito. Sua carreira cinematográfica é destrinchada na película e podemos testemunhar que ela é excessivamente prolífica, onde o ator trabalhou com muitos diretores. Muitos de seus filmes abordavam questões raciais e sociais, onde os personagens que Pitanga interpretava eram muito fortes, fazendo o ator se transformar numa espécie de porta-voz dos excluídos. Mas Pitanga não fazia apenas personagens revoltados e ressentidos de sua condição social. Ele também usava um estilo corporal e performático que soava simultaneamente como um grito dos excluídos e uma grande exaltação pelo amor à vida. O homem corria, pulava, rodopiava, gritava palavras de forte impacto. Sua atuação altamente paroxista, sobretudo na parte final de “Câncer”, de Glauber Rocha, me faz lembrar de como o cineasta baiano era classificado de expressionista por Roger Cardinal, um estudioso do assunto. E, creio eu, Pitanga teve participação marcante nisso. Não podemos nos esquecer de sua forte participação em “Barravento” também.

Conversas alternadas com imagens de filmes. Aqui, Pitanga em “Barravento”, de Glauber Rocha

Uma coisa, que estava nas entrelinhas, incomodou um pouco: o estereótipo do afrodescendente como mito sexual. É interessante perceber como uma sociedade racista cria tal mito (a gente viu uma coisa parecida recentemente com Omar Sy no filme “Intocáveis”), algo que acontece tanto com homens quanto com mulheres afrodescendentes. E aí, fica a pergunta: esse mito deve ser encarado com lisonja ou como uma transformação do afrodescendente num mero objeto sexual pelo olhar racista de uma sociedade branca? E, para botar um bom tempero baiano apimentado nessa discussão: o escravo não era um objeto que era comprado e vendido (opa!)? Uma pena que isso não tenha sido questionado, ainda mais porque o documentário nos ajuda a perceber como Pitanga não foi somente importante no meio artístico, mas também na questão social e racial.

Assim “Pitanga” vale muito a pena ser visto, pois ele ajuda a desmistificar estereótipos sobre um ator que tem uma grande importância artística e social em nosso país. E, ainda, é um documentário feito com muito amor e carinho, transpirando ternura em vários momentos. Esse é para ver, ter e guardar.

 

Batata Movies – Feito Na América. O Supersafo.

                 Cartaz do Filme

Tom Cruise está de volta (como esse cara trabalha!), desta vez em “Feito na América” (“American Made”). Esse é mais um daqueles filmes que se baseia numa história real e, nesse caso, nos remete a algumas lembranças do passado, sobretudo no que tange ao que víamos no noticiário internacional dos telejornais lá da década de 80, quando temas altamente espinhosos como o Cartel de Medelín e os escândalos no governo americano que apoiava secretamente os contras da Nicarágua estavam na ordem do dia. Para quem vivenciou a época, esse filme é uma espécie de viagem no tempo, tornando-o muito atraente.

                             Seal, um cara safo

Mas no que consiste a história? Barry Seal (interpretado por Cruise) é um piloto comercial da TWA que tem uma vida pacata, fazendo, volta e meia, algumas coisas, digamos, pouco ortodoxas, como dar um sacolejo num avião de passageiros e alegar turbulência somente para quebrar a monotonia. Para ganhar um troco por fora, Seal contrabandeava charutos cubanos. Um belo dia, ele é sondado por Monty Schafer (interpretado por Domhnall Gleeson), um funcionário da CIA que, percebendo como o nosso protagonista era muito safo, o convoca para uma missão secreta do governo americano: fotografar movimentos guerrilheiros na América Central que recebiam armamento soviético (sim, a Guerra Fria ainda bombava naqueles anos). Seal aceitou a missão, largou uma vida confortável na TWA e partiu para essas missões, digamos, arriscadas. Foi o pontapé inicial para a vida do aviador entrar numa torrente de complicações que ele mesmo arrumou, pois se envolveu com traficantes colombianos que futuramente iriam compor o Cartel de Medelín (Pablo Escobar, inclusive), além de ser forçado pela CIA a enviar armas para os contras da Nicarágua, com o intuito de derrubar o governo sandinista, alinhado com a União Soviética. Ou seja, o homem trabalhava, simultaneamente, para traficantes de drogas e para o governo dos Estados Unidos, ganhando muita, muita grana. O problema é que essas coisas não se encaixavam muito bem… E aí, nosso simpático protagonista poderia se enrolar, e muito. Mas chega de spoilers por aqui.

                          Envolvido com a CIA…

A reconstituição de época do filme está ótima. Figuras como Escobar e o General Oliver North ficaram muito bem caracterizadas na película. Foram hilárias as menções ao presidente Ronald Reagan, onde pudemos ver, inclusive, trechos de filmes onde o ator presidente trabalhou, numa montagem muito engraçada que explicava o contexto em que o presidente tomou posse e suas atitudes de cowboy como o homem mais poderoso do planeta. Essa, sem a menor sombra de dúvida, foi a melhor parte do filme. Mas a coisa não parou por aí. As sequências de voos, onde víamos Seal transportando para lá e para cá armas e drogas, foram muito bem feitas. E, desta vez, Tom Cruise recebeu um papel que cai como uma luva para ele: a do carinha cafajeste, com um sorriso canalha no rosto, ao melhor estilo do “vou armar para me dar bem”. Rolou por aí até uma comparação entre esse filme e “Top Gun”, pelo fato de Cruise pilotar novamente aviões. Mas a comparação para por aí, pois se Maverick era o garotão da Força Aérea em “Top Gun”, ele não era 171 como Seal é agora em “Feito Na América”, alías um título de filme muito apropriado no contexto, quase uma espécie de declaração de mea culpa em virtude das estripulias que os Estados Unidos fazem com o resto do mundo. E devemos nos lembrar de que esse título em português é uma tradução literal do título original, algo que é muito raro de se ver e mais uma prova de que o título do filme cai como uma luva.

                         … e o Cartel de Medelín

Assim, “Feito na América” é mais um bom filme de Tom Cruise. Se algum cinéfilo mais purista acha Cruise um mau ator (categoria na qual não me enquadro), pelo menos uma coisa somos obrigados a admitir: sua prolífica carreira está recheada de filmes de temáticas bem interessantes, indo desde o blockbuster mais convencional até filmes com um pouco mais de conteúdo como este. Por isso é que vale a pena acompanhar o trabalho deste ator, ainda mais porque ele não vai tentar te convencer a seguir a cientologia em seus filmes (pelo menos espero eu). Brincadeiras à parte, não deixe de assistir a “Feito na América”.

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. A Ira De Khan (Parte 2).

 

              Tripulação da Enterprise de volta

Como Khan voltou nesse longa? A U.S.S. Reliant fazia uma expedição para encontrar um planeta totalmente sem vida para lançar o torpedo Gênese, um dispositivo criado pela Dra. Carol Marcus (interpretada por Bibi Besch), um antigo caso de Kirk, que conseguia fazer a terraformação num planeta sem vida. Chekov estava na missão da Reliant. Ao chegar a Ceti Alfa 5, Chekov se depara com Khan, que estava muito revoltado com Kirk, já que o então capitão (e agora almirante) não havia voltado para verificar os progressos de Khan e seus comandados. Seis meses depois de Khan ser deixado lá, o planeta vizinho Ceti Alfa 6 explodiu e transformou Ceti Alfa 5 num lugar totalmente inóspito, onde a companheira de Khan acabou morrendo. Khan, em sua sede de vingança, rapta a Reliant e toma o torpedo Gênese. Como Chekov, sob o efeito de um verme instalado em seu córtex cerebral por Khan, disse a Dra. Marcus que Kirk confiscaria o torpedo, a Dra. entra em contato com o almirante para tomar satisfações. Mas o mal sinal da transmissão e a consequente má comunicação fazem com que Kirk vá para Regula 1 (o planeta em que a Dra. Marcus faz as experiências com Gênese). Lá, a Enterprise encontrará a Reliant, onde haverá uma batalha entre o almirante e o produto desenvolvido por engenharia genética do fim do século XX.

              Khan, um vilão à altura de Kirk

Quais são os destaques desse longa? Em primeiro lugar, algumas discussões sobre as implicações morais de certos avanços tecnológicos. Ao saber do projeto Gênese, o Dr. McCoy o vê mais como uma “arma do fim do mundo”, pois se o torpedo Gênese é utilizado num planeta com vida, ele “apaga” a vida existente para colocar uma nova vida em seu lugar. Já Spock vê Gênese como uma ferramenta que pode criar novos locais habitáveis, a menos que caia “em mãos erradas”. Ao que McCoy retruca: “o que são exatamente mãos erradas?”. Outro avanço tecnológico posto em questionamento é justamente a engenharia genética, que cria espécies consideradas “superiores” a outras, podendo levar a guerras e destruições. A discussão das implicações morais da engenharia genética é um tema bem atual, principalmente quando nos lembramos dos questionamentos envolvidos em clonagens e usos de células-tronco. É notável perceber como uma série de ficção científica da década de 1960 já abordava esses temas, trazendo-os de volta à tona em 1982, quando o longa foi realizado.

           Filme com perdas, até para o Sr. Scott

Em segundo lugar, o filme faz um debate filosófico sobre a vida e a morte. A trapaça que Kirk fez no teste da nave Kobayashi Maru, onde os futuros capitães lidarão com a situação de morte de forma inevitável, mostra a não aceitação do almirante em encarar situações de morte e derrota, que inevitavelmente acontecem. Daí o seu dilema com a passagem do tempo e o grande trauma com a morte de Spock, onde o próprio Kirk reconhece que foi uma lição à sua presunção de sempre enganar a morte. Mas a necessidade de se fazer uma sequência de “Jornada nas Estrelas” acaba redimindo Kirk, pois ele fica ungido de novas esperanças, manifestas na explosão de vida de Gênese e nas palavras otimistas de Spock quanto ao futuro (“sempre existem possibilidades”) nas quais Kirk se agarra. Outro destaque que redime Kirk é a reconciliação com seu filho David (interpretado por Merritt Butrick).

         Com esse berro, nem precisa de rádio!

A presença de Ricardo Montalban no longa também é digna de destaque. Ele chega aos Estados Unidos como um dos ícones latinos da “política de boa vizinhança” promovida pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, onde astros da América Latina como Cesar Romero e a nossa Carmen Miranda também fizeram parte. Os números de dança de Montalban de sombrero mexicano numa justa roupa verde escura são antológicos! E a sua grande presença como Khan no episódio “Semente do Espaço”, como um inimigo à altura de Kirk também chama muito a atenção. O mais curioso é que, na época, Montalban era o senhor Rourke da série “Ilha da Fantasia”, onde ele usava um terno branco, juntamente com o anão Tatu, e sua postura era muito solene e discreta para com os visitantes da ilha. Para ele retomar Khan, interpretado por ele mais de dez anos antes, foi necessário rever o episódio da série clássica várias vezes para recuperar o espírito selvagem do personagem. Outro detalhe que marcou foram os peitões de Fafá de Belém de Montalban no filme, que segundo Nicholas Meyer, o diretor, eram de verdade. Me lembro na época que a transformação de Montalban de senhor Rourke para Khan (água para vinho) chegaram a chocar. Os diálogos entre Khan e Kirk, onde um procura atingir e magoar o outro (nas palavras do próprio Khan) também são memoráveis. Um personagem realmente consegue tirar o outro do sério. O berro que Kirk dá no rádio (“KHAN!!!!!!”) cheio de fúria nem precisava daquele rádio, Khan já poderia escutá-lo do outro lado do planetóide. Só pareceu um pouco incoerente Khan, que era um sujeito tão inteligente, cair nas pilhas de Kirk de forma tão fácil e previsível. O mais interessante é que os dois personagens não se encontram pessoalmente e o duelo da astúcia dos dois se dá no interior da nebulosa Mutara, onde as duas naves fazem um voo cego e sem escudos, dada a interferência da nuvem nos equipamentos das naves.

      Bom duelo de naves na Nebulosa Mutara

Por fim, a morte de Spock. As cenas dos últimos momentos do vulcano com Kirk são bem convincentes e emocionantes, assim como a cerimônia fúnebre, com Spock sendo lançado ao espaço num torpedo fotônico. Kirk e Shatner pareceram realmente ser uma pessoa só naquele momento de muita dor com a morte de um ente querido. Mas Spock foi lógico até o fim, pois “a carência da maioria sobrepuja a carência da minoria… ou a de um só”.

                             Funeral de Spock

Muitos fãs adoram esse longa que, como pudemos ver, é cheio de elementos que já o diferenciam do primeiro longa, “Jornada nas Estrelas, O Filme”. Questões morais e filosóficas, um bom vilão, um desfecho de morte para um dos principais protagonistas (senão o principal), tornam “A Ira de Khan” uma referência no universo de “Jornada nas Estrelas”.

Batata Movies – Punhos de Sangue. O Rocky Balboa Real.

                  Cartaz do Filme

Você gosta de pugilismo? Então “Punhos de Sangue” é uma película que pode te atrair mesmo que o boxe seja apenas um pano de fundo. Esse filme, acima de tudo, fala sobre a condição humana e de como sofremos quando tomamos decisões erradas em nossas vidas. Mais um daqueles filmes que nos faz refletir. Mas que, desta vez, tem toda uma referência especial.

       Chuck. Apanhando da vida e de si mesmo

Vemos aqui a história de Chuck Wepner (interpretado por Liev Schreiber), um pugilista profissional que é o campeão local de sua cidade. Existia uma grande chance de Chuck poder lutar contra o campeão mundial de pesos pesados, George Foreman. Entretanto Foreman foi derrotado por Mohammad Ali no Zaire, o que, aparentemente, tinha enterrado as chances de Chuck. Só que, numa reviravolta sensacional, o empresário de Ali, Don King, decidiu fazer uma luta que fosse mais uma questão racial, onde Ali espancaria impiedosamente um lutador branco azarão, no caso o nosso protagonista. A luta durou todos os quinze rounds e terminou com nocaute técnico para Ali. Mas nosso Chuck não cairia no esquecimento, pois ninguém mais, ninguém menos que Sylvester Stallone usou a história de vida de Chuck para desenvolver o personagem Rocky Balboa. E aí, nosso protagonista se sentiu uma verdadeira celebridade. Entretanto…

         Tomando um nocaute técnico de Ali

Basicamente, o filme tem duas camadas. A mais externa é toda a ligação da história do protagonista com o personagem de Rocky Balboa, que é o que atrai o espectador para o cinema. Mas, abaixo desse verniz mais espetaculoso, está o drama do personagem protagonista em si. Um cara que, apesar de não ter muito, tinha o suficiente para viver: emprego, uma esposa apaixonada, uma filha. Só que o camarada se perdeu, maravilhado pelos holofotes da fama. Optou-se por colocar o processo de decadência do nosso protagonista de uma forma um tanto quanto tragicômica, transformando-o num palhaço irresponsável, num idiota. Creio que isso não ficou de bom tom no filme, que tratou com galhofa um assunto que deveria ser visto mais seriamente. Assim, mostrou-se pouco respeito com uma boa história a ser contada, o que foi uma pena.

                       Problemas com a mulher

No mais, podemos falar de atores. Liev Schreiber, que fez o protagonista, atuou relativamente bem, convencendo como o verdadeiro trouxa que era o seu personagem. Alguns momentos cômicos eram constrangedores e os momentos mais dramáticos eram angustiantes, numa prova de que o ator foi bem. Marcantes, também, foram as atuações das atrizes que fizeram as mulheres realmente importantes na vida de Chuck. Elisabeth Moss fez uma esposa que podia ser extremamente brincalhona e amável, mas também furiosa de uma forma muito convincente. Já Naomi Watts fez uma bartender que não se dobrava de jeito nenhum aos galanteios de Chuck, o que deu muito carisma à personagem. Morgan Spector, o ator que interpretou Sylvester Stallone, convenceu com sua atuação, embora ele flertasse com o caricato em alguns momentos.

                           Encontro com Stallone

Assim, “Punhos de Sangue” é menos um filme de boxe e mais um filme sobre a condição humana. Uma história real que é uma verdadeira lição para os otários de plantão. Mas também um filme que errou na mão, ridicularizando o seu personagem principal, o que ficou um pouco feio. Poderia ter sido um drama mais doloroso do que uma tragicomédia morna. Enfim… se você gosta de pugilismo e de Rocky Balboa, ainda vale a pena. Procure lá nos DVDs da vida…

Batata Movies – It, A Coisa. O Bozo Assassino Do Ralo.

               Cartaz do Filme

E estreou mais uma película baseada em história de Stephen King. “It, A Coisa”, é um remake de um filme que muito chamou a atenção lá para as décadas de 80, 90, por ter um palhaço cheio de presas bem pontiagudas. O filme, somente intitulado “It” na época, foi até comercializado em home vídeo, cuja propaganda passava muito no SBT, o canal de televisão que justamente tinha o palhaço Bozo. Confesso que nunca vi essa versão antiga, pois nunca dei muita bola para filme de terror. Mas decidi ver essa versão nova, pois se trata de uma história do Stephen King, um escritor muito conceituado, e decidi correr atrás de suas versões cinematográficas. Outro dia, já vi “A Torre Negra”, que achei mais ou menos.

E o que podemos dizer de “It, a Coisa”? A história se passa numa pacata cidadezinha de interior americana, que sofre com o sumiço de várias crianças. Todos aqueles que desaparecem se deparam com um palhaço esquisitão (interpretado por Bill Skarsgard) que parece viver no sistema de esgotos da cidade. Um grupinho de adolescentes cujo irmãozinho de um deles desapareceu, vai investigar os desaparecimentos e, obviamente, se deparar com o Bozo assassino. E aí, é a fórmula tradicional de filmes de terror que todos nós conhecemos, com muitas cenas de perseguição, correria, gritos e sustos, coisas que estressam uns e que provocam gargalhadas em outros.

                       Um palhaço de dar medo

Eu já falei em outras ocasiões que não curto muito tal gênero no cinema e até temo que minha leitura do filme fique um pouco tendenciosa por causa disso. Mas vamos lá. O que mais me incomodou em “It, a Coisa”? Foi justamente o raio do palhaço. Uma besta sádica e assassina que praticava o mal em toda a sua essência! Mas… por que??? O que aconteceu em sua vida pregressa? O que fez aquele ser ter tanto ódio em seu coração, meu Deus? Isso o filme simplesmente não fala. E olha que eu tive alguma esperança de que isso ia aparecer alguma hora na película, já que um dos adolescentes que perseguia o palhaço era um gordinho que fazia densos estudos sobre a história da cidade na biblioteca pública. E nada sobre o passado do palhaço apareceu. Somente todo um rosário de desaparecimentos e mortes trágicas que assolavam a cidade desde sempre. Sei não, eu acho que a história ficaria muito mais atraente se esse personagem fosse melhor construído. Como o filme deixou um sinal para uma continuação, esperemos que essa deficiência seja sanada no futuro.

O palhaço da versão antiga, também no esgoto…

E os adolescentes-protagonistas? Caramba, eles eram de dar medo! Creio que até mais assustadores que o palhaço em si. Um monte de outsiders (eles mesmo se intitulavam “os otários”) que sofriam seguidamente bullying de adolescentes mais velhos e ainda mais assustadores. Nossos pequenos heróis eram cheios de problemas: gagueira, pouca sociabilidade, pai pedófilo, mãe excessivamente protetora, paranoia, etc. A impressão que dava era a de que toda a agonicidade da vida dos moleques estava associada a maldição que assolava a cidade e que deixava os adultos num estado letárgico em que nada faziam para sair daquela situação.

                 Bom trabalho de Bill Skarsgard

Uma coisa que funcionou muito bem nesse filme foram os CGIs. As presas do palhaço amplificadas pelos efeitos especiais ficaram muito boas, aterrorizando severamente num momento bem ao início do filme, algo que os spoilers me impedem de dizer. Mas talvez a melhor aplicação do CGI no terror foi a aparição de uma face deformada e esticada de forma esguia, colocando uma aparência bem diabólica em todo o contexto. E aí, a gente pode refletir: se o CGI às vezes ainda não é 100% perfeito em reproduzir a realidade de um jeito fidedigno, por outro lado ele é muito eficaz em fazer fantasmagóricas distorções, caindo como uma luva no gênero de terror.

Assim, “It, a Coisa” é um filme de terror um tanto clássico em sua essência, que busca assustar (ou divertir) o público. Um filme que poderia apresentar melhor seu monstro para o espectador e um filme que utilizou bem o CGI para aterrorizar. Para quem gosta, vale a pena dar uma conferida, embora a história ficasse meio arrastada em alguns momentos.

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. A Ira De Khan (Parte 1)

                 Cartaz do Filme

O segundo longa-metragem da tripulação da série clássica trouxe novos e curiosos elementos para a saga de “Jornada nas Estrelas”. Mas, inicialmente, vamos falar como se deu a produção desse filme. Harve Bennett, responsável por escrever a história do longa, viu toda a série clássica em películas de 16 mm num intervalo de três meses. O que lhe chamou mais a atenção foi o episódio “Semente do Espaço”, onde a tripulação da Enterprise encontra uma antiga nave da Terra, de nome Botany Bay.

                     Harve Bennett com Nimoy

O que sucede em seguida? Nessa nave, encontram-se, em estado criogênico, seres humanos produzidos por engenharia genética na segunda metade do século XX, que são uma espécie de “super-homens”, altamente fortes e inteligentes, que passaram a dominar o mundo e entraram em guerra (as guerras eugênicas). Alguns deles, liderados por Khan, fugiram e se colocaram em estado criogênico, sendo descobertos pela Enterprise em pleno século XXIII. Inicialmente, Khan irá se mostrar um cordial hóspede, mas com o tempo, ele tentará dominar a Enterprise. Obviamente, a tripulação não permitirá que isso aconteça, mas também não acabará com o inimigo, que será enviado para o planeta Ceti Alfa 5 para viver num mundo selvagem que será ideal para sua sede de conquista de Khan. E assim, se plantou a semente do espaço, com um inimigo que não foi derrotado de todo pela Enterprise. Ao fim, Kirk e Spock especulam sobre qual seria o resultado daquela semente plantada. Assim, Harve Bennett teve a ideia de desenvolver essa história no segundo longa. Leonard Nimoy, nosso Spock, foi chamado mais uma vez para fazer o filme e novamente ele negou, havendo especulações de que ele fazia esse charme todo para obter uma vantagem financeira a mais.

                  Khan em “Semente do Espaço”

Foi passado a ele que Spock morreria no filme, dando um desfecho glorioso para o personagem, o que chamou sua atenção. Mas inicialmente ele não gostou do roteiro, pois Spock morreria no início do filme. Coube a Nicholas Meyer, o diretor, reescrever todo o roteiro em doze dias, para espanto de todos, pois além de fazer isso em tempo recorde (segundo William Shatner, o capitão Kirk, ninguém reescreve um roteiro em doze dias), a história ficou boa. Mas, à medida que as filmagens caminhavam para seu desfecho, havia um ar de arrependimento com relação à morte de Spock, principalmente pelo fato de que se extinguiria uma franquia que dava tão certo financeiramente. A exibição para o público teste foi um desastre, pois o filme terminava com o corpo de Spock sendo lançado no espaço, o que provocou um tom fúnebre na plateia, uma noção arrasadora de que “Jornada nas Estrelas” havia chegado ao fim. Decidiu-se, então, dar um novo desfecho (a contragosto de Meyer) em que houvesse mais esperança de uma continuação. Foi pedido a Nimoy que, na cena de sua morte, ele colocasse um gancho que poderia levar a uma sequência. Foi aí que Nimoy inventou o elo mental com o Dr. McCoy inconsciente, falando a palavra “Lembre-se”. Essa cena era vaga o suficiente para se criar qualquer argumento que justificasse um novo filme. Outros elementos interessantes surgiram ao final, como um Kirk mais esperançoso no futuro (seu desânimo com a passagem do tempo e a velhice foi notório ao longo da trama) e a frase de Spock citada por Kirk: “Sempre existem possibilidades”. O epíteto “Espaço, a fronteira final”, etc., narrado por Spock ao fim do filme, nos dá a certeza de que haverá uma continuação e, apesar de ter sido “cafona” (nas palavras do próprio Harve Bennett), tinha que ser daquele jeito, onde até a crítica especializada da época acabou concordando que era a coisa certa a fazer.

Morte de Spock. Grande desfecho e                     arrependimento

No próximo artigo, vamos destrinchar as principais qualidades desse filme para o universo de “Jornada nas Estrelas”. Até lá!