Nimoy encontrava-se novamente entre dois sentimentos. Um, de desconforto, pois Spock iria morrer. E outro, de enorme entusiasmo por participar de uma história promissora e mais fiel ao espírito da série clássica. Desde já, ele sentiu diferenças com relação ao filme anterior. O vestuário não era mais cinzento, mas com uniformes de cores bem vivas (vinho e branco) que, entretanto, saíam do lugar quando os atores se sentavam, sendo necessário que eles ajeitassem as jaquetas sempre que se levantavam, detalhe que seria crucial na cena da morte de Spock. O primeiro longa tinha, nas palavras do próprio Nimoy, uma influência de “2001, Uma Odisseia no Espaço”, resgatando o misterioso do espaço. Já o segundo filme se chamaria “A Terra Desconhecida”, pois Meyer tirou esse título de uma citação de “Hamlet, de Shakespeare: “Mas esse temor do que existe após a morte, a terra desconhecida, de cujas fronteiras nenhum viajante retorna, intriga o desejo e nos faz suportar os males que já temos melhor do que se nos voltássemos para outros que não conhecemos…”. Bárbaro! Essa excelente ideia de Nicholas Meyer numa alusão à morte de Spock mostrava bem o nível de intelectualidade de “Jornada nas Estrelas”. Mas, segundo Nimoy, “forças superiores” mudaram o título para “A Vingança de Khan”, que foi alterado para “A Ira de Khan” quando foi anunciado que o novo filme de George Lucas se chamaria “A Vingança de Jedi”, também alterado depois para “O Retorno de Jedi”. Hoje sabemos que o título “A Terra Desconhecida” foi utilizado para o sexto longa da série. Além da morte de Spock, a vida também seria tratada através do projeto Gênese, que era de provocar uma terraformação, dando vida à matéria morta. O filme também traria discussões sobre a passagem do tempo e do envelhecimento. Efeitos especiais? Estes ficariam mais em segundo plano desta vez.
Uma pegadinha foi feita para “amolecer” o público. O início do filme mostra o teste “Kobayashi Maru”, onde a cadete vulcana Saavik faz uma simulação como a capitã de uma nave sob ataque klingon. O teste não tem saída e mede a reação dos cadetes a uma situação de morte iminente. Os comandados de Saavik na simulação são os tripulantes da Enterprise e eles, pouco a pouco vão morrendo. Como Spock cai morto, ficou a impressão de que a morte de Spock era de mentirinha. Kirk até pergunta a Spock ao fim da simulação: “você não morreu?”. Mas, como sabemos hoje, a morte estava guardada para o final. Para o vilão, Harve Bennett, que havia visto todos os 79 episódios da série clássica, escolheu Khan, e pensou o longa como uma continuação do episódio “Semente do Espaço”. O que teria acontecido àquela raça humana geneticamente superior do passado (década de 1990, que estava em estado criogênico numa nave) deixada num planeta para recomeçar a vida? O grande vilão e oponente da Enterprise, era interpretado por Ricardo Montalbán, ator latino que impressionava naquela época por fazer o gentil e refinado senhor Rourke da série televisiva “Ilha da Fantasia”, com seu terno branco impecável e sempre acompanhado por seu ajudante anão Tatu. De repente, ele aparece com trajes de um bárbaro, torso musculoso (segundo Nimoy, do próprio Montalban) à mostra e de gestos ora rudes, por seu espírito conquistador, ora refinados, por ser também um intelectual. Um inimigo realmente à altura e que chamou muito a atenção. No filme, é nítida a passagem de Khan de um conquistador com traços de cavalheiro, que na sua obsessão de se vingar de Kirk, vai enlouquecendo gradativamente até a demência total, quando explode a nave que havia sequestrado, a Reliant, com o torpedo gênese, somente para destruir a Enterprise.
Mas o mais importante em “A Ira de Khan” é que a velha química entre os atores da série clássica estava de volta, sobretudo na tríade Kirk, Spock e McCoy, talvez pelo fato do filme abordar o tema do envelhecimento de Kirk. McCoy chega a dizer para o agora almirante, no dia de seu aniversário: “Pegue logo o comando de uma nave espacial antes que você envelheça de verdade”.
No próximo artigo, falaremos mais das filmagens de “Jornada nas Estrelas II, a Ira de Khan”. Até lá!