Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 4) “Uma Moeda Para Caronte”. Uma Forte Referência.

Salvando Burnham…

O quarto episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”, “Uma Moeda Para Caronte” foi um episódio muito bom, talvez o melhor de todos dessa série até agora. Tudo bem, eu sei que outras análises virão e elas vão apontar problemas que o episódio tem (como acontece em tudo na vida, onde existem virtudes e defeitos). Mas eu confesso que estou preferindo aqui buscar mais pontos positivos de “Discovery” e especular como eles poderão ser trabalhados melhor no futuro. Só há uma coisa que está incomodando um pouco. É o segundo episódio seguido que se desvia do arco principal, que está nos sinais ao longo da galáxia e do anjo vermelho. Só espero que eles não façam com esse arco o mesmo que fizeram com a guerra com os klingons na primeira temporada, que se propunha ser o arco principal e que praticamente não existiu.

Saru, uma participação importantíssima nesse episódio…

Mas vamos ao plot desse episódio. A Discovery conseguiu a localização da nave de Spock e a está perseguindo. Mas ela é impedida de continuar por uma grande esfera que se mostra um organismo vivo e infecta a nave com um vírus que produz sobrecargas elétricas e sérias avarias nos sistemas. Para piorar a situação, Saru adoece e ele diz que seu mal é terminal, o que afeta demais Burnham. Stamets e Reno (isso mesmo, ela está de volta!) conseguem retirar a sobrecarga da nave e Saru e Burnham desenvolvem uma espécie de anticorpo digital que ataca lentamente o vírus. O fungão do episódio anterior se prende a Tilly e Stamets inicia uma comunicação com ele (depois de meter uma furadeira na cabeça da moça para injetar um implante de comunicação). O fungão, então diz que é de uma espécie que vive na rede micelial e que os saltos da Discovery estão provocando sérios problemas no seu mundo. Stamets se desculpa e diz que vai consertar tudo, mas o fungão não solta Tilly e, pelo contrário, a envolve completamente. Stamets consegue tirar Tilly do fungão com um maçarico. Mas o fungão libera uma substância que deixa todo mundo doidão. Quando Stamets inocula um remédio nele e em Reno que neutraliza as alucinações, ele percebe que Tilly foi novamente capturada pelo fungão. Quando Stamets o abre novamente, só vê uma cavidade e a mocinha desaparece. Burnham, ao ver a tentativa de comunicação com o fungão, tem o insight de que de repente a esfera está tentando se comunicar com a nave através do vírus. Ela passa essa informação para Saru e este crê que a esfera, que tem 100 mil anos, está morrendo e quer passar suas experiências de vida para a nave. Ela estaria morrendo pois, como Saru também está morrendo e sua espécie kelpiana é altamente empática, seu corpo estaria se apropriando da fase terminal da esfera. Depois de muito custo, Saru e Burnham convencem Pike a baixar os escudos para que o vírus entre totalmente na nave e transmita as informações da história de vida da esfera, que está prestes a explodir. Quando os dados são totalmente transmitidos, a esfera explode, mas antes ela empurra a Discovery para salvá-la e a seus dados de experiência de vida. A última coisa que a esfera registrou foi justamente a posição de Spock e a Discovery pôde continuar a seguir a nave do vulcano. Burnham vai com Saru aos aposentos do kelpiano e ele pede que a moça corte seus gânglios inflamados para que ele possa morrer antes da dor e da loucura ficarem insuportáveis. Burnham chora muito e Saru a conforta, dizendo que ela é uma espécie de irmã, pois não conseguiu se despedir de sua irmã verdadeira. E Saru ainda pede que Burnham faça as pazes com Spock. Mas, quando Burnham vai cortar os gânglios, eles caem e Saru se cura, perdendo o medo, se tornando mais forte e, principalmente, inconformado com o papel de presa que seu povo kelpiano faz há eras. Depois da conversa com Saru, Burnham, que queria evitar Spock, por respeito a posição resignada dele com relação ao contato com ela, muda de ideia e quer procurá-lo.

Reno. Bem vinda de volta!!!

Quais são as virtudes do episódio? Em primeiro lugar, mais uma referência, desta vez bem forte, ao Universo de Jornada nas Estrelas. Falo isso com relação à esfera que é uma forma de vida e que quer se comunicar. Impossível não se lembrar de V’Ger ou da Orta, mesmo que a comunicação das duas com os integrantes da Federação tenha sido feita sob outras circunstâncias. Mas a intenção da esfera viva querer preservar a sua memória e deixar seus registros se perpetuarem, é também um tema muito caro às séries antigas de “Jornada nas Estrelas”, algo que acabou fisgando o meu coração de historiador. Assim, vemos que “Discovery” vai, paulatinamente e cada vez mais, se aproximando do que víamos antigamente em “Jornada nas Estrelas”. A outra grande virtude é uma espécie de sequência do que vimos no episódio anterior, no que se refere às personagens Burnham e Tilly. Eu disse na resenha anterior que essas duas personagens funcionam bem melhor num estado fragilizado e sob pressão. E o presente episódio se aprofundou nisso. Totalmente subjugada pelo fungão, Tilly estava visivelmente aterrorizada, mas sob controle de si, deixando de ser totalmente um alívio cômico nesse episódio. Talvez tenha sido a melhor atuação de Mary Wiseman em toda a série até agora. Outro elemento que funcionou muito bem nesse núcleo da Tilly foi a relação entre Stamets e Reno, uma bela aquisição de personagem para a série e cuja ausência desde o primeiro episódio já muito me incomodava. Se, inicialmente, os dois não se bicaram muito, a força das circunstâncias da invasão da esfera à nave fez com que os dois trabalhassem em equipe bem rapidamente. E houve uma química muito boa entre eles, sem considerar o quê alucinógeno e psicodélico desse núcleo, com direito a Prince e “Space Oddity”, do David Bowie.

Agora, uma grande virtude, dentro da missão principal de Discovery de “resgatar Burnham” esteve na relação desta com Saru. Tudo bem que depois da presença de Doug Jones no Brasil e de toda a tietagem explícita que os fãs fizeram com ele, assim como sua resposta muito calorosa, fazem a gente ver Saru com outros olhos. Mas, mesmo assim, esse foi um episódio muito importante para Burnham e Saru teve um papel determinante nisso. Se com Amanda no episódio anterior, Burnham já ficou fragilizada emocionalmente, aqui a coisa foi muito mais forte, pois seu amigo bem próximo estava morrendo e ela ainda foi elencada por ele a “desligar os aparelhos”. O choro que ela dá à frente de Saru na suposta hora derradeira do kelpiano convenceu bastante e serviu para fortalecer o elo entre os dois. Na minha modestíssima opinião, esse é o caminho certo para tornar a personagem querida do público. Ao invés de ser uma mulher perfeita que dita procedimentos aos seus colegas e se veste de uma certa arrogância, ela deve se envolver mais com os seus e dividir os louros como fez com Saru no episódio. Vejam bem que, desta vez ela não salvou o dia sozinha e contou com uma baita de uma ajuda do Saru, que estava ali no sacrifício. E, depois, ainda tivemos uma terna conversa entre os dois. Isso sim é usar a Burnham de forma inteligente. Eu, como fã confesso de Yamato (a antiga Patrulha Estelar da Manchete, lembram-se?) gostava muito daquele desenho animado (anime é coisa para os mais novinhos) muito em função do espirito de equipe da tripulação e de como eles se viam como uma enorme família ao invés de militares. Esse espírito também está nas séries antigas de “Jornada nas Estrelas” e precisa estar aqui em “Discovery”. O vínculo entre Saru e Burnham foi tão bem elaborado aqui que ele fez referências ao Short Trek “The Brightest Star” e Saru ainda convenceu a moça a fazer as pazes com seu irmão Spock, usando a relação com sua irmã kelpiana como argumento. Essas coisas realmente estavam fazendo falta na série.

Stamets busca salvar uma Tilly que, finalmente, saiu do ridículo…

Bom, até agora só falei de virtudes no episódio. E os defeitos? Bom, infelizmente tenho um nome para isso: Pike. O nosso capitão ficou mais uma vez caladão enquanto a tripulação trabalhava para solucionar a crise da esfera e se opôs fortemente a baixar os escudos, quando deveria ter sido mais ativo no debate com Burnham e Saru e ter decidido logo a questão. Um Kirk ou Picard e até o Pike do Hunter teriam sido bem mais rápidos aqui. E me desagradou um pouco novamente o quê religioso de Pike quando ele diz que o conhecimento de 100 mil anos sobre a galáxia que a esfera tinha se equivalia aos “Manuscritos do Mar Morto da Galáxia”. Sem querer fazer pouco caso dos Manuscritos do Mar Morto (que era de um grupo judeu que queria lutar contra a presença romana e se refugiou para esperar um líder guerreiro chamado Messias – aí poderiam estar as primeiras bases do Cristianismo), mas o conhecimento de cem mil anos de uma galáxia inteira parece ser algo bem maior e não cabe na comparação que a mente excessivamente religiosa desse Pike faz. Gostaria de ver uma mentalidade clássica de capitão aqui, se é que vocês entenderam meu trocadilho infame.

Bom, esse foi “Uma Moeda Para Caronte”. O episódio foi tão bom que até o título lembra aqueles títulos altamente literários da série clássica. Vamos ver se a coisa va continuar melhorando no próximo episódio. E veja o trailer clicando no link abaixo

https://www.youtube.com/watch?v=V3HiQnXdFuI

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 3). Ponto De Luz. Personagens Surtadas Funcionam Melhor.

Uma klingon mais cabeluda e matrona…

O terceiro episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”, “Ponto de Luz”, trouxe novos elementos. E elementos bons, na minha modesta opinião. Quais seriam eles? Em primeiro lugar, é um episódio que praticamente desenvolve quatro histórias paralelas, o que deixou um monte de pontas soltas que podem ser bem desenvolvidas no futuro. Ainda, nessas histórias vimos explicações que buscaram corrigir problemas gerados por roteiros mal escritos na primeira temporada. E, principalmente, desenvolveu-se mais personagens problemáticos (leia-se Burnham e Tilly) indo em suas fraquezas e fragilidades, o que foi bem interessante.

Ainda o amor com Tyler…

Vamos lá. Que quatro histórias foram essas? A primeira gira em torno de Burnham e Amanda, que apareceu de surpresa para falar de Spock com a filha adotiva. Mesmo que a mamãe Amanda pareça mais jovem que a filha adotiva, devo dizer que gosto muito de como a personagem está sendo levada pela atriz Mia Kirshner. Amanda chega à Discovery para dizer a Burnham que não teve acesso aos dados médicos de Spock e fez a coisa mais lógica a fazer, que foi roubá-los, o que levou Burnham a fazer uma tremenda cara de “Ai, caramba!” que ficou muito engraçada. As duas vão a Pike e pedem permissão a ele para decodificar os dados. O capitão reluta num primeiro momento, mas depois de receber uma recusa da informação sobre a saúde de Spock do centro psiquiátrico, ele decide decodificar os dados. Spock matou três médicos e fugiu, foi a única informação que Pike recebe do centro psiquiátrico. Ao decodificar os dados, foi encontrada a imagem do anjo. Amanda disse que Spock tinha visões sobre isso que o perturbavam imensamente e que ele teve uma infância muito desprovida de emoções e afeto por pressão da sociedade vulcana, o que não aconteceu com Burnham. Já Burnham disse que também viu o anjo e que precisou se afastar de Spock, já que ela era ameaçada por extremistas da lógica. O problema foi a forma como Burnham se afastou de Spock, que o magoou imensamente, mas que não foi revelada no episódio. Burnham diz que vai procurar Spock de qualquer maneira, mas Amanda lhe mete um freio e diz que ela mesma procurará o filho.

A segunda história mostra L’Rell e Tyler sendo questionados pelas casas klingons em seu poder. Como Tyler tem uma tremenda cara de humano, há forte oposição das casas, além do fato de que o machismo klingon vê L’Rell como um fantoche nas mãos de Tyler, que avisa a Burnham o que está acontecendo, pois a Federação deve saber que, se L’Rell cair, a guerra voltará. Para piorar a situação, revela-se um filho entre L’Rell e Tyler, que será sequestrado. Depois de uma batalha mortal pelo resgate do filho, um estranho personagem se revela ao salvar L’Rell, Tyler e o bebê: é a Imperatriz, que propõe a L´Rell uma medida definitiva para salvar Tyler, o bebê e manter o cargo de chanceler nas mãos da Klingon.

A terceira história gira em torno de Tilly, que pira na batatinha com sua amiguinha imaginária, que na verdade se revela uma espécie de fungo multidimensional, sendo extraído de seu corpo por Stamets. Esse fungo é aquele esporo que pousou no ombro da alferes ainda na primeira temporada. O mais curioso é que o fungo em questão acha que Stamets é o capitão da nave por ele conduzir o motor de esporos. O fungo é extraído de Tilly e se revela uma enorme maçaroca disforme (argh!) sendo aprisionado num campo de força.

Amanda e Burnham. Para a construção da protagonista…

E a quarta história, que aparece bem ao finalzinho do episódio? L’Rell diz que foi traída por Tyler e que ele assassinou seu filho, além do klingon com cara de humano ser um espião da Federação. Ela mostra a cabeça do bebê assassinado por Tyler e a cabeça do próprio Tyler. Ainda, ela disse que um membro de uma casa que na verdade sequestrou o bebê, tentou matar Tyler, mas acabou assassinado por ele. Esse foi um argumento usado em favor de uma prova de harmonia entre as casas. Com isso, ela conseguiu unir todas as casas em torno dela, que se nomeou uma espécie de matrona klingon ao invés de chanceler. Depois desse momento, uma nave da Federação aparece com a Imperatriz, Tyler e o bebê em seu interior. Essa nave é da Seção 31, para quem a Imperatriz trabalha agora. Tyler envia o bebê para um monastério klingon, onde a entrada de todos é proibida e a criança poderá viver em segurança. O episódio termina com a Imperatriz arregimentando Tyler para as fileiras da Seção 31.

Ufa! Episódio movimentado, não? O que mais gostei aqui é que inúmeras possibilidades foram abertas para se escrever ótimas histórias. Agora, se isso vai acontecer ou não, já é outro caso. Com relação a quarta história, estava na cara que a Imperatriz ia cair na Seção 31 mesmo (queria só ver como foi a entrevista de emprego) e esse elemento (uma vilã dentro do ambiente da Federação com Tyler a tiracolo, o que desestabilizaria Burnham emocionalmente ainda mais), pode ser uma excelente carta na manga para os próximos episódios. Sem falar que Michelle Yeoh, que é uma baita de uma atriz, sempre que aparece abala bem as estruturas.

Com relação aos klingons, já mais cabeludinhos, mais com cara de klingons (apesar de L´Rell e Tyler ainda falarem “Khalexxx”), creio que foi uma história muito importante para reparar uma derrapada homérica de roteiro no final da primeira temporada, pois não colou nem um pouco aquela historinha de L’Rell conquistar a chancelaria klingon com uma bomba que explodiria tudo. Para assumir o posto de matrona klingon, a presença da Imperatriz foi fundamental. Ela é quem deu a solução salomônica para L’Rell conquistar o poder e não ser mais questionada. Ainda, esse bebê klingon escondido lá no monastério pode ser uma carta na manga para episódios em temporadas futuras (se elas existirem). Eu só espero que o núcleo klingon permaneça na série e interaja com o arco principal do anjo vermelho e dos sinais da galáxia. Já a L’Rell matrona, eu confesso, ao contrário de muitos trekkers mais cascudos que eu, que gostei, pois estabeleceu um quê de matriarcado na sociedade klingon. Tudo bem, eu sei que ele não existe ao longo de toda a franquia (leve exceção feita às irmãs Duras), mas na minha cabeça de historiador a visão dos klingons em Jornada nas Estrelas sempre perpassou dois momentos. Durante a Guerra Fria, eles eram os antagonistas perfeitos da Federação, sendo uma alegoria do Império Soviético. Isso foi até “Jornada nas Estrelas VI, a Terra Desconhecida”, quando vimos o desfecho da “Guerra Fria” entre a Federação e os klingons. A partir daí, passa a haver um segundo momento para os klingons, onde eles se aproximam muito mais da cultura árabe e sua vocação guerreira, com cânticos e poesias celebrando batalhas gloriosas à luz das fogueiras noturnas. Mais tarde, com a introdução de Khaless, a visão klingon flerta até com o islamismo. Eu, pelo menos, nunca vi ninguém criar coragem para mencionar isso no Universo trekker, muito pelo fato, creio eu, de que a cultura árabe e muçulmana é vista como inimiga declarada dos Estados Unidos por algumas pessoas. Mas os elementos estão todos lá. E o que a matrona L’Rell tem a ver com tudo isso? É que suspeita-se que a cultura árabe em seus primórdios tenha sido matriarcal para posteriormente ser patriarcal. Se a L’Rell matrona foi concebida por esse motivo ou pelo empoderamento feminino atual, eu não sei. Provavelmente foi mais pelo último. De qualquer forma, fica o registro da curiosidade.

Uma Tilly zureta que funciona…

Agora, a forma como Burnham e Tilly foram tratadas no episódio foi uma boa surpresa. No caso de Burnham, a presença de Amanda e a conversa das duas de detalhes pregressos de sua família ajudaram a construir um pouco mais a personagem que a série nos coloca como protagonista principal. A exposição de Burnham de suas fraquezas e emoções (ela não pode ser tão perfeita, pois fica muito artificial) é, na minha opinião, um bom caminho para a personagem, pois isso transmite empatia para o público e diminui o déficit da mesma (desculpem a piada sem graça, mas não resiti). Ver que ela falhou ao tomar decisões erradas com relação a Spock por estar pressionada emocionalmente e que ela se ressente disso pode ser um grande trunfo para a personagem conquistar o público. E o episódio foi nessa direção, sem falar que adorei a atitude de Amanda quando ela disse que ia procurar Spock ao invés de Burnham. Ou seja, nem tudo pode ficar nas costas da protagonista como desejam ansiosamente os roteiristas dessa série. Ela precisa dividir responsabilidades com os demais personagens até para interagir positivamente com eles e não ficar só ditando regras e procedimentos como os roteiristas fizeram até agora. Tudo isso engrandecerá a personagem que ainda tem salvação a meu ver.

E Tilly? A adorei nesse episódio! Ela ficou zuretinha e serviu como um bom alívio cômico. O grito (mais outro) que ela deu no Pike na ponte ficou muito engraçado. E suas falas foram bem menos constrangedoras. Sei não, mas parece que Burnham e Tilly à beira de um ataque de nervos funcionam bem melhor. Brincadeiras à parte, creio que Tilly também tem salvação. É só ela se tornar um pouco mais segura, parar de falar aquele monte de bobagens que escrevem para ela e dar continuidade ao quê científico da moça, que deve depender cada vez menos de Burnham. E, sim, deixar sua parte cômica, desde que usada com inteligência. Ainda sobre a historinha de Tilly, a gente não pode esquecer do fungão lá, uma outra ponta solta que pode ser bem trabalhada.

No mais, o episódio tem alguns problemas, como o fato de Tilly ter ganho uma corrida depois de ficar um tempão conversando com sua amiga ou Amanda ter chegado à Discovery sem se identificar, mas um episódio ter problemas é algo normal. Confesso que preferi elencar os pontos que me pareceram positivos.

Imperatriz, agora na Seção 31

Assim, até me arrisco a dizer que “Jornada nas Estrelas Discovery” está conseguindo desenvolver melhoras, mesmo que aos trancos e barrancos. Creio que vimos um episódio importante, que abriu um monte de possiblidades. Esperemos o que vem por aí. Para ver o trailer de “Ponto de Luz”, clique no link abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=AQtIivEAlNk

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 2). Novo Éden. Chutando A Ordem Geral Um.

A Discovery chega a um planeta no quadrante Beta

O segundo episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”, “Novo Éden”, foi menos espetacular que o episódio de abertura, “Irmão”. Teve uma duração menor (cerca de 44 minutos contra uma hora de “Irmão”), assim como também houve um gasto menor com efeitos especiais. Dessa forma, houve um espaço maior para o desenvolvimento da história em si e do roteiro, o que nos ajuda a entender melhor essa segunda temporada. Spoilers serão necessários para se discutir o episódio.

Stamets ainda sofre com a perda de Hugh

Qual é o plot? A Discovery detecta o segundo dos estranhos sinais que estão na galáxia. Ele se situa no quadrante Beta, a cerca de 50 mil anos-luz. Para se chegar lá, o motor de esporos foi utilizado, o que encuca Stamets, pois ele vê seu antigo companheiro Hugh e conversa com o mesmo, ainda que depois de morto, na rede micelial. Chegando ao local do sinal, a Discovery encontra um planeta de classe M com uma pacata população humana e um sinal de socorro que é transmitido há duzentos anos. Pike, Burnham e Owosekum descem à superfície e encontram uma igreja que é uma compilação de várias religiões terrestres. Ao estabelecer contato com a civilização do planeta, eles descobrem que os antepassados dos nativos vieram da Terra de 2053, que estava em plena Terceira Guerra Mundial, e eles foram levados para Terralísio (o presente planeta do quadrante Beta) por um misterioso anjo. Como se trata de uma civilização pré-dobra e a Ordem Geral Um se aplica, Pike acha melhor deixar a civilização, com ela mesmo buscando seu desenvolvimento sem qualquer interferência externa. Mas Burnham, com uma visão mais científica, acha que a civilização tem o direito de saber sobre a existência da Terra e de toda a sua tecnologia. Essa pinimba ética será resolvida entre o grupo avançado da Discovery e Jacob, um habitante local que é descendente de cientistas e mantém o sinal de socorro ligado há duzentos anos. Em troca de uma bateria, que vai dar a energia elétrica de volta àquela civilização, Jacob dará o capacete de um soldado com uma câmara que pertencia aos antepassados e que estava com defeito. Pike aceita essa violação da Ordem Geral Um depois de ser convencido por Burnham que disse que viu o tal do anjo no asteroide do primeiro sinal lá no episódio “Irmão” e eles precisam investigar a natureza daqueles sinais, além de desvendar o mistério do ser alado. Ao consertar a câmara do capacete, Pike vê um grupo de pessoas em desespero dentro da mesma igreja de Terralísio durante a Guerra na Terra em 2053 e, de repente, a igreja decola com a aparição da figura do anjo.

Uma igreja bem ecumênica…

O que dizer desse episódio? Em primeiro lugar, ele segue o arco principal dos sinais que surgem pela galáxia e da figura do anjo. Creio que seria interessante que essa espinha dorsal fosse seguida ao longo da temporada para que uma história mais coesa seja bem construída, com um ou outro episódio mais destacado dessa linha aqui ou ali. Em segundo lugar, é um episódio que lança questões reflexivas, como comparações entre fé e ciência e a obediência ou violação da Ordem Geral Um, temas mais caros ao Universo de Jornada nas Estrelas. Houve um problema, entretanto. Pike pareceu excessivamente religioso (um capitão da Frota Estelar teria que ser um pouco mais comedido e centrado nessa questão) e Burnham continuou com sua empáfia habitual ao defender excessivamente a visão científica e a violação da Ordem Geral Um. Tudo bem que vários personagens já violaram a Ordem Geral Um ao longo de toda a franquia, mas o problema aqui é que Burnham descarta de forma muito sumária uma Ordem tão importante para a Frota. Mais uma mostra de que essa personagem ainda precisa de ajustes e é um problema muito sério nessa série, despertando muita antipatia. Há, também, um desenvolvimento na personagem de Tilly como uma cientista mais qualificada. Sensibilizada com a situação de Stamets, que sofre ao ver Hugh na rede micelial, ela quer porque quer analisar a amostra do asteroide que está no hangar da Discovery, que é altamente energético e é tomado por uma densa matéria escura, o que lhe dá uma enorme força gravitacional. Tilly, inclusive, vai salvar a população de Terralísio, que é circundado por anéis de material radioativo, onde parte desse material se precipitaria sobre a superfície do planeta e mataria a todos. Tilly falará para Saru usar o asteroide no hangar da Discovery para atrair o material radioativo. O mais curioso é que apareceu uma amiguinha da Tilly, que é uma espécie de versão morena dela e muito mais estranha. Essa amiguinha seria uma amizade de infância, mas pelos registros da Frota, a mocinha já havia morrido, o que aumenta o mistério.

Um Pike excessivamente religioso…

Ao ver esses episódios da segunda temporada de “Discovery”, sente-se que houve uma pequena melhora, pois os temas das histórias se aproximam mais do que víamos nas demais séries de Jornada nas Estrelas: um mistério a se desvendar, discussão de temas mais reflexivos, questões de ordem ética. Mas ainda há problemas sérios, como o mau desenvolvimento da personagem principal, Michael Burnham, que é excessivamente perfeita e fica um pouco antipática por isso. Virtudes e defeitos de um personagem devem ser construídos ao longo do tempo. Outra coisa, houve a oportunidade de se construir mais uma das personagens da ponte, Owosekum, pois ela esteve no grupo avançado, e essa oportunidade não foi aproveitada. Temos uma grande variedade de personagens na ponte da Discovery que, em plena segunda temporada, ainda são ilustres desconhecidos. E a Tilly? É um alívio cômico? Tudo bem que seja. Entretanto, ela poderia amadurecer um pouco mais, ainda mais porque agora estão querendo dar a ela um status de cientista. Alguns diálogos de Tilly são excessivamente constrangedores e isso Mary Wiseman não merece (assim como Sonequa Martin-Green não merece uma construção também imperfeita de sua personagem).

Bom, vamos ver o que nos aguarda no próximo episódio. Até lá!

https://www.youtube.com/watch?v=E2vZHYI322Q

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 15) – Tsunkatse. Telecatch Espacial.

Vamos lutar???

O décimo-quinto episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” é o que se pode chamar de “Telecatch Espacial”. E por que isso? Houve aqui uma combinação de se misturar ficção científica com filme de porrada. E a coisa funcionou? Um pouco, mas mais pelo lado de Jornada nas Estrelas e as mensagens que a série sempre tenta passar para o espectador. No mais, a coisa não ficou muito boa não. Só para lembrar, esse foi o episódio que contou com a participação de Dwayne “The Rock” Johnson, que até é um bom ator (já falei dele aqui em outras ocasiões na Batata Movies), mas que aqui ele só serviu para mostrar mesmo seus músculos e descer o cacete na Sete de Nove (ainda mais em quem???).

Uma iluminação tacanha…

Bom, vamos ao plot. A tripulação da Voyager está de férias (não entendi muito isso para uma nave que está muito longe da Terra e precisando desesperadamente aproveitar o seu tempo para chegar logo ao seu planeta de origem e não ficar o resto da vida viajando; enfim, todo mundo merece um descanso, né?). Assim, a tripulação aproveita como pode. Janeway viaja com a Delta Flyer para um planeta próximo. Tuvok e Sete de Nove vão estudar uma nebulosa. E outra parte da tripulação (leia-se Chakotay, Kim, Paris, Torres e Neelix) vão curtir em outro planeta as lutas de Tsunkatse, onde alienígenas se agridem com mecanismos em seus corpos que, se atingidos, provocam muita dor. Tudo seria muito divertido se Sete de Nove e Tuvok não fossem sequestrados pelo organizador das lutas, Penk (interpretado por Jeffrey Combs, um dos atores mais multimída de Jornada nas Estrelas, trabalhando em Deep Space Nine como o vorta Weyoun e o ferengi Brunt, além de interpretar o andoriano Shran). Como Tuvok ficou ferido no ataque, Sete de Nove precisa entrar na arena para lutar. E aí ocorrerá o fatídico confronto entre a borg e “The Rock”.

Participação de “The Rock” no episódio…

Além da pancadaria, que foi bem parelha mas terminou com a vitória do brutamontes, houve uns poucos diálogos onde um ameaçava o outro, e Dwayne Johnson entrou com seu estilo sereno de interpretação de sempre, algo nada demais, mas eficiente. Como os borgs são muito odiados no quadrante, a luta onde Sete de Nove apanhava deu muita audiência. Imagine se ela morresse o que ia acontecer? Enquanto espera a próxima luta, Sete de Nove tem seus ferimentos cuidados por um hirogen (interpretado por J. G. Hertzler, o General Martok de Deep Space Nine, a voz estava realmente muito familiar), que também irá treiná-la na arte do Tsunkatse, ensinando toda uma pedagogia de caçador que precisa matar sua presa sem dó nem piedade.

Um hirogen como treinador de Sete de Nove…

Qual não é a surpresa de Sete, quando ela vê que o seu próximo adversário é o próprio hirogen, que a treinou para matá-lo, pois ele já está encarcerado há 19 anos e não aguenta mais de saudades do filho? Aí a borg terá que lidar com o dilema de matar ou não seu misto de treinador e amigo. Entretanto, a cavalaria chega. Na primeira luta de Sete de Nove, Chakotay, Neelix, Kim e Paris assistiram a luta e viram a borg na arena. Chakotay deu ordens para Torres (que estava no comando na ponte da Voyager) para teletransportar Sete, mas na verdade Sete não estava na arena e sim uma imagem holográfica dela lutando com The Rock. Os dois lutadores estavam em outra arena numa nave altamente fortificada, cujas imagens holográficas dos lutadores foram rastreados pela Voyager que vai ao seu encalço. Uma pequena batalha de naves se dá e a Voyager, por ser inferior em poder de ataque e defesa, vai sofrendo uma série de avarias. Mas a nave precisa ficar nas imediações da sua adversária gigante, pois ela não consegue travar em Sete e Tuvok, já que há uma proteção que a impede de fazer isso. É nessa hora que chega Janeway com a Delta Flyer e Chakotay pede que ela destrua a antena de transmissão da nave maior. Isso provoca o desaparecimento da luta na arena com o público e a audiência também cai. Desesperado, Penk passa a força da nave para os outros transmissores, o que faz cair a proteção contra o teletransporte. Sete e o hirogen são teletransportados para a Voyager (Tuvok já havia sido transportado antes, pois a Voyager tinha destruído o gerador de escudos da parte menos protegida da nave, onde ele estava). O hirogen agradece o resgate e diz que vai procurar seu filho. O episódio termina com Tuvok e Sete de Nove conversando, onde a borg está muito incomodada por ter passado por maus sentimentos (ódio, remorso, etc.) em virtude das lutas que teve que travar na arena e ela temia ter se afastado de sua humanidade. Tuvok disse que, pelo contrário, se ela tinha preocupações com aqueles sentimentos, aí sim ela se aproximava ainda mais de sua humanidade.

Um treinamento baseado na retórica da caça e da presa

Cá para nós, o que salvou esse episódio foi a conversa final entre Tuvok e Sete de Nove. Misturar Voyager com MMA foi um negócio meio estranho. Para começar, vem o velho dilema: será que as mentes evoluídas do século 24 irão apreciar lutas sangrentas em arenas, como as pessoas do século 20? Esse é um primeiro passo. A coisa só começou a ser questionada quando a tripulação da Voyager viu Sete de Nove na arena. Neelix se pergunta como aquela espécie alienígena se divertia com dois seres vivos se machucando, ao que Chakotay retrucava dizendo que se Sete de Nove não estivesse passando por aquela situação, eles mesmo estariam ali na arena aos berros de “Tsunkatse”. Ou seja, pimenta nos olhos dos outros é refresco. Mas até no século 24??? Pegou mal. Outra coisa que não ficou legal foi o subaproveitamento de Dwayne Johnson. Ele simplesmente entrou para fazer o brutamontes que batia na Sete de Nove. Seria muito mais interessante se ele tomasse mais parte no episódio, até ajudando o hirogen a treinar Sete de Nove e também sendo salvo depois pela Voyager. O relacionamento entre Sete, o Hirogen e Johnson poderia ser mais trabalhado e renderia melhores frutos no aspecto narrativo para esse episódio um tanto pobre, se fixando em sua maioria do tempo apenas na retórica da caça que mata a presa e o passado do hirogen. E que arena era aquela, hein? Com uma iluminação tosca de boate de terceira categoria… confesso que coloquei um saco de compras na cabeça com dois buracos para os olhos de tanta vergonha. Pegou mal, também. Bom, pelo menos o desfecho foi solene, com os personagens mais solenes da nave. E teve um arremedo de batalha espacial também, o que sempre é bem vindo numa série de ficção científica com naves espaciais.

Muita diversão com a presença do “The Rock” nos bastidores…

Assim, “Tsunkatse” pode ser considerado um episódio mediano de “Jornada nas Estrelas Voyager”, onde alguns equívocos foram cometidos mas que, pelo menos teve um desfecho digno. E, para o “The Rock”, quem sabe não pinta uma melhor participação em “The Orville”? Vamos torcer…

https://www.youtube.com/watch?v=A7preE2hojM

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 14). Monumento. Lembrando O Que Todos Querem Esquecer.

Uma viagem estranha…

Mais um bom episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”. “Monumento” é mais um episódio que tem uma abordagem histórica, uma das especialidades de “Jornada nas Estrelas”. Ainda, é um episódio que assinala a importância da preservação da memória, até em situações extremas.

Visões perturbadoras…

O plot é o seguinte. Paris, Chakotay, Kim e Neelix voltam de uma missão na Delta Flyer que pesquisava alguns planetas depois de vários dias afastados da Voyager. Os quatro tripulantes começam a ter comportamentos estranhos. Paris se lembra de uma batalha que aparentemente travou. Chakotay tem pesadelos. Kim e Neelix, alucinações. Todos eles ficam em pânico e desespero. O Doutor, que tinha pedido que os quatro fizessem um exame médico assim que chegaram da missão (como pede o protocolo), os examina e, à medida que os quatro vão conversando entre si, eles se recordam do que pode ter acontecido: estavam num planeta, ajudando militares locais a evacuar um grupo de civis e alguns deles resistem, o que provoca um massacre de 82 pessoas. A partir daí, fica a grande dúvida: os tripulantes da Voyager realmente participaram do massacre? Ou foi alguma espécie de implante de memória? Foi preciso investigar. Assim, a Voyager repassou os planetas pesquisados pela Delta Flyer. Ao chegar ao segundo planeta, Janeway balbucia seu nome – Tarakis – e também tem recordações de ver os militares pulverizando os corpos dos civis para apagar as provas do massacre e desmaia. Quando acorda na enfermaria, ela recebe a notícia do Doutor de que outros membros da tripulação também têm os mesmos sintomas de alucinações e pânico.

… começam a pôr em risco os tripulantes da nave…

Um grupo avançado desce à superfície do planeta e não vê qualquer sinal de guerra, exceto pelo fato de que encontraram restos mortais de alguns civis, mas que estavam mortos há cerca de 300 anos. Assim, Paris, Kim, Neelix e Chakotay, assim como Janeway, não poderiam ter tomado parte no massacre. Foi encontrado, também, uma espécie de monumento que emitia pulsos neurogênicos que tinham o objetivo de relembrar a batalha para quem passava pelas proximidades do planeta. As informações da batalha estavam fragmentadas nas mentes dos tripulantes, pois as células de energia do monumento estavam danificadas. Tuvok e Chakotay logo sugerem a desativação do monumento, pelo perigo que ele representava. Mas Neelix lembra que aquele monumento foi uma forma de se preservar a memória do massacre para que ele jamais acontecesse novamente. Janeway concorda com Neelix e ordena que as células de energia sejam substituídas por novas e uma boia de alerta seja colocada nas proximidades do planeta para que as naves que cheguem ali perto saibam que há problemas na região. Assim, o monumento continua a sua missão de preservar a memória.

Voltando ao planeta do massacre…

Esse episódio é a alegoria perfeita de uma frase do Historiador Peter Burke: “O Historiador é odiado pois ele lembra de tudo aquilo que todos fazem questão de esquecer”. Ou seja, os momentos negros do passado ás vezes são varridos para debaixo do tapete pelas gerações atuais. E, ao acontecer isso, os mesmos erros do passado acabam sendo repetidos. Estamos coalhados de exemplos disso por aí, infelizmente. O episódio mostra isso de forma nítida com os ataques de pânico e desespero da tripulação ao vivenciar o massacre em suas mentes. Ver essas alucinações como algo perigoso e nocivo são um forte argumento na direção de se desativar o monumento, ou seja, apagar a memória, pois não se consegue conviver com o peso da culpa. Mas aí, Neelix (sempre o cara sacaneado da série) e Janeway alertam para a importância da preservação da memória e, não somente deixam o monumento ativado, como ainda o consertam, renovando suas células de energia. Não se pode varrer a sujeira para debaixo do tapete, é necessário encarar a dor. Ou como dizia James T. Kirk em “Jornada nas Estrelas V”: “Eu preciso de minhas dores, elas fazem parte de mim”.

O monumento. Alegoria da necessidade da preservação da memória…

Dessa forma, “Monumento” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”. Um episódio que alerta para a necessidade da preservação da memória, por mais dolorosa que ela seja para nós. Ela serve para tirarmos lições com as dores e não repetir os erros trágicos do passado. Esse merece ser revisitado

https://www.youtube.com/watch?v=sownZiJtVMA

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 13). Virtuoso. A Arte Em Seus Tempos De Reprodutibilidade Técnica.

Doutor novamente centro das atenções…

Continuando nossas análises de episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, falemos hoje de “Virtuoso”, o décimo-terceiro episódio. Esse é um episódio mediano (o menos visto da sexta temporada) e aborda mais uma vez o nosso Doutor e sua infinita vontade de cantar.

Interessados na cantoria

A Voyager encontra a espécie Qomar, que extremamente avançada e arrogante. Um incidente entre as naves da Federação e a alienígena provocou alguns feridos qomarianos sem gravidade. Eles são atendidos pelo Doutor e reclamam muito disso, pois ele se trata de um holograma. Mas, quando o Doutor começa a cantarolar, ficam intrigados, pois nunca haviam escutado música. Logo, logo, os qomarianos passam a nutrir todo um interesse especial pelo Doutor, o que infla seu ego enormemente. A espécie alienígena, inclusive, convida a Voyager para visitar o seu planeta e organiza uma transmissão para que todos possam ver o Doutor cantar, o que o transforma numa celebridade extremamente convencida, para o desespero da tripulação da Voyager.

Exibindo os dotes de cantor…

Ele é convidado para permanecer no planeta depois que a Voyager for embora, mas ele reluta num primeiro momento, aceitando o convite posteriormente, se esquecendo de seus amigos na Voyager, o que despertou fortes mágoas, principalmente de Sete de Nove. Ao voltar ao planeta, entretanto, o Doutor descobriu que uma cópia holográfica dele muito mais eficiente na cantoria foi desenvolvida e, assim, o problema estava resolvido, ele poderia ir com a Voyager. Inconformado com a carreira meteórica, o Doutor falou que a música não é somente uma série de critérios técnicos protocolares que deveriam ser seguidos, mas que também era emoção, algo que os qotarianos desconheciam totalmente.

Logo o Doutor se torna uma celebridade…

Com o rabo entre as pernas, o Doutor retorna à Voyager e pede sua reintegração, não sem antes ouvir uma bronca de Janeway. O Doutor diz que vai tirar suas funções de cantor de seu software mas Janeway se nega, dizendo para retomar a vida e os seus deveres normalmente. Na enfermaria, o Doutor recebe a visita de Sete de Nove, pronto para ouvir um sermão, quando a borg na verdade lê uma carta de fã endereçada a ele e escrita por ela, justamente a borg que não entendia o porquê de toda a idolatria ao indivíduo dos qotarianos.

Cantando num palco somente para ele…

Apesar de ser meia-bomba, o episódio tem algumas virtudes. A primeira é a gente rir um pouquinho com a marra do Doutor. Ele sempre fez suas apresentações de música para uma plateia pouco entusiasmada. Quando ele finalmente encontra um público e a idolatria entre os qotarianos, ele fica convencido de vez, o que é muito engraçado. Mas o episódio também faz o alerta de que você não pode subir num salto alto ou num pedestal de arrogância, até porque a fama é muito efêmera, como pudemos atestar no episódio. Ainda, o próprio povo qotariano tinha ficado maravilhado foi com as possibilidades matemáticas da execução da música do Doutor e não com a emoção que ela podia transmitir. Logo, para os alienígenas, é só reproduzir um holograma do Doutor mais aprimorado para resolver suas necessidades. Isso lembra muito o texto de Walter Benjamin “O Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, onde, no capitalismo, ao se reproduzir em larga escala num livro ou numa foto uma obra de arte como uma pintura, ela perde o seu significado de obra prima, onde o sentimento e a emoção do autor se diluem, pois ela não é mais única. O Doutor acaba sentindo um pouco isso na pele, não somente pela fama efêmera, mas por se deparar com “um substituto” mais tecnicamente eficiente.

Até o “pagliaci”…

Dessa forma, se “Virtuoso” não é um dos melhores episódios de Jornada nas Estrelas Voyager, ainda assim ele é digno de atenção, pois mostra o perigo da arrogância perante a fama (o sucesso não pode subir à sua cabeça), como também faz uma menção um tanto velada a Walter Benjamin e seu texto sobre a alteração do sentido da arte em tempos de sua reprodução. Vale a pena assistir ao episódio e a leitura do texto.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 12), Num Piscar De Olhos. Uma Civilização Em Alguns Minutos.

Uma sociedade pré-histórica…

O décimo-segundo episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” é o que podemos dizer que se trata de uma pequena obra-prima e talvez esteja no rol dos melhores de toda a franquia. “Num Piscar de Olhos” consegue unir aqui, de forma bem magistral, dois elementos das histórias de “Jornada nas Estrelas” que se completam muito bem: a Ciência Astronômica e Física (e a junção delas, a astrofísica) com o Processo Histórico. Já foram mencionados aqui outros episódios onde esse feliz casamento entre esses dois campos do conhecimento rendeu bons frutos. Mas, ao que parece, em “Num Piscar de Olhos”, tivemos o melhor resultado disso.

A Voyager se aproxima de um estranho planeta….

A história começa mostrando a Voyager se aproximando de um estranho planeta, com formato e características físicas muito peculiares. Quando se aproxima para analisá-lo, a Voyager é atraída por um gradiente gravimétrico e fica presa numa região do espaço. Análises mostram que o planeta tem um campo de táquions (táquions seriam partículas – teóricas para nós – que poderiam ter uma velocidade até maior do que a da luz), que provocariam um campo subespacial no planeta. Ao chegar às proximidades desse planeta, a Voyager interferiu no campo e criou um terceiro pólo, ficando presa nele. Com os motores de dobra incapacitados, eles precisam encontrar uma forma de sair de lá.

O tempo avança…

Ainda, a presença da nave causa abalos sísmicos no planeta. E o tempo, por causa do campo de táquions, atua de forma diferente no planeta e na nave: para cada um segundo na nave, passa-se quase um dia no planeta. Assim, enquanto a Voyager procura sair da armadilha que entrou, simultaneamente toda uma civilização se desenvolve no planeta, tendo em sua mitologia uma “estrela” que provoca terremotos desde a pré-história do planeta até o momento em que a civilização chega à tecnologia da reação matéria-antimatéria controlada e tenta bombardear a Voyager, que é a causa das atividades sísmicas.

Uma missão para estudar a estrela que provoca terremotos…

Esse é um episódio que traz muitos elementos interessantes. Em primeiro lugar, a tripulação da Voyager não é a única protagonista do episódio. A civilização do planeta também tem a sua importância e podemos reconhecer em sua História vários estágios de nossa própria civilização: uma pré-história altamente tribal, com a Voyager vista como uma divindade; uma mescla medieval-renascentista, com os primeiros questionamentos científicos surgindo; uma sociedade mais contemporânea, mas ainda sem tecnologia de propulsão espacial, que busca o contato com a Voyager por rádio; uma cápsula espacial finalmente em contato com a Voyager; e o bombardeio de armas de tecnologia matéria-antimatéria (é claro que esse último estágio não é ligado à nossa História, mas sim ao Universo Ficcional de “Jornada nas Estrelas”). A questão da Primeira Diretriz também é levantada: vale a pena a Voyager fazer contato com uma civilização pré-dobra, ainda mais quando a sua simples presença já provocou alterações profundas nos mitos, crenças e culturas daquela sociedade, além dos abalos sísmicos? De qualquer forma, enquanto os nobres oficiais sêniores debatiam, a própria civilização se incumbia de fazer esse contato.

Astronautas sentindo a violenta passagem do tempo…

Se a parte histórica enriquece em muito o episódio com todos esses elementos, a parte física e científica nada deixa a desejar. O mais marcante foi a interação entre a faixa temporal da nave (de acordo com a da galáxia) e a faixa temporal do planeta, seja nos três anos que o Doutor passou na superfície do planeta (enquanto que na Voyager se passaram apenas poucos minutos), seja na frequência altíssima das transmissões que a Voyager recebia da superfície do planeta (lembrando-se que a frequência é inversamente proporcional ao tempo), seja nos dois astronautas do planeta andando na Voyager e vendo toda a sua tripulação paradinha, ao mesmo tempo em que os astronautas envelheciam rapidamente. Uma interessante aula de Física com direito a sistemas de referência.

Finalmente o contato entre a Voyager e o nativo do planeta…

Assim, “Num Piscar de Olhos” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, pois alia magistralmente História e Ciência, usando uma civilização planetária como o espelho de nossa própria, além de usar a lógica da Física para explorar alguns temas presentes no enredo. Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=Oow8GBSu9ws

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 10), Pathfinder. Uma Nova Esperança.

Um outsider atormentado…

Hoje vamos falar do décimo episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, “Pathfinder”. Esse é um episódio muito especial, pois faz uma espécie de crossover com “Jornada nas Estrelas A Nova Geração”. E se caracteriza, também, pelo contato que a Voyager faz com a Frota Estelar, depois de seis anos de viagem, com um promissor vislumbre de contatos futuros.

Mas, como o episódio se desenrola. Reginald Barclay (isso mesmo, o tenente da Nova Geração extremamente inseguro, de imaginação muito fértil e viciado em holodeck), recebe Deanna Troi em sua casa na Terra. Ele diz para a conselheira que ferrou a sua carreira, pois foi dispensado de seus serviços em virtude da sua obsessão por trazer a Voyager de volta para casa. Ele acredita que, com um feixe de partículas ele pode criar um micro buraco de minhoca que possibilitará a comunicação com a Voyager. O problema é que nem seu superior nem ninguém, inclusive o pai de Tom Paris, o almirante Paris, colocam muita fé nele, em virtude de seu passado de vícios em holodecks e de um comportamento marcado pela instabilidade emocional. Mesmo assim, Barclay força a barra e invade seu instituto de pesquisas todas as noites para usar o holodeck, simulando uma vida com a tripulação da Voyager e buscando a solução para o problema de comunicação. Esse foi um dos motivos pelos quais acabou sendo desligado de sua função. Barclay confidencia a Troi que, desde que saiu da Enterprise, ele leva uma vida solitária e acabou usando os hologramas da Voyager como sua nova família, o que o tornou obcecado em salvar a tripulação real.

Uma antiga amiga…

Mesmo proibido de trabalhar em seu centro de pesquisa, Barclay vai lá e o invade à madrugada para tentar estabelecer contato com a Voyager. Confirmando suas previsões, ele consegue gerar o micro buraco de minhoca, mas é surpreendido por seu superior e seguranças enquanto tenta contato. Para fugir, ele entra no local onde mais se sente protegido: isso mesmo, o holodeck simulando o ambiente da Voyager. Lá, ele continua tentando o contato com a Voyager verdadeira, mesmo fugindo do seu superior e dos seguranças. Só que seu superior consegue colocar o núcleo de dobra da Voyager holográfica em rompimento iminente e, para não destruir sua simulação, Barclay precisa encerrar o programa. Fora do holodeck, o almirante Paris aparece e diz que a tentativa de Barclay pode surtir efeito, mas o tenente diz que já tentou e fracassou. É nessa hora que chega a transmissão da Voyager e, depois de alguns ajustes, eles conseguem se comunicar com a nave por um breve momento, já que o micro buraco de minhoca está se fechando. Mas houve tempo suficiente para uma troca de figurinhas: a Voyager passou dados navegacionais, relatórios da tripulação e diários da Voyager, enquanto que a equipe da Terra enviou dados de uma nova tecnologia de hiper subespaço, que vai ajudar a Voyager a se comunicar com a Terra. O almirante Paris tem a oportunidade de conversar com Janeway, o que provoca comoção em Tom. O episódio termina com Barclay conversando com Deanna sobre seus projetos futuros de vida e com a tripulação da Voyager fazendo um brinde para o tal de Barclay, concretizando o sonho dele ter uma nova família.

Mais um bom episódio. Esse crossover foi muito legal, onde Troi e Barclay, num relacionamento de amigo para amigo, psicólogo para paciente, veio muito bem a calhar. Confesso que gosto muito do personagem Barclay e me identifico com ele numa certa fase de minha vida. Muitas pessoas devem também se identificar. Sua insegurança e medo de encarar a realidade tornam-lo o perfeito outsider. Para sobreviver, ele usa o que tem de melhor para encarar o mundo exterior, que é a sua imaginação. E aí, por estar fora do paradigma de impessoalidade, produção e eficiência do sistema (eu me pergunto se no século 24 esse paradigma continuará a existir), ele é marginalizado por seus demais pares. De qualquer forma, Barclay é uma espécie de modelo para muitas pessoas, pois ele mostra como um outsider pode usar de seus próprios meios para viver no mundo, mesmo que haja muitos percalços nisso. Sua obsessão um tanto doentia pode também ser vista pelo lado bom de uma perseverança muito forte, sendo muito seguro de si nesse ponto. Por isso que eu, particularmente, achei que foi uma boa escolha o uso desse personagem, mais visto como um alívio cômico, na tarefa de estabelecer o contato com a Voyager, um ponto chave para a série. Ah, e não podemos também nos esquecer que o ator que interpreta Barclay, Dwight Schultz, era o loucão Murdock do Esquadrão Classe A lá da longínqua década de 80, que passava no SBT. Confesso que fiquei em choque quando descobri isso. Se não me dissessem, jamais perceberia.

Obsessão em salvar uma tripulação…

Assim, “Pathfinfder” é um grande episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager”, pelo crossover com “Nova Geração” e pelo bom uso do personagem Barclay num ponto chave da série, valorizando o outsider que é visto como contraproducente e como alívio cômico, onde seus aparentes defeitos acabam se revelando virtudes. Vale muito a pena revisitar esse episódio.

https://www.youtube.com/watch?v=IOtSR3iIS_o