Como Khan voltou nesse longa? A U.S.S. Reliant fazia uma expedição para encontrar um planeta totalmente sem vida para lançar o torpedo Gênese, um dispositivo criado pela Dra. Carol Marcus (interpretada por Bibi Besch), um antigo caso de Kirk, que conseguia fazer a terraformação num planeta sem vida. Chekov estava na missão da Reliant. Ao chegar a Ceti Alfa 5, Chekov se depara com Khan, que estava muito revoltado com Kirk, já que o então capitão (e agora almirante) não havia voltado para verificar os progressos de Khan e seus comandados. Seis meses depois de Khan ser deixado lá, o planeta vizinho Ceti Alfa 6 explodiu e transformou Ceti Alfa 5 num lugar totalmente inóspito, onde a companheira de Khan acabou morrendo. Khan, em sua sede de vingança, rapta a Reliant e toma o torpedo Gênese. Como Chekov, sob o efeito de um verme instalado em seu córtex cerebral por Khan, disse a Dra. Marcus que Kirk confiscaria o torpedo, a Dra. entra em contato com o almirante para tomar satisfações. Mas o mal sinal da transmissão e a consequente má comunicação fazem com que Kirk vá para Regula 1 (o planeta em que a Dra. Marcus faz as experiências com Gênese). Lá, a Enterprise encontrará a Reliant, onde haverá uma batalha entre o almirante e o produto desenvolvido por engenharia genética do fim do século XX.
Quais são os destaques desse longa? Em primeiro lugar, algumas discussões sobre as implicações morais de certos avanços tecnológicos. Ao saber do projeto Gênese, o Dr. McCoy o vê mais como uma “arma do fim do mundo”, pois se o torpedo Gênese é utilizado num planeta com vida, ele “apaga” a vida existente para colocar uma nova vida em seu lugar. Já Spock vê Gênese como uma ferramenta que pode criar novos locais habitáveis, a menos que caia “em mãos erradas”. Ao que McCoy retruca: “o que são exatamente mãos erradas?”. Outro avanço tecnológico posto em questionamento é justamente a engenharia genética, que cria espécies consideradas “superiores” a outras, podendo levar a guerras e destruições. A discussão das implicações morais da engenharia genética é um tema bem atual, principalmente quando nos lembramos dos questionamentos envolvidos em clonagens e usos de células-tronco. É notável perceber como uma série de ficção científica da década de 1960 já abordava esses temas, trazendo-os de volta à tona em 1982, quando o longa foi realizado.
Em segundo lugar, o filme faz um debate filosófico sobre a vida e a morte. A trapaça que Kirk fez no teste da nave Kobayashi Maru, onde os futuros capitães lidarão com a situação de morte de forma inevitável, mostra a não aceitação do almirante em encarar situações de morte e derrota, que inevitavelmente acontecem. Daí o seu dilema com a passagem do tempo e o grande trauma com a morte de Spock, onde o próprio Kirk reconhece que foi uma lição à sua presunção de sempre enganar a morte. Mas a necessidade de se fazer uma sequência de “Jornada nas Estrelas” acaba redimindo Kirk, pois ele fica ungido de novas esperanças, manifestas na explosão de vida de Gênese e nas palavras otimistas de Spock quanto ao futuro (“sempre existem possibilidades”) nas quais Kirk se agarra. Outro destaque que redime Kirk é a reconciliação com seu filho David (interpretado por Merritt Butrick).
A presença de Ricardo Montalban no longa também é digna de destaque. Ele chega aos Estados Unidos como um dos ícones latinos da “política de boa vizinhança” promovida pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, onde astros da América Latina como Cesar Romero e a nossa Carmen Miranda também fizeram parte. Os números de dança de Montalban de sombrero mexicano numa justa roupa verde escura são antológicos! E a sua grande presença como Khan no episódio “Semente do Espaço”, como um inimigo à altura de Kirk também chama muito a atenção. O mais curioso é que, na época, Montalban era o senhor Rourke da série “Ilha da Fantasia”, onde ele usava um terno branco, juntamente com o anão Tatu, e sua postura era muito solene e discreta para com os visitantes da ilha. Para ele retomar Khan, interpretado por ele mais de dez anos antes, foi necessário rever o episódio da série clássica várias vezes para recuperar o espírito selvagem do personagem. Outro detalhe que marcou foram os peitões de Fafá de Belém de Montalban no filme, que segundo Nicholas Meyer, o diretor, eram de verdade. Me lembro na época que a transformação de Montalban de senhor Rourke para Khan (água para vinho) chegaram a chocar. Os diálogos entre Khan e Kirk, onde um procura atingir e magoar o outro (nas palavras do próprio Khan) também são memoráveis. Um personagem realmente consegue tirar o outro do sério. O berro que Kirk dá no rádio (“KHAN!!!!!!”) cheio de fúria nem precisava daquele rádio, Khan já poderia escutá-lo do outro lado do planetóide. Só pareceu um pouco incoerente Khan, que era um sujeito tão inteligente, cair nas pilhas de Kirk de forma tão fácil e previsível. O mais interessante é que os dois personagens não se encontram pessoalmente e o duelo da astúcia dos dois se dá no interior da nebulosa Mutara, onde as duas naves fazem um voo cego e sem escudos, dada a interferência da nuvem nos equipamentos das naves.
Por fim, a morte de Spock. As cenas dos últimos momentos do vulcano com Kirk são bem convincentes e emocionantes, assim como a cerimônia fúnebre, com Spock sendo lançado ao espaço num torpedo fotônico. Kirk e Shatner pareceram realmente ser uma pessoa só naquele momento de muita dor com a morte de um ente querido. Mas Spock foi lógico até o fim, pois “a carência da maioria sobrepuja a carência da minoria… ou a de um só”.
Muitos fãs adoram esse longa que, como pudemos ver, é cheio de elementos que já o diferenciam do primeiro longa, “Jornada nas Estrelas, O Filme”. Questões morais e filosóficas, um bom vilão, um desfecho de morte para um dos principais protagonistas (senão o principal), tornam “A Ira de Khan” uma referência no universo de “Jornada nas Estrelas”.