Batata Movies – Lady Macbeth. A Mulher Na Sociedade Conservadora.

                 Cartaz do Filme

Um intrigante filme passou em nossas telonas. “Lady Macbeth”, inspirado na obra de Nicolai Leskov, é uma daquelas películas que, apesar de contar uma história que muito entretém o espectador, traz novamente o convite à reflexão, sobretudo no que se refere ao papel da mulher na sociedade inglesa conservadora do século XIX. Esse é o tipo de história em que precisamos procurar o que está nas entrelinhas, onde tudo pode parecer uma coisa, mas acabar sendo outra.

                             Uma moça recatada

Qual é o enredo dessa intrigante trama? Katherine (interpretada Florence Pugh) é a esposa de um dono de mina. O homem comprou uma fazenda junto com a mulher dentro e a odiava mortalmente, a ponto de sequer querer encostar nela para ter um filho. E isso ainda deixava a moça malvista pelo sogro, que dizia que ela não cumpria as obrigações de esposa, não gerando uma criança. Um belo dia, o marido partiu para as minas e Katherine, que nem sair de casa podia, começou a andar pela propriedade. Nisso, ela se envolveu com um dos empregados da fazenda, Sebastian (interpretado por Cosmo Jarvis) tendo tórridas noites de sexo. Cansada de toda aquela opressão, Katherine passou a lutar contra tudo isso, usando métodos, digamos, pouco ortodoxos e, por que não, diabólicos até. Paremos aqui com os spoilers.

O que mais perturba nesse filme? É justamente a forma como Katherine se rebela contra o conservadorismo da sociedade em que vivia. Ela não teve qualquer tipo de escrúpulo, não diferenciando mais o certo do errado, no melhor estilo “os fins justificam os meios”. Inicialmente, suas ações atingiam em cheio seus algozes e víamos os atos como uma manifestação libertadora, achando até graça de alguns desfechos trágicos. Mas, com o tempo, a gente vai percebendo que Katherine ou pirou na batatinha de vez, ou é perversa e inescrupulosa demais e não mais passamos a apoiar seus movimentos. Fica então a questão: se a moça enlouqueceu, ela pode ser vítima da sociedade ultramachista e conservadora em que vivia; mas se Katherine fez tudo de forma fria, calculista e deliberada ela, além de não ser uma vítima, ainda foi demonizada a ponto de corroborar a visão ultramachista de perfídia feminina. Agora, qual direção a história deliberadamente toma? Prefiro deixar isso nas mãos do espectador, embora eu tenha a desconfortável sensação do uso da segunda opção por parte do autor, o que é uma pena.

                       Uma serviçal aniquilada

Uma personagem que muito chama a atenção é uma das serviçais da casa, interpretada por Naomi Ackie. Negra e totalmente submissa, ela se transformou numa espécie de joguete nas mãos de sua patroa. Se num primeiro momento, Katherine a usava para desafiar as rígidas convenções sociais da época, por exemplo, convidando sua serviçal para jantar à mesa junto com ela, a empregada também acabou sendo vítima de sua falta de escrúpulos. Ou seja, se o filme e a sua história pode fazer movimentos na direção de uma maior libertação da mulher, a película, por outro lado, não rompe com a hierarquia de classes. Katherine ainda é uma patroa que tem a vida de seus subalternos nas mãos, inclusive a de seu amante, um dos empregados da fazenda. O livro no qual se inspira o filme pode tomar ou um viés conservador ou um viés altamente crítico do conservadorismo, ao mostrar explicitamente todos os males que esse conservadorismo provoca, embora eu deva repetir que as atitudes de Lady Macbeth totalmente imorais do ponto de vista ético, ainda perturbem muito.

No mais, o filme tem boas virtudes técnicas, sobretudo a boa fotografia e boas tomadas externas (a paisagem é realmente muito bonita) e um lindo figurino de nossa protagonista que, quando não está nua (e eu não reclamo em nada das generosas formas da atriz!), veste um lindo vestido azul que é um álibi perfeito para o seu papel de esposa recatada.

                     A patroa e o empregado

Assim, “Lady Macbeth” (não é à toa que a referência a Shakespeare é altamente oportuna) é uma película muito intrigante que permite mais de uma interpretação. Desafia ou não desafia o machismo? Mas uma coisa parece ser certa: as classes sociais devem ficar em seu devido lugar. Vale a pena dar uma conferida em DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=Ui8se5pwnMs

Batata Movies – Atômica. Um Videoclipe Sem A Cereja.

 

                                 Cartaz do Filme

E estreou “Atômica”, um filme que era cercado de grande expectativa. O trailer prometia muito! Charlize Theron encarnando uma agente secreta inglesa totalmente louraça e descendo a porrada num monte de homens. Mais empoderamento feminino impossível. O trailer também era altamente provocante, pois nossa loura dava uns pegas numa linda morena. Como se não bastasse, James McAvoy também apareceu no trailer como parceiro de Theron. Isso sem falar nas boas presenças de John Goodman (que dispensa apresentações) e Toby Jones (que já trabalhou em filmes da franquia da Marvel como “Capitão América”). Ou seja, tinha tudo para ser um filmaço.

       Uma louraça com a cara da Debbie Harry

E as expectativas foram correspondidas? Mais ou menos. “Atômica” teve um roteiro um tanto descontínuo, onde cenas de ação altamente explosivas mais ao final da película dividiram a trama com partes bem mais morosas, onde a história ficava até um tanto confusa. Tudo girava em torno de uma lista secreta de espiões que vazou em Berlim no ano de 1989, bem nos dias que antecediam a queda do muro. O MI6 (Serviço Secreto Britânico) tinha como objetivo recuperar a lista antes que ela caísse nas mãos da KGB, o que poderia prolongar a Guerra Fria em mais uns quarenta anos. Assim, nossa agente Lorraine  Broughton (interpretada por Theron) vai a Berlim onde ela deve se encontrar com seu contato, David Percival (interpretado por McAvoy). Só que, ao chegar a Berlim, ela já cai nas mãos da KGB e as cenas de porrada, bomba e tiro começam. O problema é que a história quis ser, além de um filme de ação convencional, uma trama de espionagem e suspense, onde vários jogos de gato e rato, assim como traições implícitas rechearam a história, e a solução de tais tramoias tornou a coisa um tanto enfadonha. Sei lá, acho que o peixe vendido no trailer foi o de um filme de ação mais tradicional, regado a CGIs e entretenimento puro, e o que se viu no filme não foi o mesmo, o que pode ter decepcionado um pouco o espectador (eu vi até uma pessoa abandonando o filme no meio da sessão que assistia no São Luiz 3). Outra coisa que muito decepcionou foi que a película tinha uma baita duma trilha sonora, com hits da época do naipe de um “Major Tom” e um “99 Luftbaloons”, chegando ao auge com um “Under Pressure”. Isso deu à película uma grande cara de videoclipe, de balanço irresistível para quarentões e cinquentões. Mas é imperdoável que “Atomic”, do Blondie, não estivesse na trilha sonora. Cacilda, um filme cujo título original é “Atomic Blonde” e Charlize Theron com a cara da Debbie Harry tem que ter “Atomic” em sua trilha sonora, mesmo que seja nos créditos finais! Esse foi um erro imperdoável que lamentei profundamente. Ainda tive alguma esperança de escutar um leve arremedo de “Atomic” nos créditos finais (fui o último a sair da sala) mas, nem assim…

                James McAvoy. Boa participação.

Pelo menos, o filme foi provocador.  Colocar a protagonista do filme em tórridas cenas de sexo explícito com uma agente francesa foi algo muito corajoso até para os padrões de hoje, ainda mais quando nos lembramos de que esta é uma co-produção Estados Unidos, Alemanha e Suécia, anglo-saxã demais para tocar em tal assunto num circuito comercial. E ainda mais que a agente francesa foi, ninguém mais, ninguém menos que Sofia Boutella, que ficou famosa como a múmia de Tom Cruise, onde já havia chamado bastante a atenção. Dessa vez, tivemos mais chance de vê-la atuando e, se seu talento como atriz é relativamente mediano, sua beleza ajudou em muito a recuperar o interesse pelo filme.

                         Um flerte e tanto…

Assim, “Atômica” infelizmente acabou decepcionando, pois os trailers traziam grandes expectativas, mas o filme acabou mostrando algo um pouco mais fraco. Mais ação, menos trama e a mesma dose de sensualidade poderiam ter talvez trazido um resultado bem melhor. Uma pena, mas vale dar uma conferida assim mesmo.

https://www.youtube.com/watch?v=Jc0_8kW8IGA

Batata Movies – Dupla Explosiva. Vale Mais Pela Comédia.

                  Cartaz do Filme

Um filme de ação com cara de comédia está em nossas telonas. “Dupla Explosiva” é o clássico filme de “porrada, bomba e tiro”, mas que é muito mais interessante por seu conteúdo altamente cômico. E isso amparado por um elenco estelar: Ryan Reynolds (cuja presença ficou muito mais valorizada por onde ele passa depois de “Deadpool”), Samuel Jackson (que dispensa apresentações) e as gratas surpresas de um Gary Oldman, o versátil ator português Joaquim de Almeida e, principalmente, Salma Hayek, que andava meio sumida e que, apesar da idade, ainda tem uma beleza para lá de estonteante.

                            Uma baita química!!!

No que consiste a história do filme? Michael Bryce (interpretado por Reynolds), um agente de segurança de gente muito importante, sempre foi impecável em seu trabalho. Até que um dos seus clientes acaba assassinado, o que o colocou no limbo, conseguindo apenas trabalhos menores. Ele será chamado por Amelia Roussel (interpretada por Elodie Yung) para proteger Kincaid (interpretado por Jackson), um assassino profissional que é testemunha-chave para condenar um ex-presidente da Bielorússia (interpretado por Oldman), acusado de genocídio. O problema é que o tal ex-presidente tem todo um rosário de capangas e assassinos que vão perseguir nossos protagonistas até ao inferno, se for preciso, com o objetivo de matar Kincaid. Aí, o resto todo mundo já sabe. Mas o detalhe aqui está no relacionamento entre Bryce e Kincaid, que foi, digamos, um tanto turbulento no passado, o que vai provocar muitas risadas nos espectadores.

                 Muito bom ver Hayek de volta!!!

O filme definitivamente gira em torno de Reynolds e Jackson, como não podia deixar de ser diferente. A química entre os dois foi perfeita, com um carisma maior por parte de Jackson. Ele meio que engoliu Reynolds durante a película. De qualquer forma, Reynolds também esteve bem. O personagem talvez não ajudasse muito, já que ele era metódico, certinho e, como dizem hoje em dia por aí, cheio de “mimimi”. Já Jackson era um supersafo da vida, com os “Motherfuckers” de sempre, o que provocava muito mais impacto. Duas naturezas tão antagônicas ajudaram a compor um bom relacionamento entre os dois, que começou com turbulências muito engraçadas, mas que pouco a pouco deram lugar a uma aproximação e entendimento melhor entre eles.

Com relação ao vilão, ele apareceu muito pouco e fez o bandidão mau e impiedoso clássico, o que é uma pena, pois um talento como o de Oldman sempre pode ser melhor aproveitado, se bem que, num filme desse tipo, não existe muito espaço para isso, pois o vilão é mau e somente isso. Podemos dizer que Oldman fez seu “feijão com arroz” direitinho. Já Joaquim de Almeida é aquele talento que todos nós cinéfilos que acompanhamos o cinema europeu já conhecemos de eras. Mas o cinema americano insiste em criar estereótipos e mais uma vez deu um papel de mau caráter a Almeida, o que eu particularmente acho uma coisa muito chata e reforça os argumentos de Ricardo Darín em não ceder às tentações de Hollywood. Salma Hayek interpretou a esposa de Kincaid, e fez o estereótipo da mulher latina fogosa e violenta clássica. Como era algo sem saída, Hayek caiu de cabeça no papel e o fez de forma tão caricata que isso caiu como uma luva no gênero de comédia do filme. E, cá para nós, como foi bom ver Hayek de novo com sua beleza irresistível! Só isso já valeu o ingresso!

                  Oldman. Vilão convencional.

Apesar do rosário de estereótipos, “Dupla Explosiva” é um filme altamente recomendável pois, mais do que um filme de ação, é uma ótima comédia feita por um elenco muito bom e traz atores que estavam meio sumidos nas telonas. Só é lamentável que esse filme tenha passado em tão poucas salas e com poucos horários, o que reflete a carência de salas de cinema numa cidade de escala nacional como o Rio de Janeiro. Quem não tiver a chance de ver no cinema, pode depois procurar no DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=aJ6H9WWHN6Y

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. O Filme (Segunda Parte).

 

Wise, Rodenberry, Shatner, Kelley e Nimoy. Pérola de bastidor.

Quais são as grandes virtudes de “Jornada nas Estrelas, o Filme”? Em primeiro lugar, o filme se aproxima de uma das propostas da série, que é a de fazer uma ficção científica intelectualizada. Víamos alguns episódios que acompanhavam esse esquema. Era colocado um problema inicial, que geralmente ameaçava a integridade da nave e da tripulação, e quebrando muito a cabeça, nossos personagens buscavam a solução para sair daquela enrascada que o desconhecido colocava à sua frente. Eu me lembro de um episódio em que era encontrado um buraco no espaço e, ao entrar para investigar, eles se depararam com um enorme ser vivo em formato de ameba gigante, que sugava toda a energia à sua volta, inclusive da Enterprise. A partir daí, a tripulação passava o resto do episódio procurando uma forma de sair dali. Nesses momentos, a série se aproxima da ficção científica da melhor qualidade.

Um elo mental que revela inquietações.

Ainda seguindo a linha de ficção científica requintada, a insistência em Kirk de colocar a nave em dobra, com o seu reator de dobra ainda defeituoso, enfiou a Enterprise num buraco de minhoca (forte distorção espaço-temporal provocada por um intenso campo gravitacional, ou no caso do filme, pelo reator de dobra em mau funcionamento), onde a velocidade aumentava de forma descontrolada, criando uma violenta distorção espaço-temporal que impossibilitava a reversão da dobra. Quanto maior a velocidade, mais lentamente a tripulação se comportava. Por que isso?

Vulcano na versão original de 1979.

Na Teoria da Relatividade Especial de Einstein, existe o chamado “paradoxo dos gêmeos”, onde dois irmãos gêmeos (Ulisses e Homero) participam de uma experiência. Ulisses fica sentadinho na sua cadeira no planeta Terra, enquanto que Homero pega uma nave espacial e viaja a velocidade da luz. Para Homero, que viaja a altíssima velocidade, o tempo passa mais lentamente, ao passo que, para Ulisses, o tempo passa normalmente. Assim, quando Homero retorna à Terra, a viagem para ele passou, digamos, poucos dias. E para Ulisses, que ficou sentadinho aqui na Terra, a viagem durou muitos anos. Dessa forma, Homero ainda está jovem e Ulisses está velhinho. Já que há esse paradoxo, como seria a visão que Ulisses teria de Homero dentro da nave quando ela estivesse à velocidade da luz? Ulisses veria Homero se mexendo muito lentamente. É o que vemos dentro da Enterprise, quando ela está em altíssima velocidade num buraco de minhoca. Agora, no filme esse paradoxo só ocorre quando o sistema de dobra está com defeito, é claro!

Vulcano digitalizado na versão do diretor: seguindo os storyboards originais.

E adivinhe quem o conserta? Lógico, meu caro, é o Spock, que toma o lugar de Decker como oficial de ciências sem que o já rebaixado personagem reclame, ao contrário do que ele fez com Kirk. Como disse um dos produtores do filme, “Jornada nas Estrelas sem Spock (e Nimoy) é a mesma coisa que um carro sem rodas”.

Enterprise no buraco de minhoca. Paradoxo dos gêmeos na materialidade das imagens.

Falando em Spock, é o momento oportuno de falar de sua cena de choro na “versão do diretor” do longa. A lágrima do Vulcano por V’Ger tem grande carga simbólica, pois é o reconhecimento de seu dilema razão X emoção que aparecia na série clássica, jamais confirmado por ele. Por ser meio humano, meio vulcano, reconhecer suas emoções era visto como um sinal de fraqueza pelo oficial de ciências, que sempre lançava mão de argumentos lógicos para dissimular suas manifestações emocionais. Essa característica, aliada à sua retórica altamente refinada, sincera e irônica tornaram, a meu ver, o personagem Spock um dos mais amados de todos os tempos. É comovente ver o sentimento de compaixão de Spock por V’Ger, exatamente pelo fato do vulcano se identificar com a máquina, cuja lógica e raciocínio não são suficientes para completar sua essência. O vazio de emoções e a falta de respostas a questões tão metafísicas como “O que eu faço no mundo?”, ou “Qual é a razão de minha existência?” tornam a vida de V’Ger incompleta e desalentadora e parece que Spock passa pelos mesmos dilemas, assim como todos nós, que também buscamos respostas para essas perguntas e, volta e meia, também passamos por momentos de instabilidade emocional.

McCoy dando uma bronca em Kirk, após ele forçar a barra com a tripulação exigindo o sistema de dobra.

A viagem solitária de Spock num traje espacial com força de propulsão ao longo da nave de V’Ger é curiosa, pois o vulcano encontrava todas as informações acumuladas pela nave ao longo de sua viagem. Ao presenciar uma imagem de Ilia, que foi absorvida por V’Ger e que enviou uma sonda em formato de Ilia para interagir com a tripulação da Enterprise, Spock tenta fazer um elo mental. Mas a sobrecarga de informação é tanta que ele fica inconsciente. Durante o elo mental, vemos o rosto em agonia de Spock com várias imagens sobrepostas passando muito rapidamente por sua face. A solução do filme está lá (quem é V’Ger). Se colocarmos o aparelho de DVD quadro a quadro, vemos imagens da Voyager e das figuras humanas desenhadas em seu disco de ouro preso à fuselagem da nave. Típica mensagem subliminar.

Spock e sua viagem insólita pela nave de V’Ger.

Por fim, o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas” é altamente kubrickiano, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista do enredo. Esteticamente, o interior da nave de V’Ger se aproxima em alguns momentos do caleidoscópio da viagem warp de David Bowman ao se aproximar do monólito. Do ponto de vista do enredo, assim como Bowman interage com a espécie alienígena para criar um novo ser híbrido, a mesclagem final de Decker, Ilia e V’Ger cria também um novo ser, onde essa fusão se manifesta de forma até mais profunda do que em Kubrick, pois liga com total harmonia o racionalismo exacerbado de V’Ger com a emoção e amor de Decker e Ilia.

Fusão de Decker e Ilia com V’Ger. Nova espécie, assim como em Kubrick.

Concluindo estas linhas, volto a confirmar que “Jornada nas Estrelas, o Filme” é um longa a altura de todo o carisma e sucesso dessa série que é um verdadeiro fenômeno cultural, pois aliou ação, humor e entretenimento a um aguçado debate intelectual. E tudo isso na TV e numa cultura de massa taxada de burra pela escola de Frankfurt, composta de pensadores como Adorno e Walter Benjamin. Que bom que toda regra tem sua exceção!

Nave de V’Ger. Outra manifestação kubrickiana.

E não deixem de rever abaixo a antológica abertura do filme onde três cruzadores klingons enfrentam a nuvem de V’Ger. Só lembrando que o capitão klingon é Mark Lenard, o ator que interpreta Sarek, o pai de Spock.

Batata Movies – Paterson. Poesia E Cotidiano.

Cartaz do Filme

O diretor Jim Jarmusch está de volta, em parceria com o “Kylo Ren” Adam driver, trazendo o bom filme “Paterson”. Um filme sobre escrita e poesia. Mas também um filme sobre cotidiano, regado a pequenas e quase imperceptíveis alterações de rotina. Uma verdadeira aula de como você deve lidar com o dia-a-dia e os problemas que eventualmente surgem em sua vida.

A história em si é muito simples. Vemos aqui a trajetória de Paterson (interpretado por Driver), um motorista de ônibus que vive numa cidadezinha que tem o seu nome e que fica em New Jersey. Nosso protagonista acorda todos os dias em torno das seis e dez da manhã, troca uns beijinhos com sua esposa Laura (interpretada pela estonteante Golshifteh Farahani), vai para seu emprego, dirige o ônibus o dia inteiro, volta para cada, janta com sua esposa, leva o cachorro para passear e para num bar. De segunda a sexta, essa é a rotina de Paterson, que é quebrada em poucos momentos. Nem sempre a conversa no bar é a mesma, diferentes passageiros têm diferentes conversas no ônibus e Paterson, atento a tudo, as registra em sua memória. Mas a principal quebra de rotina na vida de Paterson é o ato de escrever suas poesias. Poesias que não rimam, é verdade, mas que pegam pequenas coisas do cotidiano (uma caixa de fósforos, por exemplo) e as transformam em objetos de arte com grande lirismo por parte do escritor. A esposa de Paterson é outro ponto importante na quebra dessa rotina. Cheia de manias, ela quer, simultaneamente, ser artista plástica, abrir uma empresa de cupcakes ou até mesmo ser uma cantora country, colocando Paterson eventualmente em maus lençóis financeiros. Mas o amor do motorista escritor por sua esposa é tanto que ele é altamente compreensivo com as doideiras dela, que também o apoia muito em sua carreira de escritor. E assim, a vida dos dois vai seguindo ao longo da semana. Só que um acontecimento inesperado quebraria violentamente essa rotina.

                     Paterson, um carinha legal…

O grande barato desse filme está justamente na questão da rotina e da sua quebra, com a poesia atuando como ponte entre esses dois pólos. É do cotidiano que Paterson tira inspiração para escrever seus versos e estrofes. Ou seja, de um local aparentemente estéril em termos de criatividade (a rotina do cotidiano) é de onde sai para Paterson todo um terreno para ele pôr em prática a sua fértil visão de mundo. Somente um artista refinado e sensível consegue tal proeza. E vamos percebendo isso paulatinamente na película, onde nosso protagonista começa a criar seus versos um pouco antes de sair com o seu ônibus, quando tem o raciocínio cortado pelo despachante pessimista da empresa, e o retoma na hora do almoço, quando tem mais tempo para escrever.

Com a esposa, doidinha, mas muito amável…

É claro que não é apenas a repetição do cotidiano que dá material para Paterson escrever. As conversas dos passageiros no ônibus trazem elementos novos para o motorista. Uma conversa de dois homens contando suas paqueras, um papo de estudantes anarquistas sobre uma importante figura anarquista do passado da cidade, ou até a importância do filho ilustre Lou Costello para a cidade de Paterson, todos estes são elementos que tiram o filme da rotina e trazem novos pontos de reflexão para o escritor, que é apaixonado por um famoso escritor local, William Carlos Williams. Existem até outros elementos que eu poderia mencionar à respeito da quebra de rotina, elementos esses relativamente interessantes, mas chega de spoilers por hora.

E os atores? Golshifteh Farahani foi muito bem numa personagem que, de tão lúdica, beirava o caricato. Ela segurou o rojão bem e comprou a ideia. Convenhamos que sua beleza hipnotizante ajudou bastante, mas a moça é talentosa, não vamos desmerecer a sua atuação em função de sua beleza. Já Adam Driver fez um personagem excessivamente calmo e compreensivo, que eventualmente saía de seu estado letárgico em situações engraçadas do bar. Apesar da excessiva passividade de Paterson, Driver fez a gente gostar do cara, o que é sinal de uma boa atuação.

Situações inesperadas quebram o cotidiano

Assim, “Paterson” é um bom filme, que tem um ritmo lento por viver em função do cotidiano e da rotina, mas cativa e prende a atenção pelos personagens, pelos atores e pela poesia bem escrita, talvez a grande vedete do filme. Vale a pena dar uma conferida em DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=4U-mELmrR6M

Batata Antiqualhas – Jornada nas Estrelas, O Filme (Parte 1)

            Cartaz do Filme: a velha tripulação de volta.

“Jornada nas Estrelas, o Filme”. O primeiro longa da série que havia feito muito sucesso na segunda metade da década de 1960 e suas reprises na década de 1970, foi dirigido pelo consagrado diretor Robert Wise, responsável por obras como “O Dia em que a Terra Parou”, “Noviça Rebelde” e “O Dirigível Hindenburg”. Nome à altura da tão esperada ressurreição da franquia, após o fracasso de se tentar levar a série “Jornada nas Estrelas, Fase II” ao ar nas tvs. Reza a lenda que o sucesso de “Guerra nas Estrelas” levou a Paramount a optar por fazer um longa.

                  Antigos rostos, alguns novos. Figurino a desejar…

Dos seis longas-metragens da tripulação da série clássica, esse talvez tenha sido o mais cerebral e artístico de todos. Para relembrarmos seu enredo, uma imensa nuvem desconhecida, que consome tudo à sua frente, vai em direção a Terra.

Uma maquete de três metros de comprimento para ser melhor filmada, com a câmera fazendo um travelling ao longo de sua carcaça.

O agora almirante James Tiberius Kirk mexe seus pauzinhos para retomar o controle da Enterprise, que passou por dezoito meses de reforma. Para isso, ele terá que rebaixar Decker (interpretado por Stephen Collins), o atual capitão da Enterprise, a primeiro oficial e oficial de ciências, o que provoca conflitos entre os dois.

                       Ilia e Decker: envolvimento amoroso.

Enquanto isso, em Vulcano, Spock atinge o Kolinahr, o expurgo total de suas emoções e o alcance à lógica total, mas ao receber a honraria, ele a recusa, pois sentiu uma poderosíssima consciência totalmente lógica em busca de perguntas. Ele se unirá à tripulação da Enterprise, que irá em direção à misteriosa nuvem e desvendar seus segredos.

Persis Khambatta raspando a cabeça para interpretar Ilia. Choro com a perda dos longos cabelos negros.

Mas, o que é essa nuvem? Nela existe uma grande nave espacial, comandada por V’Ger, uma máquina que busca respostas para sua existência. V’Ger busca seu criador e quer transformar as unidades carbono que infestam a Enterprise e a Terra (os humanos) em meros bancos de dados, por serem consideradas mais uma praga do que formas de vida.

                                        Ilia na Fase II.

Kirk e seus comandados descobrirão que V’Ger é na verdade a Voyager 6, uma sonda enviada pela NASA ao espaço mais de trezentos anos antes, que tinha a missão de coletar dados e enviá-los à Terra (ao seu criador). Por coletar uma quantidade enorme de informações e acumular conhecimentos, a Voyager 6 acabou desenvolvendo consciência. Mas a nave entrou num buraco negro, saindo do outro lado da galáxia, caindo num planeta de máquinas vivas que construiu a nave gigante para que a intrépida Voyager cumprisse sua missão.

                    David Galtreaux como o vulcano Xon em Fase II.

E ela retornou a Terra em busca de uma integração (física, inclusive) com seu criador. Como não recebia respostas de seu criador, já que o sinal era antigo demais e não entendido por seus criadores terrestres, a Voyager resolve acabar com todas as unidades carbono que infestam o planeta, entendidas por ela como a causa da obstrução do encontro da nave com seu criador. Nossa tripulação então tentará fazer esse contato.

                           E sua ponta no longa…

Essa história foi escrita para ser utilizada em “Jornada nas Estrelas, Fase II”, e enredo semelhante já havia sido utilizado no episódio “Nômade”. O longa quase teve um desfalque grave, pois Leonard Nimoy não queria participar do filme, mas depois de muitos apelos desesperados, ele aceitou. Em contrapartida, a bela Persis Khambatta, que havia interpretado a personagem Ilia na Fase II, participa do filme, assim como o ator David Gautreaux faz uma ponta como comandante da estação Epsilon 9, que foi sugada pela nuvem. Gautreaux seria o novo vulcano da Fase II, Xon, pois Nimoy não se incorporou ao cast da nova série. Xon seria totalmente vulcano e recém-saído da Academia de Ciências de Vulcano, sendo mais um fator para ressaltar o lamento pelo fracasso da Fase II.

                                  Enterprise e a misteriosa nuvem.

Após esse pequeno inventário de informações sobre o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas”, eu falarei, no próximo artigo, quais são as principais virtudes desse memorável filme. Até lá!

Batata Movies – Bingo. O Rei das Manhãs. Bozo’s Biography.

                         Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro está nas telonas. “Bingo. O Rei das Manhãs” fala da trajetória de um artista inspirado no personagem real de Arlindo Barreto, que ficaria conhecido como o palhaço Bozo. Barreto fez muito sucesso na antiga TVS (atual SBT) encarnando o palhaço americano e conseguiu bater até a poderosa Rede Globo em audiência. Mas a vida do artista não foi um mar de rosas e ele acabou entrando num período de franca decadência, onde o vício em cocaína foi apenas o primeiro degrau para o buraco. A película falará das meteóricas ascensão e queda de Arlindo de uma forma bem biográfica e direta, não deixando ponto sem nó.

                   Boz… Bingo está de volta!!!

E quem interpreta o palhaço nessa empreitada? Vladmir Brichta, que estava simplesmente sensacional no papel de Augusto Mendes. Foi notável ver como o ator conseguiu dar um grande carisma ao personagem, mostrando a firmeza e obstinação de Augusto em conseguir o papel e depois conseguir dobrar o empresário americano que trouxe um formato de programa dos Estados Unidos que não se encaixava à realidade brasileira. Foi Augusto/Arlindo que, na base do puro improviso, com uma baita presença de espírito, conseguiu reestruturar todo o programa e torná-lo um sucesso de audiência, não sem muita pressão em suas costas, algo que ele levou numa boa. Se Brichta conseguiu ir muito bem nessa faceta do personagem, ele foi igualmente perfeito na fase negra de Augusto/Arlindo, mergulhando em doses profundas de desespero e de decadência. Esse é o tipo de papel que é um verdadeiro presente para a carreira de um ator, pois pode valorizar em muito a sua carreira.

            Gretchen em programa infantil!!!

Mas esse presente tem uma faca de dois gumes e deve ser muito bem aproveitado. E Brichta não brincou em serviço. A gente realmente fica impressionado com sua atuação. Um outro destaque é a presença de Leandra Leal, que também conseguiu mostrar muito talento, fazendo o papel de Lúcia, a diretora do programa de TV, que aparentemente tem mais idade que a atriz. Leal foi notável em sua interpretação de mulher mais velha, sendo um verdadeiro deleite vê-la atuando com Brichta. Só esses dois detalhes já justificam o ingresso do filme. Mas a película tem mais atrativos, pois ela está cheia de referências afetivas para nós que vimos o programa do Bozo naquelas manhãs da década de 80 e que estamos na faixa dos quarenta a cinquenta anos. Isso sem falar da trilha sonora da época, carregada de um Rock Nacional com músicas que também tocavam fundo em sua alma, tanto quanto o Opala SS do palhaço. Ou seja, uma reprodução de época muito perfeita e bem cuidada.

          Leandra Leal impecável como Lúcia…

Assim, se você cresceu vendo o Bozo na TVS, esse filme é um programa imperdível. E se você não teve a oportunidade de vivenciar aqueles anos, agora tem uma oportunidade ímpar de saber o que perdeu. E ainda há a atuação ótima de Brichta e Leal, assim como uma química entre atores poucas vezes vista em nosso cinema. Não deixe de prestigiar esse grande filme, que vai te fazer rir e chorar. Só não vale falar “Ah, que peninha” no final…

Batata Movies – A Torre Negra. Mais Um Stephen King Na Área.

                 Cartaz do Filme

Confesso a vocês que não vejo muitos filmes inspirados em histórias de Stephen King. Apesar de todo o mérito delas, o gênero em que ele escreve nunca me atraiu muito. Só espero não ser tendencioso em minha análise de “A Torre Negra”, o seu último filme (se bem que “It” também já está por aí pelas salas). Apesar de meu pouco interesse, decidi ver a película ao saber que Idris Elba e, principalmente, Matthew McConaughey iriam participar. Assim, tinha um bom motivo para dar uma chegadinha ao São Luiz, no Largo do Machado, para prestigiar o filme.

            O Homem de Preto e o Pistoleiro

E quais foram as minhas impressões? Bom, a ideia de luta entre o bem e o mal foi apresentada de uma forma, digamos, interessante. Essa velha receita vem estruturada numa noção de que o nosso Universo é circundado por forças malignas que não conseguem entrar devido à proteção de uma torre negra. Um tal de Homem de Preto (interpretado por McConaughey), mau que nem o Pica Pau, vai tentar destruir essa torre, usando a força vital extraída do cérebro de… crianças (não me pergunte por que…). Ele vive numa espécie de mundo paralelo ao nosso. Cada ataque que a torre sofre traz reflexos nos dois mundos, provocando uma onda de terremotos por aqui. A única pessoa que percebe que há algo de errado é um garoto, Jake (interpretado por John Taylor), que tem sucessivos sonhos com a história da torre, com o Homem de Preto e com um pistoleiro de nome Roland (interpretado por Elba). Os pistoleiros têm como missão proteger a torre das forças maléficas do Homem de Preto. Mas a batalha contra o mal está praticamente perdida. Como o menino está sendo tratado como um doido pela sua mãe e pelo seu padrasto, ele consegue fugir até encontrar um portal para o tal mundo paralelo, onde se unirá com Roland na luta contra o tal Homem de Preto.

     O pistoleiro encontrará apoio no jovem Jake

A história até tem um enredo interessante mas não empolga muito. Há várias cenas de ação que deixam a coisa um pouco mais atraente, mas mesmo assim não parece ser muito suficiente. Existem algumas coisas que a liberdade poética permite, mas que incomodam como, por exemplo, o fato do Homem de Preto ter poder suficiente para matar uma pessoa apenas com sua vontade mas isso não funcionar justamente com o pistoleiro e o garoto, que é cercado de todo um poder especial. Assim não vale. Os protagonistas tinham que ter algum tipo de vulnerabilidade para com o inimigo e quebrar a cuca para se proteger. A história ficaria muito mais interessante e daria mais status ao personagem de McConaughey, que merecia coisa melhor para interpretar. O Homem de Preto, em sua maldade absoluta, é simplório demais e não deu chance a um ator vencedor de Oscar demonstrar todo seu talento. O pistoleiro de Elba era bem mais interessante, pois ele é o herói que falhou em sua missão e a única coisa que o mantém vivo é o rancor de sua vingança para com o Homem de Preto. Ou seja, ele já esqueceu suas virtudes de herói faz tempo, e elas serão justamente resgatadas por Jake, o menininho puro. De doer também é o desfecho da história, de tão banal que foi e que os spoilers me evitam dizer. Será que no livro do King é a mesma coisa? Espero que não…

Stephen King. Minha história ficou legal no cinema?

Assim, “A Torre Negra” tem até um enredo interessante, mas o desenvolvimento da história não é muito atraente. Uma pena, pois temos dois atores muito bons aqui. Você pode até ir ao cinema por eles mas, de resto, não espere muito mais.