Dando sequência às nossas análises de episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, falemos hoje de “Alice” (o quinto episódio). Temos aqui uma situação de um personagem que “pira na batatatinha”, mais especificamente, Tom Paris, vítima da obsessão por um de seus hobbies, que é ajeitar máquinas, desde carros antigos até naves auxiliares.
Qual é o enredo do episódio? A Voyager encontra uma espécie de ferro velho gigante, onde seu dono, um alienígena, gosta de trocar peças e relíquias históricas com seus visitantes. A Voyager faz negócio com o dono do ferro velho e Paris fica impressionado com uma espécie de nave auxiliar. Depois de muito insistir com Chakotay, Paris convence o Primeiro Oficial a “comprar” a navezinha, que precisa de muitos reparos. O que Paris vai descobrir é que a tal navezinha tem uma interface neural que mantém seu cérebro em contato com o computador da nave, e essa interface começa a controlar o alferes, tornando-o obsessivo em reparar a nave que ele carinhosamente a chama de “Alice”.
O problema é que a nave faz uma mulher chamada Alice aparecer na imaginação de Paris, que fica totalmente encantado e submisso a ela. Quando B’Elanna descobre que a navezinha controla seu namorado, ela tenta dissuadi-lo disso, mas quase morre sufocada dentro da nave, que cortou o suporte de vida. A nave ainda vai sequestrar Paris e ir para uma espécie de fonte de partículas que a nave chama de casa, mas que a destruirá. Impossibilitada de atirar na nave, a Voyager irá resgatar Paris através de B’Elanna, onde ela usará um link neural da Voyager para se comunicar com Paris e retirá-lo da navezinha ciumenta com o teletransporte.
Será que esse episódio traz para o espectador alguma lição de moral? Se trouxer, provavelmente será aquela que alerta para que não deixemos as coisas que a gente gosta tomarem completamente conta de nossas vidas. A Alice é uma espécie de alegoria das nossas obsessões quando praticamos nossos hobbies e de como isso pode meio que descompassar nossas vidas, a ponto de transformar e fragilizar a gente. De qualquer forma, é curiosa a forma como Paris fica totalmente submisso a uma de suas manias.
E de como essa mania foi representada por uma mulher muito bonita, como se a figura feminina fosse uma espécie de pomo da discórdia. Ou seja, por mais avançada, revolucionária e inclusiva que “Jornada nas Estrelas” seja, ainda assim vemos a reprodução de certos preconceitos. A coisa da mulher como elemento traiçoeiro que desvia a atenção do homem de forma negativa se remete aos tempos da Inquisição (mulheres bonitas eram condenadas à fogueira sob a alegação de enfeitiçarem os homens), ou talvez até mais para trás (se nos lembrarmos de Eva ou Dalila, por exemplo, na tradição monoteísta revelada). Outra coisa que incomoda um pouco é todo o ciúme pelo “varão” Paris por parte de B’Elanna e Alice. Eu me pergunto se no século 24 o ciúme ainda vai fazer parte dos relacionamentos humanos, ainda mais com tanta gente “ficando” por aí.
Assim, “Alice” é um episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager” que parece alertar para a obsessão humana, sendo uma coisa que pode descalibrar completamente corações e mentes. Apesar desse interessante alerta, o episódio meio que peca por colocar a mulher como uma figura um tanto nociva, bem ao estilo bíblico, além de trabalhar a picuinha do ciúme, ainda usando o fator explosivo B’Elanna.