Continuando nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, retornemos a TNG e ao quarto episódio da primeira temporada, intitulado “O Último Guardião”. Esse episódio é conhecido pelo surgimento dos ferengis na franquia.
Qual é o plot? A Enterprise persegue uma nave ferengi que roubou um conversor de energia. Será a oportunidade de se fazer um primeiro contato com os ferengis. Os ferengis saíram de dobra e começaram a alvejar a Enterprise. Picard diz para não retribuir o fogo e se afastar um pouco. Mas a Enterprise parece estar sem energia, enquanto que os ferengis se posicionam bem à frente. Data é consultado sobre os ferengis e ele diz que há informações controversas de que a principal característica dos ferengis é que eles são comerciantes em busca de mercadorias e territórios e atuam como o pior tipo de capitalismo que foi visto na Terra.
A Enterprise lança mão de um subterfúgio para escapar da nave ferengi, que a mantém presa e retira sua energia. Picard manda abrir um canal e exige que o conversor de energia seja devolvido. Depois, pratica o tal subterfúgio, sem sucesso, o que rende um “merd” de Picard (é, foi nesse episodio que ele falou um palavrão em francês). Os arquivos da Enterprise começam a ser lidos e Troi sugere a Picard que analise o planeta sobre o qual as duas naves orbitam.
Picard faz uma conferência rápida com sua tripulação e ouve a sugestão de Troi, onde o capitão deve negociar com os ferengis sem a empáfia anterior e ouvindo os termos dos alienígenas. O ferengi responde (ele se chama Daimon Tarr) e diz que é contra uma rendição incondicional. Ou seja, a energia que mantém a Enterprise presa também mantém a nave ferengi presa. Picard manda lançar uma sonda para verificar o que está acontecendo e pede contato visual para conversar. O ferengi aparece na tela e diz que vai devolver o conversor de energia além de oferecer os segundos oficiais ferengis de acordo com o código ferengi. Picard pede para aguardar. Numa reunião entre Picard, La Forge, Data e Riker, o andróide fala do scan feito no planeta e este planeta fez parte de uma civilização chamada Tkon, que era muito avançada onde o planeta abaixo erra uma espécie de guardião local, podendo até deslocar estrelas. A sonda manda a informação de que é o planeta que está mantendo presas as duas naves. O planeta não tem mais vida e Picard decide descer à superfície para explorá-lo, além de ter a ideia de convidar os ferengis a irem junto. Usando os argumentos de negociações e permutas, tão caros aos ferengis, Picard os convence a fazer uma missão conjunta com a Federação na superfície do planeta, embora Riker, Troi e Data estejam desconfiados da confiabilidade em cima dos ferengis. A missão precisa ter êxito logo, pois a energia da Enterprise cai a ponto de afetar os suportes de vida da nave.
O grupo avançado desce ao planeta, mas em locais diferentes. Data, Riker e La Forge se encontram, mas são atacados pelos ferengis, ficando inconscientes. Quando acordam, entram em luta corporal com os ferengis, mas Tasha rende a todos com um phaser. Os ferengis ficam impressionados em ver uma mulher vestida trabalhando com os homens da Federação, algo repugnante, segundo eles.
O grupo avançado descobre que todo o planeta é uma espécie de coletor de energia. Uma forma de vida surgida da energia que paira sobre o planeta começa a se comunicar com eles. Uma forma de vida se materializa dizendo que é o guardião do Império Tkon. Riker e Data dizem que o Império foi destruído por uma supernova e o guardião não acredita. Os ferengis fazem uma série de acusações aos membros da Federação que dizem que cometeram falhas no passado. O guardião começa a citar Sun Tzu (“A Arte da Guerra”) e diz que os membros da Federação têm uma mente aberta que se deixa ser vista, ao contrário dos ferengis, que têm uma mente fechada, e faz amizade com os membros da Federação. Riker pede para que o guardião liberte a Enterprise e ele o faz. O guardião disse que ficou confuso com a Federação e os ferengis, pois eles primeiro queriam se destruir, mas depois cooperaram juntos. O guardião pergunta a Riker se deve destruir os ferengis e o Primeiro Oficial diz que não, pois os ferengis lembram o passado da Terra (não se pode odiar o que já se foi) e, se destruídos, não terão a oportunidade de aprender e avançar. Mesmo com o risco dos ferengis serem uma ameaça, eles merecem uma chance de crescer e aprender.
A Enterprise consegue recuperar o conversor de energia depois de um “pedido” do guardião aos ferengis. Riker pede a Picard para entregar uma caixa de algemas chinesas aos ferengis de presente. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “O Último Guardião”? Em primeiro lugar, esse é o episódio em que aparecem os ferengis. Foi uma ideia bem desenvolvida, mas talvez mal aproveitada nesse primeiro momento. Fez-se toda uma expectativa o início do episódio sobre os ferengis, a ideia de associá-los ao capitalismo selvagem foi muito boa, a imagem de Daimon Tarr era convincente e ameaçadora. O problema se deu na superfície do planeta, onde a postura dos ferengis acabou caindo mais para o alívio cômico do que para a pegada ameaçadora do início do episódio. E pior: as conversas entre o guardião e Riker sobre os ferengis colocam estes últimos numa posição de inferioridade, tal como se eles fossem uma raça atrasada perante todo o desenvolvimento moral da Federação. Isso cheirou a uma empáfia da Federação mais uma vez, algo que a gente já tinha visto um pouco em “Código de Honra”, o episódio anterior. Pelo menos, a gente sabe que os ferengis vão ser muito mais bem desenvolvidos em DS9. E se ali ainda houve um tom de alívio cômico para os ferengis, a gente também pode ver toda a sua cultura e cosmogonia mais bem definidas. As referências à cultura chinesa, sobretudo Sun Tzu, deram o aspecto literário ao episódio e caíram bem sendo, inclusive, bem aplicados ao desfecho do episódio, onde serviram de ponte para o entendimento entre Riker e o Guardião, mostrando para esse último a mente aberta de Riker e a aposta na confiança mútua, ao contrário dos ferengis, que fechavam a sua mente em virtude da desconfiança e da trairagem. Os membros da Federação optaram por jogar limpo e reconhecerem seus erros do passado, apesar da tática dos ferengis de acusá-los, muitas vezes até de forma mentirosa.
No mais, vimos mais desenvolvimentos de personagens. Picard mostra novamente o seu lado diplomático, não querendo partir para um conflito armado com os ferengis, à despeito das recomendações de Tasha e Worf, e parte para um diálogo dentro de parâmetros da cultura ferengi, depois das recomendações de Troi. Para Data, ficaram novamente bons diálogos que o transformaram numa espécie de alívio cômico no episódio, onde o episódio das algemas chinesas foi o mais marcante.
Dessa forma, “O Último Guardião” é um episódio interessante de Jornada nas Estrelas, A Nova Geração, por apresentar os ferengis (ainda que eles tenham sido mal aproveitados), lembrar da filosofia de Sun Tzu e dar uma passo a mais nas construções dos personagens Picard e Data. Vale a pena a revisita, até para ver Picard falar “merd!”.
Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar, vamos falar hoje de “Era Uma Vez Um Sonho” (“Hillbilly Elegy”), mais uma produção da Netflix que concorre a duas estatuetas: Melhor Atriz Coadjuvante para Glenn Close e Melhor Maquiagem e Cabelo. Curiosamente, Ron Howard, o diretor do filme, não recebeu indicação para Melhor Diretor. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história real de J. D. Vance (o livro é baseado em sua autobiografia), um rapazinho do interior que vive em Middletowm, uma cidade decadente de Ohio, considerado um lugar de interior, com gente muito simples, mas que também não progride muito na vida (o jovem J.D. é interpretado por Owen Asztalos e, na fase adulta, por Gabriel Basso). Sua mãe, Bev (interpretada por uma incrível e esculhambada Amy Adams) é uma enfermeira que se viciou em remédios, perdendo seu emprego e se tornando uma mulher muito descontrolada e agressiva, o que gerava muitas brigas internas na família. Quem apagava os incêndios era a mãe de Bev, Mamaw (interpretada também por uma inacreditável Glenn Close), que buscava restabelecer o equilíbrio de sua família caótica, pois como dizia Mamaw, a família era tudo o que eles tinham. A falta de perspectiva do lugar e das pessoas que viviam na cidadezinha só não era maior que esse caos familiar, propiciando um terreno fértil para ninguém ir adiante. O caso de Bev era emblemático, pois ela estudou e se formou como enfermeira, mas o vício destruiu qualquer chance de progresso dela, levando-a ao fundo do poço. Mamav a protegia de seus destemperos, o que levantava a ira de J.D., que reclamava com Mamav sobre isso e queria morar com ela, já que Bev fazia um enorme rodízio de maridos e amantes que somente desestabilizava ainda mais as coisas. Até que, um belo dia, Mamav não aguentou o baque de tudo e baixou no hospital. Foi ali que ela pôde dar um tempo e fazer uma reavaliação das coisas, saindo do hospital pela porta da frente e indo à casa de Bev para pegar J. D. para criar. O menino, que sempre foi um bom garoto, já começava a se perder com as amizades erradas, e Mamav começa a lhe impor limites. Até que ele finalmente cai na real e começa a lutar por algo melhor, trabalhando e estudando, enquanto sua mãe caía ainda mais no buraco.
O tempo passou e J.D. foi para Yale estudar advocacia. Ele tem uma semana decisiva de entrevistas para conseguir um bom emprego num escritório. Mas consegue apenas uma entrevista, justamente no momento em que sua irmã liga e diz que sua mãe está no hospital com overdose de heroína. J.D. tem que retornar a Ohio para cuidar disso justamente a poucos dias da entrevista decisiva, ficando por lá o máximo de tempo que podia antes de retornar de carro, dirigindo por toda a noite (parece nome de música isso), para chegar a tempo da única entrevista que tinha conseguido. Mas a mãe teve alta do hospital, não tendo onde ficar, com nosso J.D. ainda andando por aí atrás de um lugar onde ela pudesse ficar provisoriamente, antes dele retornar para a entrevista. Realmente, não é mole não.
É um filme muito envolvente, pois mostra uma família mergulhada na instabilidade emocional, como há muitas por aí em cada esquina. Parecia que todas as dificuldades que J.D. passava com os seus só o deixava mais forte ainda para progredir e sair de toda a estagnação da cidade e de seu círculo familiar. A coisa teve cara de loop, pois era muito fácil culpar Bev por sua irresponsabilidade, mas ela também teve uma infância difícil com sua irmã, onde Mamav apanhava de seu marido bêbado e ela até botou fogo no corpo dele, com as meninas tendo que literalmente apagar o pai. J. D. vai encarar um mundo totalmente novo e cheio de preconceitos contra essa decadência interiorana, com ele sendo ríspido contra isso num meio altamente elitista, não se esquecendo de suas raízes. Entretanto, chega uma hora em que os problemas pregressos de sua família começam a impedi-lo de seguir adiante, e J.D. precisa tomar a dura decisão de não ficar o tempo todo prestando assistência à sua mãe, pois ele deve tocar a vida que está construindo.
Esse é mais um filme pesado, mas muito cativante, pois a gente se identifica demais com os personagens. Quem nunca teve um arranca-rabo com um parente muito próximo? A gente abraça junto com J.D. todas as suas angústias, revoltas e esperanças. Glenn Close e Amy Adams estavam supremas, onde a maquiagem tirou qualquer glamour hollywoodiano delas e as tornaram pessoas reais, que passam por angústias reais, sendo um o filme um concorrente forte ao Oscar de Melhor Maquiagem e Cabelo. Mas toda a maquiagem não seria suficiente se não fosse amparada pelas atuações das duas atrizes. Amy Adams era o paroxismo em pessoa, indo do extremo agressivo ao sofrimento incontido, passando por raros momentos de carinho, enquanto que Glenn Close era um misto de serenidade e firmeza, sempre nas horas certas. Torço muito para Glenn Close aqui, pois já queria ter visto ela ganhar o Oscar de Melhor Atriz na última vez que concorreu. Que ela consiga a Melhor Atriz Coadjuvante agora.
Dessa forma, “Era Uma Vez Um Sonho” pode até ser um filme que não tem muitas indicações, mas ainda assim é um filmaço, pois trabalha de forma bem contundente um choque de realidade ao radiografar uma família de interior dos Estados Unidos cheia de problemas e vivendo numa região decadente. Esse é um tema com o qual muitos se identificam, amparado por uma maquiagem e cabelo muito fortes e com atuações divinas de Amy Adams e Glenn Close. Merece, e muito, pelo menos um dos dois Oscars aos quais concorre.
Vamos continuar aqui a falar dos filmes que concorrem ao Oscar esse ano de 2021. “Rosa e Momo” (“La Vita Davanti a Sé”) é uma produção italiana que concorre ao Oscar de Melhor Música e conta com a presença mais do que especial de Sophia Loren. Esse é um drama que trabalha muito as relações humanas. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala de Rosa (interpretada por Loren), uma senhora de origem judia que sobreviveu ao holocausto e ao campo de concentração de Auschwitz. Ela cuida de crianças abandonadas pelos pais ou em situação de rua, até que elas consigam um novo lar e uma nova família. Um belo dia, ela anda pela rua e tem dois castiçais roubados por um menino, Momo (interpretado por Ibrahima Gueye). O garoto é criado pelo Dr. Coen (interpretado por Renato Carpentieri), médico de Rosa, que devolve os castiçais a ela, que pretendia vendê-los para pagar o aluguel. Curiosamente, ele pede a Rosa que fique com Momo por dois meses, o que exaspera Rosa, sem falar do fato de que Momo é um menino bem complicado e indisciplinado. Ele vende drogas para um traficante e tem muitas dificuldades de adaptação à nova casa. Mas, aos poucos e com muita paciência, Rosa e Momo se aproximam, com este último também trabalhando para um comerciante muçulmano, Hamil (interpretado por Babak Karimi). Momo tem origem muçulmana senegalesa e consegue se identificar com as tradições ensinadas por Hamil. O grande detalhe que irá aproximar definitivamente Momo e Rosa é a doença da senhora, que começa a ficar esquecida, simplesmente saindo do ar, ou seja, o mal de Alzheimer. Com o tempo, seu estado de saúde piora e ela pede a Momo que não fique no hospital, pois os médicos são ruins e “fazem experiências” com as pessoas, numa clara referência ao que acontecia nos campos de concentração. Quando isso acontece, Momo se desliga do tráfico, se reaproxima de Hamil, com quem havia se desentendido (apesar dessa aproximação progressiva, Momo mostra um comportamento complicado o tempo todo no filme, por ter sido muito barbarizado em vida, como o assassinato da mãe pelo pai, que queria que ela continuasse se prostituindo) e vai ao hospital tirar Rosa de lá, colocando-a num porão que era o refúgio de Rosa, o lugar onde ela realmente se sentia segura do mundo (quando ela estava em Auschwitz, se escondia embaixo dos alojamentos dos prisioneiros, onde estava livre dos olhos dos nazistas). Os dois serão encontrados por Lola (interpretado por Abril Zamora), uma travesti muito amiga de Rosa, com a idosa já morta. O filme termina com Momo indo ao enterro de Rosa, deixando em seu túmulo uma foto de um campo com flores que ela adorava e o menino indo com Lola e Hamil, que passariam a ser sua família.
É um filme cujo tema não é uma grande novidade. O detalhe aqui é que Rosa tem origem judia, perseguida pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, enquanto que Momo tem origem muçulmana, igualmente perseguido nos dias de hoje, mas como imigrante. Eles são membros de dois povos que são inimigos em muitas circunstâncias, mas que são também igualmente perseguidos na Europa e assim nossos dois personagens acabam se aproximando. Momo não tinha a menor ideia do que eram os números tatuados no braço de Rosa, e esta achava muito bom que ele não soubesse, sendo ela consciente da perseguição que tanto ela quanto Momo sofriam.
Sophia Loren, apesar da idade avançada, ainda atua com grande vitalidade e dá um carisma todo especial ao filme. Ela fez um bom par com Abril Zamora e sua Lola, com destaque todo especial para a dança que as duas fizeram ao som de uma música na vitrola, no vinilzão mesmo, cantada por ninguém mais, ninguém menos que Elza Soares (!). Mas creio que quem mais chamou a atenção mesmo foi o jovem ator Ibrahima Gueye, O Momo, apelido surgido de seu nome Mohamad. Ele conseguiu aliar a agressividade e rispidez que o papel exigia com uma visão mais terna e frágil nos momentos com Hamil e, principalmente, Rosa. A metáfora da leoa que cuidava dele como uma mostra da carência afetiva do menino deu um tom lúdico a um filme que é muito duro e sem um happy end.
Dessa forma, “Rosa e Momo” é mais um filme que concorre ao Oscar, que recebeu uma indicação talvez mais pela simpatia em que ele desperta (poderia ter ficado somente no Globo de Ouro mesmo, onde ganhou o prêmio por melhor música). Vamos ver se ele também vai ganhar a estatueta.
Mais um filme que concorre ao Oscar 2021. “Os Sete de Chicago” concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Sacha Baron Cohen, Melhor Roteiro Original para Aaron Sorkin, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Canção). Para que possamos analisar o filme mais a fundo aqui, vamos precisar de spoilers.
Vemos aqui a trajetória de oito (isso mesmo, não sete como está no titulo do filme) ativistas americanos numa época extremamente turbulenta, que foi o momento em que Lyndon Johnson deixa a presidência dos Estados Unidos para dar lugar a Richard Nixon. Uma Convenção do Partido Democrata irá acontecer em Chicago e membros de três grupos planejam ir para essa cidade com o objetivo de se fazer manifestações em frente ao hotel em que acontecerá o Congresso. Mas a turbulência política daqueles dias fez com que muita violência e repressão policial acontecesse e nossos oito protagonistas foram injustamente presos, sendo acusados de incitar as revoltas e levados a julgamento, com o objetivo claro por parte do governo e dos setores mais conservadores de se forjar bodes expiatórios. Um deles, um líder dos Panteras Negras, Bobby Seale (interpretado por Yahya Adbul Mateen II), não tinha advogado, pois ele se encontrava hospitalizado, mas foi a julgamento assim mesmo e sendo tratado com muita rispidez pelo juiz Hoffman (interpretado por Frank Langella, que fez o ministro Jaro em Jornada nas Estrelas Deep Space Nine). Aliás esse juiz meteu os pés pelas mãos no julgamento, trocando nomes, falas dos advogados e confundindo situações, mostrando-se claramente desqualificado para um julgamento de tamanha magnitude.
Desde cedo fica clara a intenção de se condenar os réus, onde o direito de defesa deles é constantemente cerceado. Por mais que o advogado deles, William Kunstler (interpretado por Mark Rylance) busque artifícios e argumentos, Hoffman sempre deixa registrado que o advogado o desacata. Testemunhos importantes como o do ex-procurador-geral (interpretado rapidamente por Michael Keaton), que poderia inocentar a todos, são desconsiderados pelo juiz, com o testemunho sendo dado sem o júri. Ou seja, o juiz atua de uma forma extremamente arbitrária, deixando bem claro o circo armado onde todos já estavam condenados de antemão pelo próprio juiz, que atuou mais como acusador do que qualquer outra coisa. Vale frisar aqui que dois dos acusados foram absolvidos para mostrar uma suposta benevolência do sistema, que seria implacável com os acusados politicamente mais repulsivos pelos conservadores.
O grande momento do filme, e o mais traumático, é quando um amigo de Seale que o orientava no julgamento foi assassinado pela polícia e Seale surta, desacatando continuamente o juiz, que obriga que os seguranças lhe deem uma surra num lugar reservado, além de algemá-lo e amordaçá-lo. Tal atitude foi de um impacto tão grande que até a promotoria pediu para se anular a acusação sobre Seale, que permaneceu preso pelos desacatos ao juiz e por uma outra acusação de homicídio que, a essa altura do campeonato, a gente tem muitas suspeitas de sua veracidade. Ficava bem claro que até os ativistas brancos e “comunistas” eram mais bem tratados que o membro dos Panteras Negras.
O filme tem um elenco estelar. Além de Keaton, Rylance e Langella, também temos a presença de Sacha Baron Cohen, que faz um dos acusados que tinha a toada mais irreverente de todas, e Eddie Redmayne, que fazia um líder estudantil mais “corretinho” que leria a declaração final antes do veredicto, uma declaração que devia ser despolitizada (já ouvi isso em algum lugar) e breve. O líder estudantil optou, então, por ler os nomes de todos os mais de cinco mil soldados mortos na Guerra do Vietnã, levando o juiz Hoffman à loucura. O veredicto… bom, estamos falando de um roteiro que é inspirado numa história real. Um happy end aqui seria praticamente um corpo estranho. Esse é um daqueles filmes que termina abruptamente e depois se diz o que aconteceu com cada pessoa (nem vou falar personagem aqui, pois se trata de pessoas reais) depois do fim da película, com a ajuda dos letreiros.
Dessa forma, “Os Sete de Chicago”, disponível no Netflix, é um filme que merece demais a atenção do espectador, pois mostra em cores vivas a clara intenção do movimento conservador americano, amparado pelo aparelho de Estado, de perseguir seus opositores políticos que lutavam pelos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã. A arte de produzir bodes expiatórios podia ir até as últimas consequências naqueles dias tão opressores. E vemos isso de forma bem clara nessa película.
Dando sequência às nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, retornemos à série clássica para investigar “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, o segundo piloto de Jornada nas Estrelas que fez a série pegar no tranco e se transformar em todo o Universo que conhecemos. Sabemos como é, todos merecem uma segunda chance.
E qual é o plot? A Enterprise recebe um sinal de socorro de uma nave perdida há mais de dois séculos. Spock e Kirk jogam xadrez tridimensional e sabemos o basicão do vulcano: ele não tem emoções humanas, mas é filho de uma terráquea com um vulcano. Uma espécie de sonda muito pequena é detectada e teletransportada para dentro da nave por um Scott que é mais um figurante do que personagem. A sonda guarda informações da nave em que estava e é expelida antes da nave explodir. Kirk ordena que a sonda seja ligada ao computador da nave para se ver quais são as informações em suas “fitas”.
Kirk e Spock vão para a ponte e, na navegação está o senhor Mitchell (interpretado por Gary Lockwood, que trabalhou em “2001, Uma Odisseia no Espaço”). Kirk ordena que a nave saia de dobra e deixa a tripulação à parte da sonda da antiga nave S. S. Valiant. Ele recebe uma equipe de membros da tripulação (onde temos um Sulu calado como um bom figurante) e, entre esses membros está a psiquiatra Dra. Dehner, cuja missão é verificar a reação da tripulação em emergências. Mitchell joga um gracejo para Dehner e esta o coloca em seu lugar. Ao receber o fora, fala com o colega ao lado que a doutora é um congelador ambulante, por não ter caído no seu gracejo, em mais uma manifestação machista da década de 60, como já vista em outros episódios de TOS. Spock lê os dados da sonda e descobre que a S. S. Valiant interagiu com uma espécie de grande força desconhecida que atiçou a percepção extrassensorial (PES) dos tripulantes, sendo que, ao final, o capitão mandou destruir a nave.
Kirk ordena que a nave entre em dobra 1 e ela atravessa uma espécie de barreira que tem algo que é detectado pela nave, mas não é sabido muito bem o que é. Mitchell e Dehner são atingidos por uma força desconhecida e perdem os sentidos. A Enterprise atravessa a barreira. Houve nove mortos nessa passagem da Enterprise pela barreira, sinal que os roteiristas carregavam nas tintas no início da série (o KIrk nem ficou tão abalado assim, justamente ele, que pira na batatinha quando perde um tripulante). Mitchell acorda e está com os olhos totalmente prateados.
A Enterprise está sem força de dobra e KIrk se pergunta o que aconteceu com a Valiant, já que ela também atravessou a barreira. Só foram atingidos pela energia desconhecida aqueles que tinham percepção extrassensorial, ou seja, os nove tripulantes que morreram, Dehner e Mitchell. Os dois últimos tinham alta PES e não morreram. Mitchell, com a maior PES de todas, ficou com os olhos prateados. Kirk e Spock desconfiam desse dom de Dehner e Mitchell.
Kirk visita Mitchell na enfermaria e este diz que está se sentindo bem e quer voltar ao seu posto. Ele está estranho, meio desafiante, meio petulante. E lendo filosofia de forma muito rápida. Kirk ordena a Spock que se façam exames completos em Mitchell e que ele seja vigiado.
Dehner visita Mitchell e esse tenta impressioná-la alterando as leituras do seu corpo. Um outro tripulante que conserta a nave o visita e Mitchell recomenda os consertos certos lendo a mente do tripulante. Este reporta a situação na sala de reuniões para Kirk e os demais tripulantes. Dehner entra na sala determinada a defender Mitchell, mas Kirk, Spock e os demais mostram grande preocupação com o crescimento das habilidades de Mitchell, que pode afetar severamente a segurança da nave. Quando a reunião termina, Spock dá duas opções ao capitão: ou deixar Mitchell sozinho num planeta minerador (Delta Vega, onde eles tentarão obter o dilítio para recuperar o motor de dobra), ou matá-lo. Kirk decide pela primeira opção. Devemos nos lembrar que o personagem de Spock ainda estava em desenvolvimento e essa opção por matar Mitchell estava em sua pura visão lógica dos fatos para proteger a Enterprise. Nimoy não gostou nada disso e, como veríamos mais tarde, o vulcano teria a chance de abraçar opções muito mais fraternais e multiculturalistas (leia-se a Horta; mas isso é em outro episódio que será discutido no momento oportuno).
O grande problema é que Mitchell já sabe dos planos contra ele e, ao ser recebido por Kirk, Spock e Dehner na enfermaria, joga uns raiozinhos no capitão e no primeiro oficial. Mas conseguem imobilizá-lo e sedá-lo. Todos eles descem para a superfície do planeta, cujas instalações mineradoras parecem a fachada do Palácio da Alvorada, em Brasília. Mitchell é confinado a uma cela com campo de força e fala de forma ameaçadora com os demais, dizendo que é melhor realmente matá-lo. Ele se joga contra o campo de force e, enfraquecido volta ao normal por uns segundos (seus olhos passam a ser o que eram antes), mas logo se recupera, dizendo que vai ficar cada vez mais forte. E, quando isso acontece, Mitchell mata um tripulante, joga mais uns raiozinhos em Kirk e Spock e passa a controlar a Dra. Dehmer, alem de desligar o campo de força da cela. A doutora também fica com os olhos prateados. Eles fogem. Kirk é reanimado pelo médico e vai atrás de Mitchell e Dehner. Ao encontrar com eles, Kirk tenta convencer Dehmer a voltar a ser psiquiatra e dar um prognóstico a Mitchell. Este, já se sentindo um deus e totalmente corrompido pelo poder, deixa clara toda a sua arrogância e Kirk mostra isso a Dehmer, que joga uns raiozinhos em Mitchell, que responde o fogo e se enfraquece. É a deixa para Kirk entrar em luta corporal com Mitchell, ficar com marcas de sangue, camisa rasgada, etc. Ao fim, Kirk consegue, com um rifle phaser, atirar numas pedras que soterram e matam Mitchell. Quando Kirk vai prestar assistência a Dehmer, ela também morre, dizendo, em suas últimas palavras a Kirk, que ele não sabe o que é estar perto de ser um deus.
Na ponte, Kirk, registra que Dehmer e Mitchell morreram no cumprimento do dever, pois não foi por vontade deles tudo o que aconteceu. Spock diz que lamenta também a morte dos dois. Kirk diz a Spock que ainda pode haver uma esperança para ele, já que ele expressou ali uma emoção. Fim do episódio.
O que podemos dizer do novo episódio piloto de TOS “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”? Em primeiro lugar, esse episódio foi possível depois do rejeitado “The Cage”, pois o pessoal da NBC decidiu dar uma segunda chance, já que eles mesmos haviam aprovado o roteiro que depois acharam muito cerebral com a execução do episódio. Assim, “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” foi executado tendo somente Leonard Nimoy e Majel Barrett do episódio original. Houve, de cara, uma preocupação em construir o personagem Spock, o alienígena de orelhas pontudas que assustava os puritanos WASPs por se parecer com o demônio. Já sabemos, nos primeiros minutos, que Spock parece não ter emoções, mas é um mestiço alienígena, pois sua mãe é terráquea. A frieza vulcana é até mal vista ao longo do episódio quando Spock dá a Kirk apenas duas alternativas para salvar a nave e a tripulação de Mitchell: ou abandoná-lo num planeta deserto ou matá-lo. Kirk aceita a primeira alternativa, mas não sem muita relutância. Pelo menos, ao final do episódio, com a morte de Mitchell e as palavras de lamento de Spock, Kirk disse que o vulcano ainda poderia ter salvação, como realmente o teve posteriormente. De qualquer forma, analisando toda a crise de forma fria e pragmática, não podemos deixar de concordar que Spock tinha a sua razão.
Esse foi também um episódio que falou muito de percepção extrassensorial, um assunto que parecia estar muito em voga naqueles anos. Eu me lembro muito bem quando Uri Geller veio ao Brasil, uns dez anos depois de “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, e ficava entortando colheres e garfos na TV usando a força da mente (depois falaram que era tudo uma tremenda duma mutreta). No caso, a percepção extrassensorial tinha origem na grande barreira e funcionava como a vilã da história, pois dava ao ser humano poderes ilimitados que o corrompiam totalmente, tornando-se verdadeiros deuses que usavam de forma completamente imoral o poder que tinham. E aí está a grande reflexão do episódio: até onde o ser humano está preparado para assumir um grande poder e, consequentemente, uma grande responsabilidade? Era Jornada nas Estrelas dando mais uma vez o cartão de visitas. Se em “The Cage” a execução do episódio foi mais cerebral, em “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, houve a preocupação de se enxertar mais cenas de ação para o espetáculo televisivo, mas essa reflexão sobre poder absoluto que corrompe absolutamente estava lá nas entrelinhas.
No mais, vemos futuros personagens em participações tão furtivas que mais pareciam figurantes, leia-se Scott e Sulu, com pouquíssimas falas, mas que já estavam ali juntamente com Kirk e Spock. Nada de Uhura e McCoy, entretanto. Aliás, o médico era outro, Mark Piper (interpretado por Paul Fix).
Assim, “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” pode ser descrito como um episódio que começava a construir Jornada nas Estrelas tal como conhecemos. Questões reflexivas, as cenas de ação que a TV exigia, os personagens de TOS que depois seríamos bem íntimos, um machismo latente da década de 60 que insistia em dar o ar de sua (des)graça, etc. O mais divertido aqui será ver como cada pecinha dessas foi se alocando nesse quebra-cabeça com o passar dos episódios.
Vamos dar sequência às nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, falando hoje do quarto episódio da primeira temporada de Enterprise, intitulado “Inesperado”.
Muitos problemas ocorrem dentro da NX-01. Archer sofre com o desconforto da placa de gravidade dando defeito durante seu banho, o sintetizador de alimentos não funciona direito quando T’Pol tenta usá-lo, e outros problemas. Trip acha que o problema está no exaustor de plasma. Eles saem de dobra para consertar. T’Pol percebe que o plasma que sai dos exaustores está muito próximo da nave. Eles investigam e descobrem que há uma nave camuflada no meio do plasma. Archer pede para Hoshi abrir as frequências de saudação e, ao falar com os alienígenas, descobrem que eles estão com problemas em sua nave e usam o campo de dobra da Enterprise para se deslocar. Archer pede que eles retirem a camuflagem. Trip é escalado para ajudar a nave alienígena (xyriliana) e vai ficar três dias lá. Ele passa um tempo desagradável numa câmara de descompressão e se encontra com os alienígenas da nave. Trip está meio grogue, mas trabalha nas máquinas da nave com uma alienígena. Ele entra em contato com Archer, diz que não se sente bem e que quer voltar para a Enterprise. Archer entra em contato com o capitão da nave alienígena e este diz que Trip deve dormir um pouco, pois chegou à nave e não quis descansar. Archer ordena que Trip permaneça na nave e descanse uma hora antes de começar a trabalhar. Depois do descanso, Trip conversa com a alienígena que mostra que a nave tem uma espécie de ecossistema vegetal de onde os alienígenas extraem comida e assim ele se aproxima da alienígena que, mesmo com uma pele cheia de escamas, é mais sensual do que T’Pol (se me permitem o comentário macho heterossexual). A alienígena leva Trip para uma sala que reproduz, por meio de hologramas, o planeta natal dela (isso mesmo, caro leitor trekker, um holodeck no século 22). A moça xyriliana convence Trip a participar de uma espécie de jogo onde eles trocam informações um do outro telepaticamente, o que faz rolar um clima entre eles. Mas os motores são consertados e Trip retorna à Enterprise. A tripulação das duas naves se despedem e a nave xyriliana entra em dobra. Enquanto comia, Trip percebe uma espécie de verruga no braço. Ao mostrá-la a Phlox, este diz que a verruga é um mamilo e que existe uma forma de vida dentro dele. Ou seja, Trip está grávido e rolou um contato imediato de quarto grau entre ele e a moça xyriliana. Assim, ficou difícil para Trip convencer Phlox, Archer e T’Pol (que zoou imensamente da cara dele) de que não rolou nenhum contato sexual. Foi nesse momento que Trip lembrou do jogo telepático feito com a xyriliana, onde os dois colocavam suas mãos juntos numa caixa de pedrinhas para se ter o elo telepático. Archer decide procurar os xyrilianos para resolver a questão. O mais curioso é que Trip começa a despertar sentimentos maternais, além de ficar com mania de perseguição e mais sensível. Como eles procuram os xyrilianos há oito dias e não conseguem achá-los, Archer fala a Trip para este já cogitar a hipótese de ser mãe para esse ser que vai nascer, o que deixa o engenheiro-chefe transtornado.
A nave xyriliana é encontrada, mas a Enterprise intercepta um cruzador klingon. Conclui-se que a nave xyriliana pifou de novo e está camuflada pegando uma carona na nave klingon. Archer tenta entrar em contato com a nave klingon e toma uns dois torpedos fotônicos pela proa. Ele retoma a comunicação e fala com os klingos dos xyrilianos. Os klingons decidem matar os xyrilianos mas Archer insiste que não faça isso. Diante da irredutibilidade dos klingons, T’Pol entra na conversa e diz que foi Archer que levou Klaang ao Império (episódio piloto), evitando uma guerra entre as casas. Trip fala também que os xyrilianos têm uma fantástica tecnologia holográfica. O capitão klingon diz que irá à nave xyriliana. Trip quer ir junto mas o klingon não quer sua presença. Archer então abre o jogo e fala da gravidez de Trip para o klingon, fazendo os klingons caírem na risada, sob os olhos atônitos da tripulação da ponte da Enterprise. Na nave xyriliana, O capitão klingon aceita o holodeck e Trip mostra sua gravidez à alienígena, que diz que o embrião ainda pode ser transferido para outro corpo. Com tudo resolvido, T’Pol fala a Trip que, pelos registros, ele é o primeiro ser humano do sexo masculino a ficar grávido. Trip diz ironicamente que sempre quis entrar para a História. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “Inesperado”? Em primeiro lugar, não há aqui uma mensagem ou reflexão mais profunda. Esse foi um episódio com um leve acento cômico, que foi a gravidez de Trip e os comentários muito engraçados de T’Pol sobre a situação. Mas o episódio mantém a linha dos episódios anteriores de que os humanos ainda aprendem a fazer contato com novas civilizações e saber lidar com os percalços disso. Se dessa vez eles encontram uma espécie muito pacífica que é a dos xyrilianos, responsáveis por passar a tecnologia do holodeck, que apareceu mais em TNG, isso não significa que esse contato não tenha trazido problemas. Se Trip foi descuidado ao se relacionar com a xyriliana, não prevendo qualquer coisa inesperada, o mesmo ocorre com a xyriliana, que sabia que podia engravidar seu parceiro, mas não acreditava que isso poderia acontecer com um ser de outra espécie. Ou seja, a moral da história desse episódio muito bem podia ser aquela máxima ancestral: “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.
No mais, foi muito legal ver o Archer bonachão e inexperiente interagir com os klingons casca grossa, onde a diplomacia não ajuda muito. Os argumentos de Archer para salvar os xyrilianos da destruição certa já estavam se esgotando quando T’Pol (sempre ela) salva o dia mais uma vez e, entendendo a cultura klingon, fazendo sempre o mais lógico, consegue convencer o capitão do cruzador a conversar com os xyrilianos, não sem Trip passar um ridículo por todos e ter que revelar a sua gravidez até na frente dos klingons.
Dessa forma, “Inesperado” é um episódio de Enterprise que mostra que a interação de humanos com espécies alienígenas pode ser mais problemática do que meras questões de beligerância. Até na paz e na boa compreensão pode rolar um probleminha inesperado. E assim, a corajosa tripulação da Enterprise vai adquirindo suas experiências, sob os olhos frios de uma T’Pol que, dessa vez, deve estar morrendo de rir por dentro, como pudemos ver no seu fino e delicioso sarcasmo com Trip.
O terceiro episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Povo da Terra”, infelizmente confirmou um medo: o da volta da série de um personagem só, no caso a Michael Burnham, que volta a se levar demais a sério, assim como os demais personagens que a idolatram, o que foi uma constante nas temporadas anteriores. Esse episódio foi escrito por Bo Yeon Kim e Erika Lippoldt e dirigido por Jonathan Frakes. Para podermos falar desse episódio, os spoilers estão liberados.
Qual é o plot? O episódio começa com um diário pessoal de Burnham para a tripulação da Discovery explicando o que ela achou no futuro. Setecentos anos depois deles terem partido para o futuro, o suprimento de dilítio acabou. A Federação procurou fazer projetos alternativos de dobra que acabaram sendo não confiáveis. Aí, veio a combustão, onde ninguém sabe exatamente o que aconteceu, mas todo o dilítio ficou inerte num instante, o que provocou a explosão de todas as naves com núcleo de dobra ativo. A Federação desapareceu, sendo somente uma sombra do que já foi. Burnham se tornou uma transportadora, trocando bens por dilítio para explorar os setores e procurando por pistas para descobrir o que causou a combustão e tentar reerguer a Federação. Ela ainda procura a Discovery, ama a todos, etc., etc., e que encontrou um amigo (Book). Um belo dia, o sinal do comunicador soa. E ela encontra a tripulação da Discovery, onde a choradeira é geral, como não podia deixar de ser. Numa conversa com Saru, Burnham diz que enviou uma transmissão para Terralísio e recebeu como resposta que nunca ouviram falar da mãe dela. Burnham conversa com a tripulação que a combustão parece ter ocorrido em um instante e em todo o espaço. Stamets diz que isso é impossível, que nada faria todo o dilítio ser afetado ao mesmo tempo. Georgiou, de forma ríspida, diz a Stamets que ele salta a nave num espaço cogumelo, sendo a primeira mostra dos diálogos insuportáveis que são uma marca de Discovery. Burnham diz que morreram milhões e encontrou uma transmissão da Frota Estelar. A transmissão é de um almirante Senna Tal, que diz que vai esperar por quem quiser se unir a ele na Terra. A mensagem tem doze anos e a Terra estava longe para alcançar. A ideia é ir para a Terra com o motor de esporos (ele de novo!!!) e encontrar o almirante Senna Tal. Saru quer conversar com Burnham sobre quem vai ser capitão da Discovery, mas Burnham “deixa” o Saru ser o capitão, pois ele ficou responsável pela nave sozinho (essa “permissão” de Burnham revela duas coisas: ela ainda pode tudo na série, até conceder postos de capitão: e foi atendido um pedido do fandom, onde muitos queriam que Saru fosse capitão, apesar da bênção e graça de Burnham). Saru senta na sua cadeira e enfatiza a importância de se fazer tudo juntos, ou seja, valorizando o trabalho em equipe, parecendo ser essa equipe um pólo destacado de Burnham.
Tilly e Burnham começam uma conversa de que os parentes já se foram há séculos e se vai existir algo que eles vão reconhecer quando chegar à Terra, como as pirâmides de Gizé ou bolo. Burnham diz que o bolo é eteno (???), algo um tanto piegas. A conversa termina com mais uma choradeira. Se a Burnham do primeiro episódio ainda tentou segurar o choro na frente do Book, quando ela se encontra com a tripulação da Discovery, a choradeira começa de novo, infelizmente. Tilly ainda diz que gostou dos dreads da Burnham e que ela parece mais leve, naquela tentativa de mostrar uma Burnham mudada que, nesse episódio, parece ser cada vez mais a velha Burnham de sempre.
Book é transportado para a Discovery por Georgiou, o que rende alguns daqueles diálogos chatos que somente os roteiristas de Discovery sabem escrever tão bem (ou mal, dependendo do ponto de vista). E, depois, vamos ter a primeira sequência de conversas entre Book e Michael, algo que deixou o episódio um tanto sonolento e até arrastado, pois eles falavam de seu ano de convivência juntos, onde não sabemos de nada o que aconteceu, com a maior naturalidade e desenvoltura do mundo.
Michael sugere a Saru para colocar todo o dilítio da Discovery escondido na nave de Book, algo que Saru não gosta muito. O kelpiano também quer saber por que Michael “concedeu” o comando da nave a ele. Ela diz que, no ano que passou no futuro, muito da sua perspectiva mudou. Foi decidido que o dilítio ficará na nave de Book e ele não poderá entrar na nave até que cheguem à Terra.
A Discovery chega a Terra, mas a recepção é das piores. A capitã Ndoye, da Força de Defesa da Terra Unida, diz que eles violaram algumas leis e que devem partir, pois não são bem vindos. Saru fala da intenção deles procurarem um almirante na Terra e Ndoye fala que fará uma inspeção na nave, com muitos oficiais de defesa da Terra se transportando para a nave. Michael ajuda Book a entrar num uniforme da Discovery, enquanto eles continuam falando de eventos que passaram juntos e que não presenciamos.
Michael e Georgiou conversam no corredor um papo bem emblemático: até onde Burnham se encaixa na Discovery depois dela passar um ano no futuro e fazer o que quiser? Ela respeitaria as regras da Discovery?
Depois, Burnham (sempre ela) vai conversar com Saru e com Ndoye. Saru pergunta a Ndoye do que a Terra tem tanto medo. Ndoye diz que a Terra é autossustentável e que é atacada por piratas que querem roubar dilítio, sendo que a maior ameaça é um alienígena chamado Wen. Saru assegura que a Discovery nada tem a ver com esses saqueadores. Saru diz que somente quer fazer contato com a Federação, mas Ndoye diz que a Federação e a Frota Estelar já não estão na Terra há cerca de cem anos, pois achavam que permanecer no planeta as tornaria um alvo depois da combustão. A autossuficiência da Terra também não faz mais a presença da Federação necessária. Sobre Senna Tal, Ndoye diz que ele já está morto há dois anos.
Na Engenharia, Stamets está muito incomodado com uma (ou um?) adolescente de dezesseis anos, de características bem andróginas, que inspeciona o motor de esporos. O nome da moça é Adira. Enquanto isso, as naves de Wen vêm para ataque e Ndoye diz para não responder. Mas Saru diz que ela não tem jurisdição sobre a Discovery e ele quer abrir um canal para comunicação. Wen quer que o dilítio da Discovery seja entregue ou ele atacará. Ndoye diz a Saru que o pedido que ele fez para visitar a Terra está negado e que a Discovery tem que sair da órbita da Terra para que o planeta lide com Wen. Mas, ao se transportar, Ndoye e os oficiais da Terra não conseguiram. De forma muito intransigente, Ndoye diz que a Discovery sabotou os transportes. Saru diz que não sabotaria a força da Terra e que vai lidar com Wen e com o problema do transporte. Ndoye diz para levar o conflito para longe, ou vai entender isso como uma guerra da Frota Estelar contra a Terra. Michael empurra Book para um plano para salvar a Discovery e eles levam a nave de Book abarrotada de dilítio para o espaço, sem sequer avisar a Saru.
Na Engenharia, Tilly e Stamets descobrem um dispositivo, instalado por Adira, que sabota os transportadores da Força da Terra e que, se mexido, pode desligar os escudos da nave. Eles decidem se aproximar de Adira para entender melhor seus planos, depois de mais um diálogo pitoresco.
Saru quer entrar em contato com a nave de Book, mas Georgiou diz que não, pois isso vai atrapalhar o plano de Michael. Depois, Ndoye decide que a nave de Burnham deve ser alvejada, num festival de desrespeito total à autoridade de Saru como capitão.
O plano da Burnham é fingir que vai entregar o dilítio a Wen. Mas Ndoye quer por que quer destruir a nave de Book. Saru, que não quer atacar a Terra, vai se colocar entre as forças de defesa da Terra e a nave de Book para protegê-la. A Discovery é atingida e um outro tiro atingirá a nave de Book e de Wen. Burnham diz isso a Wen e diz que ele terá que abaixar os escudos para o transporte do dilítio. Wen abaixou as armas e, quando abaixou os escudos, ele foi transportado. Michael, Book e Wen aparecem na ponte da Discovery. Burnham coloca Wen e Ndoye cara a cara para conversarem. Mas os dois não se entendem. Então Georgiou, com sua sutileza de um rinoceronte entrando a toda numa loja de cristais, chuta a perna de Wen e o capacete deste cai, revelando-se um humano. Saru insiste que Ndoye e Wen comecem um diálogo. Wen é de uma colônia em Titã que se separou da Terra há um século por ser autossuficiente, mas essa autossuficiência foi perdida num acidente, perdendo também a capacidade de comunicações para pedir ajuda. Quando uma nave foi à Terra pedir ajuda, foi destruída. Saru e Burnham intervêm na conversa e dizem que a Terra e Titã agora podem fazer um acordo baseado em trocas, acabando com o estado de litígio entre os dois e com o ideal da Federação consertando as coisas. Ndoye autoriza a visita da tripulação da Discovery à Terra.
Stamets encontra Adira e diz tudo sobre o motor de esporos a ela, além de dizer que é do século 23. Mas pressiona a moça para ela dizer quem realmente é. Ela disse que se tornou inspetora para poder achar uma nave da Federação e que a sabotagem foi para ganhar tempo, além de ter certeza que a tripulação da Discovery fosse confiável. E que Adira quer ir com a tripulação da Discovery, pois conhece Senna Tal. Mais tarde, Adira revela a Saru que ela carrega um simbionte trill, apesar dela ser humana. O problema é que Adira, por ser humana, tem dificuldade de acessar as memórias dos hospedeiros anteriores, dentre eles Senna Tal. Assim, Adira pode ter lembranças do que ocorreu com a Frota Estelar. Burnham se desculpa com Saru dizendo que deveria ter contado sobre o plano de tirar a nave de Book com o dilítio da Discovery e Saru diz que ela deveria ter contado sim, pois a confiança entre os dois é indispensável. Burnham diz que mudou em um ano e que ainda está assimilando isso, mas que pretende trabalhar com Saru, Os dois acertam que Burnham será a Primeira Oficial. Já Book vai embora. O episódio termina com a tripulação da ponte da Discovery, sem Saru e sem Michael, abraçando uma árvore de cerca de mil anos de idade, que era a árvore onde eles estudavam quando eram cadetes da Academia da Frota Estelar no século 23, sendo essa a permanência que Tilly queria encontrar quando chegou à Terra depois de 930 anos, o que levou também a uma consciência ecológica que já vimos em Star Trek com lacraias gigantes e, não esqueçamos, baleias.
O que podemos dizer do episódio “Povo da Terra”? Em primeiro lugar, esse foi um episódio mais arrastado que os anteriores. E não por causa da ausência de cenas de ação, mas sim por alguns diálogos altamente maçantes (um problema recorrente em Discovery), principalmente entre Michael e Book, que ficaram relembrando várias coisas que fizeram em um ano e que ninguém, apenas eles, testemunharam. Todos os fatos narrados por eles somente faziam algum sentido para eles e isso tornava a coisa chata, já que o espectador não pegava qualquer referência. Confesso que a única coisa que esses diálogos queriam mostrar foi que houve um relacionamento de amizade bem construído entre Michael e Book, onde até tivemos uma Michael mais leve como assinalou Tilly. Entretanto, foram conversas um pouco maçantes a meu ver que afetaram um pouco o ritmo do episódio. Isso sem falar de diálogos mal escritos para outros personagens, como as descomposturas de Georgiou ou o bolo da Tilly.
E a Michael Burnham? Mais livre, leve e solta ou a Michael de sempre? Nos seus momentos com Book, ela parecia mais livre, leve e solta realmente. Mas no relacionamento com a tripulação, os vícios das temporadas anteriores ainda assombram a personagem. A choradeira do reencontro (espero que essa choradeira pare por aqui), a “nomeação” que ela faz de Saru como capitão, a heroína mais infalível que o papa na nave, reconhecida até por Georgiou, que é agressiva com todo mundo. Pelo menos, a personagem se desculpou com Saru ao desobedecer sua ordem de não levar a nave de Book cheia de dilítio para o espaço, no que Saru afirmou que ela realmente não deveria ter saído com a nave e que a confiança é fundamental. Foi bom ver que Burnham reconhece que gosta de fazer o que quer, tal como ela fez no ano que passou com Book no futuro (e, convenhamos, como ela fez nas duas primeiras temporadas), e que precisa mudar com relação a isso para ser a Primeira Oficial de Saru (parece que aqui mais uma vez os roteiristas assumem essa insubordinação de Burnham do passado para agora fazer uma Burnham um pouco mais comportada que segue aqui a hierarquia militar; torçamos que eles consigam e resistam à tentação de tornar a personagem novamente insubordinada).
Foi muito chato, também, ver Saru sendo desrespeitado por Georgiou e Ndoye. É caso para novamente confinar aos aposentos, retirando da ponte, pois ficar batendo boca não adianta muita coisa. Mas essa não é a índole de Saru, que prioriza o lado diplomático, embora não esqueçamos que a Frota Estelar também já deu suas demonstrações de força. Phasers e torpedos fotônicos servem para que?
Foi criticado por aí que a Terra se transformou nesse episódio numa metáfora dos Estados Unidos da Era Trump. É a velha história do agora século 32 com cara de século 21. Todo esse estado beligerante até poderia ser justificável no contexto apresentado, não fosse por um problema: a escala de tempo aqui não está sendo contada em anos ou décadas, mas sim em séculos. Esse estado de agressividade terrestre mantido por um tempo de longa duração passa a ficar menos crível, pois as relações entre a Terra e Titã já poderiam ter sido resolvidas no espaço de um século. Mas devemos acompanhar a lógica do roteiro. O negócio era usar o espírito da Federação para resolver um conflito, um litígio. E aí, tivemos esse desenvolvimento mal encaixado. De qualquer forma, confesso que ainda gosto desse tino diplomático do Saru, que exalta os ideais da Federação e é cada vez mais um porta-voz do fandom mais antigo.
E Adira? Uma personagem bem andrógina, ao estilo Ziggy Stardust do David Bowie. Confesso que achei boa a ideia do simbionte trill par acessar as memórias dos hospedeiros anteriores com o objetivo de se descobrir o que passou nos últimos séculos e, melhor ainda, a coisa do simbionte trill ter um hospedeiro humano, pois assim há uma maior dificuldade de acessar essas memórias. Só achei um pouco problemático esse quê um tanto infantil dado a personagem pelo fato dela ter apenas dezesseis anos. Só espero que isso não traga mais diálogos grotescos.
E o final com a árvore milenar? Confesso que gostei bastante, pois sabemos que existem árvores tão longevas assim, como as sequóias nos próprios Estados Unidos, sem falar que se trabalha novamente a questão da consciência ecológica, tão importante nesses dias de hoje. E já tínhamos visto essa consciência tanto trabalhada com as lacraias gigantes quanto com baleias, como é muito importante frisar aqui.
Dessa forma, “Povo da Terra” é um episódio de Discovery mais arrastado, com alguns problemas, mas também com algumas virtudes. Vamos ver o que os roteiristas nos preparam para os próximos episódios.
Dentro de nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas Lower Decks, chegamos ao nono episódio intitulado Crisis Point. Lembrando que os spoilers estão liberados.
Qual é o plot? Mariner está num planeta onde uma espécie roedora tem o hábito de devorar uma espécie reptilóide (elas foram vistas em TNG). A alferes consegue acabar com essa prática, mas a capitã Freeman diz que ela está violando a Primeira Diretriz e que precisa mudar os hábitos fazendo terapia. Mariner volta a ser extremamente agressiva e desrespeitosa, mostrando que precisa mesmo de terapia. Quando está com o terapeuta, Mariner é agressiva em contrapartida ao terapeuta, que é bem calmo para lidar com a situação. Enquanto isso, Boimler fará uma entrevista com a capitã para conseguir ir a um workshop de diplomacia avançada. Ele está treinando o que irá dizer na entrevista e fez um programa de holodeck para interagir com ela e a tripulação da nave. Mariner tem uma ideia e faz alterações no programa para ele virar uma espécie de filme cheio de referências aos longas da série clássica e a “Generations”, com o objetivo de, ela mesma, fazer a sua “terapia”. O filme trata de uma nave impostora que fez o segundo contato com uma espécie alienígena e a Cerritos precisa investigar. Quando a tripulação sênior, juntamente com Boimler estão na nave auxiliar para se acoplar à Cerritos, temos a paródia de Kirk e Scott chegando à Enterprise em “The Motion Picture”, com todos emocionados vendo a Cerritos (o chefe de engenharia Billups inclusive chora, numa zoação com os fãs que gostam muito dessa cena; sei que a série é para rir e iconoclasta, mas…). Ao chegarem ao planeta do falso segundo contato, aparece uma espécie de ave de rapina klingon liderada por Vindicta, uma personagem criada por Mariner para se vingar da capitã Freeman. Tendi e Rutherford fazem parte da tripulação também interpretando personagens malignos. Mas, na verdade a Cerritos vê uma gravação enquanto Vindicta invade a Cerritos com Tendi e Rutherford, desintegrando todos os tripulantes que vê pela frente. No meio do tiroteio, Boimler busca mais informações sobre a capitã Freeman para sua entrevista e sabe que ela gosta de biscoitos, mas ela é alérgica a um sabor. Só que Boimler não consegue saber, pois Ransom morre antes de dizer a ele. Rutherford, por sua vez, vai atrás de seu chefe, o engenheiro Billups e, ao invés de matá-lo, o elogia e o ajuda a estabilizar a Engenharia. Os dois ficam amigos.
Tendi se cansa da violência explícita de Mariner e abandona a simulação. Vindicta invade a ponte e diz a capitã que quer que ela a pare de tratar como a pessoa má o tempo todo. A capitã diz que Vindicta é a pessoa má e não a conhece. Vindicta explode sua nave e a explosão atinge a Cerritos, que cai na superfície do planeta da mesma forma que a Enterprise em “Generations”. Rutherford conseguiu transportar boa parte da tripulação, pois num filme isso é possível. Já Freeman e Vindicta lutam dentro da ponte destruída. Quando Vindicta domina Freeman e vai matá-la, Mariner aparece e transporta a mãe. Mariner e Vindicta lutam e a primeira é lançada de uma grande altura. Na superfície do planeta, Boimler tenta dar biscoitos de chocolate para Freeman, mas ela é alérgica. Um tripulante rende Boimler. Quando Vindicta vai matar Mariner, esta diz que não odeia a nave, que está com seus amigos nela e que gosta de sua mãe, pois ela a está protegendo mantendo-a na Cerritos para não estar acabada na Frota Estelar. E reconhece que é um pé no saco. Vindicta diz que a única pessoa em que Mariner pensa é nela própria. Mas Mariner distraiu Vindicta para dar tempo de todos fugirem do disco da Cerritos e ela acionar a autodestruição. O disco explode com as duas dentro. Boimler, jogado de um penhasco, vê o programa ser encerrado e cair a uma pequena altura do chão do holodeck. Vindicta, na verdade a Mariner real, ficou espantada de receber um chute na bunda de si mesma e concluiu que a terapia que criou para si própria funcionou.
No bar, Rutherford quer falar com o Billups real, mas não consegue, por achá-lo forte como uma pedra. Mas vemos que Billups é bem frágil emocionalmente. Mariner pede desculpas a Tendi por tudo o que aconteceu no holodeck. Tendi aceita as desculpas e as duas mais Rutherford vão rindo assistir ao núcleo de dobra, passando por Freeman. Mariner aproveita a ocasião para pedir desculpas à mãe. Esta, ressabiada, vai à terapia e acha que a filha está tramando algo, exigindo informações do terapeuta que, pela ética da profissão, não pode revelar nada, o que deixa Freeman furiosa.
Boimler volta ao programa um pouco antes de sua entrevista real com a capitã para descobrir mais alguma coisa dela e vê a capitã lamentando a morte da filha no disco e diz que não queria que as pessoas soubessem que Mariner era a sua filha, querendo levá-las até a corte marcial se soubessem disso. Boimler fica apavorado com a informação. A entrevista é um fracasso total e Boimler sai correndo dela, apavorado. Freeman diz no padd que Boimler não se preparou para a entrevista. Na superfície do planeta, Vindicta aparece de um torpedo fotônico, tal como a urna funerária de Spock, falando “vingança”, mas é desintegrada por um Leonardo da Vinci holográfico. As assinaturas dos Lower Decks aparecem tal como no final de “A Terra Desconhecida”. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “Crisis Point”? Em primeiro lugar, tivemos mais um bom episódio que parece que redimiu Mariner. Se ela foi extremamente insuportável no início da série, depois a personagem deixou de ser muito agressiva em quatro episódios seguidos, para voltar a ser extremamente agressiva nesse episódio, pois foi obrigada a fazer a terapia. Mas Mariner vai purgar seus próprios demônios depois de reconfigurar um programa de holodeck de Boimler, que mais uma vez foi tratado como alívio cômico e saco de pancadas nesse episódio. Ao fazer o papel de Vindicta, ela colocou toda a sua violência para fora, num episódio que ficou extremamente violento, e só não foi de mau gosto por causa da desculpa da simulação no holodeck. Essa simulação ficou com cara de longas da série clássica e de TNG, sendo que fez um pouco de chacota com os fãs mais antigos, sobretudo nas lágrimas vertidas por Billups ao ver a Cerritos. De qualquer forma, não podemos esquecer que a animação faz as coisas em tom de brincadeira. O problema é que não é a primeira vez que o fandom mais antigo foi zoado nessa animação. Mas o pulo do gato no episódio é que Mariner não reescreveu o programa todo e o computador preencheu lacunas, dando oportunidade para surgir uma Mariner que era o seu lado bom, gostando da mãe, seus amigos e da nave, sendo que as duas lutaram trocando socos, mas também diálogos, o que acabou sendo a terapia da Mariner real, travestida de Vindicta. Importante também foi ver Tendi abrir mão de continuar na simulação de Mariner quando a viu purgando aquela violência toda e advertindo a amiga que aquela Vindicta não era a Mariner real. Essa atitude de Tendi também serviu como parte da terapia de Mariner, sendo que depois esta até pediu desculpas à mocinha verde que, na minha modesta opinião, é a melhor personagem de Lower Decks. Ver Mariner abraçada com Tendi e Rutherford no fim do episódio foi a coisa mais bacana e até um certo alívio. Só lamento do fim de Boimler, completamente desesperado na entrevista e metendo os pés pelas mãos. Além de ter seu programa surrupiado por Mariner, o que também não pegou muito bem, ele ainda foi mal na entrevista. Que tivesse, pelo menos sido bem sucedido. É chato ver ele se dando mal praticamente a série inteira.
Dessa forma, “Crisis Point” é um bom episódio de “Lower Decks’, pois parece que aqui a personagem Mariner foi redimida, mas ainda há o problema de Boimler ser tratado de forma ridícula, como vimos na maioria dos episódios. Ainda, o tom de zoação com os fãs mais antigos fica parecendo sempre uma piadinha forçada de mau gosto. Falta somente um episódio para o desfecho da temporada. Vamos ver o que vem por aí.