Esse ano, houve um rebuliço entre os chamados DCnautas (ou fãs de quadrinhos da DC, para ser mais específico). É que foi feita uma exibição em sessão única da animação “Batman, A Piada Mortal” (“Batman, The Killing Joke”). As expectativas eram ótimas: a voz do Coringa seria feita por Mark Hamill, essa seria uma das animações mais violentas e doentias de que se tinha notícia, etc. Confesso que não assisti a animação quando de sua exibição única no cinema. Algum tempo depois, fiquei sabendo que ela já estava disponível em DVD. E, nas minhas andanças pelas mega stores da vida, me deparei com “Batman, A Piada Mortal”. Decidi então comprar o DVD para ver se a animação era realmente tão boa assim. Para poder falar um pouco sobre ela, vou ter que lançar mão de “spoilers”, me desculpem.
No que consiste a história? Ela é dividida basicamente em duas partes, a princípio muito distintas. Ao seu início, Batman e Batgirl caçam o perigoso sobrinho de um gângster muito importante de Gotham City. Batman quer Batgirl fora dessa caçada, pois o malfadado sobrinho sente uma forte atração sexual por ela e usa isso para enervar a heroína. Não pensando de forma racional, Batgirl pode facilmente cair nas armadilhas do bandido. Com um instinto protetor, Batman tenta dissuadir Batgirl do caso, mas as coisas acabam numa forte noite de amor. O tal bandido é preso, não sem antes Batgirl dar-lhe uma surra e quase matá-lo. Aí estava outro motivo para Batman querer Batgirl fora do caso, pois ele temia que ela perdesse as estribeiras e fizesse justiça com as próprias mãos, matando o bandido, sendo esse um abismo sem volta. Cansada de toda essa pressão psicológica, Batgirl aposenta a capa e volta a ser apenas Barbara Gordon.
Já a segunda história é bem mais barra pesada. Coringa escapa da prisão e quer provar a todo mundo uma teoria: basta um dia ruim em sua vida para você surtar e enlouquecer. Para isso, ele dá um tiro em Barbara, aleijando-a permanentemente, além de estuprá-la. Ainda, sequestra o comissário Gordon e o submete a toda uma série de torturas físicas e psicológicas, onde o policial é inclusive obrigado a ver a imagem de sua filha ferida e nua. Depois de ouvir do palhaço do crime que Batman também age fora das regras da lei, o comissário Gordon, ao ser resgatado das mãos de Coringa e dos seus criminosos por Batman, fala ao Homem Morcego que faz questão de que o vilão seja preso de acordo com as leis. Esse é o sinal de que a tese de Coringa está furada e a sanidade mental pode ser mantida. Há o duelo final entre o herói e o vilão e, então, ao se ver derrotado, Batman se nega a matar Coringa e age dentro das leis, dizendo que não quer matá-lo e sim ajudá-lo, chegando a estender a mão para o vilão, que declina do convite, pois alega que “já é muito tarde para aceitar isso”. A animação termina com o Homem Morcego e Coringa rindo de uma piada um tanto sem graça, que eu já até vi contada de uma forma diferente na Turma da Mônica.
Bom, o que podemos falar da animação? Ela tem um ponto positivo e um ponto negativo. Vamos começar pelo negativo, para que a antipatia dos fãs da DC à minha pessoa passe logo. A promessa de uma grande violência no filme para mim não foi muito cumprida. Sei lá, eu acho que o Rio de Janeiro real é muito mais violento que uma Gotham City fictícia. Aqui, o Coringa já teria tomado um teco de fuzil na cara, dado pela polícia, há muito tempo. E que se lasque se as leis não fossem cumpridas. O Coringa, por sua vez, não teria deixado Barbara Gordon viva e paralítica. Ele teria estuprado e matado a moça mesmo (isso se ainda não desossasse a finada e desse a carne para os cachorros comerem, como dizem por aí que aconteceu com a Eliza Samudio). Ou seja, o Rio de Janeiro é muito mais violento e desrespeita as leis há bem mais tempo. Eu acho que a DC podia pagar uma estadia para seus roteiristas para passarem umas duas semanas por aqui. Eles voltariam cheios de ideias para um Coringa bem mais cruel. E nem quero imaginar o que fariam com o Batman.
Mas isso não quer dizer que a animação tenha apenas problemas. Contar a história pregressa do Coringa foi algo simplesmente sensacional. A gente realmente fica com pena do homem, que sofreu várias pressões, e teve vários dias ruins, ao invés de um só. Talvez a tese do palhaço do crime tenha mais coerência aí. E de como Batman foi determinante para o seu mergulho total na insanidade. Provavelmente foi por isso que Batman, ao final, oferece ajuda ao bandido para tentar recuperá-lo, ao invés de lhe desferir um golpe fatal. O relacionamento entre herói e vilão, mostrando até onde eles se assemelham e onde se diferenciam, é o grande lance dessa história, algo que poderia até ser examinado por especialistas em psicologia ou psicanálise, o que, definitivamente, não é o meu caso.
E qual é a relação entre as histórias da Batgirl e do Coringa? Ambas defendem a premissa de que somente se combate o crime se você age dentro da lei. Ou seja, aquela velha ideia de John Locke de que o respeito às leis é necessário, pois quando as pessoas vivem em sociedade, ninguém pode fazer o que bem entender, pois o ato de uma pessoa pode prejudicar outra. Daí a importância de se cumprir as leis, que devem representar a vontade da maioria das pessoas e ainda garantir os direitos e a vida dos cidadãos. Criminosos devem ser punidos por desrespeitar as leis. Mas os heróis também não devem desrespeitar as leis para punir os criminosos, algo que se torna muito notório quando se trata de Batman, que tem atrelada às suas costas a fama de justiceiro que nem está aí para o que as leis dizem.
Assim, “Batman, A Piada Mortal”, se não parece ser excessivamente violento como se apregoava, ainda tem a virtude de se analisar não somente a psique do vilão, mas indiretamente a do próprio Homem Morcego. A discussão do respeito às leis também tem forte destaque. Para o DCnauta, é obrigatório ter. Mas é altamente recomendável para quem gosta de uma boa história. Veja o trailer abaixo…