Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 8)

                             O Cérebro de Spock

O personagem de Spock ficou muito famoso e ele aceitava o máximo de aparições públicas que podia, para fazer dinheiro. Nimoy sabia que sua carreira não lhe dava a estabilidade necessária e ele devia aproveitar todas as oportunidades. Mas essas aparições passaram a ficar até perigosas, pois a quantidade do público querendo ver o vulcano em pessoa era muito grande e Nimoy precisou até de seguranças, algo que ele não gostava, pois em sua infância ele pediu um autógrafo para um ator de teatro de nome Danny Kaye, de quem muito gostava, sendo prontamente ignorado. Nimoy pensava com seus botões que, se um dia fosse famoso, daria autógrafos para todos que lhe pedissem. Mas a coisa fugiu ao controle, ao ponto de Nimoy precisar fugir de escada magirus do corpo de bombeiros de um prédio de uma loja de departamentos em Long Island (ele havia ficado encurralado no alto do prédio). Desnecessário dizer que ele precisou trocar o seu número de telefone e, além disso, ele precisava embarcar às escondidas nos aviões em aeroportos, não sem ser anunciada sua presença pelo comandante do voo depois de devidamente instalado no avião.

                                     Seduzindo uma romulana

As relações entre Nimoy e Roddenberry eram estritamente profissionais, pois Nimoy não gostava de certos comportamentos de Roddenberry. Certa vez, Nimoy encomendou a Roddenberry uma opala, pedra preciosa para o anel de sua esposa. Roddenberry e Barrett poliam e vendiam pedras preciosas. Inicialmente foi combinado um preço digamos, mais camarada. Mas, depois Roddenberry havia mudado de ideia e deu um preço bem mais caro. Só que tudo era uma brincadeira e as risadas de Roddenberry e Barrett deixavam Nimoy bem constrangido (como Spock ficaria!). As discussões entre Nimoy e Roddenberry sobre os rumos do personagem Spock só ajudaram a deteriorar ainda mais a relação entre os dois.

             Um mestre dos disfarces

As relações entre Nimoy e Shatner também sofreram desgastes, seja na distribuição das falas dos personagens, seja em incidentes mais isolados como o fato de que Shatner não aceitou que Nimoy fizesse uma sessão de fotos na sala de maquiagem logo pela manhã. Roddenberry chegou a consultar Isaac Asimov sobre essas briguinhas e o grande escritor de ficção científica sugeriu tornar Kirk e Spock amigos inseparáveis onde, na visão do público, um ficaria ligado ao outro.

                                     Spock Cuba Libre

No meio da 2ª temporada de “Jornada nas Estrelas”, a NBC deu sinais de que cancelaria a série, pois achava que, embora houvesse muitos fãs devotados, o número não era suficiente. Uma fã, Betty Jo, e seu marido, entretanto, fizeram uma campanha onde era pedido aos fãs que enviassem muitas cartas à emissora de TV contra o cancelamento da série, o que garantiu uma terceira temporada. Foi prometido o bom horário de 19h30min de segunda-feira para a exibição dos episódios. Mas depois o horário foi mudado para as sextas-feiras às 22h, justamente quando o público adolescente saía para se divertir. Roddenberry ficou furioso e disse que estaria fora se o horário não fosse mudado. A NBC ignorou o blefe e manteve o horário, restando a Gene abandonar “Jornada nas Estrelas”. O mesmo aconteceu com D. C. Fontana, que quis investir mais na carreira de escritora. A emissora, então, chamou Fred Freiberger para tomar as rédeas da série, um antigo amigo de Nimoy. Mas Freiberger queria que a série fosse menos cerebral e com mais ação, o que desvirtuou o espírito de “Jornada nas Estrelas” e azedou as relações com Nimoy. Os episódios também foram extremamente sofríveis como “O Cérebro de Spock”, onde mulheres alienígenas sequestram o cérebro do vulcano, obrigando McCoy a instalar um aparelho na cabeça de Spock e conduzi-lo para lá e para cá como um autômato (lamentável), numa história sem sentido e com fraco conteúdo, sem abordar questões mais profundas. Outros exemplos de episódios ruins foram “Todos os nossos ontens”, onde ele se apaixonou e comeu carne, e “Os Herdeiros de Platão”, onde Spock foi obrigado a dançar flamenco por uma raça alienígena avançada, mas muito prepotente e má (foi nesse episódio que também ocorreu o famoso beijo inter-racial entre Kirk e Uhura). Mas houve bons episódios como “O Incidente Enterprise”, onde Kirk e Spock tapeiam uma capitã de uma nave romulana para roubar seu dispositivo de camuflagem. Há excelentes cenas entre Spock e a capitã, que é seduzida pelo vulcano. Apesar de ter saído da série, o episódio tem a assinatura de D. C. Fontana, que fugia dos estereótipos machistas da época, que minimizavam as mulheres, e criava interessantíssimas personagens femininas.

             Com o elenco de “Missão Impossível”

A mudança de diretores e roteiristas com o correr dos episódios fazia com que se perdessem um pouco as características principais dos personagens. E aí Spock também entrava nisso. Nimoy, obviamente, assinalava esses problemas, o que causava atritos, principalmente com Fred Freiberger, o que ajudou a levar a situação para o cancelamento da série.

Logo depois do cancelamento, foi oferecido a Nimoy um papel na série “Missão Impossível”, onde ele faria um personagem mestre em disfarces, Paris, o Grande. Mas esse personagem era, segundo Nimoy, muito vazio, sem um passado, se comparado a Spock que ainda povoava a mente de nosso ator e lhe fazia muita falta. Nimoy pediu para sair de “Missão Impossível”, uma atitude que poucos tomariam na época. Nesse contexto (início da década de 1970) ele estreou na direção num episódio de “Galeria do Terror”. Em 1971, Nimoy foi chamado para participar de um filme chamado “Catlow”, com Yul Brinner (o Ramsés de “Os Dez Mandamentos de Cecil. B de Mille) e Richard Crenna (Trautman, o “amigo do Rambo”). Ele também passou a atuar em teatro, no musical “Um Violinista no Telhado”, sobre um judeu da comunidade russa. A peça foi sucesso de público e crítica, o que deu a Nimoy a chance de fazer mais algumas peças de teatro.

No próximo artigo, falaremos mais da carreira de Nimoy e sua volta a “Jornada nas Estrelas”. Até lá!

                   No filme “Catlow”

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 7)

Saudação vulcana. Origem no judaísmo

Vamos hoje falar como surgiu a saudação vulcana. Ela vem da infância judia de Nimoy. É um símbolo do judaísmo ortodoxo. Nas palavras de Nimoy, durante o culto da Páscoa, os “Kohanim” (que são os sacerdotes) costumam abençoar os fiéis. Eles erguem as mãos mostrando as palmas para a congregação, com os polegares esticados e os dedos médio e anular separados de forma que cada mão forme dois “V”. Esse gesto simboliza a letra hebraica “shin”, que faz o som do “ch” no alfabeto judaico e é a primeira letra da palavra “Shaddai”, que significa “Senhor”. Na cabala judaica, “shin” também representa o Espírito Eterno. O ritual impressionou Nimoy bastante quando ele era menino e acompanhava sua família ao culto numa sinagoga ortodoxa. As mulheres sentavam-se num local separado e Nimoy sentava-se junto ao seu pai, avô e irmão mais velho. O momento em que os “Kohanim” abençoavam a congregação mexia profundamente com Nimoy, por causa do poder de magia e teatralidade. Em hebraico, eles cantavam: “Que o Senhor os abençoe e os proteja. Que o Senhor volte Sua face para vocês e lhes dê paz…”. De forma quase uníssona, as vozes de todos elevavam-se e abaixavam, em gritos penetrantes, fervorosos, apaixonados e extasiados. Nesse momento, todos cobriam os rostos ou com as mãos ou com xales, e o pai de Nimoy advertia que o garoto não podia olhar. Era o momento em que “Shekhinah”, a essência sagrada de Deus, num formato feminino, entrava no santuário. E essa essência era tão poderosa e bonita que o simples fato de olhá-la poderia matar uma pessoa. Mas Nimoy olhou entre os dedos. E viu os rabinos num êxtase religioso, com cabeças e faces ocultas por xales, com os braços estendidos para a congregação. Enquanto evocavam a essência de Deus, suas mãos continuavam exibindo a representação da letra “shin”. Todo esse ritual ficou gravado na memória de Nimoy, onde o símbolo da letra “shin” com as mãos foi usado depois para a saudação vulcana. Cabe dizer aqui também que, anos mais tarde, Nimoy faria um ensaio fotográfico de imagens femininas intitulado “Shekhinah”.

Os pais de Spock. Contato com os dedos…

“Jornada para Babel” é mais um episódio marcante para a figura de Spock, já que a Enterprise é designada para uma missão diplomática onde o pai do primeiro oficial, Sarek, tem um papel fundamental. Mark Lenard, que já havia interpretado um romulano em “O Equilíbrio do Terror”, foi chamado para ser o pai de Spock e tomou “aulas” de cultura vulcana com Nimoy. A mãe terráquea de Spock, Amanda (interpretada por Jane Wyatt) também aparece neste episódio, que foi escrito por quem? Ah, Dorothy Fontana. Nimoy enfatizou a Lenard a importância do tato na cultura vulcana e a afeição entre o casal ficou registrada por eles no toque da ponta dos dedos indicador e médio bem juntinhos, como se eles estivessem de mãos dadas. Nimoy diz que, numa convenção de “Jornada nas Estrelas”, alguém do público perguntou a Wyatt qual era o primeiro nome terráqueo de Spock e ela retrucou calma e sorridente: “Harold”.

Primeiro comando. Quando a lógica não funciona…

“O Primeiro Comando” fala da dualidade entre a lógica e a emoção. Spock se vê preso num planeta com alguns tripulantes dentro de uma nave auxiliar e cercados por uma espécie alienígena hostil. Ele comanda a nave e procura tomar todas as decisões de forma lógica. É quando ele percebe que nem sempre a lógica funciona e às vezes um pouco de intuição também ajuda as coisas. Obviamente, seu comportamento lógico fará com que a tripulação o veja com reservas, já que ele será considerado muito frio em algumas situações. A nave auxiliar consegue entrar em órbita, mas por pouco tempo, e irá cair na atmosfera. Sem comunicações com a Enterprise, os tripulantes da nave auxiliar torcem para que a Enterprise os veja antes que o combustível acabe. Mas a Enterprise precisa ir urgentemente para um outro planeta (isso sempre acontecia, geralmente a Enterprise carregava remédios para curar uma epidemia mortal e eles não tinham muito tempo) e já tomava seu caminho. Foi aí que Spock, num ato de desespero, queimou todo o combustível de uma vez, deixando um rastro incandescente pelo espaço, o que foi detectado pela Enterprise, salvando a tripulação. Ao que Spock disse depois para Kirk, e na maior cara de pau, que um ato de desespero naquela hora era a coisa mais lógica a fazer. Kirk então chama Spock de teimoso e, como vulcanos não mentem, Spock responde com um “Sim, Senhor”, provocando risadas gerais.

Sobre o fato de vulcanos não mentirem, há uma passagem engraçada no episódio “Nômade”, onde uma sonda terrestre de exploração de nome Nômade foi lançada ao espaço no passado por um cientista de nome Kirk. Com suas viagens e dados colhidos, ela conseguiu desenvolver inteligência própria e funcionava de forma totalmente lógica, devendo eliminar qualquer coisa que se comportasse ilogicamente, ou seja, humanos. Spock inclusive, faz um elo mental com a sonda, onde vemos Nimoy contracenando com uma caixa de papelão com uma antena de carro embutida. Como o criador da sonda também se chamava Kirk, a sonda confundiu o capitão da nave com seu criador. Para solucionar o problema da sonda não matar toda a tripulação, Kirk deu uma cartada arriscada e, com argumentos altamente lógicos (para orgulho de seu primeiro oficial), convenceu a sonda de que ela havia confundido o capitão com seu criador. E por funcionar de forma ilógica, ela devia provocar sua autodestruição, o que acabou ocorrendo. Finalizado o problema, Spock parabeniza o capitão: “Parabéns, capitão, sua lógica foi impecável”. Kirk, cheio de si, retruca: “E o senhor achava que eu não era capaz disso, senhor Spock?”, ao que o vulcano responde, “Não, Senhor”, jogando a cara de Kirk no chão.

Muitos episódios, muitas lembranças. Mas Nimoy e Spock merecem muito mais. Assim, nos vemos no próximo artigo. Até lá!

Nômade. Elo mental com a máquina, sob o olhar atento de Kirk…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard – Dualidade Que Se Completa (Parte 6)

     Dorothy Fontana, a grande roteirista de “Jornada nas Estrelas”

Mais outro episódio marcante para o personagem Spock foi “Deste Lado do Paraíso”, escrito pela grande Dorothy Fontana, uma secretária de Roddenberry que se tornou uma das melhores escritoras de “Jornada nas Estrelas”. Pelo machismo latente da época, ela encobria o seu nome com os créditos D. C. Fontana. A escritora chega a Nimoy e diz que quer escrever uma história de amor para Spock, algo que deixa o ator com as orelhas em pé. Mas Dorothy fez a coisa na medida certa, pois o amor entre Spock e uma moça que havia se apaixonado por ele no passado, Leila Kalomi, era provocado por esporos liberados por uma plantinha num planeta onde havia uma colônia terrestre. A coisa deu tão certo que esse hoje é um dos episódios mais cultuados de “Jornada nas Estrelas” e o mais adorado pelo público feminino. Jill Ireland, a atriz que interpretou Leila Kalomi, era esposa de Charles Bronson na época e, por ser muito bonita (era uma estonteante lourinha de olhos azuis), era acompanhada pelo ator que só fazia papéis durões, sendo muito ciumento e possessivo com relação à moça, não sem razão, segundo Nimoy, que se sentia muito desconfortável em ter que beijá-la nas gravações do episódio, na presença do maridão ciumento. Este episódio também é marcado pela “surra” que Spock dá em Kirk, pois as pessoas só se livravam dos esporos num ataque de raiva e o capitão realmente irritou o seu primeiro oficial para isso. O problema é que um vulcano é três vezes mais forte que um humano. Dá para imaginar como Kirk apanhou.

                  A deslumbrante Jill Ireland

Um dos episódios mais vulcanos foi “Tempo de Loucura”, escrito por Theodore Sturgeon, consagrado escritor de ficção científica. Foi ele que criou o termo “Vida Longa e Próspera”. A cada sete anos, os vulcanos devem acasalar, caso contrário morrem. O ritual de acasalamento se chama Koon-Ut-Kal- If-Fee, também conhecido como Pon Farr. Kirk leva o amigo para o planeta Vulcano e, por força das circunstâncias, é obrigado a fazer uma luta de morte com Spock, já que a prometida do primeiro oficial era apaixonada por outro vulcano e, de forma bem lógica, ela usou os meandros do ritual para meter o capitão e Spock numa tremenda sinuca de bico. McCoy conseguiu convencer a todos que iria injetar em Kirk uma espécie de estimulante para compensar a atmosfera rarefeita de Vulcano. Mas era uma espécie de tranquilizante que simulou a morte de Kirk. Convencido de ter matado seu capitão, Spock diz que vai entregar-se à corte marcial, mas encontra Kirk vivo na enfermaria, esboçando um largo sorriso na frente de McCoy e da enfermeira Christine Chapel (interpretada por uma Majel Barrett agora loura – no piloto “A Jaula” ela tinha longos cabelos negros –  sendo apaixonada por Spock). Nimoy não gostou muito disso, pois em sua intenção em proteger as características de seu personagem, achou que deveria haver um encontro reservado entre Spock e Kirk. Mas a plateia das convenções de “Jornada nas Estrelas” vai à loucura quando vê a explosão emocional de Spock perante McCoy e Chapel, vibrando ainda mais quando o vulcano se justifica dizendo que sente um alívio lógico pela frota estelar não ter perdido um de seus melhores oficiais.

Celia Lovsky tinha dificuldade em fazer a saudação vulcana

Foi também em “Tempo de Loucura” que apareceu a famosa saudação vulcana, sendo que poucas pessoas conseguiam fazê-la. Celia Lovsky, a sacerdotisa T’Pau do episódio, tinha que deixar a mão de prontidão antes de começar a rodar a cena e torcer para a mão não desfazer a saudação. Outro que tinha enorme dificuldade era Shatner (nas palavras de Nimoy, também pudera, pois ele não era vulcano!). Mas como a saudação vulcana apareceu? Isso é tema para nosso próximo artigo. Até lá!!!

Um sorridente Spock em “Tempo de Loucura”, que leva os fãs ao delírio!!!

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa (Parte 5)

           Tempo de Nudez. Spock chora e as cartas aumentam…

“Tempo de Nudez” foi outro episódio decisivo para a formação do vulcano. Um vírus infecta a Enterprise, revelando o “eu oculto” da tripulação. Como isso afetou Spock? Na cena original, um tripulante pintaria um bigodinho no rosto de Spock, que se debulharia em lágrimas em público. Nimoy não aceitou isso, pois para ele o personagem, na sua obstinação em esconder as emoções, se controlaria e procuraria um lugar mais reservado para extravasar seus sentimentos. Nimoy levou o problema a Roddenberry e a sequência foi reescrita com Spock chorando num ambiente reservado, arrependido de nunca ter dito à sua mãe que a amava. Faltavam poucos minutos para os fatídicos 18h18min que religiosamente encerravam as atividades diárias do estúdio e Nimoy fez a cena numa tomada só. Esse episódio hipermultiplicou as cartas que Nimoy recebia dos fãs. De uma dúzia de cartas no primeiro episódio, passando para umas quarenta ou cinquenta após duas semanas e chegando a centenas, colocadas em sacos de lavanderia após “Tempo de Nudez”.

O sucesso de Spock fez com que os executivos da emissora NBC, que já haviam rechaçado o vulcano em outras oportunidades, agora quisessem mais a presença dele nos episódios. Nimoy desenvolveu mais o personagem e ele idealizou que a cultura vulcana interagia através de toques com os dedos e as mãos. Daí veio o famoso “toque neural”, onde Spock fazia uma pessoa desmaiar com uma pressão dos dedos de sua mão em algum lugar entre o ombro e o pescoço. Isso aconteceu pela primeira vez no episódio “O Inimigo Interior”, onde o capitão Kirk foi dividido em sua parte “boa” e calma e sua parte impetuosa e má. Como o Kirk “mau” iria matar o Kirk “bom”, estava no roteiro que Spock deveria provocar um desmaio no Kirk mau, aplicando-lhe uma coronhada com a arma de phaser. Nimoy, abalado com a violência da sequência, sugeriu então o toque neural vulcano, que era igualmente eficiente sem ser violento, e convenceu o diretor Leo Penn a usá-lo, principalmente quando Nimoy ensaiou o toque em Shatner e esse desmaiou de forma muito convincente. Às vezes, esse toque era usado com um certo senso de humor. Spock, em determinado episódio, chegou perto de sua vítima e disse: “Senhor, há um artrópode (aranha) bem em cima de seu ombro”. E, antes que o coitado se desse conta, lá estava a mãozona de Spock (o artrópode em questão) fazendo o cara desmaiar. O fundo musical cheio de tensão do toque neural também é inesquecível, provocando muito mais graça do que suspense.

                    O antológico toque neural

Já o elo mental vulcano surgiu no episódio “O Punhal Imaginário” e foi uma invenção de Roddenberry. Um foragido de uma colônia penal, aparentemente louco, seria interrogado lentamente para se saber o que acontecia na tal colônia. Ao invés de um longo e maçante interrogatório, se criou o elo mental, onde Spock unia sua mente à do foragido, tocando a face do mesmo com a ponta dos dedos, exercendo uma espécie de atividade telepática. Isso deu muito mais dramaticidade à cena. Outro episódio marcante onde o elo mental vulcano é usado foi “O Demônio da Escuridão”, onde um monstro de pedra matava os mineiros de um planeta. Mas o monstro fazia isso porque os mineiros destruíam seus ovos sem querer, sem saber o que estavam fazendo. Spock faz o elo mental com a criatura e salva o dia, pois o monstro passa inclusive a ajudar os mineiros. Nimoy muito se orgulha desse episódio, pois ele mostra um conflito intercultural e um posterior entendimento, ratificando a posição pacifista do vulcano, ao contrário do Spock de “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, que propôs matar um tripulante tomado por uma força alienígena.

No próximo artigo, vamos falar de mais três episódios marcantes para a formação do personagem Spock. Até lá!

        Elo mental com um monstro de pedra…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa. (Parte 4)

Um Spock sob construção

Em “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” já há alguns traços mais vulcanos no personagem Spock, como algumas digressões sobre lógica, uso das expressões “afirmativo” e “negativo”, etc. Entretanto, muito chocou a sugestão de Spock de matar Gary Mitchell (interpretado por Gary Lockwood), por este hospedar uma entidade alienígena. Isso ia contra a visão antiviolenta do personagem alguns episódios mais tarde.

Com a aprovação da série, mais episódios foram gravados. Em “O Ardil Corbomite”, De Forest Kelley começa a interpretar o médico Dr. McCoy, dando início à famosa tríade de “Jornada nas Estrelas”, formada pelo médico, altamente emocional, o vulcano, altamente racional, e o capitão, uma espécie de mediador entre os conflitos lógicos e emocionais e o responsável pela ação, já que quem mandava era ele. Uma série de diálogos engraçados entre McCoy e Spock, onde o médico emotivo queria provar que o vulcano tinha emoções contidas em seu interior passaram a ser escritos, dando um tom de muito humor à série, contrariando o estereótipo de que os fãs de “Jornada nas Estrelas” são absolutamente sérios. Nesse episódio, mais uma etapa da construção do personagem Spock foi realizada, pois foi a primeira vez que ele disse a expressão “fascinante”, que seria uma de suas marcas registradas. Para quem não conhece o episódio, a Enterprise se depara com um enorme globo alienígena que a impede de seguir viagem adiante. O desafio está em contatar a espécie alienígena que não o faz de forma fácil. Inicialmente, Nimoy acrescentou um pouco de carga dramática à expressão “fascinante”. Mas o diretor Joseph Sargent o instruiu a repetir a expressão como um cientista faria, de forma fria, contida e cheia de curiosidade. A coisa caiu como uma luva para o personagem. A partir daí, Nimoy assumiu uma postura mais contida de interpretação, tomando muito cuidado com movimentos corporais, gestos e expressões faciais. Não podemos nos esquecer de mencionar também a forma como ele levanta uma das sobrancelhas quando está refletindo sobre determinado assunto.

O ambiente das gravações de “Jornada nas Estrelas” também era muito divertido, muito em virtude da presença de William Shatner que, como dizemos hoje, “tocava um terror”. Assim que a série começou a ganhar notoriedade, os atores recebiam muitos telefonemas com ofertas de aparições públicas. Nimoy aproveitava todas que podia, pois tinha em mente que seriados para tv eram coisas muito efêmeras e qualquer oportunidade de fazer um dinheirinho extra era válida. Ele chegou a instalar um telefone em seu carro e em seu camarim para isso. E, como sua maquiagem era algo mais complicada que a dos outros, ele chegou a comprar uma bicicleta vermelha só para circular com mais facilidade pelo estúdio, que encerrava suas atividades todo dia pontualmente às 18h18min. Dava para perceber como o tempo era escasso. Shatner, em seu espírito brincalhão (ele se vangloria de ter quatro vezes mais dopamina que um ser humano normal; a dopamina é um neurotransmissor responsável por controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória), decidiu dar uns sumiços na bicicletinha de Nimoy. Num momento, ela estava acorrentada a um hidrante. Noutro, estava dentro do camarim de Shatner, guardada por seus dobermanns. Até no teto do estúdio a bicicleta foi amarrada. Quando Nimoy a prendeu em seu carro, Shatner mandou rebocar o carro. Apesar de tudo, e de algumas rusguinhas quando Spock ganhou um pouco mais de notoriedade, Shatner e Nimoy sempre foram grandes amigos e contavam muitas piadas enquanto eram maquiados de manhã cedo, para o desespero dos maquiadores.

Com a concentração exigida para interpretar Spock, Nimoy ficava “dentro do personagem” até fora das câmaras. Nosso ator até ficava aos risos com Shatner, mas chegava uma hora em que ele se segurava mais para não “perder o jeito de Spock” e só recuperá-lo durante a gravação. Por segurar tanto as emoções (vemos aqui como Spock “domina” Nimoy), Nimoy precisava extravasá-las em algum momento e fazia isso de forma reservada, sendo algo muito estressante. Mas, volta e meia, as emoções vinham como em momentos em que ele discutia com Roddenberry os rumos que a atuação do vulcano deveria tomar. Isso ajudou de certa forma a estremecer as relações entre Nimoy e Roddenberry, que ficaram mais profissionais do que pessoais. A presença de Spock em Nimoy foi tão forte que ele chegou a levar o vulcano para casa em alguns fins de semana. Certa vez, sua esposa perguntou se ele não queria ir ao cinema. Nimoy então perguntou qual o filme que ela queria ver. E ela disse que não tinha nenhum filme em que ela estivesse interessada em ver. Spock, quer dizer, Nimoy, disse então que era ilógico ir ao cinema. Ao que a esposa reclamou que ele bancava o Spock de novo…

No próximo artigo vamos falar do episódio “Tempo de Nudez”, que fez explodir a popularidade do vulcano. Até lá!

Kirk, Spock e McCoy. A famosa tríade

Batata Movies – Liga Da Justiça. Mais Um Passo No Desenvolvimento Da DC.

                    Cartaz do Filme

A DC lançou mais uma de suas apostas para o upgrade de suas franquias e estreou o audacioso “Liga da Justiça”, onde foram apresentados novos super-heróis (leia-se Aquaman, Ciborgue e Flash). O negócio agora será fazer filmes solo para esse povo todo. Mas, por enquanto, esse filme mostra todo o rosário de super-heróis trabalhando em conjunto.

               Um Aquaman meio vaca brava

E qual foi o resultado de tudo isso? Creio eu que “Liga da Justiça” foi um bom filme, mesmo que tenha sido um pouco arrastado em alguns momentos (o mesmo aconteceu com o filme solo da Mulher Maravilha). Talvez isso aconteça, pois a pegada da DC é a de encarar o Universo de heróis com um pouco mais de seriedade e o clima fica mais pesado (me desculpem leitores, mas a comparação com a Marvel é inevitável). Tal clima atrapalha um pouco o processo de construção dos personagens. E eram vários personagens a serem apresentados, causando uma boa quantidade de micro-histórias que o espectador era obrigado a assistir, quando o público desse filme quer uma pegada maior de ação. Entretanto, não sejamos injustos. “Liga da Justiça” traz uma história instigante e é legal ver os heróis trabalhando em equipe ou se desentendendo, como aconteceu em alguns momentos. Cá para nós, as cenas de conflito foram muito mais interessantes que as cenas de trabalho em equipe, mas não dá para contar em detalhes aqui sem ser alvejado pelos caçadores de divulgadores de spoilers.

                          Um Flash engraçadinho

O que podemos falar dos novos heróis? Tivemos dois casos muito bons e um mediano. Aquaman foi uma grande surpresa, sendo um personagem muito carismático. Só me causaram estranheza (e grande curiosidade) dois fatores. Em primeiro lugar, por que um Aquaman de grandes cabelos e barba negra? A minha ignorância retumbante em quadrinhos me faz ver esse Aquaman mais com um visual de Deus Netuno. Cadê o louro de olhos azuis? Em segundo lugar, seu visual um tanto rústico me pareceu gerar também um Aquaman meio vaca brava, que salva os fracos e oprimidos e depois os arremessa contra o balcão de um bar e ainda toma uma branquinha (os mais maliciosos diriam que tem tudo a ver o Aquaman ser um pau d’água). Queria saber de onde vem esse visual e toda essa crueza.

                  Um Ciborgue mal aproveitado

Já o nosso Flash faz o papel do pós-adolescente deslumbrado com o meio dos super-heróis, uma fórmula que é repetida por aí (não vou falar o nome da Marv…, ops!). Mesmo não sendo algo muito original, esse Flash mais engraçadinho foi muito simpático e trouxe bons momentos de humor para a película, num ambiente pouco afeito a piadas. Assim, creio que o Flash foi uma ótima contribuição.

O mesmo não se pode falar do Ciborgue. Um homem atormentado por uma experiência um tanto frustrada, coordenada pelo próprio pai, tinha tudo para ser um ótimo personagem. Mas pareceu que a coisa ficou um tanto mal desenvolvida para ele, meio travada, mesmo que a Mulher Maravilha tenha descambado mais para seu lado mãezona com relação a ele. Esperemos que Ciborgue seja mais bem aproveitado e bem desenvolvido.

Num ponto podemos dizer que a DC acertou maravilhosamente. Ela deixou um lance totalmente escondido dos trailers e divulgações. Uma coisa que ficou guardada e que se revelou uma boa surpresa e um grande trunfo. Alguns podem até achar que essa carta na manga deveria ser usada num filme próximo, mas do jeito que ficou, creio que valeu a pena usar isso já nesse filme. Quem prestar um pouco mais de atenção nessas linhas deve entender do que estou falando. Só é pena que possa ter havido um furo de roteiro aí. Mas nada que atrapalhe muito.

Assim, “Liga da Justiça” é um bom filme que está mostrando a melhora progressiva das películas da DC. Se o filme solo da Mulher Maravilha já foi bom, “Liga da Justiça” traz algo a mais e a possibilidade de novas histórias e películas. Vá e, principalmente, não implique. E não deixe de desfrutar das duas cenas pós-créditos.

https://www.youtube.com/watch?v=9UCgwO0ft0Q

Batata Séries – Jornada nas Estrelas, Discovery (Episódio 9, Temporada 1) – Para a Floresta, Eu Vou. Voltando à Jornada nas Estrelas.

        Burnham, a machona…

O nono episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery” encerra a primeira parte da primeira temporada da volta de Jornada nas Estrelas depois de mais de dez anos. E podemos dizer que esse episódio fechou com chave de ouro essa primeira e controversa metade de temporada. “Para a Floresta, Eu Vou” se enquadra naqueles episódios de Discovery que têm a cara e o espírito de Jornada nas Estrelas. E com a vantagem de ser um episódio dentro dessa característica justamente no arco da guerra com os klingons, que começou tão desacreditado e criticado.

       Kol, mais um vilão que vai para o saco

O episódio começou como uma sequência do episódio anterior, onde a Discovery esperava um ataque da nave da morte klingon ao planeta Pahvo e à própria Discovery. Fazer uma continuação disso já no episódio seguinte foi algo bom pois, como já foi dito em artigos anteriores, o abandono do arco da guerra klingon e o sequestro mal resolvido da Almirante Cornwell por dois episódios foi algo que incomodou um pouco, indicação de uma quebra de continuidade e de algo um tanto mal concebido. Estava na hora de se ser mais objetivo ao se contar essa história da guerra. Recebendo uma ordem do Almirante Vulcano Terral para abandonar o planeta Pahvo e não esperar para atacar os klingons, Lorca, que já tinha uma ficha corrida de comportamentos erráticos e indisciplinados, decide retornar em dobra cinco para a base ordenada, para que a tripulação tenha um tempo de três horas com o propósito de articular um plano de salvamento dos pahvanos e, ainda por cima, resolver o espinhoso problema da camuflagem klingon. Foi constatado que a camuflagem tem algumas imperfeições bem pequenas que, se mapeadas, podem tornar as naves klingons detectáveis. Só que, para fazer esse mapeamento num curto espaço de tempo, será necessário dar 133 saltos com o motor de esporos. Isso afetará drasticamente Stamets, que já sofre com alguns efeitos colaterais de outros saltos e não se sabe o que uma quantidade tão grande de saltos de uma só vez vai provocar no engenheiro. Ainda, para fazer o tal mapeamento, dois sensores precisam ser instalados dentro da nave da morte klingon. Tyler é o escolhido para liderar a missão e ele quer Burnham para acompanhá-lo, mas Lorca não vai aceitar colocá-la em risco. Nesse momento, a personagem protagonista irá convencer seu capitão dizendo que ela é a mais qualificada a fazer aquela missão, pois já esteve na nave klingon. Já Stamets não está muito inclinado a fazer os saltos. E será a vez do capitão convencer o engenheiro, usando o sedutor argumento de que Stamets tem o espírito de explorador e, ainda, o capitão fez um mapeamento de todos os saltos feitos pela Discovery e esse mapeamento mostra um indício de que a nave poderá fazer viagens pelo multiverso. Nessa nova fase de “Lorca, Paz e Amor”, Stamets é convencido e fará os saltos. Lorca também fará um discurso para a sua tripulação, exaltando-a antes da missão. Fica aqui a dúvida: nosso capitão está mesmo numa fase mais compreensiva, ou ele rememora o capítulo 13 de “O Príncipe”, de Maquiavel, que diz que um líder deve ser simultaneamente amado e temido por seus súditos? E mais: se estivermos fechados com a segunda alternativa acima, podemos dizer que Lorca se aproxima ainda mais do Grão Almirante Thrawn, grande personagem de Timothy Zahn, do Universo Expandido de “Guerra nas Estrelas”. Ao detectar a nave klingon camuflada (???) em Pahvo, a Discovery usa o motor de esporos para retornar ao planeta. Tyler e Burnham conseguem se teletransportar em segredo para a nave da morte klingon e, enquanto instalam os dois sensores necessários para o mapeamento, encontram Cornwell e L’Rell. Tyler ao ver L´Rell, pira na batatinha, pois os traumas das torturas que sofreu nas mãos de L’Rell afloram, desestabilizando psicologicamente o moço. Assim, Burnham ficará sozinha e instalará o segundo sensor na ponte (!!!) da nave da morte. Com os sensores ligados, a Discovery começa a série de 133 saltos para mapear a camuflagem. Mas Kol, o capitão da nave klingon, pressente uma cilada e decide dar o fora. Nesse momento, Burnham, que estava escondida na ponte, decide chamar a atenção dos klingons para abortar a fuga deles. Burnham abre o jogo e diz que Kol é desonrado por roubar naves e não estar no campo de batalha. Kol pergunta como ela sabe disso e ela disse que ela mesma estava na nave da morte durante a batalha das estrelas binárias e matou T’Kuvma. Burnham propôs um duelo a Kol e começa a parte testosterona do episódio, tanto da parte de Kol, quanto de Burnham, onde os dois saem na porrada. Enquanto isso, a Discovery termina os 133 saltos e transporta Cornwell, Tyler (com L`Rell trepada em seus ombros) e Burnham. Mapeada a camuflagem, a Discovery detecta a nave da morte e a destrói com uma saraivada de torpedos fotônicos, destruição que Lorca desfrutou depois de colocar seu coliriozinho contra luzes muito fortes. Burnham fica feliz de ter o distintivo de Georgiou em suas mãos, depois de conseguir tirá-lo de Kol. Já Tyler tem pesadelos com L’Rell, onde ela o estupra, e ele confidencia a Burnham que fez sexo com a klingon para garantir a sua sobrevivência. Mas, ainda muito atormentado, procura a klingon na cela, que diz que ela não vai deixar eles (?) o machucarem. Já Stamets sofreu com os muitos saltos e Culber pensou que quase perdeu seu amante. Isso provocou um beijo apaixonado e sincero entre os dois (o primeiro beijo gay de “Jornada nas Estrelas”). Stamets, durante os saltos, falou uma frase enigmática: “há uma clareira na floresta. É como eles vão”.  Que alegoria seria tal clareira? Stamets ainda aparecerá no filme com Lorca, que ficou de receber o prêmio da Legião de Honra. O capitão decidiu recomendar esse prêmio a Stamets. O engenheiro disse que dará um último salto até a base estelar 46 e depois será examinado pelos melhores médicos da Frota Estelar, algo que Lorca concorda, numa mostra de total harmonia entre os dois. Mas, quando há o salto, Stamets dá um berro e cai com os olhos embranquecidos dizendo que consegue ver infinitas permutações, algo fantástico. A Discovery está num lugar totalmente desconhecido, cercada por destroços de naves, encerrando o nono episódio.

Como pudemos ver, foi um episódio muito movimentado em termos de ação e de enigmas. Burnham fez sua luta com Kol, Lorca usou seus métodos pouco ortodoxos para destruir os klingons e ainda ganhar uma medalha por isso e, principalmente, Stamets enigmaticamente dá umas dicas a nós de como será o multiverso e de quais rumos a série pode tomar na segunda parte da temporada. Até a tecnobabble da detecção da nave klingon camuflada deu o ar de sua graça e foi convincente ao invés de enfadonha, quer dizer, ela se encaixou bem na trama.

Algumas questões surgem na nossa cabeça. Lorca está ficando um cara legal ou ele aparenta ser legal para conquistar as pessoas e elas ficarem em suas mãos como marionetes manipuladas? Espero que a segunda opção prevaleça, pois isso fará as coisas ficarem mais interessantes. Aproximar Lorca de Maquiavel (e de Thrawn, como citado acima) só trará contribuições à série.

                                 Será que ele é???

E Tyler? É mesmo um espião klingon infiltrado? Ou será também um fantoche manipulado por L’Rell? Essa teoria de espião klingon infiltrado já foi tão ventilada que acredito que agora o mais adequado seria o moço ser uma espécie de bomba-relógio prestes a ser acionada por L’Rell, mas bomba-relógio essa totalmente humana e não klingon. E caberá a Burnham desarmar essa bomba-relógio. Falando em Burnham, esse foi o episódio onde nossa protagonista foi tratada da forma mais nobre pelos roteiristas. Já não era sem tempo, aliás. Seu papel de protagonista parecia não ser aproveitado em sua essência ou até com algumas coisas mal encaixadas. Foi um pouco difícil a gente se simpatizar com ela logo de cara; e a construção do personagem passou por alguns turbilhões, não foi em brancas nuvens. Ou seja, custou um pouquinho para a gente ter uma certa empatia com a moça, um tempo que demorou mais do que o comum nesse caso.

                                Momento fofo…

Outra coisa que devemos ressaltar aqui é a de que o episódio foi inovador em dois quesitos: o primeiro beijo homossexual de Jornada nas Estrelas, que já não era sem tempo de ter acontecido (a coisa demorou mais de cinquenta anos, se eu quiser ser um pouco anacrônico) e a polêmica cena do estupro de Tyler, essa sim bem inovadora, pois mostrou a questão de estupro não do ponto de vista da mulher como vítima, mas sim do homem. Tal inversão foi muito útil na forma como o estupro pode ser visto como uma coisa abominável, já que a violação do corpo sempre é o da mulher e parece que setores mais conservadores meio que banalizaram essa violação. Agora, e se trocarmos a coisa? Agora, é o corpo do homem que é violado. O impacto será maior do que ver o corpo da mulher ser violado? Ou seja, choca-se com um, mas banaliza-se com o outro? O simples fato de essa cena, considerada altamente perturbadora por alguns, já despertar tal tipo de reflexão, mostra a sua força e importância e ressalta a tradição de Jornada nas Estrelas de inovar.

              Lorca. Gente boa ou interesseiro???

Agora, a grande questão ficou em onde a Discovery acabou parando, com o multiverso como argumento. Ainda há possibilidades com o Universo Espelho? Ou essa ideia será abortada em função de uma visão mais ampla? Outra coisa: universos alternativos para encaixar novamente histórias aparentemente tresloucadas com o cânone? Isso já foi feito antes por um tal de J. J. Abrams. Mas fica um gosto de cabo de guarda-chuva na boca quando você encontra uma argumentação tão trivial para aproximar a série do cânone. Acharia eu muito mais interessante tudo o que vimos agora fazer parte do Universo Prime e, aí, de uma forma engenhosa, todas as situações absurdas narradas nos primeiros nove episódios serem conduzidas a um cânone bem redondinho. Botar a responsabilidade de tudo no universo alternativo ou no multiverso é uma saída demasiada confortável e pouco criativa a meu ver.

                                     L´Rell estuprando Tyler

De qualquer forma, essa jornada até o cânone ou à tresloucação geral somente continuará em janeiro. Até lá, o que não vai faltar são especulações e discussões, algumas dentro dos níveis de civilidade, outras nem tanto. Esperemos ansiosamente por essa sequência, torcendo que a série tenha um bom desfecho em sua primeira temporada, pois esse é o verdadeiro desejo dos verdadeiros fãs de Jornada nas Estrelas: que o produto dê certo para que a franquia possa continuar por mais anos a fio.