Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa (Parte 5)

           Tempo de Nudez. Spock chora e as cartas aumentam…

“Tempo de Nudez” foi outro episódio decisivo para a formação do vulcano. Um vírus infecta a Enterprise, revelando o “eu oculto” da tripulação. Como isso afetou Spock? Na cena original, um tripulante pintaria um bigodinho no rosto de Spock, que se debulharia em lágrimas em público. Nimoy não aceitou isso, pois para ele o personagem, na sua obstinação em esconder as emoções, se controlaria e procuraria um lugar mais reservado para extravasar seus sentimentos. Nimoy levou o problema a Roddenberry e a sequência foi reescrita com Spock chorando num ambiente reservado, arrependido de nunca ter dito à sua mãe que a amava. Faltavam poucos minutos para os fatídicos 18h18min que religiosamente encerravam as atividades diárias do estúdio e Nimoy fez a cena numa tomada só. Esse episódio hipermultiplicou as cartas que Nimoy recebia dos fãs. De uma dúzia de cartas no primeiro episódio, passando para umas quarenta ou cinquenta após duas semanas e chegando a centenas, colocadas em sacos de lavanderia após “Tempo de Nudez”.

O sucesso de Spock fez com que os executivos da emissora NBC, que já haviam rechaçado o vulcano em outras oportunidades, agora quisessem mais a presença dele nos episódios. Nimoy desenvolveu mais o personagem e ele idealizou que a cultura vulcana interagia através de toques com os dedos e as mãos. Daí veio o famoso “toque neural”, onde Spock fazia uma pessoa desmaiar com uma pressão dos dedos de sua mão em algum lugar entre o ombro e o pescoço. Isso aconteceu pela primeira vez no episódio “O Inimigo Interior”, onde o capitão Kirk foi dividido em sua parte “boa” e calma e sua parte impetuosa e má. Como o Kirk “mau” iria matar o Kirk “bom”, estava no roteiro que Spock deveria provocar um desmaio no Kirk mau, aplicando-lhe uma coronhada com a arma de phaser. Nimoy, abalado com a violência da sequência, sugeriu então o toque neural vulcano, que era igualmente eficiente sem ser violento, e convenceu o diretor Leo Penn a usá-lo, principalmente quando Nimoy ensaiou o toque em Shatner e esse desmaiou de forma muito convincente. Às vezes, esse toque era usado com um certo senso de humor. Spock, em determinado episódio, chegou perto de sua vítima e disse: “Senhor, há um artrópode (aranha) bem em cima de seu ombro”. E, antes que o coitado se desse conta, lá estava a mãozona de Spock (o artrópode em questão) fazendo o cara desmaiar. O fundo musical cheio de tensão do toque neural também é inesquecível, provocando muito mais graça do que suspense.

                    O antológico toque neural

Já o elo mental vulcano surgiu no episódio “O Punhal Imaginário” e foi uma invenção de Roddenberry. Um foragido de uma colônia penal, aparentemente louco, seria interrogado lentamente para se saber o que acontecia na tal colônia. Ao invés de um longo e maçante interrogatório, se criou o elo mental, onde Spock unia sua mente à do foragido, tocando a face do mesmo com a ponta dos dedos, exercendo uma espécie de atividade telepática. Isso deu muito mais dramaticidade à cena. Outro episódio marcante onde o elo mental vulcano é usado foi “O Demônio da Escuridão”, onde um monstro de pedra matava os mineiros de um planeta. Mas o monstro fazia isso porque os mineiros destruíam seus ovos sem querer, sem saber o que estavam fazendo. Spock faz o elo mental com a criatura e salva o dia, pois o monstro passa inclusive a ajudar os mineiros. Nimoy muito se orgulha desse episódio, pois ele mostra um conflito intercultural e um posterior entendimento, ratificando a posição pacifista do vulcano, ao contrário do Spock de “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, que propôs matar um tripulante tomado por uma força alienígena.

No próximo artigo, vamos falar de mais três episódios marcantes para a formação do personagem Spock. Até lá!

        Elo mental com um monstro de pedra…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa. (Parte 4)

Um Spock sob construção

Em “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” já há alguns traços mais vulcanos no personagem Spock, como algumas digressões sobre lógica, uso das expressões “afirmativo” e “negativo”, etc. Entretanto, muito chocou a sugestão de Spock de matar Gary Mitchell (interpretado por Gary Lockwood), por este hospedar uma entidade alienígena. Isso ia contra a visão antiviolenta do personagem alguns episódios mais tarde.

Com a aprovação da série, mais episódios foram gravados. Em “O Ardil Corbomite”, De Forest Kelley começa a interpretar o médico Dr. McCoy, dando início à famosa tríade de “Jornada nas Estrelas”, formada pelo médico, altamente emocional, o vulcano, altamente racional, e o capitão, uma espécie de mediador entre os conflitos lógicos e emocionais e o responsável pela ação, já que quem mandava era ele. Uma série de diálogos engraçados entre McCoy e Spock, onde o médico emotivo queria provar que o vulcano tinha emoções contidas em seu interior passaram a ser escritos, dando um tom de muito humor à série, contrariando o estereótipo de que os fãs de “Jornada nas Estrelas” são absolutamente sérios. Nesse episódio, mais uma etapa da construção do personagem Spock foi realizada, pois foi a primeira vez que ele disse a expressão “fascinante”, que seria uma de suas marcas registradas. Para quem não conhece o episódio, a Enterprise se depara com um enorme globo alienígena que a impede de seguir viagem adiante. O desafio está em contatar a espécie alienígena que não o faz de forma fácil. Inicialmente, Nimoy acrescentou um pouco de carga dramática à expressão “fascinante”. Mas o diretor Joseph Sargent o instruiu a repetir a expressão como um cientista faria, de forma fria, contida e cheia de curiosidade. A coisa caiu como uma luva para o personagem. A partir daí, Nimoy assumiu uma postura mais contida de interpretação, tomando muito cuidado com movimentos corporais, gestos e expressões faciais. Não podemos nos esquecer de mencionar também a forma como ele levanta uma das sobrancelhas quando está refletindo sobre determinado assunto.

O ambiente das gravações de “Jornada nas Estrelas” também era muito divertido, muito em virtude da presença de William Shatner que, como dizemos hoje, “tocava um terror”. Assim que a série começou a ganhar notoriedade, os atores recebiam muitos telefonemas com ofertas de aparições públicas. Nimoy aproveitava todas que podia, pois tinha em mente que seriados para tv eram coisas muito efêmeras e qualquer oportunidade de fazer um dinheirinho extra era válida. Ele chegou a instalar um telefone em seu carro e em seu camarim para isso. E, como sua maquiagem era algo mais complicada que a dos outros, ele chegou a comprar uma bicicleta vermelha só para circular com mais facilidade pelo estúdio, que encerrava suas atividades todo dia pontualmente às 18h18min. Dava para perceber como o tempo era escasso. Shatner, em seu espírito brincalhão (ele se vangloria de ter quatro vezes mais dopamina que um ser humano normal; a dopamina é um neurotransmissor responsável por controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória), decidiu dar uns sumiços na bicicletinha de Nimoy. Num momento, ela estava acorrentada a um hidrante. Noutro, estava dentro do camarim de Shatner, guardada por seus dobermanns. Até no teto do estúdio a bicicleta foi amarrada. Quando Nimoy a prendeu em seu carro, Shatner mandou rebocar o carro. Apesar de tudo, e de algumas rusguinhas quando Spock ganhou um pouco mais de notoriedade, Shatner e Nimoy sempre foram grandes amigos e contavam muitas piadas enquanto eram maquiados de manhã cedo, para o desespero dos maquiadores.

Com a concentração exigida para interpretar Spock, Nimoy ficava “dentro do personagem” até fora das câmaras. Nosso ator até ficava aos risos com Shatner, mas chegava uma hora em que ele se segurava mais para não “perder o jeito de Spock” e só recuperá-lo durante a gravação. Por segurar tanto as emoções (vemos aqui como Spock “domina” Nimoy), Nimoy precisava extravasá-las em algum momento e fazia isso de forma reservada, sendo algo muito estressante. Mas, volta e meia, as emoções vinham como em momentos em que ele discutia com Roddenberry os rumos que a atuação do vulcano deveria tomar. Isso ajudou de certa forma a estremecer as relações entre Nimoy e Roddenberry, que ficaram mais profissionais do que pessoais. A presença de Spock em Nimoy foi tão forte que ele chegou a levar o vulcano para casa em alguns fins de semana. Certa vez, sua esposa perguntou se ele não queria ir ao cinema. Nimoy então perguntou qual o filme que ela queria ver. E ela disse que não tinha nenhum filme em que ela estivesse interessada em ver. Spock, quer dizer, Nimoy, disse então que era ilógico ir ao cinema. Ao que a esposa reclamou que ele bancava o Spock de novo…

No próximo artigo vamos falar do episódio “Tempo de Nudez”, que fez explodir a popularidade do vulcano. Até lá!

Kirk, Spock e McCoy. A famosa tríade

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 3)

            Gary Lockwood em Jornada nas Estrelas…

Em 1961, Nimoy trabalhou como ator convidado num seriado para a tv chamado “O Tenente”, com Gary Lockwood, que participou do segundo episódio piloto de “Jornada nas Estrelas” (“Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”), onde ele interpretava o tenente-comandante Gary Mitchell, que havia sido tomado por uma estranha força alienígena e tinha que usar duras e desconfortáveis lentes de contato prateadas. Lockwood também ficou famoso por interpretar o personagem Frank Poole em “2001, Uma Odisseia no Espaço”, que é o tripulante da “Discovery” expelido para o espaço pelo computador HAL-9000.

                       … e em 2001

O diretor do episódio de “O Tenente” em que Nimoy trabalhava era Marc Daniels, da Desilu, estúdio de propriedade de Lucille Ball, a famosa humorista do programa de tv “I Love Lucy”, onde episódios “Jornada nas Estrelas” seriam gravados no futuro. Nesse episódio de “O Tenente”, Nimoy também contracenou com Majel Barrett, futura esposa de Gene Roddenberry, o criador de “Jornada nas Estrelas”. Roddenberry era o produtor de “O Tenente” e convidou Nimoy a tomar parte no primeiro episódio piloto de “Jornada nas Estrelas”. Ele interpretaria o personagem Spock, já todo delineado por Roddenberry: meio humano, meio alienígena, com emoções reprimidas (exprimir as emoções não era de bom tom na cultura alienígena de Spock), cabelo diferente, orelhas pontudas e cor da pele avermelhada (!!!). O personagem em conflito poderia parecer ridículo num primeiro momento, mas Roddenberry levava o personagem muito a sério. As primeiras orelhas ficaram muito ruins pela falta de tempo e de dinheiro e causavam muito constrangimento a Nimoy. Mas Fred Phillips, o maquiador, conseguiu confeccionar um par de orelhas decente com a ajuda de um amigo maquiador da MGM. A cor vermelha da pele foi descartada, pois ficaria muito escura nas filmagens em preto e branco. Ao invés disso, um tom verde-amarelado de pele foi usado. Nimoy tinha que chegar ao estúdio às 6h30min para começar o processo de maquiagem, que ia até às 7h15min. Uma atriz irlandesa, Maura McGivney, foi a primeira a dizer que as orelhas de Spock eram atraentes. Logo, Nimoy ficaria conhecido pelas orelhas, mas houve um medo de que os mais religiosos achassem o personagem muito “satânico”. O episódio piloto “A Jaula” mostrava um Spock muito emotivo, que sorri, se preocupa e tem explosões de emoção, principalmente numa passagem em que uma equipe se teletransporta à superfície de um planeta dominado por uma raça alienígena que interfere no sistema e teletransporta só as mulheres. Spock dá um salto e grita: “As mulheres!”.

Segundo episódio piloto. Roddenberry bancou o vulcano

Uma curiosidade. Roddenberry queria que Spock falasse um inglês mais britânico, como se o alienígena tivesse aprendido a língua ouvindo clássicos ingleses. Mas a ideia foi descartada por Nimoy, que não se sentiu à vontade com o sotaque. O primeiro piloto fracassou, muito em virtude do vulcano e da primeira oficial da nave (Majel Barrett), ou seja, de uma mulher assumir um posto de comando (reza a lenda de que as próprias mulheres comentavam na época “quem ela pensa que é?” ao presenciarem Barrett interpretando um papel que deveria ser reservado a um homem). Foi dada uma nova chance de um novo episódio piloto, mas sem os dois personagens problemáticos. Roddenberry bancou a presença de Spock no segundo piloto e se casou com Barrett, até porque, segundo o próprio Roddenberry, “não dava para fazer o contrário”, ou seja, manter Barrett na série e se casar com o vulcano. O produtor de “Jornada nas Estrelas” alegava que o personagem alienígena era fundamental para a série.

No próximo artigo, vamos ver como o personagem vulcano foi se estruturando com os episódios de “Jornada nas Estrelas”. Até lá!

                       Spock fazendo suas orelhas

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 2)

                                  Um jovem Nimoy

Vamos hoje continuar a falar sobre as vidas de Leonard Nimoy e de Spock.

Após reconhecer que o título “Eu Não Sou Spock” foi altamente infeliz, o ator fala que absorveu muito do personagem vulcano em seu estilo de vida, escutando, inclusive, “vozes” de Spock em sua cabeça. O mais curioso é que o vulcano também tem muito de Nimoy, já que os dois têm um espírito (ou “katra”) “outsider”, ou seja, aquele carinha diferente que é visto de forma marginalizada por um determinado grupo. Nimoy era um judeu filho de ucranianos perseguidos pelo regime soviético e que vivia num bairro italiano de Boston. Assim, ele já se sentia “diferente” desde o início, pois seus amigos de infância seguiam uma religião diferente da dele. A experiência “outsider” continuou em suas primeiras inserções no meio artístico. Ele se recorda de, em sua infância, ter assistido num cinema de Boston a uma sessão de cinema do filme “O Corcunda de Notre Dame”, com o impecável Charles Laughton no papel de Quasímodo e Maureen O’Hara como a cigana Esmeralda. Nimoy se lembra de como ele se emocionou ao ver o sofrimento do corcunda, extremamente feio e, por isso, zombado e humilhado pelas pessoas, ao mesmo tempo em que clamava pelo amor e aceitação da cigana. Nimoy se identificou com o personagem e foi às lágrimas. O ator acredita que a semente de Spock foi plantada aí. Ele era um menino tímido, mas se sentia seguro representando, pois ele não seria culpado pelas ações e palavras, já que estas viriam de um texto que ele interpretava. E assim, nosso ator lançou-se na vida artística, onde seu primeiro papel foi o João de “João e Maria”, aos oito anos. Com dezessete anos, ele interpretou um personagem chamado Ralphie, alienado, reprimido pela mãe e em busca de identidade. Tal personagem despertou nele um sentimento de responsabilidade e amor pelo ofício de interpretar, fazendo Nimoy ficar decidido a ser ator. Mas os pais não aceitaram isso, pois eles viam a vida de uma forma muito prática, onde o trabalho duro era uma obrigação. O passado opressor de perseguições políticas e a realidade dura da depressão (lembremos que Nimoy nasceu em 26 de março de 1931) não davam margens aos pais de Nimoy para “cabeças de artista”. Sem o apoio da família, nosso ator vendeu aspiradores de pó para comprar uma passagem de trem para a Califórnia, onde vendeu sorvetes e sodas, além de ser taxista. Aqui, a aproximação com Spock é evidente, pois o vulcano também sofreu a desaprovação de seu pai Sarek, já que ele queria entrar para a Academia da Frota Estelar, quando o pai o queria na Academia de Ciências de Vulcano. Essa desaprovação paterna sofrida por Nimoy o ajudou a compor tal faceta de Spock.

Kid Monk Baroni , seu primeiro grande papel de destaque

Em 1951, com vinte anos, Nimoy teve a sua primeira grande oportunidade em Hollywood, sendo escalado para protagonista num filme intitulado “Kid Monk Baroni”, onde ele interpretava um lutador de boxe com uma deformidade de nascença no rosto (a palavra “Monk” vinha de macaco mesmo!). Mais um “outsider” na vida de Nimoy. Os pais do ator viram o filme e choraram sem parar, de tanta emoção. Tanto Quasímodo quanto Kid Monk marcaram muito Nimoy, apesar dos muitos personagens feitos por ele.

Na próxima parte desse artigo, vamos ver como Nimoy conheceu Gene Roddenberry e chegou a “Jornada nas Estrelas”. Até lá!

Quasímodo, identificação total. Lado “outsider”

 

Batata Antiqualhas – Capitães. Relatos Comoventes.

             Cartaz do Filme

William Shatner brindou todos os fãs de “Jornada nas Estrelas” com o bom documentário “Capitães” no ano de 2011. Esse documentário teve como objetivo principal entrevistar todos os atores que interpretaram capitães nas então cinco séries de “Jornada nas Estrelas”, mais os longas de J. J. Abrams. O resultado foi um rosário de relatos comoventes e marcantes para todos os protagonistas, mas também para os fãs.

Conversas emocionantes com Patrick Stewart…

Shatner (Capitão Kirk, série clássica) entrevistou os seguintes “capitães”: Patrick Stewart (Capitão Picard, Nova Geração), Avery Brooks (Capitão Sisko, Deep Space Nine), Kate Mulgrew (Capitã Janeway, Voyager), Scott Bakula (Capitão Archer, Enterprise) e Chris Pine (o “novo” Capitão Kirk, da Kelvin Time Line de J. J. Abrams). Os devidos capitães foram apresentados e, depois, as entrevistas eram alternadas, de forma que nenhum capitão tivesse uma posição privilegiada com relação ao outro. Como o próprio Shatner era capitão e entrevistador ao mesmo tempo, parte do documentário foi usada para que o ator desse um relato de suas impressões pessoais e profissionais. Ainda, com relação à parte de Shatner, foi muito legal ver a entrevista que ele fez com Christopher Plummer, canadense como Shatner, e que foi substituído pelo nosso Capitão Kirk quando os dois trabalhavam juntos no teatro, antes ainda de “Jornada nas Estrelas” e Plummer ficou doente. Não é à toa que Plummer foi chamado para ser o general klingon Chang em “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”.

                             … e Kate Mulgrew

O documentário teve outros lances interessantes. Falou-se da severa rotina de gravações dos episódios e de como isso afetou a vida pessoal dos atores. Isso, por exemplo, acabou com o casamento de Shatner e provocou uma turbulência na relação de Mulgrew com os filhos, que detestam “Jornada nas Estrelas” por esses problemas. Em outro momento muito curioso, Stewart, um ator shakespeariano, disse como levou a produção de uma série de TV como “Jornada nas Estrelas” a sério e criticava muito a falta de organização da produção na primeira temporada.

                                  Queda de braço com Chris Pine!!!

Shatner declarou, por sua vez que, depois de todo o sucesso de Spock, ele se sentiu secundário na série e se sentia magoado com o tom de galhofa com que era tratado em virtude disso. Isso fez com que ele renegasse um pouco o personagem Kirk. Só que, com as convenções, todos os chamavam de Kirk, algo que o irritava, pois ele era Shatner. O ator somente percebeu a força de seu personagem quando, ao pegar um jatinho para ir a Londres entrevistar Stewart, o presidente da companhia aérea Bombardier foi recebê-lo em pessoa no aeroporto para lhe dizer que começou a carreira de engenharia aeroespacial em virtude de Kirk e de “Jornada nas Estrelas”. Stewart, por sua vez, disse que aceita com naturalidade o fato de ser chamado de Picard, algo que soou como uma espécie de alívio para Shatner, já que ambos os atores têm uma identificação, pois começaram no teatro interpretando Shakespeare.

                               Brooks, o pianista

Se pudéssemos colocar uma espécie de ranking entre as entrevistas, eu diria que as conversas com Stewart e Mulgrew foram as mais emotivas e intimistas; a conversa com Bakula foi a que teve mais trocas de experiências pessoais; a conversa com Pine foi uma espécie de passagem de bastão do mestre para o discípulo, onde Shatner se derrete em elogios a Pine, e a conversa com Brooks foi a mais musical e um tanto estranha, até porque a personalidade de Brooks é um tanto excêntrica. De qualquer forma, foi legal ver Sisko ao piano cantando um jazz.

Boa conversa com Bakula. Troca de experiências…

Assim, o documentário “Capitães” é simplesmente um programa obrigatório para todos os trekkers de plantão. Ele está lá à disposição no Netflix. Se você já viu, reveja. Se ainda não viu, está intimado a ver, se divertir e se emocionar.

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa (Parte 1)

Um grande ícone da cultura ocidental de todos os tempos!!!

A perda do grande ator Leonard Nimoy, no dia 27 de fevereiro  de 2015, deixou órfãos os fãs da série de tv americana “Jornada nas Estrelas” em todo o mundo. Nimoy interpretava Spock, o oficial de ciências vulcano, que era o personagem mais amado e cultuado da franquia e foi um dos ícones mais adorados da cultura ocidental. Houve muita dor naqueles dias e fica a saudade hoje. Infelizmente, os anos de cigarro causaram uma doença pulmonar que, com a idade, ficou irreversível. A morte de Nimoy provocou, na época, manifestações de vários setores. O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que Nimoy era um “defensor das artes e das humanidades, um defensor das ciências, generoso com o seu talento. E, claro, Leonard foi Spock. ‘Cool’, lógico, de orelhas grandes e sangue frio, o centro da visão otimista e inclusiva de ‘Jornada nas Estrelas’ sobre o futuro da humanidade”. William Shatner lamentou a perda do amigo: “Eu o amava como a um irmão. Sentimos falta de seu humor, seu talento e sua capacidade para amar”. A NASA (Agência Espacial Americana) emitiu uma nota dizendo que “muitos de nós da NASA fomos inspirados em ‘Jornada nas Estrelas’” e o executivo-chefe da Fundação Espacial, Elliot Pulham disse em comunicado que “Leonard Nimoy criou um modelo positivo que inspirou inúmeros telespectadores a aprender mais sobre o Universo. Hoje, muitas pessoas são entusiastas do espaço e líderes da indústria”. Nimoy, em seu último tuíte, deixou uma mensagem um tanto nostálgica: “A vida é como um jardim. Momentos perfeitos podem ter acontecido, mas não preservados, exceto na memória”.

Em 2015, já muito debilitado…

Por que Spock marcou tanta presença e foi tão importante na vida de tanta gente? Como Nimoy lidou com isso? Onde terminava o artista e começava o vulcano? A morte de Nimoy e a participação em uma mesa num evento do finado site “Abacaxi Voador” me estimularam, na época, a reler o livro “Eu Sou Spock”, de Nimoy, a fim de ter em mãos a voz do próprio ator. Infelizmente, não pude participar do debate, pois naquele dia 14 de março de 2015, eu havia perdido a minha mãe, vítima de uma embolia pulmonar, duas semanas depois da morte do grande ator. Dois eventos muitos dolorosos. Momentos de muita tristeza e resignação. Resolvi lidar com isso escrevendo. Não quis desperdiçar minhas leituras e anotações. E, portanto, decidi escrever alguns artigos para o “Abacaxi Voador” baseados na leitura de “Eu Sou Spock”. Uma forma de homenagear não só o ator que deu vida a um personagem que muito admirei, mas também de homenagear a pessoa mais importante de minha vida. Decidi reproduzir esses 21 artigos agora em meu site Batata Espacial, cerca de dois anos e meio depois. Assim, espero que essa coletânea de artigos ajude a apresentar mais Leonard Nimoy e Spock aos não iniciados em “Jornada nas Estrelas” e, para os iniciados, que os artigos tragam boas recordações. Afinal, recordar é viver.

                 Muitas homenagens em vida…

O texto de “Eu Sou Spock” nos ajuda muito a entender o fenômeno do vulcano e a carreira desse grande ator que, ao contrário do que muitos podem imaginar, não se limitou apenas ao personagem Spock. Vamos agora fazer uma compilação das ideias principais do livro.

Em primeiro lugar, devemos falar de um vacilo publicamente reconhecido por Nimoy: seu livro “Eu Não Sou Spock”, que tinha como objetivo não falar somente do personagem, mas também do ator Leonard Nimoy e de sua carreira, num esforço de se lembrar às pessoas que Nimoy não é um “ator de um personagem só”. Ele teve a ideia de escrever para seu livro um capítulo intitulado “Eu Não Sou Spock” (que logo se tornaria o título do próprio livro) depois que uma criança no aeroporto não o reconheceu como o vulcano ao ser interpelada pela mãe, já que o ator não estava maquiado como tal. Os editores do livro diziam que as pessoas não gostam de títulos negativos, ao que Nimoy, sabichão como ele só (como ele mesmo disse!) retrucou: “E o que acham de ‘E O Vento Levou’?”. O livro foi editado com o título de “Eu Não Sou Spock”, e foi um fracasso, já que as reprises de “Jornada nas Estrelas” em meados da década de 1970 popularizaram demais a série e as pessoas queriam novos seriados. O título do livro veio em péssima hora. E Nimoy foi acusado de não gostar de “Jornada nas Estrelas” sendo, inclusive, odiado por isso. Quando Nimoy escreve “Eu Sou Spock”, é justamente para desmentir as acusações de que ele não gosta da série e, principalmente, do vulcano.

No próximo artigo, continuaremos destrinchando a vida do ator e do vulcano, que merecem longas homenagens. Até lá!

                     Eu sou Spock… ou não???

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Episódio 7, Temporada 1) – Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco – Cinquenta Tons De Se Matar Lorca.

Tudo começa numa festa

E chegamos ao sétimo episódio de “Jornada nas Estrelas, Discovery”, dessa vez com um título quilométrico (“Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco”). Esse foi mais um episódio que, assim como o último, destoou dos cinco primeiros. Parece cada vez mais que os cinco primeiros episódios foram escritos numa vibe que estava, como vimos, muito fora do que estamos acostumados a ver em “Jornada nas Estrelas” e que, de repente, decidiu-se fazer uma espécie de mudança radical na série, voltando ao espírito original de “Jornada nas Estrelas”. Só que, para podermos ter certeza disso, precisamos ver os próximos episódios, até porque algumas questões ficaram mal resolvidas nos episódios anteriores, tal como a guerra contra os klingons, colocada um pouco de lado nos dois últimos episódios, e o sequestro da Almirante Cornwell (esqueceram a mulher lá com os klingons e ninguém está movendo uma palha nem mencionando o nome dela nos dois últimos episódios!!! Muito estranho, não?).

Stamets fala do loop temporal

Mas, o que aconteceu em linhas gerais nesse sétimo episódio? Ele começa com Burnham refletindo sobre a sua adaptação com a nave e a tripulação. Ela passará por mais uma prova de fogo: socializar numa festa. Quando Tyler pede a palavra e se lembra dos dez mil mortos na guerra com os klingons, Tyler e Burnham são chamados à ponte. Eles se esbarram nos corredores com um Stamets completamente doidão. O engenheiro está assim desde que se voluntariou para integrar seu DNA com o do tardígrado e ser o navegador do motor de esporos. Ao chegarem à ponte, Lorca mostra aos dois que uma gormagander, uma espécie de baleia espacial (algo que incomoda, pois o espaço sideral é um meio totalmente inóspito para a vida, seja para gormaganders, seja para esporos), vaga pelo espaço e, por se tratar de uma espécie em extinção, ela deve ser conduzida para o interior da nave para estudos. Ao ser transportada para a nave, a gormagander expele pela boca um alienígena vestido de Kamin Rider atirando para todos os lados. Qual não é a surpresa quando sabemos que o alienígena é o Mudd sinistrão de episódios anteriores? Ele quer o segredo da Discovery para vendê-lo aos klingons. Mas, como foi descoberto, decide usar um explosivo que destruiu toda a nave.

Mudd e um plano brilhante

Voltamos à festa. Ué, como? Isso mesmo, caro leitor, o episódio é daqueles do tipo de loop temporal, onde vemos seguidamente o que aconteceu nos últimos trinta minutos e Mudd tentará, a cada loop, aprender mais sobre a nave até encontrar o segredo da Discovery a ser vendido para os klingons. Ele só não contava que Stamets, em virtude de sua condição toda especial, perceber que os loops ocorrem e ter a memória deles. Será Stamets que alertará Burnham dos loops e do plano de Mudd, onde esses tripulantes, a cada loop, tentarão sabotar os planos do vigarista e aqui assassino.

Matando Lorca várias vezes…

Esse foi mais um episódio de desenvolvimento de personagens pois, a cada loop, Burnham e Tyler tinham que ficar mais próximos para executar o plano que impediria Mudd de tomar a nave e Stamets meio que fazia as vezes de cupido do casalzinho. Não que isso não torne a série mais simpática, até porque, em Jornada nas Estrelas, os trekkers sempre têm afinidades com os personagens, mas confesso que acho um pouco maçante essa campanha em torno de Burnham e Tyler fazerem um par romântico. Enfim… O mais curioso é que, por causa dos loops, Burnham e Tyler não se lembram de seu envolvimento amoroso. Mas eles sabem que o envolvimento existiu e fica aquele clima no ar entre os dois de que algo acontecerá no futuro.

Burnham. Jogo de xadrez com Mudd a cada loop

A ideia do loop temporal, apesar de um pouco desgastada, é boa. Parece que foi seguida aquela máxima do futebol: em time que se está ganhando, não se mexe. Ou seja, é mais seguro usar fórmulas que já deram certo no passado do que correr o risco de se ficar metendo os pés pelas mãos e inventar. É claro que tudo isso depende muito de como você reaproveita a fórmula de sucesso e de como você inventa e inova. Aqui foi interessante ver Mudd usando o loop mais de cinquenta vezes, sendo assassino e sádico em todas elas, principalmente com Lorca, onde o trapaceiro espacial matou o capitão mais de cinquenta vezes, sendo esse curiosamente o alívio cômico do episódio. Sei não, mas parece que depois de personagens importantes serem mortos nos primeiros episódios e ficar aquela tensão em mais mortes de protagonistas nos episódios seguintes, assassinar Lorca várias vezes caiu mais como uma piada para com essa tensão.

Um Mudd muito apático no final…

A ideia de se derrotar Mudd na base da trapaça foi interessante, quer dizer, a única forma de se derrotar um trapaceiro é trapaceando, como foi dito no próprio episódio. O que incomodou um pouco foi a passividade com que Mudd aceitou a sua derrota, ficando ao lado de “sua” Stella. Vimos como esse amor pela esposa era somente da boca para fora e de como a esposa de Mudd, apesar de muito doce aqui, já tem um gênio forte. Quer dizer, aquela receita da mulher chata da década de 60, criticada por ser considerada machista, é retomada aqui sem o menor pudor para ajudar a reconstituir a personagem Stella, ao contrário do que aconteceu com Mudd, que ficou muito descaracterizado. O Mudd da série clássica é vigarista, mas simpático, não mataria ninguém como o sinistro Mudd da Discovery. Agora, fica a pergunta: será a última aparição deste personagem na série?

Assim, “Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco” é o segundo episódio de uma espécie de “novo arco” da Discovery, que coloca o arco principal da guerra dos klingons de lado, investe na construção dos personagens e de seus relacionamentos, tem uma cara de episódio mais destacado, se aproximando das séries antigas e se afastando um pouco do que se faz no streaming, ou seja, um novelão, e que coloca mais um ponto de interrogação na cabeça do espectador: como será o próximo episódio? Dentro de uma vibe soturna dos cinco primeiros, ou dentro da vibe mais colorida dos dois últimos? Esperemos por segunda-feira.

Leia resenhas de outros episódios de Jornada nas Estrelas Discovery aqui