Batata Movies – Vingadores, Guerra Infinita. Thanos Malthusiano.

Cartaz do Filme

E estreou o tão esperado “Vingadores, Guerra Infinita”, com novamente a Marvel produzindo um grande filme, embora eu confesse que o filme me incomodou, talvez pela pegada altamente sombria da película. Antes de mais nada, vou logo dizendo que esse texto está repleto de spoilers. Não é a toa que estou o publicando com pouco mais de uma semana de exibição. De qualquer forma, se você ainda não viu o filme, é melhor voltar aqui quando já tiver assistido à película.

Thanos, um vilão muito poderoso…

Vamos lá. Bom, a sinopse todo mundo já conhece. O vilão Thanos precisa das seis joias do infinito para se tornar a criatura mais poderosa de todo o Universo e fazer todos de gato e sapato com um mero estalar de dedos. É claro que, para enfrentar um vilão extremamente poderoso, tivemos a presença de praticamente todos os heróis da Marvel, com a (sentida) ausência do Homem Formiga. Infelizmente, todos os heróis não lutaram exatamente juntos, numa batalha totalmente épica, mas sim em núcleos isolados, embora eles não tenham necessariamente deixados de ser épicos. Uma coisa deve ser dita aqui: houve várias situações paralelas, em locais (e planetas) diferentes, o que exigiu uma certa atenção do espectador. Mas como o filme teve a grande virtude (como todos os filmes da Marvel) de prender constantemente a atenção do espectador, a coisa se fez de forma relativamente tranquila. Ainda, o filme, apesar do clima pesado, manteve a pegada de humor, sobretudo nas situações em que personagens de dois núcleos diferentes interagiam, como quando vimos Groot e o Capitão América se conhecendo. O não abandono do humor nessa situação extrema não comprometeu o filme, ao contrário do que poderia parecer. Nos poucos momentos em que o humor desandou um pouco foi nas participações dos personagens dos Guardiões da Galáxia, onde tivemos diálogos bem bobinhos, a ponto de deixarem um Stark e um Strange da vida completamente estupefatos, mas que também contaminava as falas engraçadas desses personagens. Tudo bem, a pegada dos Guardiões da Galáxia é outra, mais bobinha e engraçadinha mesmo.

Dr. Estranho e Homem de Ferro. Choque de egos…

Uma coisa que chamou demais a atenção foi a motivação de Thanos em acumular tanto poder com as joias do infinito. Sua argumentação se baseava na premissa de que o Universo é finito e seus recursos também. Logo, o aumento das populações dos planetas provocaria um colapso que somente poderia ser solucionado com a execução de metade dessas populações. E ele se vangloriava de levar essa tarefa a cabo, uma tarefa que ninguém mais tinha coragem de fazer. Impossível não fazer uma comparação direta com Thomas Malthus, um economista britânico que viveu entre os séculos XVIII e XIX, e sua famosa teoria que dizia que a população pobre crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos crescia em progressão aritmética. Logo, a única forma de resolver esse problema de escassez seria através de um controle populacional onde, obviamente, os pobres pagariam o pato.

Malthus, o Thanos real…

O governo não deveria dar qualquer assistência aos pobres, pois assim eles morrem e a proporção entre pessoas e comida se equilibra novamente (pode-se dizer que, quem critica hoje programas como o Bolsa Família ou reclama que o dinheiro dos impostos arrecadados são para sustentar “vagabundos” tem uma visão considerada neomalthusiana). Só que Thanos, a uma certa passagem do filme, falava que, ao sacrificar as metades das populações dos planetas, faria isso sem privilegiar ricos ou pobres. Seria Malthus ainda pior do que Thanos? Eu não queria estar por perto se Malthus tivesse as seis joias do infinito em sua manopla.

Thor e os Guardiões da Galáxia…

Falando ainda em Thanos, a atuação de Josh Brolin, mesmo com toda aquela capa meio virtual, foi de uma força tremenda, não somente pelas porradas que ele dava, mas também por acreditar piamente que sua visão genocida era totalmente necessária para salvar o Universo. E, ainda, ele, volta e meia apresentava uma visão respeitosa para com seus oponentes, sobretudo Tony Stark e Wanda, sobretudo no episódio da morte de Visão (chamou muito a atenção o afago que ele faz na cabeça de Wanda antes de conquistar a última joia). Agora, foi algo arrebatador a sua relação com Gamora, num misto de amor e ódio, que culminou com o sofrimento (sincero) de sacrificar sua filha para obter a joia da alma. Essa humanização de um vilão ultrapoderoso e imbatível foi um dos grandes momentos do filme.

Homem Aranha e sua roupa iradíssima…

Na parte dos heróis, algumas coisas também chamaram a atenção. O traje do Homem Aranha, por exemplo, estava com aquelas pernas mecânicas implantadas por Stark. O diálogo de Thor e Rogers, falando de barbas e penteados, foi engraçado. Confesso que gostaria de uma participação maior de Steve Rogers no filme. De qualquer forma, foi bom vê-lo em Wakanda (na minha modesta opinião, o que a Marvel tem de melhor nos filmes solo são os três filmes do Capitão América e o Pantera Negra). Agora, uma coisa ficou muito clara aqui. Cada filme de herói da Marvel, mesmo que tenha pontos em comum com os outros, tem uma pegada própria. Isso ficou muito claro quando os personagens interagiam ou havia mudanças de um núcleo para outro, como se a gente tivesse uma espécie de mosaico de tudo o que vimos da Marvel nos últimos anos. Nesse ponto, o filme ficou bem construído, pois essas diferenças de cada personagem poderiam não ter dado muito certo se não fossem bem trabalhadas.

Pantera Negra e Wakanda como campo de batalha…

E o desfecho? Bom, pode-se dizer que a opção pelo vilão ter vencido a guerra e os mocinhos terem perdido foi muito boa, pois se chutou o “happy end” para escanteio. De fato, essa solução engrandece o filme, mas aqui surgiu um pequeno problema. Se tem reclamado por aí que as mortes têm sido desvalorizadas, pois hoje se matam heróis e eles são ressuscitados num piscar de olhos. E, agora, mais do que nunca, se lançará mão desse expediente, pois morreram muitos heróis. E a Marvel não quer perder dinheiro com a franquia, obviamente. Mas ficou uma pulga atrás da orelha: será que todos voltarão à vida, ou alguns realmente foram de forma definitiva? Essa dúvida (e angústia) somente aumentava à medida que víamos os heróis virarem cinzas. Devo confessar que, quando disse que o filme me incomodou, o foi principalmente pela parte dolorosa de ver muitos heróis morrendo (eu sou adepto daquela opinião, meio antiquada para os padrões de hoje, eu sei, de que o herói não deve morrer). Isso deu uma agonia e uma cara de tacho ao fim da exibição, com um Thanos sorridente vendo o pôr-do-sol depois de ter vencido sua guerra.

Steve Rogers, com barba…

Ficou aquela sensação de “já acabou?”. E, dessa vez, até os créditos finais nos meteram uma rasteira, sem cenas por toda a sua extensão, somente com uma aparição de Nick Fury (que também desmanchou) mandando uma mensagem para a… Capitã Marvel (!). Confesso que não conhecia essa super-heroína, mas o que se tem falado por aí é que ela tem muito poder. Outro detalhe interessante está nos heróis que sobreviveram. Bruce Banner, que não se transformou em Hulk por todo o filme, deve voltar com força total como o monstro verde no próximo filme (pelo menos assim espero!), assim como Stark e Rogers terão que fazer as pazes de qualquer jeito. Quanto a trazer os mortos para a vida, Thanos já até deu a dica: é só usar a joia do tempo (o problema vai ser tirar a manopla da mão dele, embora os heróis tenham quase conseguido nesse filme). E seria muito legal ver o Thor descer o cacete (ou o machado) no Thanos (ele quase conseguiu aqui).

Capitã Marvel vem aí???

Assim, “Vingadores, Guerra Infinita”, é mais um filmaço da Marvel, muito sombrio, pois os heróis encontraram um inimigo muito poderoso, e a derrota foi avassaladora. Haverá uma volta por cima total? Ou algumas marcas permanecerão? Confesso que não li os quadrinhos para saber como tudo se processou, se bem que nem sempre o cinema toma o mesmo rumo das histórias dos quadrinhos, alterando-as ao seu bel prazer. Até Thanos retornar (como foi prometido no final derradeiro do filme) esse incômodo vai ficar coçando o fundo de nossas mentes. Aquelas cinzas até agora estão provocando uma sensação desconfortável. Mas esse filme é um programa para lá de obrigatório.

Batata Séries – Jornada nas Estrelas, A Série Clássica. Um Gosto de Armageddon. Guerra Limpa.

Apresentação do episódio.
A seção Batata Séries está de volta e hoje vamos falar do vigésimo-terceiro episódio da primeira temporada da série clássica de Jornada nas Estrelas. “Um Gosto de Armageddon” fala de leis e dos horrores da guerra, novamente abordando (de forma velada) a questão da quebra da Primeiras o Embaixador Fox insiste em ir ao planeta para estabelecer relações diplomáticas. Como o Embaixador tem mais autoridade que o capitão nessa situação, a Enterprise se dirige ao planeta e estabelece órbita padrão. Ao entrar em contato com os habitantes, o capitão fica sabendo que Eminiar VII está em guerra com o planeta vizinho Vendikar, mas não se presencia qualquer sinal de guerra. Tudo está no lugar, não há destruição e mortes. Aos poucos, Kirk e seus comandados descobrem que esta é uma guerra limpa, onde ataques simulados provocam uma espécie de destruição virtual onde mortos são contabilizados. Quem morre nesses ataques simulados precisa se apresentar voluntariamente às câmaras de desintegração. Durante a estadia do capitão no planeta, há um ataque bem onde ele está e a própria Enterprise foi destruída. Kirk agora terá que convencer os habitantes do planeta Eminiar VII a se desfazer dessa visão peculiar de guerra usando meios, digamos, pouco ortodoxos para isso (se é que há alguma ortodoxia para tal ação).
Kirk e Spock, ao bom estilo “Diplomacia de Cowboy”

Esse é um típico episódio de quebra da Primeira Diretriz, como foi dito acima. Curiosamente, ela nem é citada em todo o desenrolar do episódio. Sua única lembrança é o questionamento de Kirk (justamente ele, acusado de violar a Primeira Diretriz seguidas vezes) contra as ordens do Embaixador Fox de se aproximar de Eminiar VII mesmo com uma mensagem do planeta proibindo estritamente essa aproximação. No mais, quando a Enterprise é posta em perigo, até Kirk chuta a Primeira Diretriz para escanteio, usando a típica “diplomacia de cowboy”, que Spock mencionará décadas mais tarde no episódio “Unification” de Nova Geração. E aí, tome aquelas brigas tacanhas que a gente vê na série clássica, e que não eram exclusividade dela na década de 60 (eu assistia a “Viagem Ao Fundo Do Mar” quando era criança e a gente via uma coisa parecida por lá). De qualquer forma, elas sempre são muito bem vindas por serem extremamente divertidas.

Um embaixador a princípio ridicularizado, mas depois útil

Uma coisa que chama muito a atenção é a definição de guerra com a qual o episódio trabalha, onde ela é vista como uma coisa selvagem, bárbara e destrutiva, não podendo durar muito tempo, e obrigando as partes em conflito a estabelecer negociações. Com a visão de “Guerra Limpa” de Eminiar VII, o conflito passou a se arrastar por 500 anos, mas não houve destruição da civilização e da cultura, desde que a cota de mortos fosse cumprida. Caso não houvesse essa autoimolação, o acordo seria violado e os horrores da guerra voltariam. Assim, Kirk, num risco calculado, toma a posição do “bárbaro” (ao seu melhor estilo de chutar o pau da barraca) e faz de tudo para que os dois planetas mergulhem numa guerra de verdade. Ele acredita que, em tal situação, as partes em litígio preferirão discutir a paz. Mas será que isso mesmo vai acontecer? Assim, a grande moral da história é “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” ou, em algo mais próximo à nossa cultura, “vamos parar de empurrar os problemas com a barriga”.

McCoy e Scott ponderando o que fazer da nave para solucionar a crise

O episódio tem uma tiradas inesquecíveis, como as de Spock. Primeiro, o Vulcano, dentro da prisão, usa sua sonda mental para sugestionar à distância o guarda do lado de fora. Mais uma vez vemos Nimoy com seu gestual lento e calculado, usando magnificamente a ponta dos dedos contra a porta e a parede, de uma forma muito suave. Num segundo momento, ele fala para um guarda do planeta que há uma criatura artrópode em seu ombro. Quando o coitado olha para seu corpo, Spock mete a sua mãozona com contornos de aranha no ombro do guarda, provocando o desmaio. Há, ainda, um terceiro momento, onde Spock dizia que entendia as atitudes de Eminiar VII e Vendikar, mas que não concordava com isso (ou seja, entender nem sempre significa concordar). O diálogo do final do episódio, onde havia a reflexão de tudo o que havia acontecido, foi genial. Ao Spock ficar impressionado com o risco que Kirk assumiu, ele disse ao seu capitão: “O senhor quase me fez acreditar em sorte”, ao que Kirk retrucou “E o senhor quase me fez acreditar em milagres”, reconhecendo a contribuição de Spock na crise, mas também não perdendo a oportunidade de dar uma zoadinha em seu lógico Primeiro Oficial.

Um gabinete de guerra virtual…

Outro detalhe curioso foi a figura do Embaixador Fox. Tomado na maioria do episódio como uma espécie de idiota que não conseguia enxergar as artimanhas dos habitantes de Eminiar VII, sendo um peixe fora d’água em situações de guerra e de crise extrema, o Embaixador se revelou extremamente útil ao fim do episódio, quando ofereceu seus serviços para estabelecer relações diplomáticas e de paz entre os planetas litigantes. Ou seja, o episódio acabou tendo uma diplomacia de cowboy, ma non troppo.

E uma destruição provocada por um capitão bárbaro…

Assim, “Um Gosto de Armageddon” é um típico episódio de Jornada nas Estrelas, a Série Clássica. Uma inteligente reflexão, acima de tudo, chutes na Primeira Diretriz, Kirk sendo Kirk (mas também Kirk sendo hippie ao defender a paz), lutas tacanhas e Spock tocando o horror com seus dedos longilíneos e delgados, tudo isso regado a uma boa dose de humor muito inteligente. Como amo essa série!

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 21)

Spock da era J. J. Abrams

Após o sexto filme,  mais uma vez ficou uma sensação de encerramento de “Jornada nas Estrelas” por Nimoy. Mas ele foi convidado a participar do sétimo filme, onde Kirk morreria. Ao ler o roteiro, Nimoy percebeu que Spock apenas teria uma aparição rápida, sem qualquer função na história. Ao discutir isso com o produtor Rick Berman, ele simplesmente alegou que não tinha tempo para mexer no roteiro. Nimoy, então, declinou do convite. De Forest Kelley se recusou a trabalhar no filme, pois Nimoy não trabalharia. E o intérprete do Dr. McCoy ainda falou que teve uma boa despedida em “Jornada nas Estrelas 6”. Para que estragar isso?

Passando o bastão para Zachary Quinto…

Nimoy não se arrependeu de sua decisão, desejou boa sorte à sua equipe de produção e seguiu sua vida adiante. Participou de mais séries de tv, interpretando e dirigindo. Nimoy também fez incursões na fotografia (onde fez um belo ensaio fotográfico feminino inspirado em “Shekkinah”, a versão feminina de Deus na tradição judaica) e na poesia. Nimoy manteve uma vida muito ativa e produtiva.

As orelhas pontudas sempre fizeram parte de sua imagem…

Em 2009, foi chamado para novamente interpretar Spock na versão de J.J. Abrams de “Jornada nas Estrelas”, agora na figura de um embaixador, como seu pai o fora (na verdade, Spock já tinha sido embaixador no episódio “Unifcação”). Em abril de 2010, Nimoy anunciou que não faria mais o papel de Spock, passando o bastão para Zachary Quinto. Nimoy ainda participou com sua voz em alguns filmes, como “Transformers”, documentários científicos, séries de tv como “The Big Bang Theory”, onde ele dá voz a um “action figure” de Spock e até jogos de vídeo game. Nimoy ainda faria uma derradeira interpretação de Spock, numa rápida participação em “Jornada nas Estrelas, Além da Escuridão”, de J. J. Abrams. Em fevereiro de 2014, foi diagnosticada sua doença pulmonar obstrutiva crônica, provocada pelo cigarro. Depois disso, ele se internou em hospitais várias vezes, até se internar definitivamente, no dia 19 de fevereiro de 2015, no UCLA Medical Center, para aliviar suas dores.

Seu conhecido livro de fotografias…

Leonard Nimoy morreu no dia 27 de fevereiro de 2015, com a idade de 83 anos, em sua casa, de nome Bel Air. Seu corpo foi cremado a 1 de março, com a presença de trezentas pessoas, dentre elas, seus familiares, colegas da série clássica, as filhas de Shatner, J. J. Abrams, Zachary Quinto e Chris Pine. Ele deixou esposa, dois filhos, seis netos, um bisneto e seu irmão Melvin.

Sua última aparição como Spock…

E assim, chegamos à fronteira final. Quero só me desculpar a todos os leitores por ter escrito todo esse monte de artigos sobre Leonard Nimoy e Spock. Mas houve alguns motivos para isso. Um motivo foi o fato de que quis mostrar que Leonard Nimoy era um artista muito talentoso, não ficando restrito a somente o papel do vulcano Spock. Ele aceitou vários desafios em sua carreira, como por exemplo, sua carreira no teatro, na tv e no cinema, seja como ator, seja como diretor.

Um inesquecível cavanhaque…

Sua preocupação com a cultura judaica, da qual faz parte, é outro elemento marcante de sua versatilidade como artista, isso sem falar de suas incursões na fotografia e na poesia. Em segundo lugar, aqui é um espaço para se escrever sobre aquilo que se gosta. E, confesso que gosto muito desse personagem vulcano de orelhas pontudas. E tenho certeza que ainda há muita gente por aí que gosta dele, dentre as gerações mais antigas. Essa coluna é chamada de Batata Antiqualhas  justamente para falar de cultura pop-nerd mais antiga, para os mais velhos matarem a saudade e os mais novos a conhecerem um pouco melhor. Impossível não falar da morte de Nimoy nestas circunstâncias. Fui até convidado para uma palestra organizada pelo hoje extinto site Abacaxi Voador para isso. Mas aí, soube da morte de minha mãe na hora em que ia para o evento. E toda a pesquisa tinha ido por água abaixo. Eu tive duas fortes dores num intervalo de três semanas. E aí, decidi expurgá-las escrevendo. Como uma espécie de “articulista” de “Jornada nas Estrelas” no Abacaxi, não poderia deixar que essa pesquisa fosse em vão. E aí vieram os artigos, sobre um personagem com o qual todos nós nos identificamos. Spock é o “outsider” que é mal compreendido e sofre perseguições e preconceitos, aquele que tem sentimentos mas deve escondê-los para não se tornar vulnerável, tem suas contradições e dramas internos, a necessidade de pensar de forma mais serena e racional para escapar das más situações. Ora bolas, quem nunca passou por uma dessas situações na vida? Spock não é apenas um personagem de uma série de ficção científica de tv, mas um verdadeiro espelho da condição humana. Daí a sua universalidade e popularidade. Sua seriedade, humor, cinismo, alegrias e tristezas jamais serão esquecidos e residem em nossos corações para todo o sempre, nos ajudando a encarar esse mundo cada vez mais difícil de se viver, onde a desumanidade simplesmente impera. E, segundo seu amigo Kirk, durante o funeral de Spock em “A Ira de Khan”, “…de todas as almas que eu conheci a de meu amigo foi a mais… humana”. Shatner dizia isso com a voz visivelmente embargada sentindo a morte do personagem de forma bem sincera. Esse é o sentimento que os fãs de “Jornada nas Estrelas” ainda possuem, mesmo três anos depois da morte de Leonard Nimoy. Mas fica o legado de Spock. Esse sim, nunca morre. É só colocar o DVD no aparelho e ele está lá de volta, com todos os seus ensinamentos para nossas vidas, o que alivia um pouco a dor provocada pela ausência física. Peço mais uma vez desculpas em terminar essas linhas da forma mais óbvia, mas esse é o principal ensinamento desse personagem tão marcante e importante, sendo uma eterna mensagem otimista (e precisamos de muito otimismo hoje em dia): “Vida longa e próspera!”.

Vida longa e próspera, sempre!!!

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 20)

Nimoy em “Unification”. Spock na Nova Geração!!!

Apesar de Nimoy achar que sua participação como Spock em “Jornada nas Estrelas” havia terminado, o mundo dá voltas e, ainda durante as filmagens do sexto filme, Mancuso liga para Nimoy e lhe pergunta se ele não estaria disposto a fazer uma participação como Spock em um episódio da “Nova Geração”. Esse convite levou Nimoy a uma recordação. O ano era 1986, na época da pós-produção de “A Volta Para Casa”, quando Mancuso o convidou para uma reunião, onde ele foi convidado para ser o produtor-executivo de uma nova série de “Jornada nas Estrelas” com uma nova tripulação, muitos anos depois da época em que se passava a série clássica (século 23). Nimoy agradeceu mas negou o convite, pois ele disse que não funcionaria, já que a série clássica funcionou devido  a vários fatores: os temas, os personagens, a química entre os atores, as perspectivas de futuro da década de 1960, e que tudo isso não se repetiria novamente. O projeto foi adiante sem Nimoy e “Nova Geração” se tornou um sucesso estrondoso. E aí, voltando ao convite para a participação especial como Spock na “Nova Geração” no episódio “Unificação”, Nimoy prontamente aceitou. Vulcanos vivem mais que humanos e, no século 24, época em que se passam os episódios da “Nova Geração”, Spock estaria na meia-idade. E essa seria mais uma oportunidade para criar pontes entre a série clássica e a nova geração. De Forest Kelley fez um Dr. McCoy com 180 anos no piloto da “Nova Geração”, “Encontro em Fairpoint”. Mark Lenard trabalhara no episódio “Sarek”. E até James Doohan voltou ao Sr. Scott em outro episódio. O roteiro de “Unificação” foi escrito após uma reunião de Nimoy com os produtores de “Nova Geração”, Rick Berman e Michael Piller, e tratava de um trabalho secreto de Spock dentro do Império Romulano para aproximar vulcanos e romulanos, os últimos parentes distantes dos primeiros, que preferiram viver sua vida agressiva e predadora, ao invés dos vulcanos, que usaram a lógica para conter seus instintos agressivos ancestrais. Há um elo mental entre Nimoy e o Capitão Picard ao fim do episódio que também simboliza a “unificação” entre a série clássica e a Nova Geração. Nimoy aceitou um salário modesto e se encontrou com a equipe de “Nova Geração”, que ele já conhecia, pois ele havia dado uma festa em sua casa para comemorar o fim da produção de “Jornada nas Estrelas 6”. A única coisa que o incomodava, mas que ele também achava uma certa graça, era que o elenco de “Nova Geração” o tratava com muita reverência.

Picard havia feito um elo mental com Sarek…

Nimoy gostou muito de fazer o episódio e destaca o elo mental entre Spock e Picard, onde o vulcano pôde ter contato com parte da mente de Sarek presente na mente de Picard (no episódio “Sarek”, o pai de Spock e Picard também fizeram um elo mental). Para Nimoy, esse foi um momento “extremamente tocante e dramático”. Como nunca Spock e Sarek fizeram o elo mental, Nimoy decidiu aumentar a dramaticidade da coisa colocando uma expressão de dor. A maioria das cenas de Nimoy foram com Patrick Stewart (Picard) e Brent Spinner (Data), atores muito admirados por Nimoy. Ele achava Stewart muito parecido com Picard, ou seja, charmoso e com autoridade no jeito de ser e de falar. Já Spinner ele achou mais exótico e escorregadio. Nimoy trabalharia com Spinner e Armim Shimerman (o ferengue Quark de “Deep Space Nine”) na produção de “Guerra dos Mundos” para a Rádio Nacional Pública, com direção de John De Lancie (o onipotente alienígena “Q” da “Nova Geração”). Uma das razões de Nimoy aceitar esse trabalho foi o grande número de pessoas de “Jornada nas Estrelas” envolvido no projeto.

Mas voltemos a “Unificação”. Há uma cena muito curiosa no episódio, que foi dividido em duas partes, onde Spock trabalha nos computadores enquanto Data o observa curioso. Spock pergunta sobre sua curiosidade e Data diz que não consegue entender por que o vulcano renega sua parte humana enquanto que Data justamente procura isso, sendo um diálogo genial!

Spock e Data. Delicioso diálogo…

Nimoy era frequentemente interpelado nas convenções de “Jornada nas Estrelas” quando ele faria uma participação em “Nova Geração”. O dia em que ele comunicou a participação em “Unificação”, a reação do público foi mais calorosa do que ele esperava, emocionando-o muito. Nimoy sempre estava acostumado com as ovações nas convenções, mas, naquele dia, ele foi pego de surpresa. E havia reparado que tinha tocado “num assunto de família”, em suas próprias palavras. Até então havia dois grupos de fãs: os da série clássica e os da nova geração, que não se uniam muito. Com “Unificação”, esse mal-estar acabou e até os fãs foram “unificados”. Não é à toa que Spock, no idioma vulcano significa “o unificador”. E também não é à toa que o episódio duplo “Unificação” registrou a maior audiência entre todos os episódios de “Nova Geração”.

No próximo artigo, vamos terminar essa grande jornada de Leonard Nimoy e do vulcano Spock. Até lá!

Elo mental entre Spock e Picard. O vulcano reencontra seu pai…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se completa (Parte 19)

Um banquete antológico…

Nimoy fala em “Eu sou Spock” que, para falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”, ele precisa voltar um pouco no tempo, mais especificamente durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Harve Bennett chegou com a ideia para fazer um filme de “Jornada nas Estrelas”. Não era exatamente uma sequência, pelo contrário. Era uma “pré-sequência” para todos os longas e até para a série clássica, onde veríamos Kirk, Spock e McCoy em seus dias de Academia da Frota Estelar, onde jovens atores interpretariam esses personagens. Parece que a ideia era injetar sangue novo na franquia. Ou seja, o projeto que J. J. Abrams dirigiu anos depois teria sido imaginado por Bennett ainda em plena década de 1980. A Paramount até estava de boa vontade com a ideia, mas era necessário terminar “A Volta Para Casa”, o que adiou a conversa entre Nimoy e Bennett sobre essa ideia. Bennett teve autorização para escrever um roteiro, só que isso não aconteceu. Depois do lançamento de “Jornada nas Estrelas 5”, Bennett voltou a falar sobre a ideia com Nimoy,  mas com pesar, já que a Paramount dessa vez havia rejeitado a ideia de uma jovem tripulação da Enterprise em seus dias de Academia da Frota Estelar. Algum tempo depois, Frank Mancuso, executivo da Paramount, convidou Nimoy para um almoço e disse que queria um filme para comemorar os vinte e cinco anos da série. Nimoy perguntou sobre Bennett e Mancuso lhe disse que ele não estava mais envolvido com “Jornada nas Estrelas”, enterrando naquele momento qualquer chance de um longa com a tripulação em seus dias de juventude. Nimoy novamente teria o controle total, escrever, dirigir, ser o produtor executivo. Mas ele se lembrou da tarefa hercúlea que foi fazer o quarto filme e não estava muito disposto a se envolver novamente. Mancuso insistiu e Nimoy, então, disse que procuraria o executivo depois de ter uma ideia para uma história. O nosso ator, então, se lembrou de seu interesse pelos klingons, a ligação entre o relacionamento entre a Federação e os klingons e a Guerra Fria e os sérios problemas que a União Soviética sofria naquela época. O muro de Berlin já havia caído, por exemplo. Três semanas depois, Nimoy ligou para Mancuso e sugeriu a seguinte ideia: o império klingon estaria passando pelo mesmo problema que a União Soviética, com a economia em colapso em virtude do alto orçamento militar. Haveria uma dissidência no império e uma catástrofe do tipo “Chernobyl”. Dessa forma, os klingons procuram a Federação para uma trégua e aí entra a Enterprise. Mancuso adorou a ideia e Nimoy sugeriu o nome de Nicholas Meyer para escrever o roteiro. Se ele quisesse dirigir, isso também seria aceito.

Última aventura de Shatner e Nimoy juntos

Assim, Nimoy procurou Nicholas Meyer, que aceitou ter uma conversa. Ao caminharem pela praia, os dois estabeleceram o que seria a trama básica do filme. Faltava escrever o roteiro. Mas houve problemas. Um executivo da Paramount, Teddy Zee, passou a tarefa de escrever o roteiro para outros dois roteiristas. Nicholas Meyer, que estava fazendo o roteiro, pensou que havia sido descartado pela Paramount e por Nimoy. Esse mal-entendido custou alguns meses e Nimoy se culpa, pois ele não falou com Mancuso, que havia lhe pedido para procurá-lo caso tivesse algum problema. Desfeita a confusão, Meyer trabalhou em velocidade de dobra no roteiro com seu colaborador Denny Martin Flinn, enquanto que a linha dura do Partido Comunista Soviético sequestrava Gorbachov para deter as reformas que trariam futuramente o capitalismo para a União Soviética (a vida imitava a arte). Quando o roteiro ficou pronto, ele parecia mais uma trama de conspiração política e assassinato, sem abordar a cultura klingon de forma mais profunda, como Nimoy queria. Ele, então, conversou com Roddenberry que lhe fez a seguinte pergunta: o que esse filme pode nos falar mais dos klingons, ou seja, aquilo que ainda não conhecemos de sua cultura? Nimoy aceitou a sugestão e foi conversar com Meyer, que não concordou com a ideia. Nimoy gostaria que Kirk e McCoy conhecessem na prisão um klingon prisioneiro para abordar mais o modo de vida dos klingons, mas Meyer prontamente rejeitou tal sugestão, o que decepcionou Nimoy. Aí fica a questão: até onde ia a carta branca de Nimoy na Paramount? Apesar dessa frustração, Nimoy reconhece que a cena do banquete entre os membros da Federação e os klingons na Enterprise foi sensacional, com direito a intepretações magistrais de Christopher Plummer, David Warner e Rosanna DeSoto e citações de Shakespeare.

Christopher Plummer, um dos melhores klingons já vistos…

Para o personagem de Spock, houve dois momentos importantes. Um foi o seu relacionamento com Valeris, a jovem vulcana que se une à conspiração e trai Spock, o seu grande mestre. Inicialmente, a traidora seria Saavik, mas houve dois empecilhos. Kirstie Alley, que fizera o papel, agora era estrela de sucesso numa série de TV e seu salário seria muito alto. O outro empecilho seria como os fãs encarariam a traição de Saavik, que sempre fora muito fiel. Assim, desistiu-se da ideia da traição de Saavik e decidiu-se criar uma nova personagem. Kim Catrall foi escolhida para o papel, pois já tinha sido a escolha de Meyer para Saavik no segundo filme, “A Ira de Khan”, onde Alley acabou interpretando a vulcana. O teste não deixou dúvidas dessa vez e Catrall subiu a bordo da nave. O nome da personagem teve uma sugestão de Catrall: Eris, a deusa grega da discórdia e do caos. Um “Val” foi acrescentado para parecer mais alienígena e assim surgiu o nome Valeris.

Valeris sendo torturada por um raivoso Spock!!!

No início do desenvolvimento de “Jornada nas Estrelas 6”, Meyer descreveu o enredo para um jornalista como se fosse “uma pequena história sobre Spock apaixonado”, o que levou a muitas especulações, justamente porque, num episódio da Nova Geração intitulado “Sarek”, o capitão Jean Luc Picard teria dito que estivera com o embaixador Sarek, há muitos anos, durante o casamento de seu filho. Logo surgiram especulações sobre um casamento entre Spock e Valeris. Mas a relação seria apenas platônica e toda a polêmica envolvida serviu para encobrir a traição de Valeris. Nimoy lembra que Spock deveria ser sábio e experiente o bastante para não se deixar enganar por uma jovem vulcana. Dá para perceber como Valeris mexeu com a cabeça de Spock. Tanto que, na cena onde é descoberta a traição da moça, Spock chega a ter uma explosão de raiva, dando um tapa na mão da vulcana, que tinha um phaser para matá-lo (na verdade, Valeris mataria dois membros da tripulação que estariam supostamente na enfermaria e que haviam participado da conspiração, numa “queima de arquivo”; mas na verdade, Kirk e Spock prepararam uma emboscada para a moça e eles é que estavam na enfermaria, surpreendendo a vulcana que, sem reação, deixou que Spock lhe desse o tapa na mão para arrancar a arma). Outra cena em que Spock mostra emoções ocorre quando ele faz um elo mental à força em Valeris na ponte da nave para que ela denuncie os líderes da conspiração. Essa cena chega até a ser violenta, onde Spock “suga” todos os pensamentos à força, provocando dor em Valeris, tal como se ele a torturasse. Essas duas cenas são sinalizadas por Nimoy como o cruzamento humano/vulcano de Spock, onde seus dois lados estão bem expostos. Para Nimoy, essa pareceu ser uma progressão “logica” do personagem ao curso dos longas, pois no primeiro filme, Spock está totalmente lógico, após passar pelo ritual do Kolinahr para purgar todas as emoções e vai aceitando suas metades humana e vulcana ao longo do filme. No segundo filme, Spock parece em paz consigo mesmo e suas partes lógica e emocional. No terceiro filme, ele não participa, mas teve sua mente apagada. No quarto filme, ele reaprende tudo, inclusive os dois aspectos de sua personalidade, chegando a pedir a seu pai Sarek, que diga a sua mãe que ele se “sente bem”. O quinto filme parece seguir o mesmo padrão e, no sexto filme, parecia a hora em que Spock poderia mostrar suas emoções no momento apropriado.

Mas uma cena do sexto filme seria uma das mais importantes de toda a carreira de Nimoy e do vulcano Spock. A cena onde ele tinha certeza, pelo menos naquele momento, que a saga da série clássica tinha chegado ao fim. O final do sexto filme, inclusive, dizia que a Enterprise seria passada para uma nova tripulação, gancho óbvio para a série “A Nova Geração”. Mas, na cena mencionada em questão, Spock está em seu aposento melancólico, arrasado e deprimido, depois da traição de Valeris, quando Kirk entra para animá-lo. E aí começa um diálogo entre os dois em que o vulcano pergunta a Kirk: “É possível que nós dois, você e eu, tenhamos ficado tão velhos e inflexíveis que sobrevivemos à nossa própria inutilidade?”. Essa foi uma pergunta tão importante para Nimoy quanto para Spock. Não apenas porque Spock era um vulcano à beira da aposentadoria, percebendo que enfim a missão da sua tripulação havia acabado, quanto também Nimoy estava consciente de que aquele era o último filme de “Jornada nas Estrelas” para ele e Shatner juntos. Naquele momento, na cabeça de Nimoy, Spock perguntava a Kirk, mas também Nimoy perguntava a Shatner. Não havia distinção entre personagem e ator. Para Nimoy, ficou o sentimento de que a série clássica havia chegado ao fim. Ele teve o mesmo sentimento quando a série clássica foi cancelada: tristeza pelo fim, mas, ao mesmo tempo, alívio, pois não queria ver a qualidade dos filmes declinar.

Seria esse o fim da carreira de Spock em “Jornada nas Estrelas”? Isso é o que veremos no próximo artigo. Até lá!

Spock só voltaria no cinema com J. J. Abrams

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 18)

                                 Jornada nas Estrelas 5. Botas voadoras…

As conversas sobre o quinto filme de “Jornada nas Estrelas” surgiram ainda durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Shatner confidenciou a Nimoy que queria dirigir o próximo longa. Nimoy o encorajou a fazer isso, principalmente enquanto todos estivessem empolgados com os sucessos dos longas de “Jornada nas Estrelas”. Mas o processo de produção do filme foi tumultuado. As negociações com a Paramount não foram assim tão triviais e houve uma greve do sindicato dos roteiristas para complicar as coisas. A história também não ajudava: um grupo de fanáticos religiosos sequestrando a Enterprise para se encontrar com Deus. Nimoy disse a Shatner que o público não ia engolir esse tal encontro com Deus, além dele ser comparado com “The God Thing”, que foi a primeira sugestão de Roddenberry para “Jornada nas Estrelas, o Filme”, totalmente descartada pela Paramount. Mas Shatner só falava para Nimoy  confiar nele que as coisas dariam certo. Depois de muita insistência, Shatner foi convencido que seria mais aceitável uma história em que a Enterprise se encontrava com um alienígena que dizia ser Deus, ao invés de se encontrar com Deus em pessoa. A greve dos roteiristas adiou o início da confecção do projeto em quase um ano. Nicholas Meyer não estava disponível e o roteiro ficou a cargo de Bennett e David Loughery (que escrevera o roteiro de “Flashdance”). Nimoy não gostou nem um pouco do esboço do roteiro, onde a tripulação da Enterprise (inclusive Spock), trai Kirk e apoia o líder religioso que sequestra a nave, o tal do irmão desaparecido de Spock, Sybok. A questão da traição de Spock e McCoy mais a falta de uma função específica para Spock na história quase fizeram com que Nimoy desistisse do projeto. A cena da “dor” de Spock revelada (o desprezo do pai por ele parecer humano no dia de seu nascimento) também inquietou Nimoy. O roteiro foi reescrito. Spock não trai Kirk, mas também não consegue atirar em Sybok no momento certo. Não foi uma solução que agradou Nimoy de todo. Já a cena do nascimento de Spock foi mantida sem alterações, para desgosto ainda maior do nosso ator.

                                              Sybok, o irmão de Spock…

O filme foi um fracasso de bilheteria e Nimoy atribui a culpa disso principalmente ao fraco roteiro, isentando Shatner de qualquer culpa no que se refere à direção pois, como diretor, Nimoy tinha plena consciência de todas as dificuldades e prazos envolvidos a que um diretor está submetido.

                                               Um Deus de araque…

As filmagens tiveram algumas cenas de ação que incluíam um voo de cabeça para baixo de Spock com um par de botas antigravitacionais. Os cavalos, tão amados por Shatner, também não faltaram. As filmagens terminaram em dezembro de 1988.

                          Spock não consegue atirar em seu irmão…

Em 1989, outro projeto interessante foi oferecido a Nimoy, sobre a história de um judeu húngaro, Mel Mermelstein, que sobreviveu a Auschwitz e lá perdeu toda a sua família. O pai, antes de morrer, o fez jurar que, caso Mel sobrevivesse, ele diria ao mundo todo o sofrimento e crime que os judeus passaram no campo de concentração e não puderam falar porque morreram. Mel migrou para os Estados Unidos e fez sua vida, iniciando negócios próprios, casando-se e tendo filhos. Mas ele não se esqueceu da promessa feita ao pai e inaugurou um museu do holocausto, além de fazer palestras em escolas se lembrando de sua própria experiência em Auschwitz.

                                               Em “Never Forget”

Um dia, Mel recebeu uma carta de um grupo chamado Instituto de Revisão Histórica, oferecendo-o cinquenta mil dólares se ele provasse que os judeus morreram nos campos de concentração por obra dos alemães. Eles defendiam a ideia de que os nazistas não haviam matado os judeus e que eram os judeus que morriam por causa do tifo e não de câmaras de gás, que eles chamavam de “salas para tirar piolhos”. Mel levou a carta para organizações judaicas que o aconselharam a simplesmente ignorar o tal desafio que era, na verdade, de um grupo neonazista que queria ridicularizá-lo. Mas Mel queria ir adiante com a coisa e pensou em processar o tal Instituto. Ao consultar um advogado, ele ficou sabendo que não tinha como fazer isso. Entretanto, um procurador, Bill Cox, alegou que o oferecimento de cinquenta mil dólares pela prova de que os nazistas mataram os judeus configurava um contrato. Caso Mel aceitasse, os neonazistas teriam que dar uma resposta em trinta dias, e se não fizessem isso Mel poderia alegar quebra de contrato e exigir na justiça o reconhecimento da existência do holocausto. Tudo aconteceu como foi descrito e Mel conseguiu que uma corte norte-americana reconhecesse a existência do holocausto, honrando a promessa feita a seu pai, não sem sofrer muitas ameaças dos neonazistas. Nimoy ficou encantado com a história e uniu forças para produzir “Never Forget”, onde ele interpretaria o papel de Mel e o próprio faria participações especiais com sua filha. Foi um projeto do qual Nimoy muito se orgulhou de fazer, embora ele lembre que muitos grupos neonazistas ainda divulgassem em textos na época a história da alta mortalidade de judeus por epidemias de tifo, como se os nazistas não tivessem praticado o genocídio, e tais textos chegavam até a circular em bibliotecas de universidades americanas.

No próximo artigo, vamos falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”. Até lá!

                                    Mel Mermelstein no tribunal…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 17)

                  Nimoy dirigindo “Três Solteirões e um Bebê”

Quando a versão final de “Jornada nas Estrelas 4, A Volta Para Casa” foi exibida para um público-teste, houve muitas risadas nos momentos certos. Algumas pessoas, como críticos de cinema, acharam que o filme estava engraçado demais e os fãs não gostariam, pois eles queriam ser levados à sério. Nimoy sabia que isso não era verdade, já que a série clássica tinha bastante senso de humor. O público também descobriu que Nimoy poderia fazer comédia, pois ele sempre havia sido considerado uma pessoa muito séria por causa de Spock. Nimoy, entretanto, sempre fora um grande fã de Abbott e Costello, uma dupla de comediantes que fez muitos filmes décadas atrás. Assim, Nimoy foi chamado para dirigir “Três Solteirões e um Bebê”. Outros três diretores foram chamados, mas eles desistiram do projeto. Katzenberg, executivo da Paramount, decidiu deixar com Nimoy a direção ao invés de chamar mais diretores. Como o filme era um “remake” de um filme francês, o roteiro foi reescrito para ficar mais “americanizado”. Quem vivenciou a década de 1980 lembra dessa doce comédia estrelada por Tom Selleck (o inesquecível Magnum), Steve Gutenberg (que fez vários “Loucademia de Polícia”) e Ted Danson, que recebiam uma menina recém-nascida na porta de um apartamento para lá de irado, com as paredes todas pintadas com lindas figuras. O apartamento no filme original tinha decorações em estilo egípcio, muito “velho mundo” para Nimoy, que optou por algo mais moderno, mais “Nova York”, onde os personagens seriam retratados nas paredes com desenhos e ficariam lá expressas as características deles.

          Liam Neeson e Diane Keaton em “O Preço de uma Paixão”

As filmagens transcorreram sem muitos problemas, exceto por um dia em que foi necessário fazer uma tomada externa mais elaborada que demandava muito tempo e a posição do Sol influenciaria demais a cena. Isso sem falar das nuvens, que faziam sombra a toda hora, interrompendo ainda mais as filmagens. Para piorar a situação, pessoas que passavam pelas ruas reconheciam Tom Selleck e falavam com ele (“Oi, Magnum!”). Havia, na cena, um policial montado a cavalo que teria uma pequena participação. Mas o ator que fazia o policial nunca havia montado um cavalo e prendeu mal o bichinho antes de entrar no prédio com Tom Selleck, que mostraria a carteira de identidade que ele tinha esquecido no apartamento. O que aconteceu? O cavalo se soltou e seguiu o policial prédio adentro. A cena teve que ser cortada, pois, apesar de tentarem aproveitá-la, ela se revelou irrelevante para o filme, que foi bem aceito pelo público, arrecadando mais de 165 milhões de dólares de bilheteria.

           Nimoy dirigindo Keaton

Após as filmagens, Nimoy viajou para a Rússia, para uma exibição comemorativa de “A Volta Para Casa”, pois na ocasião aquele país havia proibido a caça da baleia. Nimoy aproveitou para visitar a cidade dos pais, Zaslav, na Ucrânia, onde ele ainda tinha parentes que nem conhecia. A visita foi um fiasco total, pois ninguém conhecia “Jornada nas Estrelas” na Rússia, os parentes de Nimoy não falavam inglês e ele não falava russo. Eles se comunicaram com um intérprete e com algumas palavras em ídiche. Houve, também, uma desconfiança, por parte dos parentes de Nimoy de que ele fosse um agente do governo soviético designado para vigiá-los. Nem precisa dizer que a visita foi um mal-estar geral. De volta aos Estados Unidos, Nimoy foi surpreendido pela notícia de que seu pai estava muito mal de saúde. Ele passou os últimos dias da vida de seu pai junto com ele, compartilhando fotos e pequenas filmagens que havia feito da terra natal da família durante a viagem. Para Nimoy, a ficha da morte do pai demorou a cair, e ele suspeita que a lógica vulcana tenha tido alguma interferência nisso. Ele ficou muito agradecido de Shatner ter comparecido ao enterro de seu pai.

Depois do sucesso de público e crítica de “Três Solteirões e um Bebê” e novos comentários surpresos de que o intérprete de Spock podia fazer comédia, Nimoy foi chamado para dirigir um projeto mais sério e polêmico: o filme “O Preço de Uma Paixão”, que seria estrelado por Diane Keaton, Liam Neeson e Jason Robards. O mais curioso é que Nimoy fora convidado mas não tinha garantias de que ia dirigir o filme já que, depois de “A Volta Para Casa” e “Três Solteirões e um Bebê”, agora ele era rotulado como especialista em comédias. A história falava de uma moça, Anna, que havia tido uma criação muito opressora dos pais e se casou com um marido igualmente opressor. Ela teve uma filha e não queria que a menina sofresse toda a repressão sexual que ela sofreu, educando-a de uma forma livre. Anna se separa de seu marido e começa um novo relacionamento com Leo, um jovem escultor. A forma livre com que Anna cria a filha, permitindo até que a menina veja a mãe e o novo namorado nus, choca o pai, que inicia uma batalha judicial pela custódia da filha. E Anna perde a filha e Leo em todo o processo. Nimoy ficou com muita vontade de dirigir o filme, já que a história, em sua opinião, não tinha vilões individuais em si, mas sim um sistema e uma sociedade cheia de valores altamente conservadores que destruíram a vida de Anna. Outro detalhe que atraía Nimoy é que a trama era shakespeariana e trágica, sem o famoso “happy end” dos filmes americanos. Ele conseguiu convencer o produtor do filme, pois disse que era de Boston, onde se passava a história, conhecendo bem o conservadorismo daquela sociedade, e que tinha uma experiência em teatro que se aproximava da temática do filme. Vários atores recusaram os papéis, pois tiveram medo do que isso poderia implicar na carreira deles (há uma cena em que a filha de Anna toca no pênis de Leo, ficando claro que é somente para satisfazer uma curiosidade e que não houve qualquer má intenção no ato). Por isso, Nimoy ficou admirado com o fato de Diane Keaton  aceitar fazer o papel de Anna e Liam Neeson aceitar fazer o papel de Leo. Jason Robards foi chamado para fazer o advogado de Anna, mas ele relutou em aceitar, pois o advogado era conservador e disse que Anna só teria alguma chance se reconhecesse que havia cometido um erro perante o juiz, que era muito puritano. Nimoy defendeu o personagem dizendo a Robards que o advogado queria ajudar a moça e lhe propôs essa saída já que ele conhecia bem o sistema judiciário e seu conservadorismo. Robards, que tinha uma amizade com Nimoy, acabou sendo convencido e pegou o papel.

Keaton teve uma postura muito profissional e refez toda uma cena muito difícil

Foi uma época em que Nimoy estava muito sensível e chorava toda a noite, em parte porque a história do filme tinha uma carga emocional muito forte, em parte porque ele havia perdido seu pai e, pouco tempo depois, sua mãe. As filmagens também tiveram contratempos, como a necessidade de Diane Keaton ter que filmar uma sequência com forte carga de emoção duas vezes, já que as duas câmaras usadas tinham filmes que não podiam ser editados juntos. Nimoy comprou até rosas para a atriz para lhe dar a má notícia (repetir uma cena longa e altamente emotiva é uma tarefa muito desgastante). Mas Keaton foi altamente profissional e repetiu tudo. As impressões sobre o sucesso de “O Preço de uma Paixão” foram as melhores possíveis na exibição teste. Mas as reações de público e crítica eram muito extremas. Ou o filme era excelente ou péssimo, não havendo meio termo, o que fez com que ele logo deixasse de ser exibido, para a decepção de Nimoy que, lá no fundo, já sabia que ia gerar muita controvérsia. Nimoy fala com desgosto de que talvez ele devesse ter feito algo mais comercial, com o “happy end”. Mas ele ainda mencionou que não era disso que o filme tratava.

No próximo artigo, vamos falar da produção de “Jornada nas Estrelas 5”. Até lá!

                 Diane Keaton e Jason Robards

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 16)

Eddie Murphy foi cotado para Jornada nas Estrelas IV

Para o quarto longa, Nimoy e Bennett decidiram que o astral deveria melhorar. Depois do exercício kubrickiano e sombrio do primeiro filme, passando pela morte de Spock no segundo filme e a morte do filho de Kirk no terceiro, além da destruição da Enterprise, seria interessante tratar o quarto longa com mais leveza e alegria. O filme “A Procura de Spock” havia sido um sucesso, o que rendeu uma série de regalias a Nimoy na Paramount. Jeff Katzenberg sugeriu a participação de Eddie Murphy, um devotado fã de “Jornada nas Estrelas”. Murphy chegou a colocar os executivos da Paramount para esperar o início da reunião onde ele assinaria um contrato de um salário de um milhão de dólares, pois ele estava assistindo a um episódio da série clássica e não queria ser interrompido. Nimoy agiu com cautela, pois para o projeto dar certo, o papel de Murphy deveria ser relevante, caso contrário, as críticas seriam muito severas. Murphy ficou no aguardo enquanto o roteiro era trabalhado. Ele contatou cientistas do projeto SETI (Search for Extrarrestrial Inteligence, Busca por Inteligência Extraterrestre) em busca de ideias para o filme. Enquanto isso, Bennett assistia aos episódios da série clássica e, juntamente com Nimoy, concluíram que a história deveria tratar de uma viagem no tempo. Nimoy viajou para a Europa para gravar uma minissérie para a NBC e tinha tempo livre para pensar no roteiro. Deveria haver na história ligações com o filme anterior. A tripulação da Enterprise estava no exílio em Vulcano, tendo que enfrentar a corte marcial na Terra, dispunha de uma ave de rapina klingon e Spock estava vivo, mas com sua memória praticamente apagada, tendo que se reeducar. Enquanto eles voltassem para a Terra, eles teriam que, deliberadamente, fazer uma viagem no tempo. Foi escolhida a São Francisco de 1986, ou seja, dos dias atuais para a época da produção do filme. Faltava o motivo para a viagem ao passado. Na época, Nimoy estava fazendo leituras sobre a extinção de espécies e lhe veio a ideia de que uma epidemia poderia estar assolando a Terra no século 23 e a cura estaria numa espécie já extinta nesse século mas ainda viva no século 20. Entretanto, o tema da epidemia era pesado demais e a ideia era fazer um filme mais leve. Numa conversa com um amigo, Nimoy tomou conhecimento das baleias jubarte como uma espécie em extinção e que se comunicavam por uma espécie de canto. Nimoy conversou com Bennett e eles desenvolveram mais a ideia. O canto das baleias era uma comunicação com uma inteligência extraterrestre. Mas aí as baleias desapareceram com a extinção e essa inteligência alienígena retorna no século 23 para estabelecer contato, o que provoca interferências nos sistemas de energia e tempestades. Assim, a volta ao passado seria para pegar baleias jubarte e levá-las ao século 23 para tentar a tal comunicação. Dois roteiristas foram contratados para começar o roteiro. Mas… e Eddie Murphy? Como ele se encaixaria na história? Houve algumas tentativas de aproveitá-lo, mas sem sucesso. Por fim, tanto a equipe de “Jornada nas Estrelas” quanto Eddie Murphy decidiram que não seria bom para ninguém que ele participasse do filme.

Nimoy e Kelley. Nem parece que seus personagens batem boca o tempo todo…

O trabalho dos dois roteiristas contratados não deu certo e Harve Bennett escreveu o início e o fim do roteiro. Nicholas Meyer foi chamado e escreveu a parte em que eles estavam na São Francisco de 1986, onde seu senso de humor foi muito útil. Nimoy contribuiu com o toque neural no punk com o rádio no volume máximo dentro do ônibus, experiência desagradável pela qual o ator realmente passou. Nessa época, Nimoy ainda fumava e mostrava sinais de falta de ar. Para não prejudicar sua participação no projeto do filme, ele parou de fumar, o que lhe rendeu mais alguns anos de vida. Nimoy passou até a cuidar melhor de sua saúde, fazendo exercícios físicos, pois ele teria que, por durante toda a produção do filme, simultaneamente dirigir e atuar, o que implicava numa carga de trabalho enorme. Muito trabalho foi feito para se encontrar as locações e fazer as imagens das baleias, já que o aquário escolhido para as filmagens não comportava um casal de jubartes. Aí entrou novamente a equipe da Industrial Light And Magic em ação, além de uma equipe que criou baleias mecânicas ou partes de baleias mecânicas em tamanho real (como o rabo). Somente duas tomadas com baleias vivas foram feitas no filme: uma com jubartes na superfície do oceano e outra em que as baleias vão à superfície rapidamente durante a sequência da caçada.

Uma tripulação perdida na San Francisco de 1986…

Na escolha do elenco, alguns membros da série clássica voltaram, como Majel Barrett (a agora comandante Chapel) e Grace Lee Whitney, a ordenança Rand, além de Marc Lenard (Sarek) e Jane Wyatt (Amanda), os pais de Spock. Robin Curtis voltou a interpretar Saavik e Catherine Hicks interpretou a bióloga de cetáceos, Gillian Taylor. O mais curioso é que Nimoy, que já estava maravilhado com Hicks, só a contratou depois do aval de Shatner, após uma visita de Nimoy e Hicks ao Equestrian Center, onde Shatner tinha seus amados cavalos. Com uma piscadela, Shatner aprovou a moça, que faria muitas cenas com Kirk. Reza a lenda que os cavalos gostaram da moça, o que encantou ainda mais Shatner.

Catherine Hicks, uma bela aquisição…

Uma curiosidade sobre as filmagens é que parte delas foi feita nas ruas, em meio a pessoas comuns que não atrapalharam, mesmo com o elenco de “Jornada nas Estrelas” sendo muito conhecido por todos. Mas a cena em que quase Kirk é atropelado teve que ser muito bem coreografada, em virtude do perigo envolvido. Foi uma cena rodada várias vezes em três horas e que cada tomada demorava cerca de vinte minutos para ser feita, já que doze carros tinham que dar uma volta no quarteirão. O dia já estava terminando e uma certa aglomeração de pessoas acompanhava a filmagem quando, depois da décima tentativa, tudo deu certo, para alívio de Nimoy. Na cena, o motorista xinga Kirk de paspalho, que retribui com um “paspalho é a mãe”.

Paspalho é a mãe!!!

Mas houve casos em que algumas cenas não puderam ser filmadas por imprevistos, como uma de Sulu, que era de São Francisco e, numa conversa com uma criança, descobria que falava com seu tataravô. Mas a criança escolhida para a cena ficou muito nervosa e a equipe teve que abandonar a ideia, o que chateou muito George Takei, o ator que interpreta Sulu. Houve, também, “felizes acidentes”, como na cena em que Chekov e Uhura perguntavam às pessoas na rua onde haveria navios nucleares para conseguir um material radioativo para fazer funcionar a ave de rapina em que vieram. Mas o ano era 1986 e a guerra fria ainda perdurava. E Chekov, russo que era, perguntando sobre navios nucleares americanos na rua. Essa era a piada. Algumas pessoas perguntadas na rua eram figurantes contratados, mas outras não. A cena foi filmada bem ao estilo de “câmera indiscreta”. Muitas pessoas nem deram confiança para Chekov e Uhura, achando que eram loucos. Mas uma moça de longos cabelos negros deu atenção a eles, respondendo de forma espontânea que a base ficava do outro lado da baía. A cena foi incluída no filme depois de um contrato feito com a moça.

Um punk tomará um toque neural…

Um fato desagradável que ocorreu foi com relação à cena da comunicação da sonda com as baleias. Os produtores (incluindo Bennett) queriam que houvesse legendas no diálogo entre as baleias e as sondas. Mas Nimoy não queria tais legendas, pois numa conversa com cientistas especializados nas possibilidades de uma comunicação entre humanos e extraterrestres lhes disseram que, por muito possivelmente terem uma cultura e existência diferente da dos humanos, não haveria uma garantia de comunicação tão linear entre humanos e alienígenas. Logo, Nimoy não quis “antropomorfizar” a sonda. E bateu o pé, pois ele havia recebido carta branca da Paramount para fazer o filme como quisesse e, como diretor, tinha a última palavra, ao contrário das séries de tv, onde o produtor tinha a última palavra. E como Bennett era produtor de séries de tv, houve uma certa tensão entre ele e Nimoy, que acabou ganhando a queda de braço e a cena foi ao filme sem legendas, preservando o mistério da sonda como Nimoy queria.

Filmagens. Nimoy dirige Kelley

O personagem de Spock também sofre um processo de reconstrução nesse filme, já que ao final de “À Procura de Spock”, sua mente estava praticamente vazia. Ele faz testes simultâneos e rápidos com o computador para preencher novamente sua mente com informações. Mas não consegue responder à pergunta “Como se sente?”, por não entendê-la. Sua mãe, Amanda, é que vai lhe lembrar de seu lado humano e emocional. E aí Spock, ao longo do filme, chegará à conclusão bem emocional e humana de que todos devem se reunir para salvar Chekov, pois agora “a necessidade de um supera as necessidades de todos”, invertendo a ideia básica do segundo filme, que já havia sido invertida no terceiro. Ao final, quando Spock se despede de seu pai, Sarek, este lhe pergunta se ele quer enviar uma mensagem a sua mãe. Ao que Spock responde: “Diga à minha mãe… que me sinto bem”, integrando novamente as partes vulcana e humana do personagem. Não foi à toa que “Jornada nas Estrelas 4, A Volta Para Casa” arrecadou cem milhões de dólares de bilheteria e até então era o filme de maior recorde de arrecadação de bilheteria, além de ser considerado por muitos fãs o melhor longa da série clássica.

No próximo artigo, vamos falar de mais algumas experiências de Nimoy na direção. Até lá!

Nicholas Meyer incrementou o roteiro com muito humor