Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Procura De Spock (Parte 2).

 

              A Excelsior. Tecnologia de ponta

O terceiro longa da tripulação da série clássica retoma os debates filosóficos. Muito me impressiona a frase de McCoy após a explosão da Enterprise: “Você fez o que qualquer um faria, Jim: transformar a morte numa chance de vida”, ou seja, se o filme começou num tom mais pessimista, a explosão da Enterprise, um dos mais proeminentes ícones da série, traz, nas palavras de McCoy, a direção num futuro novamente esperançoso. Indo ainda na argumentação de um futuro de esperança, alguns veem a ressurreição de Spock carregada de simbologia religiosa, algo que praticamente não era visto na série clássica. Todo o ritual de transferência do Katra, o “fal tor pan”, realizado pela sacerdotisa T’Lar (magnificamente interpretada por Judith Anderson, de 87 anos na época e há 14 anos sem atuar, no alto de seus 1,42 m!!!!) nos remete a representações de profunda religiosidade, assim como o fato de se mencionar que Spock possuía um Katra (alma). Talvez o que mais tenha chegado próximo na série clássica tenha sido o ritual do Pon Farr de Spock, que todos os vulcanos homens têm de sete em sete anos, uma espécie de ritual de acasalamento. Logo, a ideia principal do filme, segundo Nimoy (o sacrifício de um amigo por outro) tem camufladas conotações religiosas, incomuns no universo de Jornada nas Estrelas até então.

Saavik. Vulcana presente na “ressurreição” de Spock

O torpedo Gênese retorna na discussão ética. Agora, o projeto de terraformação é mais visto como uma arma, consequência de um “mito de Frankenstein”, onde o homem, ao irresponsavelmente brincar de Deus e tentar criar vida, traz apenas desgraças e sofrimentos. O filho de Kirk, David, usa protomatéria instável para o torpedo gênese, o que cria um planeta de vida curta que logo se destruirá. Ou seja, o mesmo planeta que ressuscita e regenera o corpo de Spock, acelera seu envelhecimento e pode, inclusive, acabar com ele. Além disso, klingons e Federação disputam a posse do torpedo, que se torna uma verdadeira alegoria das armas nucleares da guerra fria. Assim, essa visão de Gênese alertada por McCoy no filme anterior indica limites ao possibilismo humano, que leva o homem, de forma arrogante, a crer que pode fazer qualquer coisa, brincando de Deus.

A morte de David também é algo importante no filme. Como vemos perdas aqui, não? Esse foi o primeiro longa de Jornada nas Estrelas que vi no cinema e muito me chamou a atenção de ver o Spock morto, o filho de Kirk sendo assassinado, a Enterprise explodindo! Eu, que acabara de chegar ao universo de Jornada nas Estrelas (antes disso, só tinha lembranças difusas de episódios da série clássica e elogios de meu pai a saga lá no início da década de 1970) fiquei chocado. Poxa, mal cheguei e estão acabando com tudo? Talvez a perda mais traumática de um mocinho que eu tenha presenciado antes tenha sido Obi Wan Kenobi, no episódio quatro, alguns anos antes. Mas eu nunca havia presenciado mocinhos sofrerem tantas perdas de uma vez! De qualquer forma, a perda de David, com Kirk caindo sentado no chão mostrou o duro golpe que o aparentemente indestrutível almirante sofrera. E mostra o surgimento de seu ódio mortal pelos klingons, somente superado em “A Terra Desconhecida”.

Os efeitos visuais merecem destaque. Além da já citada Ave de Rapina klingon, a doca espacial adicionou um elemento de grandiosidade, mostrando a Enterprise como parte integrante de algo maior, a Federação Unida de Planetas. A explosão da Enterprise também foi algo muito marcante, sendo um segredo escondido a sete chaves durante as filmagens, em virtude da previsibilidade da ressurreição de Spock, mas infelizmente tornou-se um spoiler mais tarde. A nova nave Excelsior também chama a atenção, com seu número de série NX-2000 (o X indica que ela ainda era um protótipo pronto para testes; vejam que na série “Enterprise”, o número de série é NX-01) e velocidade transdobra (transwarp), com o intuito de ser a nave mais rápida da Federação. Aliás, vamos aproveitar aqui para falar da origem do prefixo NCC 1701. Reza a lenda que esse prefixo foi inspirado em um dos registros internacionais de aviões dos Estados Unidos, NC (só para lembrarmos, a aviação foi uma das inúmeras coisas que Gene Roddenberry fez em vida). Um segundo C teria sido colocado para diferenciação. O 1701 significa que era o 17º desenho de cruzador espacial, sendo o primeiro daquela série.

             Judith Anderson, a dama do teatro

Um outro detalhe importante nos efeitos especiais é a coerência científica da imagem da Enterprise em velocidade de dobra, algo que já havia aparecido em “A Ira de Khan”.. Vemos riscos luminosos vermelhos e azuis saindo dela. Aquilo tem uma motivação fisica, o efeito doppler. Quando um carro vem em nossa direção numa estrada, suas ondas sonoras são comprimidas entre ele e o nosso ouvido, tornando o comprimento de onda (a distância entre duas cristas) menor, fazendo o som mais agudo. Quando o carro passa por nós, a fonte de som (o carro) passa a se afastar e o comprimento de onda aumenta, tornando o som mais grave. É por isso que temos aquela distorção no som do carro quando ele passa por nós. No caso da Enterprise à velocidade da luz, algo semelhante ocorre, mas aí a diminuição do comprimento de onda da imagem da nave que se aproxima está mais próxima da cor azul, dando o aspecto azulado à dianteira da nave (as luzinhas azuis estão mais à frente), enquanto que o aumento do comprimento de onda quando ela se afasta está mais próximo da cor vermelha (as luzinhas vermelhas estão mais na parte traseira da nave). Esse fenômeno, chamado de desvio para o azul (aproximação) e desvio para o vermelho (afastamento) é utilizado em astronomia para calcular velocidades de afastamento e aproximação de corpos celestes (geralmente um sistema binário de estrelas) com relação a nós.

Dobra espacial respeitando o efeito doppler

Alguns fãs não acham “A Procura de Spock” um bom filme (o próprio Roddenberry criticava a violência excessiva contida nele, contaminado pela febre de filmes violentos da década de 1980), mas como tudo o que existe na vida, há coisas boas e ruins, sem falar que o filme teve também boa recepção de público e crítica na época. De qualquer forma, esse longa manteve o fôlego da franquia e adicionou elementos novos como a religiosidade e uma visão mais detalhada dos klingons.