Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 18)

                                 Jornada nas Estrelas 5. Botas voadoras…

As conversas sobre o quinto filme de “Jornada nas Estrelas” surgiram ainda durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Shatner confidenciou a Nimoy que queria dirigir o próximo longa. Nimoy o encorajou a fazer isso, principalmente enquanto todos estivessem empolgados com os sucessos dos longas de “Jornada nas Estrelas”. Mas o processo de produção do filme foi tumultuado. As negociações com a Paramount não foram assim tão triviais e houve uma greve do sindicato dos roteiristas para complicar as coisas. A história também não ajudava: um grupo de fanáticos religiosos sequestrando a Enterprise para se encontrar com Deus. Nimoy disse a Shatner que o público não ia engolir esse tal encontro com Deus, além dele ser comparado com “The God Thing”, que foi a primeira sugestão de Roddenberry para “Jornada nas Estrelas, o Filme”, totalmente descartada pela Paramount. Mas Shatner só falava para Nimoy  confiar nele que as coisas dariam certo. Depois de muita insistência, Shatner foi convencido que seria mais aceitável uma história em que a Enterprise se encontrava com um alienígena que dizia ser Deus, ao invés de se encontrar com Deus em pessoa. A greve dos roteiristas adiou o início da confecção do projeto em quase um ano. Nicholas Meyer não estava disponível e o roteiro ficou a cargo de Bennett e David Loughery (que escrevera o roteiro de “Flashdance”). Nimoy não gostou nem um pouco do esboço do roteiro, onde a tripulação da Enterprise (inclusive Spock), trai Kirk e apoia o líder religioso que sequestra a nave, o tal do irmão desaparecido de Spock, Sybok. A questão da traição de Spock e McCoy mais a falta de uma função específica para Spock na história quase fizeram com que Nimoy desistisse do projeto. A cena da “dor” de Spock revelada (o desprezo do pai por ele parecer humano no dia de seu nascimento) também inquietou Nimoy. O roteiro foi reescrito. Spock não trai Kirk, mas também não consegue atirar em Sybok no momento certo. Não foi uma solução que agradou Nimoy de todo. Já a cena do nascimento de Spock foi mantida sem alterações, para desgosto ainda maior do nosso ator.

                                              Sybok, o irmão de Spock…

O filme foi um fracasso de bilheteria e Nimoy atribui a culpa disso principalmente ao fraco roteiro, isentando Shatner de qualquer culpa no que se refere à direção pois, como diretor, Nimoy tinha plena consciência de todas as dificuldades e prazos envolvidos a que um diretor está submetido.

                                               Um Deus de araque…

As filmagens tiveram algumas cenas de ação que incluíam um voo de cabeça para baixo de Spock com um par de botas antigravitacionais. Os cavalos, tão amados por Shatner, também não faltaram. As filmagens terminaram em dezembro de 1988.

                          Spock não consegue atirar em seu irmão…

Em 1989, outro projeto interessante foi oferecido a Nimoy, sobre a história de um judeu húngaro, Mel Mermelstein, que sobreviveu a Auschwitz e lá perdeu toda a sua família. O pai, antes de morrer, o fez jurar que, caso Mel sobrevivesse, ele diria ao mundo todo o sofrimento e crime que os judeus passaram no campo de concentração e não puderam falar porque morreram. Mel migrou para os Estados Unidos e fez sua vida, iniciando negócios próprios, casando-se e tendo filhos. Mas ele não se esqueceu da promessa feita ao pai e inaugurou um museu do holocausto, além de fazer palestras em escolas se lembrando de sua própria experiência em Auschwitz.

                                               Em “Never Forget”

Um dia, Mel recebeu uma carta de um grupo chamado Instituto de Revisão Histórica, oferecendo-o cinquenta mil dólares se ele provasse que os judeus morreram nos campos de concentração por obra dos alemães. Eles defendiam a ideia de que os nazistas não haviam matado os judeus e que eram os judeus que morriam por causa do tifo e não de câmaras de gás, que eles chamavam de “salas para tirar piolhos”. Mel levou a carta para organizações judaicas que o aconselharam a simplesmente ignorar o tal desafio que era, na verdade, de um grupo neonazista que queria ridicularizá-lo. Mas Mel queria ir adiante com a coisa e pensou em processar o tal Instituto. Ao consultar um advogado, ele ficou sabendo que não tinha como fazer isso. Entretanto, um procurador, Bill Cox, alegou que o oferecimento de cinquenta mil dólares pela prova de que os nazistas mataram os judeus configurava um contrato. Caso Mel aceitasse, os neonazistas teriam que dar uma resposta em trinta dias, e se não fizessem isso Mel poderia alegar quebra de contrato e exigir na justiça o reconhecimento da existência do holocausto. Tudo aconteceu como foi descrito e Mel conseguiu que uma corte norte-americana reconhecesse a existência do holocausto, honrando a promessa feita a seu pai, não sem sofrer muitas ameaças dos neonazistas. Nimoy ficou encantado com a história e uniu forças para produzir “Never Forget”, onde ele interpretaria o papel de Mel e o próprio faria participações especiais com sua filha. Foi um projeto do qual Nimoy muito se orgulhou de fazer, embora ele lembre que muitos grupos neonazistas ainda divulgassem em textos na época a história da alta mortalidade de judeus por epidemias de tifo, como se os nazistas não tivessem praticado o genocídio, e tais textos chegavam até a circular em bibliotecas de universidades americanas.

No próximo artigo, vamos falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”. Até lá!

                                    Mel Mermelstein no tribunal…

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 17)

                  Nimoy dirigindo “Três Solteirões e um Bebê”

Quando a versão final de “Jornada nas Estrelas 4, A Volta Para Casa” foi exibida para um público-teste, houve muitas risadas nos momentos certos. Algumas pessoas, como críticos de cinema, acharam que o filme estava engraçado demais e os fãs não gostariam, pois eles queriam ser levados à sério. Nimoy sabia que isso não era verdade, já que a série clássica tinha bastante senso de humor. O público também descobriu que Nimoy poderia fazer comédia, pois ele sempre havia sido considerado uma pessoa muito séria por causa de Spock. Nimoy, entretanto, sempre fora um grande fã de Abbott e Costello, uma dupla de comediantes que fez muitos filmes décadas atrás. Assim, Nimoy foi chamado para dirigir “Três Solteirões e um Bebê”. Outros três diretores foram chamados, mas eles desistiram do projeto. Katzenberg, executivo da Paramount, decidiu deixar com Nimoy a direção ao invés de chamar mais diretores. Como o filme era um “remake” de um filme francês, o roteiro foi reescrito para ficar mais “americanizado”. Quem vivenciou a década de 1980 lembra dessa doce comédia estrelada por Tom Selleck (o inesquecível Magnum), Steve Gutenberg (que fez vários “Loucademia de Polícia”) e Ted Danson, que recebiam uma menina recém-nascida na porta de um apartamento para lá de irado, com as paredes todas pintadas com lindas figuras. O apartamento no filme original tinha decorações em estilo egípcio, muito “velho mundo” para Nimoy, que optou por algo mais moderno, mais “Nova York”, onde os personagens seriam retratados nas paredes com desenhos e ficariam lá expressas as características deles.

          Liam Neeson e Diane Keaton em “O Preço de uma Paixão”

As filmagens transcorreram sem muitos problemas, exceto por um dia em que foi necessário fazer uma tomada externa mais elaborada que demandava muito tempo e a posição do Sol influenciaria demais a cena. Isso sem falar das nuvens, que faziam sombra a toda hora, interrompendo ainda mais as filmagens. Para piorar a situação, pessoas que passavam pelas ruas reconheciam Tom Selleck e falavam com ele (“Oi, Magnum!”). Havia, na cena, um policial montado a cavalo que teria uma pequena participação. Mas o ator que fazia o policial nunca havia montado um cavalo e prendeu mal o bichinho antes de entrar no prédio com Tom Selleck, que mostraria a carteira de identidade que ele tinha esquecido no apartamento. O que aconteceu? O cavalo se soltou e seguiu o policial prédio adentro. A cena teve que ser cortada, pois, apesar de tentarem aproveitá-la, ela se revelou irrelevante para o filme, que foi bem aceito pelo público, arrecadando mais de 165 milhões de dólares de bilheteria.

           Nimoy dirigindo Keaton

Após as filmagens, Nimoy viajou para a Rússia, para uma exibição comemorativa de “A Volta Para Casa”, pois na ocasião aquele país havia proibido a caça da baleia. Nimoy aproveitou para visitar a cidade dos pais, Zaslav, na Ucrânia, onde ele ainda tinha parentes que nem conhecia. A visita foi um fiasco total, pois ninguém conhecia “Jornada nas Estrelas” na Rússia, os parentes de Nimoy não falavam inglês e ele não falava russo. Eles se comunicaram com um intérprete e com algumas palavras em ídiche. Houve, também, uma desconfiança, por parte dos parentes de Nimoy de que ele fosse um agente do governo soviético designado para vigiá-los. Nem precisa dizer que a visita foi um mal-estar geral. De volta aos Estados Unidos, Nimoy foi surpreendido pela notícia de que seu pai estava muito mal de saúde. Ele passou os últimos dias da vida de seu pai junto com ele, compartilhando fotos e pequenas filmagens que havia feito da terra natal da família durante a viagem. Para Nimoy, a ficha da morte do pai demorou a cair, e ele suspeita que a lógica vulcana tenha tido alguma interferência nisso. Ele ficou muito agradecido de Shatner ter comparecido ao enterro de seu pai.

Depois do sucesso de público e crítica de “Três Solteirões e um Bebê” e novos comentários surpresos de que o intérprete de Spock podia fazer comédia, Nimoy foi chamado para dirigir um projeto mais sério e polêmico: o filme “O Preço de Uma Paixão”, que seria estrelado por Diane Keaton, Liam Neeson e Jason Robards. O mais curioso é que Nimoy fora convidado mas não tinha garantias de que ia dirigir o filme já que, depois de “A Volta Para Casa” e “Três Solteirões e um Bebê”, agora ele era rotulado como especialista em comédias. A história falava de uma moça, Anna, que havia tido uma criação muito opressora dos pais e se casou com um marido igualmente opressor. Ela teve uma filha e não queria que a menina sofresse toda a repressão sexual que ela sofreu, educando-a de uma forma livre. Anna se separa de seu marido e começa um novo relacionamento com Leo, um jovem escultor. A forma livre com que Anna cria a filha, permitindo até que a menina veja a mãe e o novo namorado nus, choca o pai, que inicia uma batalha judicial pela custódia da filha. E Anna perde a filha e Leo em todo o processo. Nimoy ficou com muita vontade de dirigir o filme, já que a história, em sua opinião, não tinha vilões individuais em si, mas sim um sistema e uma sociedade cheia de valores altamente conservadores que destruíram a vida de Anna. Outro detalhe que atraía Nimoy é que a trama era shakespeariana e trágica, sem o famoso “happy end” dos filmes americanos. Ele conseguiu convencer o produtor do filme, pois disse que era de Boston, onde se passava a história, conhecendo bem o conservadorismo daquela sociedade, e que tinha uma experiência em teatro que se aproximava da temática do filme. Vários atores recusaram os papéis, pois tiveram medo do que isso poderia implicar na carreira deles (há uma cena em que a filha de Anna toca no pênis de Leo, ficando claro que é somente para satisfazer uma curiosidade e que não houve qualquer má intenção no ato). Por isso, Nimoy ficou admirado com o fato de Diane Keaton  aceitar fazer o papel de Anna e Liam Neeson aceitar fazer o papel de Leo. Jason Robards foi chamado para fazer o advogado de Anna, mas ele relutou em aceitar, pois o advogado era conservador e disse que Anna só teria alguma chance se reconhecesse que havia cometido um erro perante o juiz, que era muito puritano. Nimoy defendeu o personagem dizendo a Robards que o advogado queria ajudar a moça e lhe propôs essa saída já que ele conhecia bem o sistema judiciário e seu conservadorismo. Robards, que tinha uma amizade com Nimoy, acabou sendo convencido e pegou o papel.

Keaton teve uma postura muito profissional e refez toda uma cena muito difícil

Foi uma época em que Nimoy estava muito sensível e chorava toda a noite, em parte porque a história do filme tinha uma carga emocional muito forte, em parte porque ele havia perdido seu pai e, pouco tempo depois, sua mãe. As filmagens também tiveram contratempos, como a necessidade de Diane Keaton ter que filmar uma sequência com forte carga de emoção duas vezes, já que as duas câmaras usadas tinham filmes que não podiam ser editados juntos. Nimoy comprou até rosas para a atriz para lhe dar a má notícia (repetir uma cena longa e altamente emotiva é uma tarefa muito desgastante). Mas Keaton foi altamente profissional e repetiu tudo. As impressões sobre o sucesso de “O Preço de uma Paixão” foram as melhores possíveis na exibição teste. Mas as reações de público e crítica eram muito extremas. Ou o filme era excelente ou péssimo, não havendo meio termo, o que fez com que ele logo deixasse de ser exibido, para a decepção de Nimoy que, lá no fundo, já sabia que ia gerar muita controvérsia. Nimoy fala com desgosto de que talvez ele devesse ter feito algo mais comercial, com o “happy end”. Mas ele ainda mencionou que não era disso que o filme tratava.

No próximo artigo, vamos falar da produção de “Jornada nas Estrelas 5”. Até lá!

                 Diane Keaton e Jason Robards

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 16)

Eddie Murphy foi cotado para Jornada nas Estrelas IV

Para o quarto longa, Nimoy e Bennett decidiram que o astral deveria melhorar. Depois do exercício kubrickiano e sombrio do primeiro filme, passando pela morte de Spock no segundo filme e a morte do filho de Kirk no terceiro, além da destruição da Enterprise, seria interessante tratar o quarto longa com mais leveza e alegria. O filme “A Procura de Spock” havia sido um sucesso, o que rendeu uma série de regalias a Nimoy na Paramount. Jeff Katzenberg sugeriu a participação de Eddie Murphy, um devotado fã de “Jornada nas Estrelas”. Murphy chegou a colocar os executivos da Paramount para esperar o início da reunião onde ele assinaria um contrato de um salário de um milhão de dólares, pois ele estava assistindo a um episódio da série clássica e não queria ser interrompido. Nimoy agiu com cautela, pois para o projeto dar certo, o papel de Murphy deveria ser relevante, caso contrário, as críticas seriam muito severas. Murphy ficou no aguardo enquanto o roteiro era trabalhado. Ele contatou cientistas do projeto SETI (Search for Extrarrestrial Inteligence, Busca por Inteligência Extraterrestre) em busca de ideias para o filme. Enquanto isso, Bennett assistia aos episódios da série clássica e, juntamente com Nimoy, concluíram que a história deveria tratar de uma viagem no tempo. Nimoy viajou para a Europa para gravar uma minissérie para a NBC e tinha tempo livre para pensar no roteiro. Deveria haver na história ligações com o filme anterior. A tripulação da Enterprise estava no exílio em Vulcano, tendo que enfrentar a corte marcial na Terra, dispunha de uma ave de rapina klingon e Spock estava vivo, mas com sua memória praticamente apagada, tendo que se reeducar. Enquanto eles voltassem para a Terra, eles teriam que, deliberadamente, fazer uma viagem no tempo. Foi escolhida a São Francisco de 1986, ou seja, dos dias atuais para a época da produção do filme. Faltava o motivo para a viagem ao passado. Na época, Nimoy estava fazendo leituras sobre a extinção de espécies e lhe veio a ideia de que uma epidemia poderia estar assolando a Terra no século 23 e a cura estaria numa espécie já extinta nesse século mas ainda viva no século 20. Entretanto, o tema da epidemia era pesado demais e a ideia era fazer um filme mais leve. Numa conversa com um amigo, Nimoy tomou conhecimento das baleias jubarte como uma espécie em extinção e que se comunicavam por uma espécie de canto. Nimoy conversou com Bennett e eles desenvolveram mais a ideia. O canto das baleias era uma comunicação com uma inteligência extraterrestre. Mas aí as baleias desapareceram com a extinção e essa inteligência alienígena retorna no século 23 para estabelecer contato, o que provoca interferências nos sistemas de energia e tempestades. Assim, a volta ao passado seria para pegar baleias jubarte e levá-las ao século 23 para tentar a tal comunicação. Dois roteiristas foram contratados para começar o roteiro. Mas… e Eddie Murphy? Como ele se encaixaria na história? Houve algumas tentativas de aproveitá-lo, mas sem sucesso. Por fim, tanto a equipe de “Jornada nas Estrelas” quanto Eddie Murphy decidiram que não seria bom para ninguém que ele participasse do filme.

Nimoy e Kelley. Nem parece que seus personagens batem boca o tempo todo…

O trabalho dos dois roteiristas contratados não deu certo e Harve Bennett escreveu o início e o fim do roteiro. Nicholas Meyer foi chamado e escreveu a parte em que eles estavam na São Francisco de 1986, onde seu senso de humor foi muito útil. Nimoy contribuiu com o toque neural no punk com o rádio no volume máximo dentro do ônibus, experiência desagradável pela qual o ator realmente passou. Nessa época, Nimoy ainda fumava e mostrava sinais de falta de ar. Para não prejudicar sua participação no projeto do filme, ele parou de fumar, o que lhe rendeu mais alguns anos de vida. Nimoy passou até a cuidar melhor de sua saúde, fazendo exercícios físicos, pois ele teria que, por durante toda a produção do filme, simultaneamente dirigir e atuar, o que implicava numa carga de trabalho enorme. Muito trabalho foi feito para se encontrar as locações e fazer as imagens das baleias, já que o aquário escolhido para as filmagens não comportava um casal de jubartes. Aí entrou novamente a equipe da Industrial Light And Magic em ação, além de uma equipe que criou baleias mecânicas ou partes de baleias mecânicas em tamanho real (como o rabo). Somente duas tomadas com baleias vivas foram feitas no filme: uma com jubartes na superfície do oceano e outra em que as baleias vão à superfície rapidamente durante a sequência da caçada.

Uma tripulação perdida na San Francisco de 1986…

Na escolha do elenco, alguns membros da série clássica voltaram, como Majel Barrett (a agora comandante Chapel) e Grace Lee Whitney, a ordenança Rand, além de Marc Lenard (Sarek) e Jane Wyatt (Amanda), os pais de Spock. Robin Curtis voltou a interpretar Saavik e Catherine Hicks interpretou a bióloga de cetáceos, Gillian Taylor. O mais curioso é que Nimoy, que já estava maravilhado com Hicks, só a contratou depois do aval de Shatner, após uma visita de Nimoy e Hicks ao Equestrian Center, onde Shatner tinha seus amados cavalos. Com uma piscadela, Shatner aprovou a moça, que faria muitas cenas com Kirk. Reza a lenda que os cavalos gostaram da moça, o que encantou ainda mais Shatner.

Catherine Hicks, uma bela aquisição…

Uma curiosidade sobre as filmagens é que parte delas foi feita nas ruas, em meio a pessoas comuns que não atrapalharam, mesmo com o elenco de “Jornada nas Estrelas” sendo muito conhecido por todos. Mas a cena em que quase Kirk é atropelado teve que ser muito bem coreografada, em virtude do perigo envolvido. Foi uma cena rodada várias vezes em três horas e que cada tomada demorava cerca de vinte minutos para ser feita, já que doze carros tinham que dar uma volta no quarteirão. O dia já estava terminando e uma certa aglomeração de pessoas acompanhava a filmagem quando, depois da décima tentativa, tudo deu certo, para alívio de Nimoy. Na cena, o motorista xinga Kirk de paspalho, que retribui com um “paspalho é a mãe”.

Paspalho é a mãe!!!

Mas houve casos em que algumas cenas não puderam ser filmadas por imprevistos, como uma de Sulu, que era de São Francisco e, numa conversa com uma criança, descobria que falava com seu tataravô. Mas a criança escolhida para a cena ficou muito nervosa e a equipe teve que abandonar a ideia, o que chateou muito George Takei, o ator que interpreta Sulu. Houve, também, “felizes acidentes”, como na cena em que Chekov e Uhura perguntavam às pessoas na rua onde haveria navios nucleares para conseguir um material radioativo para fazer funcionar a ave de rapina em que vieram. Mas o ano era 1986 e a guerra fria ainda perdurava. E Chekov, russo que era, perguntando sobre navios nucleares americanos na rua. Essa era a piada. Algumas pessoas perguntadas na rua eram figurantes contratados, mas outras não. A cena foi filmada bem ao estilo de “câmera indiscreta”. Muitas pessoas nem deram confiança para Chekov e Uhura, achando que eram loucos. Mas uma moça de longos cabelos negros deu atenção a eles, respondendo de forma espontânea que a base ficava do outro lado da baía. A cena foi incluída no filme depois de um contrato feito com a moça.

Um punk tomará um toque neural…

Um fato desagradável que ocorreu foi com relação à cena da comunicação da sonda com as baleias. Os produtores (incluindo Bennett) queriam que houvesse legendas no diálogo entre as baleias e as sondas. Mas Nimoy não queria tais legendas, pois numa conversa com cientistas especializados nas possibilidades de uma comunicação entre humanos e extraterrestres lhes disseram que, por muito possivelmente terem uma cultura e existência diferente da dos humanos, não haveria uma garantia de comunicação tão linear entre humanos e alienígenas. Logo, Nimoy não quis “antropomorfizar” a sonda. E bateu o pé, pois ele havia recebido carta branca da Paramount para fazer o filme como quisesse e, como diretor, tinha a última palavra, ao contrário das séries de tv, onde o produtor tinha a última palavra. E como Bennett era produtor de séries de tv, houve uma certa tensão entre ele e Nimoy, que acabou ganhando a queda de braço e a cena foi ao filme sem legendas, preservando o mistério da sonda como Nimoy queria.

Filmagens. Nimoy dirige Kelley

O personagem de Spock também sofre um processo de reconstrução nesse filme, já que ao final de “À Procura de Spock”, sua mente estava praticamente vazia. Ele faz testes simultâneos e rápidos com o computador para preencher novamente sua mente com informações. Mas não consegue responder à pergunta “Como se sente?”, por não entendê-la. Sua mãe, Amanda, é que vai lhe lembrar de seu lado humano e emocional. E aí Spock, ao longo do filme, chegará à conclusão bem emocional e humana de que todos devem se reunir para salvar Chekov, pois agora “a necessidade de um supera as necessidades de todos”, invertendo a ideia básica do segundo filme, que já havia sido invertida no terceiro. Ao final, quando Spock se despede de seu pai, Sarek, este lhe pergunta se ele quer enviar uma mensagem a sua mãe. Ao que Spock responde: “Diga à minha mãe… que me sinto bem”, integrando novamente as partes vulcana e humana do personagem. Não foi à toa que “Jornada nas Estrelas 4, A Volta Para Casa” arrecadou cem milhões de dólares de bilheteria e até então era o filme de maior recorde de arrecadação de bilheteria, além de ser considerado por muitos fãs o melhor longa da série clássica.

No próximo artigo, vamos falar de mais algumas experiências de Nimoy na direção. Até lá!

Nicholas Meyer incrementou o roteiro com muito humor

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 15)

                         Nimoy e Bennett…

Ao começar as filmagens, surgiria um problema. O elenco original da série não gostou muito da ideia de Nimoy na direção e não sabia das pretensões do diretor para com seus papéis. Assim, Nimoy começou uma estratégia de convencimento de seus antigos colegas. William Shatner fez uma reunião com Nimoy e Bennett acompanhado de seu advogado e apontou todas as objeções que tinha contra o roteiro, sendo prontamente atendido nas alterações. Quanto aos outros membros do elenco original, eles esperaram para ver o que ia acontecer. Mas, mais tarde, eles chegaram à conclusão de que Nimoy não seria um ditador e que faria o melhor por todos. Nimoy também sentiu que as responsabilidades de um diretor de um longa são muito maiores que as de um diretor de séries de tv. Ele tinha que se preocupar não só com as técnicas de filmagem em si e a quantidade de cenas a serem filmadas em cada dia, assim como com toda a logística envolvida: figurinos, dublês, nuvens de gelo seco, etc. Além disso, havia um clima de desconfiança dos executivos do estúdio quanto ao fato de um novato estar na direção e Bennett era o escalado para vigiar Nimoy quanto a isso, chegando a checar as tomadas feitas durante o dia de filmagem na sala de edição sem o conhecimento dele.

           Elenco inicialmente receoso com direção de Nimoy…

Durante as filmagens, George Takei ficou incomodado de ter seu personagem, Sulu, ser chamado de baixinho por um segurança. Na sequência, Sulu lhe dá um golpe, dizendo: “Não me chame de baixinho”. Depois de uma discussão com Bennett, essa cena foi filmada de duas formas: com e sem a expressão “baixinho”. Takei ficou chateado com o uso da expressão “baixinho” na edição final. Mas se acalmou depois de constatar a reação calorosa do público à cena.

                                         Conversa entre vulcanos…

Na cena da morte do filho de Kirk, Nimoy e Shatner se reuniram em separado para discutir a cena e encenaram uma briga para assustar a equipe de produção, que não engoliu a zoação, já que sabia que os dois velhos amigos faziam isso de vez em quando. Na verdade, Nimoy deu toda a liberdade a Shatner para fazer a cena, já que ele conhecia muito bem seu personagem. A cena ficou tão boa que um executivo da Paramount, Jeff Katzenberg,  ligou para Nimoy, felicitando-o por seu trabalho de diretor depois de vê-la. Nimoy deu todos os créditos a Shatner pela cena. A cena do Pon Farr entre Saavik  e o jovem Spock foi rechaçada por Katzenberg, achando que ia provocar risadas. Nimoy e Bennett apostaram um dólar como ela não ia provocar as tais risadas. E eles ganharam a aposta. Nimoy emoldurou seu dólar numa placa assinada por Katzenberg, que diz: “Apostei que a cena do Pon Farr ia causar risos”. Jeff Katzenberg, abril, 1984”. Nimoy realmente sabia das reações dos fãs de “Jornada nas Estrelas”.

                                               Velhas amizades…

A notícia da destruição da Enterprise vazou e causou indignação entre os fãs. Mas Nimoy já estava vacinado com a morte de Spock e tudo transcorreu sem problemas, ainda mais porque a cena foi feita pelo pessoal da Industrial Light and Magic, a produtora de efeitos especiais de George Lucas. Complicado mesmo foi o final das filmagens, onde Nimoy tinha que acumular à pesada rotina da direção o fato de ainda atuar e se maquiar como o vulcano. No início, ele interrompia a maquiagem para ver outros problemas, chegando a andar pelo set com apenas uma orelha pontuda ou sobrancelha vulcana. Mas depois viu que isso era muito mais complicado e passou a chegar às cinco da manhã ao estúdio para se maquiar para depois resolver os demais problemas do dia. Numa cena, Nimoy contracenava com Kelley e Spock estava inconsciente, não podendo ver que rumos a filmagem tomava. Kelley chegou a rir com a situação porque Nimoy tentava abrir os olhos um pouquinho para ver se a filmagem transcorria bem. Na cena final, Nimoy tinha que se concentrar em seu diálogo e na direção. Ele instruiu os atores a abraçar Spock, mas todos mantiveram uma distância respeitosa, com exceção de Uhura.

                  Uma aproximação solene…

Ficou bem claro que eles sabiam que Spock não gostaria disso. Um personagem consolidado depois de tantos anos. Foi decidido também que o nome de Nimoy só apareceria nos créditos como diretor e não no elenco, para não estragar a surpresa (para lá de anunciada) da ressurreição de Spock. Os executivos da Paramount viram o filme e adoraram. Decidiram que Nimoy dirigiria o quarto filme com sua visão pessoal de “Jornada nas Estrelas”, antes mesmo que “A Procura de Spock” estreasse nos cinemas.

E como foi a produção de “Jornada nas Estrelas 4, A Volta Para Casa”? Isso é o que veremos no próximo artigo. Até lá!

     Enterprise queimando na atmosfera de Gênese. Dor no coração…

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 1, Episódio 15) Você Pegará A Minha Mão? Desfecho Melancólico.

                              Deixa a Burnham para lá…

E finalmente a primeira temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery” terminou. Infelizmente, isso ocorreu de uma forma simplesmente lamentável. Poucas vezes me senti tão desrespeitado como espectador. Não sei se quem escreveu esse episódio (os produtores que eu prefiro nem citar aqui) o fez por preguiça ou por fazer pouco caso da inteligência do público mesmo. Nunca tinha visto um final de temporada tão mal elaborado, com uma solução de guerra tão rápida e falsa. Fico imaginando a pessoa que gostava dos roteiros mais consistentes das séries de Jornada nas Estrelas do passado que teve que assinar o CBS All Acess nos Estados Unidos somente para ver a série. Dinheiro jogado fora? Talvez. Esperança de que a série vá melhorar a partir da segunda temporada como já aconteceu com outras séries de Jornada nas Estrelas? Talvez. Mas a sensação que essa primeira temporada nos dá é de derrota, de terra arrasada, com alguns lampejos de coisas boas.

Qual foi o problema do último episódio afinal? Ele até começou bem, com alguns arranca-rabos entre a Imperatriz, Saru e Burnham, mas o duelo de retórica parou ali no início. O diálogo em que Saru, com sarcasmo, se declarava “intragável” para a Imperatriz poderia ter sido mais bem explorado e desenvolvido. Agora, colocar o interior de Qo’nos como uma região de baixo meretrício para escravas (e escravos) de Órion foi um dos fan services mais tortos que vi na vida. Uma coisa totalmente fora de propósito, sem qualquer significado. Ou somente um pretexto para botar umas bundas verdes na tela? E o tão sonhado momento da batalha final entre Federação e klingons? Negativo, caro leitor. Nem uma mísera navezinha atirando em outra. A solução (para uma série mal escrita em formato de quinze episódios) foi… simplesmente usar uma bomba armada pela Imperatriz que destruiria todo o planeta, que a correta e valente Burnham não aceitou usar, pois não eram esses “os princípios da Federação”, ao que a Imperatriz respondeu “tá legal, toma o detonador aqui” e saiu pela porta dos fundos. Aí, dá-se o tal detonador para L’Rell e, sob a ameaça de destruir o planeta, ela consegue unificar todas as vinte e quatro casas, dominar o Império klingon e acabar com a guerra (ninguém pode tirar esse detonador da mão dela não???)… Pois é, se isso não estivesse registrado lá no streaming, o leitor poderia dizer que eu estava tirando uma com a cara dele. Mas essa foi a solução de uma guerra onde a Federação estava praticamente derrotada. A coisa beira ao deprimente e ridículo. E digo isso respeitando um padrão Discovery de qualidade, o que já não é lá grande coisa. Mas aqui o nível ficou mais abaixo ainda do que isso. A partir daí, o episódio ficou recheado dos monólogos de Burnham sobre o que é a Federação e seu espírito, algo que foi desrespeitado em toda a temporada, com influência de Lorca ou não. A tripulação da Discovery recebendo medalhinhas, que também deviam ser dadas ao público, que aguentou vários episódios mal escritos. A coisa já caminhava para o final com uma tremenda cara de anticlímax, quando alguém teve a brilhante ideia de fazer um fan service e colocar a Enterprise do capitão Pike somente para despistar as pessoas da droga do roteiro que foi escrito de forma lamentável. Ou seja, uma Entreprise CGI usada como um tremendo engana trouxa. Confesso que chega a ser ofensiva a forma como o espectador, trekker ou não, está sendo tratado aqui.

                                                Saru será capitão???

Ah sim, não podemos nos esquecer de Tyler, que se curou de sua dor de cotovelo rapidinho com relação à Burnham quando se animou a jogar umas partidinhas de cassino com os poucos klingons que habitam Qo’nos (uns três, ao todo). Logo, logo, Voq baixou nele e Burnham ficou com aquela cara de pastel da namorada que é trocada por uma partidinha de futebol com os amigos aos domingos. E depois, nosso Tyler ainda vai ajudar L’Rell a governar o Império klingon, sendo uma heroica ponte entre os klingons e a Federação… Tudo muito rapidinho, sem conflitos, resolvido em pouquíssimos diálogos e sem qualquer arrependimento por parte de Tyler, num contraste total com o que a gente viu no episódio anterior. Ou seja, Discovery não apresenta consistência nem entre seus próprios episódios. Uma tristeza.

Por incrível que pareça, uma das poucas coisas que funcionaram bem nesse último episódio foi justamente a Tilly, onde assumiu-se a personagem totalmente como alívio cômico, sendo esse talvez o melhor caminho para a personagem, ao invés de colocá-la para fazer aquelas falas constrangedoras sem qualquer sentido. Mas isso é muito pouco para compensar o desastre geral desse episódio.

Com o fim da temporada, fica a dúvida: tudo isso foi escrito previamente ou, com a gravação dos episódios, as histórias foram tomando rumos diferentes? Alguns produtores (como Ted Sullivan) juram de pés juntos que várias coisas foram pré-concebidas. Mas a gente também tem informações na internet de que as histórias sofreram alguns ajustes, à medida que a temporada ia sendo gravada. Bom, a gente chega à conclusão de que, se tudo foi escrito previamente, foi o clássico caso do “Pau que nasce torto, morre torto”. E, pelo contrário, se as histórias foram sofrendo ajustes, parece que a coisa foi feita tão nas coxas que perdeu-se meio que a mão. Definitivamente, o melhor arco foi o do Universo Espelho. Mas creio que esse formato de temporada mais curta e rápida não pode ser tão fragmentado em sub-arcos, o que provoca uma dispersão de todo o contexto. Que se houvesse sido feito um arco de quinze episódios, tipo novelão mesmo, somente sobre a guerra com os klingons, ou somente com o Universo Espelho, Mudd, tardígrado ou outro qualquer assunto.

                                                  CGI engana trouxa…

Pelo menos, muitas pontas ficaram soltas (aposta de que já haveria uma segunda temporada? Aposta muito arriscada, a meu ver). O que acontecerá com os malditos esporos? Lorca Prime aparecerá? Saru deixará de ser apenas o capitão interino e assumirá o comando da Discovery de vez? Burnham será menos chata e trouxa, tendo um protagonismo, digamos, um pouco mais digno? A Federação se comportará como Federação? Os personagens da ponte terão maior participação? A tripulação será menos neurótica? Stamets vai ter um novo namorado? Os klingons farão cirurgia plástica e sessões de fonoaudiologia? E, principalmente, qual será o arco principal da série? Exploração espacial? Guerra de novo? Só torço para o seguinte: que os roteiristas analisem o que produziram, vejam seus erros e acertos, e aprendam também com os erros e acertos de séries passadas. Deep Space Nine, por exemplo, por seu teor altamente distópico, era visto como inicialmente um tanto violador do cânone, teve as temporadas iniciais um tanto fracas, mas depois virou um sucesso, pois os roteiristas se empenharam em fazer uma história – a Guerra do Dominium – bem escrita e acabada. A primeira temporada de Nova Geração foi um saco, com um Capitão Picard rabugento toda a vida, mas depois a coisa melhorou. Enterprise foi cancelada, mas foi bem no arco Xindi (confesso que gosto) e melhor ainda na quarta e última temporada. Só a Voyager que eu considero mais fraquinha, mas mesmo assim não tinha histórias tão fracas quanto as que vimos em Discovery. A gente espera que a nova temporada se inspire nesses exemplos. Pois o verdadeiro trekker não quer ver Discovery naufragar, pelo contrário, pois seu sucesso garante a manutenção da franquia ao longo do tempo. Entretanto, a coisa tem que ter um mínimo de qualidade, pois caso contrário, não vale a pena ter uma série com o nome de Jornada nas Estrelas somente pelo seu nome. Que se use outro título então e se decrete que aquele espírito de séries passadas de Jornada nas Estrelas não é mais possível para o público de hoje.

Bom, é isso. Fica agora a esperança de que a segunda temporada seja feita por mentes, digamos, mais iluminadas. Vida longa e próspera a todos!!!

https://www.youtube.com/watch?v=-IHBbEG4GfI

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Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 14)

Kruge, magistralmente interpretado por Christopher Lloyd…

Mesmo com os protestos dos fãs por causa da morte de Spock, “A Ira de Khan” teve a maior arrecadação de bilheteria num fim de semana em sua época. Semanas depois do fim das filmagens, Nimoy assistiu ao filme na cabine de projeção de um cinema, uma experiência muito ruim, pois o ator se sentiu parcialmente culpado pela morte do personagem. Ele até pensou em sair da cabine antes do fim da exibição, mas ficou com medo de ser mal interpretado por público e imprensa, de pensarem que ele não gostou do filme. Ele estava com lágrimas nos olhos. Entretanto, a cena final, com o torpedo contendo o corpo de Spock na superfície do planeta Gênese fez Nimoy ter a certeza de que seria chamado pela Paramount para mais uma continuação, já que “A Ira de Khan” deixou elementos para isso. Essa sequência final do planeta Gênese não constava do roteiro original, mas foi acrescentada, pois nas exibições-teste do filme, a reação do público foi muito sombria ao final original. Com a sequência final de Gênese adicionada, o final seria um pouco mais esperançoso.

Edward James Olmos foi o primeiro nome cogitado para Kruge

Apesar da esperança de voltar a atuar em “Jornada nas Estrelas”, Nimoy não sabia ao certo se queria fazer isso novamente. Dinheiro para ele já não era mais problema. Veio então a ideia de dirigir o filme, algo que Nimoy e Shatner já haviam tentado fazer na segunda temporada da série clássica, só que foi prontamente negado a eles. Ao se reunir com Gary Nardino, da Paramount, Nimoy sugeriu pegar a direção já que conhecia a fundo “Jornada nas Estrelas”. Para sua surpresa, Nardino aceitou sem titubear. Nimoy saiu da reunião surpreso, achando que tudo fora muito fácil. Harve Bennett já havia oferecido a Nimoy a direção de uma série de tv chamada “The Powers of Matthew Starr”, quase na mesma época de “A Ira de Khan”, o que lhe deu experiência e segurança suficientes para atuar na direção em “Jornada nas Estrelas 3”.

                        Robin Curtis como Saavik

Duas semanas depois, Nimoy voltou a sugerir pegar a direção do filme a um alto executivo da Paramount, Michael Eisner. Nardino nada havia dito a esse grande executivo sobre a direção, deixando a batata quente para Nimoy, pois Nardino não queria se indispor com Eisner, seu chefe, se ele não concordasse com a direção a Nimoy. Nosso ator fez a sugestão a Eisner e, para a sua surpresa, também recebeu uma resposta afirmativa. Nimoy estava nas alturas. Mas era bom demais para ser verdade. Várias semanas se passaram e Eisner não retomou os contatos com Nimoy. Nosso ator então fez uma ligação para Eisner e escutou do executivo que não poderia lhe dar a direção do filme, já que Nimoy odiava Spock e “Jornada nas Estrelas”. Segundo o executivo, Nimoy teria colocado no seu contrato de “A Ira de Khan” que Spock deveria  morrer. Era o fantasma de “Eu não sou Spock” retornando com força total. Nimoy imediatamente desfez o mal-entendido dizendo que essa exigência de matar Spock não constava de seu contrato, além de ter contado também sobre toda a má impressão causada por “Eu não sou Spock”. Foi assim que Nimoy conseguiu a direção do filme.

Ao começar a discutir o roteiro, Nimoy e Bennett decidiram inicialmente que a “ressurreição” de Spock ocorreria próxima ao fim do filme para manter um suspense contínuo. Obviamente, o “lembre-se” do elo mental de Spock a McCoy também seria usado. Mais tarde, surgiram outras ideias: a rápida evolução de Gênese e a proibição do acesso ao planeta, a presença do “katra” de Spock em McCoy, os klingons querendo o torpedo Gênese. Originalmente, os romulanos seriam os vilões da história, segundo as pretensões de Bennett. Mas Nimoy sempre teve muita curiosidade e interesse sobre os klingons, sugerindo a troca, no que foi prontamente aceito. A indignação de Sarek por Kirk não ter levado o katra de Spock a Vulcano foi mais um elemento adicionado ao roteiro, que ganhava cada vez mais forma. Assim, Kirk deveria levar o corpo de Spock e McCoy para Vulcano a fim de fazer a ressurreição. Mas a proibição de ir a Gênese imposta pela Federação e os klingons seriam os obstáculos a serem superados. Nimoy também pensou num tema chave para o filme. Em “A Ira de Khan”, o tema era “As necessidades de muitos superam as de poucos ou a de apenas um”.  Agora, seria justamente o contrário. A lealdade e amizade por um amigo levariam muitos ao sacrifício, como em “Henrique V”, de Shakespeare, nas palavras de Nimoy. Assim, cada membro da tripulação teria uma tarefa específica na missão de trazer Spock de volta. Aqui, Nimoy acha que foi influenciado por “Missão Impossível”, onde os personagens tinham missões específicas em cada episódio para chegar ao objetivo da missão maior. O detalhe mais interessante é que isso não aconteceu especificamente com Chekov. Mas isso seria compensado em “Jornada nas Estrelas 4”.

Dame Judith Anderson foi escolhida para a sacerdotisa que traz o katra de Spock de volta ao seu corpo

Houve um problema para a escolha do elenco. Kirstie Alley quis um salário maior, pois havia sido mal paga em “A Ira de Khan”. Mas o valor do salário que ela queria era maior que o de De Forest Kelley, o que foi impossível. Assim, Robin Curtis foi escolhida para o papel de Saavik. Para o comandante klingon, Nimoy achou que Edward James Olmos, que trabalhou em “Blade Runner”, “Miami Vice” (o inesquecível tenente Castillo) e na nova versão de “Galáctica” (general Adama) era perfeito para o papel. Mas Bennett discordou. Até que Christopher Lloyd manifestou o desejo de fazer o papel. Alguns executivos do estúdio temeram por isso, já que Lloyd era conhecido por fazer comédias. Mas tanto Nimoy quanto Bennett tinham certeza de que o doutor Emmett Brown de “De Volta Para o Futuro” era um excelente ator e um camaleão, sendo perfeito para o papel do comandante Kruge. Para a sacerdotisa T’Lar, Spock tinha a lembrança de Celia Lovsky em “Tempo de Loucura”, na série clássica. Mas Lovsky já havia morrido e então Nimoy descobriu uma atriz de 85 anos interpretando “Medeia”, que muito o impressionou: Dame Judith Anderson. Ela não conhecia “Jornada nas Estrelas”, mas seu neto era um fã devotado. Além disso, a atriz e Nimoy se entenderam muito bem e ela adorou o roteiro.

No próximo artigo, vamos falar das filmagens de “A Procura de Spock”. Até lá!

    Nimoy na direção de Jornada nas Estrelas III, À Procura de Spock

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 1, Episódio 14). “A Guerra Por Fora, A Guerra Por Dentro”. Desperdício No Finalzinho.

                                               Um Sarek permissivo…

E chegamos ao penúltimo episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Qual é a primeira sensação que esse episódio nos dá logo de cara? Desperdício. E justamente ao finalzinho da temporada. Esse episódio, sobretudo, foi para dizer que a Federação foi praticamente aniquilada pelos klingons, para colocar Tyler e L’Rell para escanteio (a menos que uma espetacular reviravolta aconteça no último episódio, esperemos que sim) e para colocar a Imperatriz como capitã da Discovery, restaurando o clima de neurastenia entre a tripulação, que nem sabe que não está com sua Phillipa. Além do retorno de Sarek e da Almirante “cara de empada” Cornwell, comprovando aquela teoria de que todo almirante da Federação é um bunda mole (foi lamentável vê-la sem ação depois de constatar a destruição da Base Estelar 1 e ainda chamar T’Kuvma de ignorante na cara de L’Rell, mesmo que ela ainda estivesse atordoada com a destruição da base; isso não é postura de militar de alta patente, que tem por obrigação controlar suas emoções). Ainda, ficou bem claro que Burnham trouxe a Imperatriz para a Discovery porque não queria perder Phillipa mais uma vez, em mais uma de suas atitudes tresloucadas (pelo menos, a Imperatriz foi usada para algo nesse microarco final, como não podia deixar de ser). O que incomoda aqui é que vemos a Discovery somente fugindo dos klingons. Nem uma batalhazinha espacial para aquecer para o Gran Finale do décimo-quinto episódio. Esse décimo-quarto episódio poderia muito bem terminar com a Discovery encurralada pelos klingons ou algo parecido. Tudo pareceu muito tácito e letárgico nesse episódio cheio de diálogos que mais enchiam o saco, principalmente a DR entre Tyler e Burnham (e como soou artificial todo mundo chegando lá para falar com o Tyler, mesmo que Discovery quisesse passar a imagem trekker de tolerância) . Agora que estamos no final, a gente precisava de um pouco mais de ação. A impressão que fica é a de que, ao retornar do Universo Espelho, a Discovery retornou também o marasmo de alguns episódios do Universo Prime, num contraste com o último episódio, que aí carregou demais nas tintas da ação.

                                                             Sai Saru…

E Stamets com os micélios? É, definitivamente os roteiristas vão insistir nisso. A “terraformação” daquela luazinha morta com os micélios traz os esporinhos de volta e os roteiristas não desistem dessa ideia que não está lá na Série Clássica e é absurda demais até com licença poética, pois fala de tecidos vivos no espaço sideral e imagina um motor com velocidade infinita, algo totalmente impossível e meio que absurdo até numa série com tecnologia de dobra.

                                                … entra Cornwell…

Agora, os esporos serão utilizados aqui para um plano para lá de inusitado, sugerido pela Imperatriz, ou seja, um ataque direto a Qo’nos, o planeta natal klingon. Como ele não foi mapeado pelos humanos, a ideia (sensacional) é usar o motor de esporos para se transportar para o interior do planeta e mapeá-lo de dentro para fora para depois atacá-lo. Ideia brilhante dos roteiristas? Sei não, é muita papagaiada demais para a minha cabeça. Eu creio que dava para fazer algo instigante, até original, mas não tão surreal. Do jeito que ficou planejado isso, nem posso imaginar como ficará o último episódio e todas as coisas que precisarão ser feitas para desatar os nós de toda essa confusão.

                           Uma solução do mal para a guerra???

Mas realmente o que mais deixa a gente perplexo foi a facilidade com que Sarek e Cornwell colocam o comando de uma nave estelar nas mãos (beijadas) de uma terráquea do Universo Espelho. Mesmo que eles se justificassem o tempo todo dizendo que esse movimento era muito arriscado, etc., etc., ainda assim eles deram o comando para a Phillipa de lá. Pelo menos ficaram os olhares de reprovação de Burnham e Saru na ponte, com esse último já sabendo que é uma iguaria no Universo Espelho. Climão tenso…

Bom, com a Imperatriz Georgiou na cadeira de capitão (talvez a única coisa que tenha prestado nesse episódio, apesar da forma inusitada como Sarek e Cornwell deram o braço a torcer), embora eu particularmente ainda queira muito Saru no posto ao invés da tresloucada Burnham como capitão, só resta uma coisa a dizer: rumo às cavernas de Qo’nos. Saímos do espaço sideral e façamos uma Viagem ao Centro de Qo’nos, para delírio dos fãs de Júlio Verne.  Os mais maldosos dirão que a série ia mesmo terminar no buraco. Que se encerre logo a primeira temporada e que os roteiristas façam uma avaliação de seu trabalho para não repetirem alguns absurdos na segunda temporada. Fica, agora, a expectativa pelo desfecho de tudo, se é que vai haver algum…

https://www.youtube.com/watch?v=DeQvi7Qvmuo

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Batata Antiqualhas – Spock e Leonard, Dualidade que se Completa (Parte 13)

              Kirk, em desespero, ao ver o amigo à beira da morte.

Um momento engraçado das filmagens de “Jornada nas Estrelas II, A Ira de Khan” foi o fato de Nimoy salvar Walter Koenig (o russo Checov) de um grande vexame. Ele teve um verme alienígena inserido em seu ouvido por Khan, que se alojava no córtex cerebral e o deixava à mercê das ordens de Khan. Extraído o verme, Checov se apresenta a ponte com uma espécie de curativo no ouvido. Só que o curativo era um… sutiã!!! Nimoy, então, perguntou a Meyer por que Koenig estava com um sutiã no ouvido, o que provocou risadas gerais e o rápido convencimento de que a peça deveria ser descartada da filmagem.

                               Spock e Kirk, no momento derradeiro…

As filmagens avançavam dentro do cronograma e de forma muito confortável para todos. Nimoy dizia que parecia que eles filmavam um velho episódio da série clássica. E a grande mensagem do filme, o efeito destrutivo da vingança, era passada com maestria. Até que chegou o dia da grande contribuição do vulcano, que sacrificaria a sua vida. Na sua sede de vingança, Khan arma o torpedo Gênese para destruir a Enterprise. Kirk precisa de velocidade de dobra em três minutos. Mas somente manipulando um material radioativo muito letal a nave teria velocidade de dobra. Para um humano, tal manipulação era impossível. Mas para um vulcano, três vezes mais forte que um humano, talvez fosse possível tal manipulação antes da morte inevitável. E lá vai Spock cumprir a máxima de que “a carência da maioria sobrepuja a carência da minoria… ou a de um só”. A cena no fim do filme ficou muito mais antenada com o desenrolar do roteiro. Mas, no dia em que Nimoy teve que gravá-la, uma angústia tomou conta não só dele, como de todos. Nimoy se sentia em direção à câmara de gás. E o ambiente do estúdio onde Spock morreria estava silencioso e sombrio. Nimoy, então, se concentrou em seu trabalho. Ele entraria na câmara de radiação, mas seria impedido por McCoy. Para não perder tempo, fez o toque neural no médico para deixá-lo inconsciente. Depois que ensaiou com De Forest Kelley a cena várias vezes, Nimoy foi chamado por Bennett, que perguntou se ele não poderia acrescentar algo à cena que desse um gancho para um novo filme. Nimoy, muito concentrado em fazer seu trabalho naquele momento, não percebia que Bennett queria dar algum futuro para a continuidade de Spock, e não teve sugestões para dar. Bennett sugeriu então que Spock fizesse um elo mental com McCoy desacordado. Nimoy aceitou. E Bennett perguntou o que Spock poderia dizer a McCoy. Nimoy acenou com um “Lembre-se”, algo que era vago o suficiente para abrir grandes possibilidades dramáticas. E assim a cena foi gravada, com um certo contragosto de Meyer, que queria uma definitiva e bem feita morte de Spock.

                                          Lembre-se…

A cena seguinte, a da morte de Spock, causou muito mal-estar em Nimoy. Além do sofrimento com a morte do personagem, houve o agravante da câmara de radiação ser de um vidro hermeticamente fechado, que a tornava muito quente e que provocava dificuldade em respirar. Apesar da câmara ter sido perfurada e ar ser bombeado lá para dentro, as bombas faziam tanto barulho que tiveram que ser desligadas nos diálogos entre Kirk e Spock, excessivamente longos para a situação. O ensaio da cena foi feito. Spock entra na câmara e fez o reparo no equipamento. Logo após, ele ficava caído, e quando Kirk chegava para falar com ele, Spock se levantava, mostrava estar cego e se aproximava do vidro. Enquanto falava com o almirante, escorregava gradativamente pela parede de vidro, até estar novamente no chão e morrer. Concluído o ensaio, Nimoy foi fazer a maquiagem das queimaduras de radiação. O tom do “set” e da sala de maquiagem era silencioso. Apesar de ter certeza de que a cena e o drama ficariam sensacionais, Nimoy estava arrasado, pois Spock iria morrer. De volta ao “set”, todos estavam sombrios e calados. Nem Shatner fazia suas piadinhas habituais. Nicholas Meyer chegou ao estúdio com traje de gala, pois iria assistir a uma apresentação da ópera “Carmen” depois da gravação. Tal atitude magoou Nimoy. Meyer também insistiu que Spock ficasse com as mãos totalmente sujas de seu sangue verde. Mas Nimoy achou aquilo demais e pediu para tirar todo aquele sangue das mãos, sendo atendido por Meyer. Na gravação da cena, Nimoy, ao se levantar, ajeita conscientemente a sua jaqueta, que como já foi dito, repuxava. Esse gesto foi de grande ajuda à cena, pois Nimoy queria que Spock, apesar da agonia física, tivesse a vontade de  aparecer de maneira apropriada e digna ao seu almirante pela última vez. Uma grande dificuldade foi manter a respiração presa depois de morto. A câmara já estava quente demais e a câmara do filme se afastava lentamente, o que obrigou nosso artista a prender a respiração por longo tempo.

Era o fim de mais um dia de trabalho. Mas Nimoy, voltando de carro para casa, só se fazia uma pergunta: “O que foi que eu fiz?”.

No próximo artigo, vamos ver como Spock foi “ressuscitado”. Até lá!

                                                    O funeral de Spock…