Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 11). Imagem Latente. Vamos Colocar Uma Pedra Sobre Esse Assunto?

Um Doutor em pane…

Hoje vamos analisar mais um episódio de “Jornada nas Estrelas, Voyager”. “Imagem Latente” (“Latent Image”) é o décimo-primeiro episódio da quinta temporada e tem, mais uma vez, o doutor às voltas com um problema de ordem ética e moral. Só que, agora, a questão é muito mais séria. Já havíamos visto em “Desumano” (episódio 8 da quinta temporada) problemas de ordem moral e ética que o Doutor teve de enfrentar ao usar um tratamento desenvolvido por um médico cardassiano que desenvolveu experiências provocando severos sofrimentos em bajorianos. Naquele momento, a capitã optou por usar o tratamento e assumir a responsabilidade e o Doutor retirou o tratamento da programação da nave após seu uso.

Tirando uma holoimagem de Naomi Wildman…

Aqui, no episódio 11 da quinta temporada uma nova implicação de ordem moral surgiu. Vamos analisar a história. Num exame de rotina da tripulação, o Doutor descobre em Kim traços de uma cirurgia da qual ele não se recorda ter feito. Com o passar do tempo, são descobertas novas evidências do “esquecimento” do Doutor e ele começa a investigar. Pelo que parece, tem alguém tentando apagar a memória dele. O Doutor, após fazer uma “armadilha” com a sua holocâmera, descobre que é a própria Janeway quem está apagando sua memória. Isso o deixa indignado, mas a capitã fala que é algo necessário, pois ele não pode saber de coisas que aconteceram no passado, pois isso seria muito perigoso para ele. Mas o médico insiste. Sete de Nove, ao acompanhar a situação, acha que a capitã está violando a individualidade do Doutor e convence Janeway a mostrar tudo o que aconteceu. O Doutor, então, vê os registros da nave e descobre que ele viajou numa missão numa nave auxiliar com Kim e uma tripulante, sendo os dois humanos severamente feridos num ataque alienígena. Ao se desvencilharem do ataque, o Doutor retorna à enfermaria da Voyager com os dois feridos e não tem tempo hábil para tratar dos dois ao mesmo tempo, tendo que escolher quem vai viver e quem vai morrer. O Doutor opta por cuidar de Kim, que é seu amigo mais próximo. O problema é que ele, por ser um programa que passa por experiências, não sabe lidar emotivamente com uma situação tão dramática e difícil e entra em pane, precisando ser reprogramado. Ao saber de todo esse passado traumático, o Doutor entra em pane novamente, mas desta vez decide-se não reprogramá-lo, em respeito à sua individualidade. Em vez disso, ele fica isolado num holodeck sempre com um tripulante, que se oferece como um apoio, uma voz amiga. No momento em que Janeway está com ele e, depois de dezesseis horas ininterruptas ela mostra febre de dor de cabeça. O Doutor cai na real e pede que ela vá descansar, pois ele não pretende mais fazer mal a ninguém. O episódio termina com o Doutor lendo um trecho de um livro que Janeway lia, uma poesia que falava em recomeços na vida.

Uma tripulante que será sacrificada…

A grande inspiração desse episódio é todo um conjunto de consequências que temos que enfrentar quando fazemos escolhas. A situação do Doutor, mesmo que ele tenha sido instruído por sua profissão a desapegos emocionais ao tomar tamanha decisão difícil, não se resolveu de forma tão trivial assim, e até para um programa com sub-rotinas emocionais que se aprimora dia a dia não foi fácil lidar com essa situação pesada de escolha e de perda, onde a ética e a moral não podem dar uma resposta definitiva ao dilema.

Sete de Nove defende a individualidade do Doutor

O mais curioso aqui foi a atuação de Sete de Nove, que se solidariza com o Doutor e sua individualidade, rechaçando inteiramente a atitude da tripulação de simplesmente apagar e reescrever sua programação. Sete de Nove dá o exemplo de si própria, lembrando à capitã de que, no início, ela era considerada uma ameaça à nave, mas se apostou na sua recuperação como humana. Então, por que não tentar o mesmo com o Doutor? Afinal de contas, ele também pode ser considerado um ser que tem consciência de si mesmo e que se aprimora com suas próprias experiências cotidianas.

Recomeçando, mesmo com as dores…

Assim, “Imagem Latente” é mais um interessante episódio de “Jornada nas Estrelas, Voyager”, que mostra mais uma reflexão de ordem moral e que tem o bom personagem do Doutor,interpretado por Robert Picardo, no centro dos acontecimentos. Nada de se colocar pedras sobre assuntos que, supõe-se, precisam ser esquecidos. Tais assuntos, na verdade, precisam ser encarados de frente, mesmo que nos causem dor. Pois a dor é uma forma de experiência que também nos engrandece perante à vida, mesmo para um programa holográfico com sub-rotinas emocionais. Como disse James T. Kirk em Jornada nas Estrelas V, “eu preciso de minhas dores, elas fazem parte de mim”.

https://www.youtube.com/watch?v=Fmp7ViAMR2c

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 8), Desumano. Quais São Os Limites da Ética?

Um bichinho esquisito…

Debate ético à vista hoje na análise de “Jornada nas Estrelas, Voyager”! O oitavo episódio da quinta temporada, “Nothing Human”, traduzido no Brasil como “Desumano”, lança questões extremamente complexas que embaralham a cabeça de qualquer um. Mas tal debate é a mostra de como “Jornada nas Estrelas” tem a sua grande força no ponto de vista da reflexão e da discussão.

… que se enrosca no pescoço de B’Elanna!!!

Para podermos entender toda a magnitude desse poder reflexivo, vamos fazer uma breve sinopse da história. A Voyager sofre um severo impacto de uma onda de choque que, curiosamente a coloca em contato com uma inteligência alienígena. Ela acaba recebendo as coordenadas de uma nave e vai a sua assistência. Lá, descobrem uma forma de vida bem ferida e a transportam para a enfermaria da nave, mas a fisiologia do alienígena (que parece uma lacraia com uns bracinhos mais longos) é totalmente desconhecida do Doutor. Numa infelicidade, o bichinho pula em B’Elanna e faz uma espécie de simbiose com seus órgãos internos. Para poder resolver o problema, o Doutor instrui a Kim que desenvolva um holograma especializado em exobiologia a partir do banco de dados da nave.

No início, tudo parecia bem com o holograma cardassiano…

E a maior autoridade é justamente um cardassiano, com quem o doutor tem, inicialmente, um excelente relacionamento profissional. Mas B’Elanna, com sua metade klingon, torce imediatamente o nariz para o novo médico holográfico que irá tratá-la. A situação piora quando um tripulante bajoriano que esteve num campo de prisioneiros cardassiano, reconheceu o médico como um açougueiro que usava cobaias bajorianas para testar novos tratamentos médicos, sendo uma espécie de “Dr. Josef Mengele” de Cardássia. B’Elanna recusa o tratamento que custou a vida de milhares de bajorianos, preferindo morrer. E assim, o Doutor se vê diante de um perigoso dilema ético, onde qualquer saída terá implicações morais graves.

Logo começam a trabalhar…

Esse episódio coloca uma questão para a qual não há resposta. Se o tratamento do carrasco for usado para salvar B’Elanna, abre-se um precedente perigoso onde se legitima o sacrifício de vidas para salvar outras. E, se o tratamento não for usado, uma vida preciosa da mais qualificada engenheira da Voyager será ceifada e o Doutor não cumprirá o mandamento da ética médica de preservar a vida. Assim, foi necessário que a Capitã Janeway assumisse a responsabilidade da decisão de levar o tratamento adiante, independente do que B’Elanna achasse ou não, o que estremeceu o relacionamento entre as duas. Para a coisa não parecer muito feia, o Doutor teve a autonomia de decidir se iria usar o holograma cardassiano e seu tratamento em situações futuras, e ele acaba rechaçando isso. De qualquer forma, as palavras do cardassiano antes de ser “apagado” são emblemáticas: quando era necessário que o tratamento fosse usado para salvar a engenheira da nave, assim foi feito, sem qualquer dilema moral. Agora que o tratamento não se faz mais urgente, ele é simplesmente deletado. Dois pesos e duas medidas? Onde está a ética aí?

Mas aparece um dilema ético e moral…

Dá para perceber, pelo teor da conversa, que o episódio conseguiu colocar um debate muito espinhoso em pauta, debate esse para o qual não há qualquer saída totalmente moral ou ética. É imperativo que se tome uma decisão e se arque com as consequências, o que sempre vai provocar uma mancha severa na consciência. Esse é o tipo de episódio que dá bastante força a “Jornada nas Estrelas, Voyager”, uma série que alguns não consideram tão boa, se comparada às outras da franquia de “Jornada nas Estrelas”. Mais um episódio que merece uma visita do caro leitor.

https://www.youtube.com/watch?v=5bn1QYg3B6Q

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 6). Quinze Anos. De Volta Para O Passado.

Uma nave entrando numa fria…

Vamos hoje falar mais uma vez de “Jornada nas Estrelas, Voyager” e de seus bons episódios na quinta temporada. Desta vez, analisaremos o episódio “Timeless”, traduzido no Brasil como “Quinze Anos”, o sexto episódio da já mencionada quinta temporada. Esse é um daqueles episódios mais pautados numa boa história de ficção científica, embora ancorados num tema que já pareça um pouco manjado para alguns: a alteração do passado e, com isso, a inserção de um paradoxo temporal. Confesso que sou meio suspeito para falar quando o tempo dá as cartas em histórias de ficção científica, pois é um tema que sempre me atrai em “Jornada nas Estrelas”, desde que vi o ótimo “Amanhã é Ontem”, da série clássica escrito por Dorothy Fontana e que, fatalmente, falaremos aqui um dia.

Procurando uma nave no gelo…

Mas, no que consiste a história desse bom episódio de “Voyager”? Tudo começa num planeta gelado, onde dois homens parecem procurar algo enterrado numa geleira. O teaser do episódio termina com os homens achando o que procurava, que era na verdade a Voyager enterrada no gelo. Eles adentram a nave e encontram toda a tripulação morta e congelada. Logo, vemos que os dois homens são Chakotay e Kim, visivelmente envelhecidos. Os dois levam o corpo de Sete de Nove para a Delta Flyer , que orbita o planeta, e reativam o Doutor, que, perplexo, pede por informações.

Inaugurando um novo motor…

Assim, há um flashback que mostra que a Voyager desenvolveu um novo motor quântico de deslizamento de fase que fará uma viagem bem mais rápida ao quadrante alfa. Mas o motor apresenta problemas onde o tal deslocamento de fase pode até acabar com a nave. Assim, Kim e Chakotay precisam ir adiante da Voyager com a Delta Flyer para orientá-la a fazer as tais correções de fase necessárias para que a viagem não degringole. Entretanto, Kim calculou mal as correções e a Voyager saiu do fluxo, enquanto que a Delta Flyer retornou ao quadrante alfa. Desgovernada, a Voyager chocou-se contra o tal planeta gélido e ficou soterrada no gelo, provocando a morte de toda a tripulação. Agora, quinze anos depois da tragédia, Chakotay e Kim voltam ao planeta gelado, nas periferias do quadrante alfa para criar um dispositivo que mande uma mensagem para o passado com as correções de fase corretas para evitar o desastre com a Voyager, usando o cérebro de Sete de Nove e a inteligência do Doutor. O problema é que Kim e Chakotay, para realizar tal missão, tiveram que roubar a Delta Flyer e um dispositivo temporal borg, sendo procurados pela Federação como criminosos.

O Doutor ajuda envelhecidos Chakotay e Kim…

Essa é uma história instigante, com as tecnobabbles que tal episódio de viagens no tempo exige, embora a coisa não tenha ficado cansativa nesse sentido. Aqui a história gira muito mais em torno de todo o arrependimento nas costas de Chakotay e Kim por terem sobrevivido e visto a tripulação morrer. Aliás, podemos dizer que esse episódio deu muito destaque e importância para o Alferes Kim, um personagem que, segundo alguns trekkers mais atenciosos, é muito pouco aproveitado, o que já faz o episódio valer muito. A obsessão de Kim por trazer a tripulação da Voyager à vida é notável e, ainda mais notável é a forma como o Doutor estimula Kim a continuar com a missão, mesmo quando um fracasso iminente parecia inevitável. Outro ponto que chamou muito a atenção foi a participação, para lá de especial, de Levar Burton (que também dirige o episódio), como o capitão La Forge da U.S.S. Challenger (isso é que é nome de nave espacial!!!), uma nave classe Galaxy que está no encalço da Delta Flyer.

A missão não sai como o esperado…

Obviamente, tal episódio tinha que terminar com um paradoxo temporal. Janeway consegue descobrir que foi Kim quem enviou a mensagem para a Voyager, diretamente do futuro. O problema é que, se a Voyager não está mais enterrada no gelo e Kim não mais chegou ao Quadrante Alfa, como ele então enviou a mensagem se o futuro foi alterado? Ao que Janeway respondeu sabiamente: quando mexemos com paradoxos temporais, é melhor a gente não se preocupar muito em questioná-los. Uma saída fácil mas, ao mesmo tempo, divertida, ainda mais porque ela meio que serve como uma resposta aos críticos das histórias das viagens no tempo, buscando sempre as inconsistências nas linhas temporais à medida que as migrações temporais para lá e para cá acontecem.

Uma figura já conhecida…

Assim, “Quinze Anos” é mais uma boa história de “Jornada nas Estrelas, Voyager”. Uma ficção científica meio manjada, mas que nunca deixa de funcionar e de divertir. Vale a pena dar uma revisitada nesse episódio.

https://www.youtube.com/watch?v=ayAbFaugIeg

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 4). Carne E Osso. A Importância De Uma Boa Diplomacia.

Falemos da série “Jornada nas Estrelas, Voyager”. Vamos hoje fazer a análise de “In The Flesh” (no Brasil, “Carne e Osso”), o quarto episódio da quinta temporada. Acima de tudo, a mensagem aqui é a de boa vontade e confiança, num contexto altamente explosivo que é o de uma situação beligerante com uma espécie alienígena. Ainda mais quando se trata da temida espécie 8472.

Chakotay e uma investigação…

Façamos uma rápida apresentação do episódio. Vemos Chakotay perambulando pelo QG da Federação em São Francisco, algo que causa estranheza logo de cara, já que sabemos que a Voyager faz a sua longa viagem do Quadrante Delta para o Quadrante Alfa. Vemos algo que se parece muito familiar e prosaico mas, na verdade, tudo aquilo se trata de uma conspiração alienígena que simula a vida entre terrestres. Chakotay se encontra ´com Tuvok, que também espiona aquela forma alienígena de vida travestida de terrestre e, ao tentarem se transportar para a Delta Flyer, que está próxima à nave espacial onde acontece a simulação, Tuvok e Chakotay são flagrados por um jovem alferes, que acaba sendo aprisionado e levado para a Voyager. Lá, descobre-se que a espécie que faz a tal camuflagem é a temida 8472. Chakotay volta a investigar mais de perto, mas acaba aprisionado, sendo blindado contra qualquer ataque da Delta Flyer. Só resta à Voyager abordar a nave e começar uma negociação com a espécie beligerante. Mas logo fica claro que os temidos alienígenas têm tanto medo dos humanos quanto os humanos têm medo da espécie 8472. Assim, as coisas terão que ser resolvidas na base de muita conversa e votos de confiança.

A temida espécie 8472…

Passada a pequena sinopse, podemos constatar aqui que as palavras de ordem desse episódio são a diplomacia e o bom entendimento. Tudo aquilo que desconhecemos, nós tememos. E aí, a espécie 8472, que os borgs não conseguiram assimilar, é pintada como um bicho bem aterrorizante e feio. O problema é que tal espécie fazia o mesmo juízo dos humanos e dos borgs, reagindo de forma violenta como que usando apenas um instinto de sobrevivência. O próprio ato de se disfarçarem de humanos para se infiltrarem no QG da Frota Estelar tinha o objetivo único de ficar observando os passos do inimigo e conhecê-lo melhor. Com ideias tão semelhantes uns dos outros, humanos e a espécie 8472 tiveram óbvios problemas de relacionamento ao estabelecerem conversações para se chegar a um acordo comum.

Diplomacia num momento delicado…

Coube à Janeway a cartada mais arriscada, que foi a de abaixar a guarda (e suas armas) como um gesto de confiança, funcionando como um puro e simples ato de fé, algo que intriga Sete de Nove, onde sua mente cartesiana borg insistia em que se mantivesse a guarda levantada. Entretanto, isso acabaria levando ao conflito. Por fim, fica claro que aquele é um gesto apenas local, pois as verdadeiras lideranças da espécie 8472 (sempre os alienígenas!) não viam com bons olhos todo aquele espírito pacífico e cordial entre os setores de cada povo. De qualquer forma, a semelhança entre a espécie 8472 e pessoas do QG da Frota fizeram com que o relacionamento ficasse mais familiar e agradável, até por que o líder da espécie 8472 estava com a forma do jardineiro do QG, uma figura amada por todos, chegando ao ponto de fornecer rosas a Janeway como o verdadeiro jardineiro fazia na Terra.

Janeway e o antigo jardineiro…

Assim, o episódio “Carne e Osso” nos mostra mais uma vez o verdadeiro espírito de “Jornada nas Estrelas”, onde o respeito às diferenças e uma retórica baseada na compreensão e tolerância são as atrações principais. E isso se torna mais marcante, ainda mais quando é feito com uma espécie de aparência e atos tão assustadores quando a espécie 8472, Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=aX0Fm1M6cXk

Batata Séries – Jornada nas Estrelas, A Série Clássica. Um Gosto de Armageddon. Guerra Limpa.

Apresentação do episódio.
A seção Batata Séries está de volta e hoje vamos falar do vigésimo-terceiro episódio da primeira temporada da série clássica de Jornada nas Estrelas. “Um Gosto de Armageddon” fala de leis e dos horrores da guerra, novamente abordando (de forma velada) a questão da quebra da Primeiras o Embaixador Fox insiste em ir ao planeta para estabelecer relações diplomáticas. Como o Embaixador tem mais autoridade que o capitão nessa situação, a Enterprise se dirige ao planeta e estabelece órbita padrão. Ao entrar em contato com os habitantes, o capitão fica sabendo que Eminiar VII está em guerra com o planeta vizinho Vendikar, mas não se presencia qualquer sinal de guerra. Tudo está no lugar, não há destruição e mortes. Aos poucos, Kirk e seus comandados descobrem que esta é uma guerra limpa, onde ataques simulados provocam uma espécie de destruição virtual onde mortos são contabilizados. Quem morre nesses ataques simulados precisa se apresentar voluntariamente às câmaras de desintegração. Durante a estadia do capitão no planeta, há um ataque bem onde ele está e a própria Enterprise foi destruída. Kirk agora terá que convencer os habitantes do planeta Eminiar VII a se desfazer dessa visão peculiar de guerra usando meios, digamos, pouco ortodoxos para isso (se é que há alguma ortodoxia para tal ação).
Kirk e Spock, ao bom estilo “Diplomacia de Cowboy”

Esse é um típico episódio de quebra da Primeira Diretriz, como foi dito acima. Curiosamente, ela nem é citada em todo o desenrolar do episódio. Sua única lembrança é o questionamento de Kirk (justamente ele, acusado de violar a Primeira Diretriz seguidas vezes) contra as ordens do Embaixador Fox de se aproximar de Eminiar VII mesmo com uma mensagem do planeta proibindo estritamente essa aproximação. No mais, quando a Enterprise é posta em perigo, até Kirk chuta a Primeira Diretriz para escanteio, usando a típica “diplomacia de cowboy”, que Spock mencionará décadas mais tarde no episódio “Unification” de Nova Geração. E aí, tome aquelas brigas tacanhas que a gente vê na série clássica, e que não eram exclusividade dela na década de 60 (eu assistia a “Viagem Ao Fundo Do Mar” quando era criança e a gente via uma coisa parecida por lá). De qualquer forma, elas sempre são muito bem vindas por serem extremamente divertidas.

Um embaixador a princípio ridicularizado, mas depois útil

Uma coisa que chama muito a atenção é a definição de guerra com a qual o episódio trabalha, onde ela é vista como uma coisa selvagem, bárbara e destrutiva, não podendo durar muito tempo, e obrigando as partes em conflito a estabelecer negociações. Com a visão de “Guerra Limpa” de Eminiar VII, o conflito passou a se arrastar por 500 anos, mas não houve destruição da civilização e da cultura, desde que a cota de mortos fosse cumprida. Caso não houvesse essa autoimolação, o acordo seria violado e os horrores da guerra voltariam. Assim, Kirk, num risco calculado, toma a posição do “bárbaro” (ao seu melhor estilo de chutar o pau da barraca) e faz de tudo para que os dois planetas mergulhem numa guerra de verdade. Ele acredita que, em tal situação, as partes em litígio preferirão discutir a paz. Mas será que isso mesmo vai acontecer? Assim, a grande moral da história é “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” ou, em algo mais próximo à nossa cultura, “vamos parar de empurrar os problemas com a barriga”.

McCoy e Scott ponderando o que fazer da nave para solucionar a crise

O episódio tem uma tiradas inesquecíveis, como as de Spock. Primeiro, o Vulcano, dentro da prisão, usa sua sonda mental para sugestionar à distância o guarda do lado de fora. Mais uma vez vemos Nimoy com seu gestual lento e calculado, usando magnificamente a ponta dos dedos contra a porta e a parede, de uma forma muito suave. Num segundo momento, ele fala para um guarda do planeta que há uma criatura artrópode em seu ombro. Quando o coitado olha para seu corpo, Spock mete a sua mãozona com contornos de aranha no ombro do guarda, provocando o desmaio. Há, ainda, um terceiro momento, onde Spock dizia que entendia as atitudes de Eminiar VII e Vendikar, mas que não concordava com isso (ou seja, entender nem sempre significa concordar). O diálogo do final do episódio, onde havia a reflexão de tudo o que havia acontecido, foi genial. Ao Spock ficar impressionado com o risco que Kirk assumiu, ele disse ao seu capitão: “O senhor quase me fez acreditar em sorte”, ao que Kirk retrucou “E o senhor quase me fez acreditar em milagres”, reconhecendo a contribuição de Spock na crise, mas também não perdendo a oportunidade de dar uma zoadinha em seu lógico Primeiro Oficial.

Um gabinete de guerra virtual…

Outro detalhe curioso foi a figura do Embaixador Fox. Tomado na maioria do episódio como uma espécie de idiota que não conseguia enxergar as artimanhas dos habitantes de Eminiar VII, sendo um peixe fora d’água em situações de guerra e de crise extrema, o Embaixador se revelou extremamente útil ao fim do episódio, quando ofereceu seus serviços para estabelecer relações diplomáticas e de paz entre os planetas litigantes. Ou seja, o episódio acabou tendo uma diplomacia de cowboy, ma non troppo.

E uma destruição provocada por um capitão bárbaro…

Assim, “Um Gosto de Armageddon” é um típico episódio de Jornada nas Estrelas, a Série Clássica. Uma inteligente reflexão, acima de tudo, chutes na Primeira Diretriz, Kirk sendo Kirk (mas também Kirk sendo hippie ao defender a paz), lutas tacanhas e Spock tocando o horror com seus dedos longilíneos e delgados, tudo isso regado a uma boa dose de humor muito inteligente. Como amo essa série!

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 21)

Spock da era J. J. Abrams

Após o sexto filme,  mais uma vez ficou uma sensação de encerramento de “Jornada nas Estrelas” por Nimoy. Mas ele foi convidado a participar do sétimo filme, onde Kirk morreria. Ao ler o roteiro, Nimoy percebeu que Spock apenas teria uma aparição rápida, sem qualquer função na história. Ao discutir isso com o produtor Rick Berman, ele simplesmente alegou que não tinha tempo para mexer no roteiro. Nimoy, então, declinou do convite. De Forest Kelley se recusou a trabalhar no filme, pois Nimoy não trabalharia. E o intérprete do Dr. McCoy ainda falou que teve uma boa despedida em “Jornada nas Estrelas 6”. Para que estragar isso?

Passando o bastão para Zachary Quinto…

Nimoy não se arrependeu de sua decisão, desejou boa sorte à sua equipe de produção e seguiu sua vida adiante. Participou de mais séries de tv, interpretando e dirigindo. Nimoy também fez incursões na fotografia (onde fez um belo ensaio fotográfico feminino inspirado em “Shekkinah”, a versão feminina de Deus na tradição judaica) e na poesia. Nimoy manteve uma vida muito ativa e produtiva.

As orelhas pontudas sempre fizeram parte de sua imagem…

Em 2009, foi chamado para novamente interpretar Spock na versão de J.J. Abrams de “Jornada nas Estrelas”, agora na figura de um embaixador, como seu pai o fora (na verdade, Spock já tinha sido embaixador no episódio “Unifcação”). Em abril de 2010, Nimoy anunciou que não faria mais o papel de Spock, passando o bastão para Zachary Quinto. Nimoy ainda participou com sua voz em alguns filmes, como “Transformers”, documentários científicos, séries de tv como “The Big Bang Theory”, onde ele dá voz a um “action figure” de Spock e até jogos de vídeo game. Nimoy ainda faria uma derradeira interpretação de Spock, numa rápida participação em “Jornada nas Estrelas, Além da Escuridão”, de J. J. Abrams. Em fevereiro de 2014, foi diagnosticada sua doença pulmonar obstrutiva crônica, provocada pelo cigarro. Depois disso, ele se internou em hospitais várias vezes, até se internar definitivamente, no dia 19 de fevereiro de 2015, no UCLA Medical Center, para aliviar suas dores.

Seu conhecido livro de fotografias…

Leonard Nimoy morreu no dia 27 de fevereiro de 2015, com a idade de 83 anos, em sua casa, de nome Bel Air. Seu corpo foi cremado a 1 de março, com a presença de trezentas pessoas, dentre elas, seus familiares, colegas da série clássica, as filhas de Shatner, J. J. Abrams, Zachary Quinto e Chris Pine. Ele deixou esposa, dois filhos, seis netos, um bisneto e seu irmão Melvin.

Sua última aparição como Spock…

E assim, chegamos à fronteira final. Quero só me desculpar a todos os leitores por ter escrito todo esse monte de artigos sobre Leonard Nimoy e Spock. Mas houve alguns motivos para isso. Um motivo foi o fato de que quis mostrar que Leonard Nimoy era um artista muito talentoso, não ficando restrito a somente o papel do vulcano Spock. Ele aceitou vários desafios em sua carreira, como por exemplo, sua carreira no teatro, na tv e no cinema, seja como ator, seja como diretor.

Um inesquecível cavanhaque…

Sua preocupação com a cultura judaica, da qual faz parte, é outro elemento marcante de sua versatilidade como artista, isso sem falar de suas incursões na fotografia e na poesia. Em segundo lugar, aqui é um espaço para se escrever sobre aquilo que se gosta. E, confesso que gosto muito desse personagem vulcano de orelhas pontudas. E tenho certeza que ainda há muita gente por aí que gosta dele, dentre as gerações mais antigas. Essa coluna é chamada de Batata Antiqualhas  justamente para falar de cultura pop-nerd mais antiga, para os mais velhos matarem a saudade e os mais novos a conhecerem um pouco melhor. Impossível não falar da morte de Nimoy nestas circunstâncias. Fui até convidado para uma palestra organizada pelo hoje extinto site Abacaxi Voador para isso. Mas aí, soube da morte de minha mãe na hora em que ia para o evento. E toda a pesquisa tinha ido por água abaixo. Eu tive duas fortes dores num intervalo de três semanas. E aí, decidi expurgá-las escrevendo. Como uma espécie de “articulista” de “Jornada nas Estrelas” no Abacaxi, não poderia deixar que essa pesquisa fosse em vão. E aí vieram os artigos, sobre um personagem com o qual todos nós nos identificamos. Spock é o “outsider” que é mal compreendido e sofre perseguições e preconceitos, aquele que tem sentimentos mas deve escondê-los para não se tornar vulnerável, tem suas contradições e dramas internos, a necessidade de pensar de forma mais serena e racional para escapar das más situações. Ora bolas, quem nunca passou por uma dessas situações na vida? Spock não é apenas um personagem de uma série de ficção científica de tv, mas um verdadeiro espelho da condição humana. Daí a sua universalidade e popularidade. Sua seriedade, humor, cinismo, alegrias e tristezas jamais serão esquecidos e residem em nossos corações para todo o sempre, nos ajudando a encarar esse mundo cada vez mais difícil de se viver, onde a desumanidade simplesmente impera. E, segundo seu amigo Kirk, durante o funeral de Spock em “A Ira de Khan”, “…de todas as almas que eu conheci a de meu amigo foi a mais… humana”. Shatner dizia isso com a voz visivelmente embargada sentindo a morte do personagem de forma bem sincera. Esse é o sentimento que os fãs de “Jornada nas Estrelas” ainda possuem, mesmo três anos depois da morte de Leonard Nimoy. Mas fica o legado de Spock. Esse sim, nunca morre. É só colocar o DVD no aparelho e ele está lá de volta, com todos os seus ensinamentos para nossas vidas, o que alivia um pouco a dor provocada pela ausência física. Peço mais uma vez desculpas em terminar essas linhas da forma mais óbvia, mas esse é o principal ensinamento desse personagem tão marcante e importante, sendo uma eterna mensagem otimista (e precisamos de muito otimismo hoje em dia): “Vida longa e próspera!”.

Vida longa e próspera, sempre!!!

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 20)

Nimoy em “Unification”. Spock na Nova Geração!!!

Apesar de Nimoy achar que sua participação como Spock em “Jornada nas Estrelas” havia terminado, o mundo dá voltas e, ainda durante as filmagens do sexto filme, Mancuso liga para Nimoy e lhe pergunta se ele não estaria disposto a fazer uma participação como Spock em um episódio da “Nova Geração”. Esse convite levou Nimoy a uma recordação. O ano era 1986, na época da pós-produção de “A Volta Para Casa”, quando Mancuso o convidou para uma reunião, onde ele foi convidado para ser o produtor-executivo de uma nova série de “Jornada nas Estrelas” com uma nova tripulação, muitos anos depois da época em que se passava a série clássica (século 23). Nimoy agradeceu mas negou o convite, pois ele disse que não funcionaria, já que a série clássica funcionou devido  a vários fatores: os temas, os personagens, a química entre os atores, as perspectivas de futuro da década de 1960, e que tudo isso não se repetiria novamente. O projeto foi adiante sem Nimoy e “Nova Geração” se tornou um sucesso estrondoso. E aí, voltando ao convite para a participação especial como Spock na “Nova Geração” no episódio “Unificação”, Nimoy prontamente aceitou. Vulcanos vivem mais que humanos e, no século 24, época em que se passam os episódios da “Nova Geração”, Spock estaria na meia-idade. E essa seria mais uma oportunidade para criar pontes entre a série clássica e a nova geração. De Forest Kelley fez um Dr. McCoy com 180 anos no piloto da “Nova Geração”, “Encontro em Fairpoint”. Mark Lenard trabalhara no episódio “Sarek”. E até James Doohan voltou ao Sr. Scott em outro episódio. O roteiro de “Unificação” foi escrito após uma reunião de Nimoy com os produtores de “Nova Geração”, Rick Berman e Michael Piller, e tratava de um trabalho secreto de Spock dentro do Império Romulano para aproximar vulcanos e romulanos, os últimos parentes distantes dos primeiros, que preferiram viver sua vida agressiva e predadora, ao invés dos vulcanos, que usaram a lógica para conter seus instintos agressivos ancestrais. Há um elo mental entre Nimoy e o Capitão Picard ao fim do episódio que também simboliza a “unificação” entre a série clássica e a Nova Geração. Nimoy aceitou um salário modesto e se encontrou com a equipe de “Nova Geração”, que ele já conhecia, pois ele havia dado uma festa em sua casa para comemorar o fim da produção de “Jornada nas Estrelas 6”. A única coisa que o incomodava, mas que ele também achava uma certa graça, era que o elenco de “Nova Geração” o tratava com muita reverência.

Picard havia feito um elo mental com Sarek…

Nimoy gostou muito de fazer o episódio e destaca o elo mental entre Spock e Picard, onde o vulcano pôde ter contato com parte da mente de Sarek presente na mente de Picard (no episódio “Sarek”, o pai de Spock e Picard também fizeram um elo mental). Para Nimoy, esse foi um momento “extremamente tocante e dramático”. Como nunca Spock e Sarek fizeram o elo mental, Nimoy decidiu aumentar a dramaticidade da coisa colocando uma expressão de dor. A maioria das cenas de Nimoy foram com Patrick Stewart (Picard) e Brent Spinner (Data), atores muito admirados por Nimoy. Ele achava Stewart muito parecido com Picard, ou seja, charmoso e com autoridade no jeito de ser e de falar. Já Spinner ele achou mais exótico e escorregadio. Nimoy trabalharia com Spinner e Armim Shimerman (o ferengue Quark de “Deep Space Nine”) na produção de “Guerra dos Mundos” para a Rádio Nacional Pública, com direção de John De Lancie (o onipotente alienígena “Q” da “Nova Geração”). Uma das razões de Nimoy aceitar esse trabalho foi o grande número de pessoas de “Jornada nas Estrelas” envolvido no projeto.

Mas voltemos a “Unificação”. Há uma cena muito curiosa no episódio, que foi dividido em duas partes, onde Spock trabalha nos computadores enquanto Data o observa curioso. Spock pergunta sobre sua curiosidade e Data diz que não consegue entender por que o vulcano renega sua parte humana enquanto que Data justamente procura isso, sendo um diálogo genial!

Spock e Data. Delicioso diálogo…

Nimoy era frequentemente interpelado nas convenções de “Jornada nas Estrelas” quando ele faria uma participação em “Nova Geração”. O dia em que ele comunicou a participação em “Unificação”, a reação do público foi mais calorosa do que ele esperava, emocionando-o muito. Nimoy sempre estava acostumado com as ovações nas convenções, mas, naquele dia, ele foi pego de surpresa. E havia reparado que tinha tocado “num assunto de família”, em suas próprias palavras. Até então havia dois grupos de fãs: os da série clássica e os da nova geração, que não se uniam muito. Com “Unificação”, esse mal-estar acabou e até os fãs foram “unificados”. Não é à toa que Spock, no idioma vulcano significa “o unificador”. E também não é à toa que o episódio duplo “Unificação” registrou a maior audiência entre todos os episódios de “Nova Geração”.

No próximo artigo, vamos terminar essa grande jornada de Leonard Nimoy e do vulcano Spock. Até lá!

Elo mental entre Spock e Picard. O vulcano reencontra seu pai…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se completa (Parte 19)

Um banquete antológico…

Nimoy fala em “Eu sou Spock” que, para falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”, ele precisa voltar um pouco no tempo, mais especificamente durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Harve Bennett chegou com a ideia para fazer um filme de “Jornada nas Estrelas”. Não era exatamente uma sequência, pelo contrário. Era uma “pré-sequência” para todos os longas e até para a série clássica, onde veríamos Kirk, Spock e McCoy em seus dias de Academia da Frota Estelar, onde jovens atores interpretariam esses personagens. Parece que a ideia era injetar sangue novo na franquia. Ou seja, o projeto que J. J. Abrams dirigiu anos depois teria sido imaginado por Bennett ainda em plena década de 1980. A Paramount até estava de boa vontade com a ideia, mas era necessário terminar “A Volta Para Casa”, o que adiou a conversa entre Nimoy e Bennett sobre essa ideia. Bennett teve autorização para escrever um roteiro, só que isso não aconteceu. Depois do lançamento de “Jornada nas Estrelas 5”, Bennett voltou a falar sobre a ideia com Nimoy,  mas com pesar, já que a Paramount dessa vez havia rejeitado a ideia de uma jovem tripulação da Enterprise em seus dias de Academia da Frota Estelar. Algum tempo depois, Frank Mancuso, executivo da Paramount, convidou Nimoy para um almoço e disse que queria um filme para comemorar os vinte e cinco anos da série. Nimoy perguntou sobre Bennett e Mancuso lhe disse que ele não estava mais envolvido com “Jornada nas Estrelas”, enterrando naquele momento qualquer chance de um longa com a tripulação em seus dias de juventude. Nimoy novamente teria o controle total, escrever, dirigir, ser o produtor executivo. Mas ele se lembrou da tarefa hercúlea que foi fazer o quarto filme e não estava muito disposto a se envolver novamente. Mancuso insistiu e Nimoy, então, disse que procuraria o executivo depois de ter uma ideia para uma história. O nosso ator, então, se lembrou de seu interesse pelos klingons, a ligação entre o relacionamento entre a Federação e os klingons e a Guerra Fria e os sérios problemas que a União Soviética sofria naquela época. O muro de Berlin já havia caído, por exemplo. Três semanas depois, Nimoy ligou para Mancuso e sugeriu a seguinte ideia: o império klingon estaria passando pelo mesmo problema que a União Soviética, com a economia em colapso em virtude do alto orçamento militar. Haveria uma dissidência no império e uma catástrofe do tipo “Chernobyl”. Dessa forma, os klingons procuram a Federação para uma trégua e aí entra a Enterprise. Mancuso adorou a ideia e Nimoy sugeriu o nome de Nicholas Meyer para escrever o roteiro. Se ele quisesse dirigir, isso também seria aceito.

Última aventura de Shatner e Nimoy juntos

Assim, Nimoy procurou Nicholas Meyer, que aceitou ter uma conversa. Ao caminharem pela praia, os dois estabeleceram o que seria a trama básica do filme. Faltava escrever o roteiro. Mas houve problemas. Um executivo da Paramount, Teddy Zee, passou a tarefa de escrever o roteiro para outros dois roteiristas. Nicholas Meyer, que estava fazendo o roteiro, pensou que havia sido descartado pela Paramount e por Nimoy. Esse mal-entendido custou alguns meses e Nimoy se culpa, pois ele não falou com Mancuso, que havia lhe pedido para procurá-lo caso tivesse algum problema. Desfeita a confusão, Meyer trabalhou em velocidade de dobra no roteiro com seu colaborador Denny Martin Flinn, enquanto que a linha dura do Partido Comunista Soviético sequestrava Gorbachov para deter as reformas que trariam futuramente o capitalismo para a União Soviética (a vida imitava a arte). Quando o roteiro ficou pronto, ele parecia mais uma trama de conspiração política e assassinato, sem abordar a cultura klingon de forma mais profunda, como Nimoy queria. Ele, então, conversou com Roddenberry que lhe fez a seguinte pergunta: o que esse filme pode nos falar mais dos klingons, ou seja, aquilo que ainda não conhecemos de sua cultura? Nimoy aceitou a sugestão e foi conversar com Meyer, que não concordou com a ideia. Nimoy gostaria que Kirk e McCoy conhecessem na prisão um klingon prisioneiro para abordar mais o modo de vida dos klingons, mas Meyer prontamente rejeitou tal sugestão, o que decepcionou Nimoy. Aí fica a questão: até onde ia a carta branca de Nimoy na Paramount? Apesar dessa frustração, Nimoy reconhece que a cena do banquete entre os membros da Federação e os klingons na Enterprise foi sensacional, com direito a intepretações magistrais de Christopher Plummer, David Warner e Rosanna DeSoto e citações de Shakespeare.

Christopher Plummer, um dos melhores klingons já vistos…

Para o personagem de Spock, houve dois momentos importantes. Um foi o seu relacionamento com Valeris, a jovem vulcana que se une à conspiração e trai Spock, o seu grande mestre. Inicialmente, a traidora seria Saavik, mas houve dois empecilhos. Kirstie Alley, que fizera o papel, agora era estrela de sucesso numa série de TV e seu salário seria muito alto. O outro empecilho seria como os fãs encarariam a traição de Saavik, que sempre fora muito fiel. Assim, desistiu-se da ideia da traição de Saavik e decidiu-se criar uma nova personagem. Kim Catrall foi escolhida para o papel, pois já tinha sido a escolha de Meyer para Saavik no segundo filme, “A Ira de Khan”, onde Alley acabou interpretando a vulcana. O teste não deixou dúvidas dessa vez e Catrall subiu a bordo da nave. O nome da personagem teve uma sugestão de Catrall: Eris, a deusa grega da discórdia e do caos. Um “Val” foi acrescentado para parecer mais alienígena e assim surgiu o nome Valeris.

Valeris sendo torturada por um raivoso Spock!!!

No início do desenvolvimento de “Jornada nas Estrelas 6”, Meyer descreveu o enredo para um jornalista como se fosse “uma pequena história sobre Spock apaixonado”, o que levou a muitas especulações, justamente porque, num episódio da Nova Geração intitulado “Sarek”, o capitão Jean Luc Picard teria dito que estivera com o embaixador Sarek, há muitos anos, durante o casamento de seu filho. Logo surgiram especulações sobre um casamento entre Spock e Valeris. Mas a relação seria apenas platônica e toda a polêmica envolvida serviu para encobrir a traição de Valeris. Nimoy lembra que Spock deveria ser sábio e experiente o bastante para não se deixar enganar por uma jovem vulcana. Dá para perceber como Valeris mexeu com a cabeça de Spock. Tanto que, na cena onde é descoberta a traição da moça, Spock chega a ter uma explosão de raiva, dando um tapa na mão da vulcana, que tinha um phaser para matá-lo (na verdade, Valeris mataria dois membros da tripulação que estariam supostamente na enfermaria e que haviam participado da conspiração, numa “queima de arquivo”; mas na verdade, Kirk e Spock prepararam uma emboscada para a moça e eles é que estavam na enfermaria, surpreendendo a vulcana que, sem reação, deixou que Spock lhe desse o tapa na mão para arrancar a arma). Outra cena em que Spock mostra emoções ocorre quando ele faz um elo mental à força em Valeris na ponte da nave para que ela denuncie os líderes da conspiração. Essa cena chega até a ser violenta, onde Spock “suga” todos os pensamentos à força, provocando dor em Valeris, tal como se ele a torturasse. Essas duas cenas são sinalizadas por Nimoy como o cruzamento humano/vulcano de Spock, onde seus dois lados estão bem expostos. Para Nimoy, essa pareceu ser uma progressão “logica” do personagem ao curso dos longas, pois no primeiro filme, Spock está totalmente lógico, após passar pelo ritual do Kolinahr para purgar todas as emoções e vai aceitando suas metades humana e vulcana ao longo do filme. No segundo filme, Spock parece em paz consigo mesmo e suas partes lógica e emocional. No terceiro filme, ele não participa, mas teve sua mente apagada. No quarto filme, ele reaprende tudo, inclusive os dois aspectos de sua personalidade, chegando a pedir a seu pai Sarek, que diga a sua mãe que ele se “sente bem”. O quinto filme parece seguir o mesmo padrão e, no sexto filme, parecia a hora em que Spock poderia mostrar suas emoções no momento apropriado.

Mas uma cena do sexto filme seria uma das mais importantes de toda a carreira de Nimoy e do vulcano Spock. A cena onde ele tinha certeza, pelo menos naquele momento, que a saga da série clássica tinha chegado ao fim. O final do sexto filme, inclusive, dizia que a Enterprise seria passada para uma nova tripulação, gancho óbvio para a série “A Nova Geração”. Mas, na cena mencionada em questão, Spock está em seu aposento melancólico, arrasado e deprimido, depois da traição de Valeris, quando Kirk entra para animá-lo. E aí começa um diálogo entre os dois em que o vulcano pergunta a Kirk: “É possível que nós dois, você e eu, tenhamos ficado tão velhos e inflexíveis que sobrevivemos à nossa própria inutilidade?”. Essa foi uma pergunta tão importante para Nimoy quanto para Spock. Não apenas porque Spock era um vulcano à beira da aposentadoria, percebendo que enfim a missão da sua tripulação havia acabado, quanto também Nimoy estava consciente de que aquele era o último filme de “Jornada nas Estrelas” para ele e Shatner juntos. Naquele momento, na cabeça de Nimoy, Spock perguntava a Kirk, mas também Nimoy perguntava a Shatner. Não havia distinção entre personagem e ator. Para Nimoy, ficou o sentimento de que a série clássica havia chegado ao fim. Ele teve o mesmo sentimento quando a série clássica foi cancelada: tristeza pelo fim, mas, ao mesmo tempo, alívio, pois não queria ver a qualidade dos filmes declinar.

Seria esse o fim da carreira de Spock em “Jornada nas Estrelas”? Isso é o que veremos no próximo artigo. Até lá!

Spock só voltaria no cinema com J. J. Abrams