Voltamos aqui a falar de “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”. Por que esse é o melhor dos longas-metragens? Porque ele foi o mais fiel ao espírito da série. O primeiro longa foi altamente cerebral e artístico, fazendo uma ficção científica altamente intelectualizada. O segundo e o terceiro fizeram alusões a elementos da série (Khan e os klingons), além de abordar temas filosóficos como os efeitos da passagem do tempo na vida das pessoas, ou temas de história presente (para a época que os filmes foram feitos) como a Guerra Fria. Entretanto, os dois filmes estavam embebidos no clima de violência imperante nos filmes de ação da década de 1980, algo que o próprio Gene Roddenberry repudiava.
E o quarto filme? Este acertou na mão, pois em primeiro lugar, foi abandonado o manto de violência. Além disso, ele tratou de ser uma ficção científica considerando temas como viagem no tempo e as qualidades e defeitos da humanidade (algo muito explorado na série clássica, principalmente quando Spock criticava os defeitos da humanidade para exaltar seu lado vulcano). Mas o principal: a história trouxe um delicioso humor muito caro à série, onde aconteciam os debates acalorados entre McCoy e Spock, sempre engraçados. O filme tem muitas passagens hilárias, como Kirk xingando o motorista que quase o atropela, o ato de colocar os óculos “no prego” na loja de penhores (“100 dólares é muito?”), o fato de Chekov, um russo, perguntar a um guarda de rua onde ficam os navios nucleares em plena Guerra Fria (nessa cena, em meio aos figurantes, passava uma moça que, despercebidamente, participou do filme e deu a dica a Chekov e Uhura de que os navios estavam do outro lado da baía!), o uso das “metáforas pitorescas” (ou palavrões) por parte de Spock em momentos impróprios, ou a ótima cena do ônibus onde Spock põe um punk para dormir, pois ele fazia muito barulho com um rádio gravador cassete (lembra? Você teve um? Eu tive!). O detalhe é que o punk é um dos produtores associados do filme e foi um dos compositores da música que saía do rádio gravador. A cena do hospital com McCoy o comparando à Inquisição Espanhola também é sensacional! O filme está cheio de situações engraçadas. Mas não de um humor simplório e sim muito inteligente e refinado.
O choque cultural entre a tripulação do século 23 e a vida no século 20 é outro detalhe digno de atenção e que deu um sabor especial ao filme. Kirk qualifica a cultura do século 20 como “primitiva e paranoica”. Spock identifica altos níveis de poluição na atmosfera como indício de que eles haviam chegado a 1986. As notícias de negociações fracassadas de redução de armas nucleares estampadas nos jornais renderam o comentário rabugento e irônico de McCoy: “É um milagre essas pessoas sobreviverem ao século 20”. Todas essas situações de estranhamento pelos olhos do outro nos ajudavam a identificar os absurdos do mundo daquela época, principalmente num dos temas chave do filme, que era a matança e extinção das baleias. Ao acabar com elas, o homem cavava sua própria extinção, realmente uma forma muito inteligente de falar sobre a questão da ecologia, tão em voga naquela época e que mostrava como o ser humano, por também fazer parte do ecossistema, pode sofrer consequências se começar a destruir o meio ambiente. O mais triste é que alguns dos absurdos assinalados no filme ainda permanecem muito contemporâneos.
As emoções de Spock são obviamente mais uma vez enfocadas. Desta vez porque ele foi reeducado dentro dos padrões vulcanos após “ressuscitar”. Ao fazer seus testes, ele responde simultaneamente várias questões sobre várias disciplinas (como se fizesse um multi enem!) mas, ao ser perguntado pela máquina como se sentia, ele não entendia o sentido da pergunta. Sua mãe é que irá recolocá-lo no caminho das emoções ao lembrar ao filho o sacrifício de seus amigos humanos para salvá-lo, algo que foi contra todas as implicações lógicas. As situações que aparecem ao longo do filme, como a necessidade de resgatar Chekov do hospital, também auxiliam na forma como o vulcano volta a enxergar a importância das emoções e do sentido de companheirismo, ficando junto a seus amigos na cena corte marcial.
Definitivamente, esse é o melhor filme de todos. Todas as virtudes da série assinaladas. Inteligência e humor eram as características mais marcantes da série clássica. E também essas caraterísticas apareceram em “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”.