Batata Movies – Armas Na Mesa. Corrupção Não É Só Aqui.

 

Cartaz do Filme

Um interessante filme pairou em nossas telonas. “Armas na Mesa” (“Miss Sloane”) é uma película que fala de poder e corrupção, mostrando que esta última não é um privilégio de terras tupiniquins. Um filme um tanto barra pesada. Mas também um grande jogo de xadrez.

Miss Sloane, a marrenta

Vemos aqui a história de Elisabeth Sloane (interpretada por Jessica Chastain), a mais bem sucedida e requisitada lobista de Washington. Ela não mede esforços para alcançar suas vitórias políticas, ao bom estilo “os fins justificam os meios”, sendo uma mulher para lá de marrenta. Mas essa mulher aparentemente fria e calculista sofre de uma insônia crônica que a faz ficar dependente de remédios, escondendo uma instabilidade emocional. Um belo dia, o chefe da empresa em que trabalha organiza uma reunião com um senador que é de um movimento pró-armas. Sloane decide não decide fazer o lobby para o tal senador, o que irrita o seu chefe. Ao mesmo tempo, é convidada a trabalhar numa empresa rival, fazendo justamente um lobby anti-armas. Isso será apenas o início de uma briga de cachorro grande, onde ela lançará mão de todos os artifícios inescrupulosos para conseguir chegar aos seus objetivos, o que também a deixará vulnerável a seus inimigos.

Lutando contra antigos colegas

Esse é o tipo do filme em que o espectador deve ficar ligado o tempo todo, para não perder o fio da meada, pois a coisa fica toda focada no diálogo dos personagens e temos que acompanhar tudo com atenção, pois há muitos personagens envolvidos na trama. Todo o falatório torna o desenrolar da película um tanto enfadonho (algumas pessoas desistiram no meio da exibição e foram embora), mas quem aguentou até o final foi bem recompensado com o desfecho. O mais interessante aqui é como as duas empresas lançavam mão de todos os recursos (muitas vezes um tanto que sorrateiros, imorais ou até ilícitos) para chegarem aos seus objetivos de conquistar os senadores que votariam a favor ou não das armas. Nossa protagonista é uma espécie de anti-herói típica, onde sua marra e suas atitudes inescrupulosas nos despertavam antipatia e até uma certa revolta em alguns momentos.  Mas sua fragilidade como figura humana também nos despertava uma certa pena. E sua inteligência em mover as peças do xadrez na hora certa e de forma correta, principalmente ao desfecho do filme, nos despertou admiração. Todos esses sentimentos despertados pela interpretação magistral de Jessica Chastain, que se mostra uma eficiente atriz, que não só se escora em sua beleza para conseguir papéis. Ainda falando em atores, foi muito legal ver novamente John Lithgow no cinema, interpretando um senador que quer ferrar com a Miss Sloane, e Sam Waterson, no papel do primeiro chefe de Sloane. Para quem não se lembra, Waterson fez a série “Lei e Ordem”.

Prestando explicações à justiça

Assim, “Armas na Mesa” pode até ter um ritmo lento e exigir muita atenção do espectador, mas ele premia todos aqueles que se dedicam a ele, por contar uma boa história com um bom desfecho. O filme ainda traz a boa presença de atores mais antigos e a boa interpretação de Chastain, que era o foco principal do filme. Vale a pena dar uma conferida.

https://youtu.be/TZLWM-pMT4Q

Batata Movies – A Bela E A Fera. Encontro de Outsiders.

Cartaz do Filme

E a Disney lançou a sua versão action movie de “A Bela e a Fera”, estrelando Emma Watson no papel da mocinha. Esse é um filme que já vinha cercado de uma certa expectativa, pois todo mundo já conhecia a animação lá da década de 90. E aí, ficou a pergunta: o que esse filme traria de novo?

Releitura de um velho clássico

Bom, em primeiríssimo lugar, o elenco. Além de Emma Watson, tivemos uma boa participação de Kevin Kline, como Maurice, o pai de Bela. É muito legal ver um ator que tanto apareceu lá na década de 80 ainda dando caldo. Mas o filme teve outras gratas surpresas. Luke Evans, que fez um dos mais novos “Dráculas”, fez um bom vilão no papel de Gaston. Vários atores consagrados participaram do filme, mas eles fizeram papéis dos objetos do castelo. Assim, só pudemos ver ao final da película os semblantes de atores como Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson, etc. Um destaque todo especial deve ser dado ao ator Josh Gad, que fez o papel de LeFou, o fiel escudeiro de Gaston, e que despertou muita polêmica entre mentes mais conservadoras por aqui por se insinuar de forma homossexual no filme. Querelas à parte, ele foi muito bem em seu papel e chamou muito a atenção, mais por seu talento do que por toda a polêmica envolvida. Só é de se lamentar que o papel de Fera tenha ficado com um ator pouco conhecido, Dan Stevens, onde o CGI teve mais presença que o ator em si. Já a atuação de Emma Watson foi segura, mas talvez um tanto plana. Seus momentos mais dramáticos não convenciam muito. Talvez seu perfil não se encaixasse tanto no papel, o que foi uma pena, pois essa é uma excelente atriz, mas a coisa não deu a química esperada.

Correndo contra um encanto e contra o tempo…

Um detalhe interessante que a história nos mostra é a questão do outsider. Tanto a Bela quanto a Fera são figuras deslocadas do meio em que vivem. A Fera é o príncipe que sofreu um encanto por ser uma pessoa má e foi esquecido por todos, sendo condenado ao ostracismo enquanto seu encanto não fosse quebrado. Já a Bela era a moça deslocada de sua comunidade, pois tinha o estranho hábito de ler, o que provocava falatórios das pessoas com relação às suas atitudes. Ainda, ela era muito malvista por ensinar crianças a ler (!). Algo típico de uma sociedade de Antigo Regime, onde a posição da mulher era vista de forma ainda mais periférica do que hoje e mulheres que se comportavam diferentes daquelas que eram preparadas para casar ficavam à margem da sociedade. Assim, o encontro da Bela e da Fera no castelo fez com que os dois se identificassem em seus deslocamentos perante os outros. Isso, obviamente, depois de quebrado o gelo inicial.

Fera. Mais expressividade no CGI

O filme é também mais um delicioso musical, um gênero que tem voltado às telonas ultimamente e da melhor forma possível, ou seja não uma “cópia e cola” dos musicais da Broadway para o cinema. Já vimos esse grato retorno dos musicais com “La La Land”. E fazer o mesmo para uma história adaptada pela Disney deu um bom resultado, pois os números estavam muito bem coreografados e mais uma vez ficamos com aquele gostinho dos antigos musicais americanos, que é o que o cinema de Hollywood consegue fazer de melhor. O gênero musical é uma invenção genuinamente americana e suprassumo do cinema dos Estados Unidos.

Assim, “A Bela e A Fera” correspondeu às expectativas de ser mais um bom lançamento da Disney, que nunca brincou em serviço. Uma história com um excelente elenco, um bom musical, um encontro de outsiders. A se lamentar somente um ator desconhecido para o papel de Fera e a interpretação inesperada de Emma Watson, um tanto fria para o papel (inglesa demais?). Mas nada disso prejudica o filme em si. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – A Cidade Onde Envelheço. Buscando Seu Porto Seguro.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Brasil-Portugal passou em nossas telonas. “A Cidade Onde Envelheço” fala de dúvidas e incertezas. Fala do medo dos caminhos que você toma na vida. Para onde devo ir? Será que o rumo que dou ao meu futuro é o melhor? Devo seguir em frente ou voltar atrás e buscar o antigo caminho? Ou tentar uma terceira solução? Dúvidas, dúvidas e dúvidas.

Duas amigas num país estranho

O filme fala de duas amigas portuguesas, Francisca e Tereza (interpretadas, respectivamente por Elisabete Francisca e Francisca Manuel), que vieram tentar a vida no Brasil, mais especificamente na cidade de Belo Horizonte. Francisca já está há algum tempo no Brasil e Tereza é uma recém-chegada que irá dividir o apartamento da amiga. Francisca tem seu círculo de amizades, com pessoas frequentando seu apartamento, mas não consegue se adaptar ao Brasil, sendo um pouco mais mal-humorada. Já Tereza é bem mais alegre e extrovertida. Mesmo que as duas amigas se entendam bem, Francisca já deixou claro que prefere morar sozinha. Mas as duas amigas portuguesas são bem unidas e enfrentam o dia-a-dia de se estar num país com hábitos e comportamentos diferentes.

Amizades não tão profundas

O filme tem um ritmo relativamente lento e é um tanto enfadonho, mas aborda uma interessante questão: como um estrangeiro convive num novo país e consegue ou não se adaptar? No caso de nossas amigas portuguesas, a gente via que elas, de alguma forma, conseguiram se adaptar e formar um círculo de amigos, entretanto não dava para dizer que aquelas eram amizades profundas, a ponto de se fincar raízes por aqui. Isso ficou bem claro num choro de Tereza que, aparentemente, não tinha qualquer motivo, mas sentíamos nas entrelinhas que a moça (lindíssima por sinal) estava com saudades da “terrinha”. Ainda assim, fica no ar a dúvida para nossas protagonistas: é melhor tentar a sorte no Brasil ou voltar para seu país natal? O próprio turbilhão de incertezas quando da permanência no Brasil (Vai se ter um emprego? Haverá dinheiro para o aluguel? E se precisar de alguém para dividir as despesas?) tornam as decisões ainda mais difíceis.

Poucos momentos de descontração

Assim, “A Cidade Onde Envelheço” é um filme que inaugura uma série de co-produções Brasil-Portugal esse ano e dá a nós o olhar do imigrante português perante o Brasil. Um filme com duas atrizes eficientes que nos dá um leve sopro de como é difícil se fincar raízes em terras estrangeiras, pelo menos para as novas gerações, e que, acima de tudo, mostra como é enorme a incerteza de quais rumos podemos dar a nossas vidas. Vale a pena dar uma conferida.

 

Batata Movies – Marguerite E Julien. Um Amor Incestuoso.

Cartaz do Filme

Um filme curioso e polêmico que passou somente lá no Cine Joia, de Copacabana. “Marguerite e Julien”, da diretora Valérie Donzelli,  trata de uma história real que já aconteceu há muito tempo (na virada do século XVI para o XVII), mas que desperta uma polêmica e tanto até os dias atuais: o amor incestuoso entre dois irmãos. Um filme que é feito com muita delicadeza para justamente não ser tão agressivo aos moralistas mais sensíveis.

Irmãozinhos muito ligados desde a infância

Vemos aqui a história dos dois irmãos, Marguerite (interpretada por Anaïs Demoustier) e Julien (interpretado por Jérémie Elkaïm). Desde cedo, os dois irmãozinhos eram muito ligados. A coisa na infância era altamente idílica, com brincadeiras infantis e trocas de carinhos, sem muitas maldades. Mas, ao entrar na escola, o casalzinho de irmãos foi notado pelo professor (e padre), alertando o pai de que os irmãos deveriam ser separados, o que de fato aconteceu, com Julian sendo mandado para outra escola, ficando vários anos longe dos pais e da irmã. Mas Julian retornaria, já rapaz feito e reencontraria Marguerite já moça e prometida. Não é preciso nem dizer o que acontece daí para a frente, com os dois querendo engatar um namoro e desafiando todas as rígidas convenções sociais da época, que consideravam o incesto um crime passível de ser punido com a morte.

Mais tarde, formarão um casal desafiador

O grande barato desse filme é que, apesar de ser uma história que já se passou há séculos, vemos toda uma estética propositalmente anacrônica. Assim, uma hora parece que os irmãozinhos estão no século XIX, outra hora no século XX, quando Marguerite é presa e levada por um helicóptero, e assim vai. Nós nunca sabemos em que época exata a real história aconteceu a não ser no fim do filme, quando um intertítulo nos diz como foi o desfecho do verdadeiro casal. O filme também tem uma curiosidade interessante. Em dois momentos, é preparada toda uma cena em que os protagonistas ficam totalmente estáticos e a câmara passa por eles em “travelling”, tal como se fizéssemos um passeio em 3D numa pintura ou algo do tipo. Depois dessa pequena “viagem”, os personagens ganham vida e se movimentam, dando sequência à narrativa.

Apesar de ser um drama e falar de um tema muito polêmico, o ritmo do filme flui muito bem, pois a impressão que nos dava era a de que víamos um grande filme de romance e  aventura, onde o herói apaixonado salva a mocinha das garras de homens maus que querem desposá-la. Ainda, deve ser mencionado que esse roteiro foi originalmente escrito para François Truffaut rodá-lo lá na década de 70. Coube à diretora Valérie Donzelli e ao ator Jérémie Elkaïm adaptá-lo para os dias atuais, colocando os já citados elementos anacrônicos. Em tempo: Truffaut não o filmou já que ele estava envolvido em muitos projetos.

Em Cannes (2015): Jeremie Elkaim, a diretora Valerie Donzelli e Anais Demoustier

Assim, “Marguerite e Julien” é um daqueles filmes que trata de um tema altamente polêmico, mas consegue colocar um frescor de aventura de capa e espada para dar uma aliviada na barra. A colocação de uma estética fora de época e o uso de tomadas onde os atores apareciam totalmente estáticos trazem um elemento de novidade, apesar desses estratagemas já terem sido utilizados no passado. Como não vemos essas coisas todos os dias por aí, a revisitação é válida. Pena que só passou no Joia e não esteve disponível em outras salas, o que mostra a carência de salas em nossa cidade.

https://youtu.be/dpComL7Dg-A

Batata Movies – Silêncio. A Fé Move Montanhas Mas Não Transforma Ilhas.

Cartaz do Filme

Martin Scorsese tinha um projeto antigo: o de fazer um filme sobre a perseguição aos cristãos no Japão do século XVII. Por anos a fio, ele buscou concretizar seu filme, mas não conseguia. Até que, finalmente, Scorsese realizou “Silêncio”, e agora o temos em mãos. E o que podemos dizer desse filme? Nada menos do que uma obra-prima. Essa é uma daquelas películas que entrarão para o rol das melhores feitas por Scorsese. Também pudera. Como ele teve muitas dificuldades em fazer esse filme, assim que teve a oportunidade, o ítalo-americano a aproveitou com muito amor. E, quando você faz as coisas com amor, você faz muito bem.

Um padre desapaecido

No que consiste a história? Dois jesuítas portugueses, Padre Rodrigues (interpretado pelo “Homem Aranha” Andrew Garfield) e Padre Garupe (interpretado pelo “Kylo Ren” Adam Driver) estão muito angustiados com o sumiço do Padre Ferreira (interpretado por Liam Neeson) em missão no Japão, um país conhecido por rechaçar com muita violência qualquer tentativa de implementação do cristianismo, pois já tinha estabelecida a religião budista (importada da Índia) e a xintoísta. Considerando que o cristianismo era uma influência estrangeira e uma ameaça à cultura local, as autoridades japonesas simplesmente executavam todos os camponeses que se convertiam. É para esse país que os dois jovens jesuítas viajarão à procura pelo Padre Ferreira que, segundo as últimas informações, tinha renunciado à Deus e vivia como um japonês. Ao chegarem ao Japão, os padres foram acolhidos por uma pequena comunidade camponesa cristã que vivia bem escondida, temerosa da perseguição de um tal “inquisidor”. Os dois padres inicialmente vivem escondidos por lá, mas ficam no dilema de que precisam procurar o Padre Ferreira, e necessitam se arriscar mais. Até que, um dia, os representantes do governo japonês chegam à caça dos cristãos. É o momento em que a película se tornará extremamente tensa e pararemos com os “spoilers”.

Dois padres numa missão de resgate

Vamos lá. Por que esse filme foi tão bem? Em primeiro lugar, o diretor e o roteirista Jay Cocks (Scorsese também assina o roteiro e a história é baseada no romance de Shusaku Endo) tiveram o cuidado de trabalhar muito bem o embate entre as duas culturas, ou seja, a lógica do Antigo Regime e do catolicismo, com a sua arrogância em levar a sua verdade para outros povos, em contraposição à da cultura japonesa vigente do xogunato, que precisava manter a sua estabilidade política num histórico de muitos períodos de caos e disputas entre senhores feudais japoneses durante os séculos a fio de xogunato. Se num primeiro momento, os japoneses são vistos dentro de um estereótipo plano de violência, num segundo momento vemos um debate entre as visões de mundo do catolicismo de Rodrigues e do budismo do Inquisidor. Ambos discutiam onde suas religiões se aproximavam e se afastavam e até onde o catolicismo era viável ou não no Japão. Tais debates foram o grande fator motivador do filme e não o choque violento provocado pelas atrocidades japonesas em si. Em segundo lugar, as atuações dos atores. Andrew Garfield rouba as ações. Esse é mais um filme onde a gente se esquece de que ele é o Homem Aranha. Sua interpretação de um padre atormentado pelo silêncio de Deus perante à matança de fiéis foi simplesmente soberba e convenceu bastante. Pena que o filme não tenha dado tanto espaço a Adam Driver. Depois de tantos comentários até um pouco maldosos sobre sua atuação em “O Despertar da Força”, seria legal vê-lo tendo uma oportunidade em algo diferente. E aí chegou a oportunidade dele com Scorsese, um diretor consagrado. Só que, comparada a Garfield, sua atuação caiu mais para a de coadjuvante, o que foi uma pena. Liam Neeson, nos poucos momentos em que apareceu, também esteve muito bem. Mas quero fazer aqui um destaque todo especial aos atores japoneses que participaram da película. Yosuke Kubozuka interpretou Kichijiro, uma espécie de “Judas recorrente” para o padre Rodrigues. Tadanobu Asano fez o intérprete de Rodrigues e conseguiu ser muito intenso nos momentos de cortesia e nos momentos de tortura psicológica. Agora, quem realmente deu um show foi o ator Issei Ogata, no papel de Inquisidor. Ele conseguia ser delicado, cortês e muito sábio, mas simultaneamente conseguia ser extremamente ameaçador, despertando o respeito de Rodrigues. Uma grande atuação que ajudou o filme a afastar os estereótipos para com os japoneses. Foi um verdadeiro deleite ver esses atores ocidentais e orientais trabalhando juntos.

Um respeitável inquisidor

O filme, por sua vez, também tem seus probleminhas. Em primeiro lugar, o xintoísmo foi praticamente esquecido ao longo de todo o filme (só em um pequeno momento, o Padre Ferreira o cita muito levemente), sendo dado um foco maior no budismo, o que foi uma pena. Ainda, o filme pareceu demasiado longo (cerca de duas horas e quarenta minutos) e com um ritmo um tanto lento. Talvez ele pudesse ser um pouco mais enxugado e com mais debates entre Rodrigues e o Inquisidor. Se isso acontecesse, talvez a película passasse mais rápido aos olhos do espectador, que se apavorou com as atrocidades japonesas. Mas, apesar disso, não podemos deixar de dar uma certa razão aos japoneses. É só a gente se lembrar do que aconteceu com os índios por todo o continente americano durante a colonização, onde o genocídio e o etnocídio foram a tônica.

Scorsese em ação

Assim, “Silêncio” é um filmaço de Scorsese, feito com muito amor e carinho, e que levanta questões muito pertinentes sobre embates culturais do Oriente e do Ocidente. Imperdível! Daqueles que a gente compra o DVD para ver, ter e guardar.

https://youtu.be/susGd0Jd-CE

 

Batata Movies – Quatro Vidas De Um Cachorro. Cão Espírita.

Cartaz do Filme

Passou em nossas telonas o controverso “Quatro Vidas de um Cachorro”. Por que esse filme despertou tanta polêmica? É que circulou nas redes sociais que houve maus tratos a um pastor alemão durante as gravações do filme (ele teria sido obrigado a pular numa piscina com ondas e lutou muito contra isso; para piorar a situação, o cachorro afundou na piscina e quase se afogou). Por causa desse fato, rolou uma campanha para se boicotar o filme. Mas minha curiosidade era tanta desde que vi o livro da história desse filme na livraria, que me despenquei para o São Luiz 4 para dar uma conferida na película.

Grata surpresa de Dennis Quaid

Vemos aqui a história de um cãozinho que, na verdade, não vive quatro, mas cinco vezes. Isso mesmo que você entendeu, caro leitor. O bichinho morria e reencarnava no corpo de outro cachorro, com o agravante de que o cachorro se lembrava de tudo o que tinha acontecido em sua vida anterior (nem precisava fazer regressão). O filme era narrado em primeira pessoa canina e assim podíamos atestar como era a visão de mundo do cachorro, sendo um texto bem escrito e engraçado. O mais legal das histórias era como o cachorro encarava seus donos e de todo o carinho e cumplicidade envolvidos entre o bichinho e os “chefes da matilha” que era como o cachorro se referia aos seus donos. Uma coisa que ficou um pouco ruim foi o fato de que as histórias não tinham a mesma duração ou tratamento adequados. Algumas histórias eram mais detalhadas e longas em detrimento de outras. Na verdade, o filme gira mais em torno de duas histórias principais que estão interligadas, enquanto que as demais histórias têm uma importância menor atribuída, parecendo apenas encher linguiça para o filme, o que configurou um problema no roteiro, o que foi uma pena. No mais, tivemos um elenco de atores desconhecidos, salvo a grata surpresa de podermos rever Dennis Quaid em ação novamente, um ator que muito apareceu na década de 80, mas que anda meio sumido, o que é uma pena, pois é um talentoso ator cheio de presença e deveria estar aparecendo mais por aí nos filmes.

O pastor alemão…

Assim, se “Quatro Vidas de Cachorro” despertou muita polêmica em virtude da denúncia de maus tratos contra os animais, por outro lado é um filme que vê os cachorrinhos com a maior simpatia do mundo e enfatiza tudo aquilo que a sabemos que um animal de estimação desses dá para a gente: muito amor sincero e bastante carinho. Só é pena o que aconteceu nas gravações.

Batata Movies – Toni Erdmann. Salvando A Filha.

Cartaz do Filme

Mais um filme candidato ao Oscar em passou nossas telonas. “Toni Erdmann”, vindo diretamente da Alemanha, é uma comédia que tem sido agraciada pela crítica como favorita ao Oscar de melhor filme estrangeiro. É um daqueles filmes que envolvem pai e filha, inicialmente distantes e que, pouco a pouco se aproximam. Ou seja, um clichê clássico. Mas o que tinha feito o filme tão especial a ponto de pintar como favorito ao Oscar?

Papai Conradi. Hábitos pouco ortodoxos

Vemos aqui a história de Winfried Conradi (interpretado por Peter Simonischek), um distinto senhor alemão que tem uma vida, digamos, inusitada. Ele adora fazer piadas com as pessoas e interpretar personagens para pessoas em peças beneficentes de teatro. Seu comportamento é altamente anárquico e fora dos padrões. Winfried tem uma filha, Ines (interpretada por Sandra Hüller), que é o oposto do pai. Sisudona, a moça trabalha para uma empresa que tem a difícil missão de escolher pessoas a serem demitidas, pois, a tal firma fez um acordo com uma empresa maior que quer cortar gastos. Essa tarefa consome Ines, que precisa ser altamente formal com grandes executivos extremamente cruéis e insensíveis com a vida das pessoas. E aí, o paizão Winfried decide fazer uma viagem para ficar mais próximo da filha e fazê-la levar a vida mais na flauta, como se diz por aí. É claro que isso não acontecerá sem muitas situações curiosas e um tanto divertidas.

Tentando salvar a alma da filha, mergulhada na dureza do capitalismo

Esse filme tem uma ideia ótima, que é pegar um velho clichê (o difícil relacionamento de pai e filha) e atrelá-lo à situação de crise econômica mundial atual, onde a visão lúdica e terna do pai busca salvar a filha totalmente inserida no contexto do capitalismo. E, ainda por cima, tudo isso regado à humor. Entretanto, o filme tem um sério problema. Tudo isso é feito dentro da ótica da cultura alemã, que, cá para nós, não tem muito jeito para a comédia. Não que o filme não tenha despertado até boas risadas em alguns momentos, mas a forma muito sisuda e racional de interpretação dos alemães aos nossos olhos não ajuda muito a fazer rir. E a gente percebe que, em alguns momentos do filme, um alemão até riria de uma determinada situação que passou despercebida por nós em termos de humor.  A  peruca e dentadura que Winfried usava para fazer o papel do tal Toni Erdmann soava mais constrangedora do que engraçada em alguns momentos, e essa impressão era reforçada pelas pessoas que comentavam às suas costas coisas do tipo “Viu só? Que tipo de homem é esse?”, em vez de aproveitar para jogar mais uma piada nessa fala. Ou seja, temos aqui um caso de choque cultural típico, onde nossa noção de humor é muito diferente da alemã. Apesar disso, devo repetir que a ideia do filme é muito boa e ele até mereceu a indicação para o Oscar. Mas acabou perdendo, com justiça, para “O Apartamento”.

Parece que ela vai ceder…

Assim, se “Toni Erdmann” tem o problema do choque cultural, onde não estamos acostumados com o humor alemão, ainda assim o filme traz uma boa ideia de interagir um tema particular (o clichê do difícil relacionamento entre pai e filha) com um tema mais geral, que é o desemprego provocado pelo contexto da crise econômica geral. Apesar de seus mais de 160 minutos (outro fator que dá uma certa morosidade ao filme), vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Redemoinho. Boas E Más Companhias.

 

Cartaz do Filme

Um bom filme brasileiro, que prometia muito, passou em nossas telonas. “Redemoinho” vem com um bom elenco global e é uma história que fala de recordações sobre um passado distante e traumático, tradição e modernidade, em movimentos de idas e vindas, bem ao estilo do que o título do filme sugere.

Vemos aqui a história de dois amigos. Luzimar (interpretado pelo sempre eficiente Irandhir Santos) sempre viveu na sua cidadezinha de interior, Cataguases, e trabalha numa tecelagem, onde o forte som das máquinas o deixou um pouco surdo, sendo obrigado a usar um aparelho auditivo. Já Gildo (interpretado por Júlio Andrade) preferiu arriscar a sorte na cidade grande, em São Paulo. Numa véspera de Natal, Gildo retorna à sua cidade de interior para levar um presente para a mãe, uma televisão, e reencontra Luzimar. Ele, então, convida o amigo para tomar umas cervejas em sua casa. Mas Luzimar precisa ainda visitar a mãe e ir para a sua casa, passar o Natal com a esposa, Toninha (interpretada por Dira Paes). O problema é que Gildo não deixa que Luzimar retorne a sua casa de jeito nenhum e, ainda por cima, revolve o passado dos dois, que possui lances muito nebulosos, que pouco a pouco vão se descortinando no filme.

Gildo e Luzimar. Saudades e conflitos

O filme, como podemos perceber, possui um baita elenco. Irandhir Santos estava muito bem, espontâneo como sempre. Júlio Andrade, explosivo e repulsivo. Tínhamos raiva de seu personagem Gildo, que assolava como podia seu amigo de infância Luzimar. Dira Paes, essa linda e maravilhosa atriz, interpretou de forma elegante e contida. E ainda tivemos a participação de Cássia Kis Magro como Marta, a mãe de Gildo, que era uma mãe submissa à empáfia do filho. Boa parte da qualidade do filme se ampara no grande talento de seus atores.

Mas o filme tem outras virtudes. A ideia do Redemoinho, expressa pelo diretor José Luiz Villaramim, e pelo roteirista George Moura, era muito presente, do ponto de vista estético e narrativo. Esteticamente, o redemoinho se expressava sobretudo pelas idas e vindas de um som cíclico, seja na corredeira do rio, seja no ensurdecedor barulho das máquinas da tecelagem. E, do ponto de vista narrativo, presenciamos um movimento cíclico entre dois pólos, que se manifestam em Luzimar (o campo, a tradição, o caráter), e em Gildo (a cidade, a modernidade, a amoralidade). Uma interação entre os amigos que pode ser, em alguns momentos amistosa, mas, em outros momentos, bem conflituosa. Uma interação que também revolve o passado, mas se fala no presente. Essas idas e vindas cíclicas permeiam toda a película e são a estrutura básica da ideia que se quer apresentar nesse filme.

Grande atuação de Cássia Kis Magro

Mas a película também tem seus problemas. O filme mostra a cidade de Cataguases como extremamente minúscula, um ovinho em que todo mundo se conhece. E, sabemos que a verdadeira Cataguases, apesar de ser uma cidade de interior, é bem maior que isso. A gente pode até se perguntar se o filme não se passa num passado um pouco mais distante, mas essa especulação logo cai por terra ao percebermos elementos bem modernos como os carros que aparecem na película e a tecelagem. Assim, o filme mostra uma visão um pouco distorcida da Cataguases de hoje em dia. Pelo menos, quando os amigos estavam no antigo campinho onde batiam uma bolinha quando crianças, e se lembraram da escalação do time, havia dois jogadores estrategicamente colocados lado a lado, Humberto e Mauro.

Dira Paes, o diretor José Luiz Villaramime Irandhir Santos (direita)

O segundo problema do filme é o seu desfecho, que ficou com uma tremenda cara de anticlímax, apesar da boa nova que Toninha trouxe a Luzimar. De qualquer forma, pode ser até que o melhor desfecho para o filme fosse de anticlímax mesmo, expressando da melhor forma possível o ritmo da vida no campo, na cidade do interior, nas tradições que são imutáveis.

Assim, “Redemoinho” é um bom filme brasileiro, por dois motivos principais. Pelo bom elenco e pela forma eficiente que se expressa uma ideia tanto do ponto de vista narrativo quanto estético. Um filme que vale a pena dar uma conferida.