Voltemos a falar de quadrinhos. E voltemos a falar de Turma da Mônica Jovem. Definitivamente, os personagens de Maurício de Sousa são apresentados aqui de forma diferente do que vemos nos quadrinhos, digamos, mais tradicionais de turminha, até porque temos aqui um público-alvo diferente: adolescentes (e aí até a temática nerd tem o seu espaço) e, por que não, o público adulto. Tal elemento gera uma forma inteiramente nova de se ver a Turma da Mônica e que parece que tem dado muito certo, pois a “primeira temporada” da revista rendeu cem números e já estamos no oitavo número da “segunda temporada”.
Mas no que a história desse número em especial chamou tanto a atenção? Essa é uma história que envolve a questão da mediunidade e, quando temos tramas desse naipe na revista, a aparição da personagem Sarah é uma grande pedida, pois ela tem uma forte mediunidade, a ponto de ver e conversar com os mortos, cujo amigo Victor é uma espécie de conselheiro. Sarah, que já apareceu em outro número da revista (número 86 da “primeira temporada”), é uma moça atormentada, pois não pode usar seus “poderes” para evitar todas as coisas ruins que vê e que pressente, já que seu amigo Victor a adverte que ela não deve interferir e deixar que o curso dos acontecimentos siga naturalmente. Quando Sarah vê um espírito maligno ameaçando um velho tocador de realejo numa pracinha, temos o início de uma trama onde os personagens de Maurício de Sousa vão ter que lutar contra essa força maligna sobrenatural sem a ajuda de Sarah, que se sente cada vez mais culpada em não poder ajudar e quer tomar uma atitude perante a isso, sempre sob os olhos reprovadores de Victor, seu amigo do além.
Não é a primeira vez que Maurício de Sousa aborda o tema do espiritismo, sem ser as histórias do Penadinho. Quem acompanhava há muito tempo as revistinhas da Turma da Mônica sabe que, lá em meados da década de 80, foi produzida a história “As Emoções Bárbaras”, onde um espírito evoluído que não precisa mais reencarnar (dentro da visão kardecista) pede às entidades ainda mais superiores que ele possa “regredir” e voltar à Terra para sentir novamente as “emoções bárbaras” (fome, sede, frio, alegria, raiva, tristeza, pena, etc.). Ele recebe autorização para retornar ao nosso mundo, ainda que brevemente, e sentirá essas emoções novamente com a turminha da Mônica, retornando ao paraíso mais tarde, esquecendo todas as emoções bárbaras, exceto por uma: a saudade que sentia pela turma. Essa história altamente adulta e utópica para o público-alvo da revista (ou seja, o infanto-juvenil) ganhou prêmios e é muito lembrada com carinho pelos fãs. Pois bem. Desta vez, os roteiristas e editores optaram novamente por uma história de conteúdo mediúnico, entretanto com uma visão altamente distópica. A entidade em questão provoca destruição, pois está tomada pelo rancor e ódio, não conseguindo se afastar do plano material e fazer a jornada para o plano espiritual. Caberá à Mônica “libertar” esse espírito obsessor, com a lição de moral implícita de que, ao guardar raiva e rancor, você não apenas faz mal a si mesmo, mas também pode espalhar esse mal para as pessoas que o cercam. Lição mais kardecista que isso impossível. De qualquer forma, a história é pesada e leva com muita maestria o “lado negro” do espiritismo.
Outro detalhe interessante é que esta revista não está ligada apenas à personagem Sarah, que apareceu num número anterior, mas também a outra história da Turma da Mônica Jovem (números 81 e 82 da primeira temporada), onde um dono de circo macabro escravizava um grupo de mutantes e a Mônica para transformá-los em atrações. Essas referências a outras revistas são muito instigantes e fazem mais ou menos a mesma coisa que vemos em séries de TV como “Jornada nas Estrelas” e muitas outras, ou seja, é uma fórmula que dá certo e que tem sido muito bem aproveitada nessa fase dos quadrinhos de Maurício de Sousa.
Assim, “Terrível Obsessão” é mais uma história da Turma da Mônica Jovem que merece a atenção dos colecionadores e do grande público. O espiritismo é revisitado, mas agora sob uma visão distópica. Vale muito a leitura.