Nimoy fala em “Eu sou Spock” que, para falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”, ele precisa voltar um pouco no tempo, mais especificamente durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Harve Bennett chegou com a ideia para fazer um filme de “Jornada nas Estrelas”. Não era exatamente uma sequência, pelo contrário. Era uma “pré-sequência” para todos os longas e até para a série clássica, onde veríamos Kirk, Spock e McCoy em seus dias de Academia da Frota Estelar, onde jovens atores interpretariam esses personagens. Parece que a ideia era injetar sangue novo na franquia. Ou seja, o projeto que J. J. Abrams dirigiu anos depois teria sido imaginado por Bennett ainda em plena década de 1980. A Paramount até estava de boa vontade com a ideia, mas era necessário terminar “A Volta Para Casa”, o que adiou a conversa entre Nimoy e Bennett sobre essa ideia. Bennett teve autorização para escrever um roteiro, só que isso não aconteceu. Depois do lançamento de “Jornada nas Estrelas 5”, Bennett voltou a falar sobre a ideia com Nimoy, mas com pesar, já que a Paramount dessa vez havia rejeitado a ideia de uma jovem tripulação da Enterprise em seus dias de Academia da Frota Estelar. Algum tempo depois, Frank Mancuso, executivo da Paramount, convidou Nimoy para um almoço e disse que queria um filme para comemorar os vinte e cinco anos da série. Nimoy perguntou sobre Bennett e Mancuso lhe disse que ele não estava mais envolvido com “Jornada nas Estrelas”, enterrando naquele momento qualquer chance de um longa com a tripulação em seus dias de juventude. Nimoy novamente teria o controle total, escrever, dirigir, ser o produtor executivo. Mas ele se lembrou da tarefa hercúlea que foi fazer o quarto filme e não estava muito disposto a se envolver novamente. Mancuso insistiu e Nimoy, então, disse que procuraria o executivo depois de ter uma ideia para uma história. O nosso ator, então, se lembrou de seu interesse pelos klingons, a ligação entre o relacionamento entre a Federação e os klingons e a Guerra Fria e os sérios problemas que a União Soviética sofria naquela época. O muro de Berlin já havia caído, por exemplo. Três semanas depois, Nimoy ligou para Mancuso e sugeriu a seguinte ideia: o império klingon estaria passando pelo mesmo problema que a União Soviética, com a economia em colapso em virtude do alto orçamento militar. Haveria uma dissidência no império e uma catástrofe do tipo “Chernobyl”. Dessa forma, os klingons procuram a Federação para uma trégua e aí entra a Enterprise. Mancuso adorou a ideia e Nimoy sugeriu o nome de Nicholas Meyer para escrever o roteiro. Se ele quisesse dirigir, isso também seria aceito.
Assim, Nimoy procurou Nicholas Meyer, que aceitou ter uma conversa. Ao caminharem pela praia, os dois estabeleceram o que seria a trama básica do filme. Faltava escrever o roteiro. Mas houve problemas. Um executivo da Paramount, Teddy Zee, passou a tarefa de escrever o roteiro para outros dois roteiristas. Nicholas Meyer, que estava fazendo o roteiro, pensou que havia sido descartado pela Paramount e por Nimoy. Esse mal-entendido custou alguns meses e Nimoy se culpa, pois ele não falou com Mancuso, que havia lhe pedido para procurá-lo caso tivesse algum problema. Desfeita a confusão, Meyer trabalhou em velocidade de dobra no roteiro com seu colaborador Denny Martin Flinn, enquanto que a linha dura do Partido Comunista Soviético sequestrava Gorbachov para deter as reformas que trariam futuramente o capitalismo para a União Soviética (a vida imitava a arte). Quando o roteiro ficou pronto, ele parecia mais uma trama de conspiração política e assassinato, sem abordar a cultura klingon de forma mais profunda, como Nimoy queria. Ele, então, conversou com Roddenberry que lhe fez a seguinte pergunta: o que esse filme pode nos falar mais dos klingons, ou seja, aquilo que ainda não conhecemos de sua cultura? Nimoy aceitou a sugestão e foi conversar com Meyer, que não concordou com a ideia. Nimoy gostaria que Kirk e McCoy conhecessem na prisão um klingon prisioneiro para abordar mais o modo de vida dos klingons, mas Meyer prontamente rejeitou tal sugestão, o que decepcionou Nimoy. Aí fica a questão: até onde ia a carta branca de Nimoy na Paramount? Apesar dessa frustração, Nimoy reconhece que a cena do banquete entre os membros da Federação e os klingons na Enterprise foi sensacional, com direito a intepretações magistrais de Christopher Plummer, David Warner e Rosanna DeSoto e citações de Shakespeare.
Para o personagem de Spock, houve dois momentos importantes. Um foi o seu relacionamento com Valeris, a jovem vulcana que se une à conspiração e trai Spock, o seu grande mestre. Inicialmente, a traidora seria Saavik, mas houve dois empecilhos. Kirstie Alley, que fizera o papel, agora era estrela de sucesso numa série de TV e seu salário seria muito alto. O outro empecilho seria como os fãs encarariam a traição de Saavik, que sempre fora muito fiel. Assim, desistiu-se da ideia da traição de Saavik e decidiu-se criar uma nova personagem. Kim Catrall foi escolhida para o papel, pois já tinha sido a escolha de Meyer para Saavik no segundo filme, “A Ira de Khan”, onde Alley acabou interpretando a vulcana. O teste não deixou dúvidas dessa vez e Catrall subiu a bordo da nave. O nome da personagem teve uma sugestão de Catrall: Eris, a deusa grega da discórdia e do caos. Um “Val” foi acrescentado para parecer mais alienígena e assim surgiu o nome Valeris.
No início do desenvolvimento de “Jornada nas Estrelas 6”, Meyer descreveu o enredo para um jornalista como se fosse “uma pequena história sobre Spock apaixonado”, o que levou a muitas especulações, justamente porque, num episódio da Nova Geração intitulado “Sarek”, o capitão Jean Luc Picard teria dito que estivera com o embaixador Sarek, há muitos anos, durante o casamento de seu filho. Logo surgiram especulações sobre um casamento entre Spock e Valeris. Mas a relação seria apenas platônica e toda a polêmica envolvida serviu para encobrir a traição de Valeris. Nimoy lembra que Spock deveria ser sábio e experiente o bastante para não se deixar enganar por uma jovem vulcana. Dá para perceber como Valeris mexeu com a cabeça de Spock. Tanto que, na cena onde é descoberta a traição da moça, Spock chega a ter uma explosão de raiva, dando um tapa na mão da vulcana, que tinha um phaser para matá-lo (na verdade, Valeris mataria dois membros da tripulação que estariam supostamente na enfermaria e que haviam participado da conspiração, numa “queima de arquivo”; mas na verdade, Kirk e Spock prepararam uma emboscada para a moça e eles é que estavam na enfermaria, surpreendendo a vulcana que, sem reação, deixou que Spock lhe desse o tapa na mão para arrancar a arma). Outra cena em que Spock mostra emoções ocorre quando ele faz um elo mental à força em Valeris na ponte da nave para que ela denuncie os líderes da conspiração. Essa cena chega até a ser violenta, onde Spock “suga” todos os pensamentos à força, provocando dor em Valeris, tal como se ele a torturasse. Essas duas cenas são sinalizadas por Nimoy como o cruzamento humano/vulcano de Spock, onde seus dois lados estão bem expostos. Para Nimoy, essa pareceu ser uma progressão “logica” do personagem ao curso dos longas, pois no primeiro filme, Spock está totalmente lógico, após passar pelo ritual do Kolinahr para purgar todas as emoções e vai aceitando suas metades humana e vulcana ao longo do filme. No segundo filme, Spock parece em paz consigo mesmo e suas partes lógica e emocional. No terceiro filme, ele não participa, mas teve sua mente apagada. No quarto filme, ele reaprende tudo, inclusive os dois aspectos de sua personalidade, chegando a pedir a seu pai Sarek, que diga a sua mãe que ele se “sente bem”. O quinto filme parece seguir o mesmo padrão e, no sexto filme, parecia a hora em que Spock poderia mostrar suas emoções no momento apropriado.
Mas uma cena do sexto filme seria uma das mais importantes de toda a carreira de Nimoy e do vulcano Spock. A cena onde ele tinha certeza, pelo menos naquele momento, que a saga da série clássica tinha chegado ao fim. O final do sexto filme, inclusive, dizia que a Enterprise seria passada para uma nova tripulação, gancho óbvio para a série “A Nova Geração”. Mas, na cena mencionada em questão, Spock está em seu aposento melancólico, arrasado e deprimido, depois da traição de Valeris, quando Kirk entra para animá-lo. E aí começa um diálogo entre os dois em que o vulcano pergunta a Kirk: “É possível que nós dois, você e eu, tenhamos ficado tão velhos e inflexíveis que sobrevivemos à nossa própria inutilidade?”. Essa foi uma pergunta tão importante para Nimoy quanto para Spock. Não apenas porque Spock era um vulcano à beira da aposentadoria, percebendo que enfim a missão da sua tripulação havia acabado, quanto também Nimoy estava consciente de que aquele era o último filme de “Jornada nas Estrelas” para ele e Shatner juntos. Naquele momento, na cabeça de Nimoy, Spock perguntava a Kirk, mas também Nimoy perguntava a Shatner. Não havia distinção entre personagem e ator. Para Nimoy, ficou o sentimento de que a série clássica havia chegado ao fim. Ele teve o mesmo sentimento quando a série clássica foi cancelada: tristeza pelo fim, mas, ao mesmo tempo, alívio, pois não queria ver a qualidade dos filmes declinar.
Seria esse o fim da carreira de Spock em “Jornada nas Estrelas”? Isso é o que veremos no próximo artigo. Até lá!