E chegamos ao quinto episódio da primeira temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Com um terço de temporada exibido, as coisas ainda andam meio que enigmáticas nas cabeças dos fãs. Os trekkers de raiz parecem que detestam cada vez mais e já até desistiram de considerar essa série uma verdadeira Jornada nas Estrelas, seja por violações ao cânone, seja por roteiros mal escritos, etc. A galera é muito atenta e tem lá a sua razão, se compararmos essa série com as demais. Mas eu fico conjecturando aqui. Já que a coisa parece sair tanto da curva, estourar a escala, será que tudo isso não está sendo feito de propósito? Ou seja, vendeu-se que a série recuperaria o espírito original de Jornada nas Estrelas e, de repente, vem algo tão fora do que se estava acostumado a ver. Será que os caras que estão produzindo essa série pretendem cutucar a onça com vara curta para depois retomar o curso original de uma série com verdadeiro espírito de Jornada nas Estrelas? Ou chutar o pau da barraca de uma vez? Eu me pergunto isso porque a série se afasta cada vez mais de alguns aspectos básicos do cânone e creio que isso começa a incomodar até os mais otimistas com relação à série.
No que consiste a história desse episódio? Ela desenvolve basicamente dois subtemas paralelos. Em primeiro lugar, a continuação do dilema do tardígrado. Burnham tem pesadelos com as torturas que o bichão sofre e ela mesma se vê no lugar do tardígrado, sendo torturada nesses sonhos sombrios. A moça, totalmente incomodada com essa questão, procurou Stamets e o doutor Culber (interpretado por Wilson Cruz) para conversar à respeito. A cada salto do motor de esporos, o bichão fica cada vez mais fraco e Burnham teme por sua vida. Enquanto isso, no outro subtema, Lorca é comunicado na base 28 por seus superiores que o uso do motor de esporos da Discovery será limitado com o intuito de se proteger tal tecnologia. Mais tardígrados serão caçados pelo espaço da Federação, algo que incomoda logo de cara. Lorca é capturado pelos klingons enquanto retornava à Discovery, sendo levado a uma nave-prisão. Na cela, Lorca encontra o lendário Mudd e um outro oficial da Frota Estelar todo ferido. Esse Mudd não é bem o Mudd da série clássica. Mesmo sendo um cafajeste e vigarista, ainda assim o Mudd da série original tinha um tom cômico que o tornava simpático até certo ponto. Já o Mudd de Discovery é muito mais sinistro e inescrupuloso. O outro oficial está todo ferido, pois volta e meia entra um klingon na cela e pede para Mudd “escolher sua dor”. Isso significa que quem ele escolher será espancado e torturado pelo klingon. A coisa mais ética a fazer era escolher a si próprio, mas Mudd chuta a moral para escanteio e sempre escolhe o colega de cela que morre de tanto apanhar. Lorca encontra outro oficial da Frota Estelar preso, o tenente Ash Tyler (interpretado por Shazad Latif), que não tem marcas de agressão. Tyler alega que a comandante da nave-prisão L’Rell (a mesma que ficou na Shenzhou no episódio anterior, infelizmente não se explicou como ela saiu de lá) está interessada nele e não o agride. Já Mudd diz a Lorca que a arrogância da Federação é a responsável pela guerra contra os klingons. Lorca é levado para ser interrogado por L’Rell e é torturado com luz, pois não revela os segredos da Discovery que a klingon quer.
Na Discovery, é descoberto que os DNAs do tardígrado e do micélio da rede espacial interagem e é só então achar um DNA de outro ser compatível para obter essa interação. O tardígrado está desidratado e praticamente morto, pois Saru ignorou as recomendações de Burnham, Stamets e Culber de não usar mais o tardígrado, pois era vital salvar o capitão do sequestro e usar o motor de esporos.
Na nave-prisão, Lorca volta para a cela e descobre que um insetinho de estimação de Mudd tem um transmissor que passa para os klingons tudo o que os prisioneiros falam na cela. Lorca fica revoltado e arremessa o insetinho contra a parede. Mudd provoca Lorca e diz a Tyler que quando o capitão comandava a USS Buran, ele abandonou a nave e sua tripulação durante um ataque klingon, Lorca arrematou dizendo que não somente abandonou a nave como a explodiu e matou toda a sua tripulação, pois não queria ver seus homens torturados pelos klingons e serem mortos de forma humilhante e pública (lamentável, pois um verdadeiro capitão de Frota Estelar não abandonaria a sua nave sem pelo menos salvar sua tripulação; essa história precisa ser mais bem explicada a meu ver). Chega um klingon e Lorca precisa escolher a sua dor. Tyler se voluntaria e Lorca o escolhe. Mas Lorca e Tyler reagem, matando o klingon e outro que aparece em seguida, quebrando seus pescoços. Eles deixam Mudd na cela, que professa um discurso de vingança e ódio contra Lorca. Nos corredores da nave-prisão, Lorca e Tyler pulverizam alguns klingons com os phasers. Tyler se fere e Lorca o deixa, dizendo que irá voltar depois de encontrar uma saída. Mas L’Rell encontra Tyler e os dois lutam. Lorca volta e dá em L’Rell um tiro de phaser que arranca metade de seu rosto. Esta grita de dor e ódio. Lorca e Tyler conseguem fugir num caça klingon, mas são perseguidos por outros caças. Eles vão em direção à Discovery. Saru, com a experiência de sua espécie em distinguir predador e presa reconhece a nave de Lorca e Tyler e os transporta para a Discovery. O motor de esporos é acionado, com Stamets, sem o conhecimento de ninguém, no lugar do tardígrado. Saru tem mais uma de suas mudanças de opinião com relação a Burnham e agora diz, depois de tê-la confinado ao alojamento, que tem inveja e raiva dela por ter sido a número 1 de Georgiou e tudo que Saru queria era que Burnham conseguisse o comando de uma nave estelar para ele ser o número 1 de Georgiou. Burnham contemporiza e diz que ele se saiu muito bem, e que Georgiou concordaria com essa opinião. E deu a Saru de presente o telescópio de Georgiou. Saru ordena Burnham a salvar o tardígrado. Ela decide soltá-lo pois libertando o bichão, ele voltará a fazer as suas viagens. O tardígrado acaba indo embora. O episódio termina de forma um tanto inusitada: Stamets e Culber escovando os dentes juntos, revelando um relacionamento íntimo.
Ok, vamos lá. Eu disse lá no início que Discovery pode estar saindo muito da curva do cânone de forma proposital, para talvez tentar fazer uma reviravolta mais ao final da temporada. Isso é pelo menos o que eu espero e torço, pois as derrapadas neste episódio foram, a meu ver, um pouco pesadas. O que mais me incomodou foi os poucos momentos de violência extrema, sendo um tanto desnecessário. Se os klingons aparecem mais ameaçadores nesse episódio (e eu considero isso algo bom), a violência extremada dos membros da Federação me soou muito indigesta, mesmo já sabendo das fugas do cânone. Me refiro a três momentos. O primeiro quando Lorca atira o insetinho de Mudd contra a parede. Muito desnecessário aquilo. Que Lorca jogasse o bichinho no chão e arremessasse o transmissor contra a parede. Sei que isso pode parecer uma bobagem, mas atirar um ser vivo que não tem nada a ver com o problema contra a parede me parece uma postura muito irracional para um capitão de Frota Estelar de uma Federação que, pelo cânone, respeita qualquer forma de vida alienígena. Aí, podem dizer: mas o cânone não está sendo respeitado mesmo. Bom, se não está sendo respeitado e a Federação é arrogante e sem escrúpulos (como disse Mudd), é melhor começar a torcer para os klingons então, pois parece que eles têm razão com relação à Federação. O segundo momento se refere à forma como Lorca e Tyler matam os klingons, quebrando-lhes o pescoço. Sei não, deu uma impressão que a estrutura óssea deles era muito frágil. E sabemos que um klingon não é tão fraquinho assim. Eles têm costelas trançadas, mais adequadas para proteção em situação de combate, por exemplo. E, cá para nós, achei que os dois membros da Federação poderiam muito bem ter colocado os klingons em combate corporal para dormir. Esse negócio de sair matando todo mundo (até a própria tripulação, como foi no imperdoável caso da USS Buran) cai mal, mesmo sendo fora do cânone. Agora, o momento violento mais desagradável foi a mutilação do rosto de L’Rell, tão agressivo quanto a violência com o tardígrado a meu ver. Para fazer aquilo, pulveriza a mulher de uma vez! Não deixem ela mutilada gritando e sofrendo, mesmo que ela tenha torturado antes! Frota Estelar torturando, além de não ser cânone, não é nem ficção científica. É Dirty Harry!
Pelo menos, esse episódio deu mais alguns passos em direção à Jornada nas Estrelas em sua essência. A já esperada preocupação com o tardígrado aflorou, embora ainda tenha esbarrado em Saru que, para mostrar serviço, se comportou de forma dura, meio a la Lorca, mesmo que a contragosto (os roteiristas brincam muito com esse personagem que poderia ser muito bom). Apesar disso, o bicho foi salvo por algumas vozes mais sensatas numa nave que tem se mostrado tão insana. Um segundo ponto é o inusitado relacionamento entre Stamets e Culber. Inusitado não por ser homossexual, não me entendam mal, mas sim por se constituir de dois personagens quase sem qualquer interação um com o outro ao longo dos episódios. Enquanto Stamets é um personagem bem construído, Culber surgiu tardiamente na série. Claro que com o relacionamento, Culber subirá em patamar de importância. E isso é bom, pois Jornada nas Estrelas sempre lidou bem com as diferenças e já havia passado da hora de se abordar o homossexualismo. Só fica uma dúvida aqui: Stamets tirou o tardígrado do motor de esporos porque achou a coisa certa a se fazer ou porque a pressão de Culber foi mais efetiva pelo fato de os dois terem um relacionamento afetivo? Se Stamets não tivesse nada com Culber, ele teria tratado o tardígrado da mesma forma? Ou não estaria nem aí para o sofrimento do bichão?
Assim, esse novo episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Escolha a Sua Dor”, ainda traz problemas como a violência excessiva e desconfortável, mas por outro lado, deu um digno desfecho ao tardígrado e iniciou o homossexualismo aberto em Jornada nas Estrelas. Esperemos que essas saídas do cânone nos apontem para uma luz no fim do túnel no futuro. E fica mais uma pergunta aqui: qual é a de Ash Tyler???
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