Vamos falar hoje de um lançamento em mangá já bem antigo (mais especificamente de julho de 2010). A HQM Editora trouxe, naquela longínqua data, um volume único com três histórias que se remetiam à Segunda Guerra Mundial. A primeira, Who Fighter, era mais centrada em aviação e OVNIs. Tanto a aviação americana quanto a japonesa detectam um objeto não identificado nos céus do Japão. O tenente Kitayama, que fez contato visual com a estranha luz, é chamado para depor. A partir daí, nosso personagem protagonista se envolverá numa trama regada à espionagem, mistério, suspense e estranhos alienígenas. A história não fica somente nesses gêneros, abraçando também um pouco do terror. Podemos ver soldados morrendo com seus cérebros espatifados, ou poças de sangue aqui e ali. Há, também, menções a sinais deixados pelos alienígenas em descampados e que também apareciam misteriosamente impressos em corpos de pessoas que haviam tido contatos imediatos de terceiro grau (ou seja, quando se deparavam frente à frente com os alienígenas). Uma coisa que incomodou na história foi o seu fim um tanto abrupto e o fato de que o OVNI e a espécie alienígena permaneceram um mistério, com o último quadrinho tomado pela enigmática frase: “Os céus são maiores do que você pensa”. Ou seja, o leitor fica o tempo todo esperando para ver quem são os alienígenas e suas intenções, mas no final, nada fica explicado. Parece aqui que o alienígena foi somente um argumento, um pretexto para que se fizesse o exercício do mistério, do suspense e do terror ao longo da história.
A segunda história do mangá, “O Coração das Trevas”, tem uma notável curiosidade. Ela é baseada na obra de Joseph Conrad, que inspirou também o filme “Apocalipse Now”. De Francis Ford Coppola. Assim, a coisa nos soa muito familiar. Essa trama também é ambientada na Segunda Guerra Mundial, tendo como personagens oficiais do exército japonês. Nosso protagonista é o primeiro-tenente Maruo, uma especialista em combate estratégico que foi convocado para uma missão muito inusitada: localizar, nas selvas da Birmânia (atual Mianmar), o coronel Kurutsu, um herói da guerra sino-japonesa que, aparentemente, enlouqueceu e desertou, levando consigo todo um regimento preparado para um combate na linha de frente. O coronel deixou uma carta onde disse que desistia do combate da guerra na Birmânia e havia decidido fundar uma sociedade utópica nas florestas. Aí, vemos uma livre adaptação em relação a que vimos em “Apocalise Now” (infelizmente não li Conrad) com algumas diferenças introduzidas, onde as intenções de nosso coronel não eram tão idealistas assim (Marlon Brando era muito mais idealista e muito mais psicótico também) e o desfecho teve uma cara totalmente diferente do filme de Coppola. Assim, foi muito instigante testemunharmos uma história que faz parte de um clássico do cinema ser recontada de forma criativa num outro veículo que é o mangá.
A terceira história é muito curta, intitulada “Tanques”, onde presenciamos batalhas de tanques nas Duas Guerras Mundiais, que nada mais eram do que o sonho de um militar que operava um tanque numa guerra do futuro.
O autor dessas três histórias, Seiho Takizawa, ainda nos brinda com um posfácio, onde ele nos revela detalhes de seu processo criativo, assim como algumas dificuldades criativas que ele enfrentou, além de confessar que gosta muito de trabalhar histórias onde se tem o medo (daí a pegada de terror da primeira história). O autor também falou de como desenvolve seu processo criativo em histórias originais e histórias adaptadas, exatamente os casos desse mangá específico.
Assim, “Who Fighter” e “O Coração Das Trevas” são histórias de um mangá bem interessante e curioso, sobre a presença japonesa na Segunda Guerra Mundial. Seja carregando nas tintas do mistério, suspense e terror na primeira história, seja relendo um clássico do cinema na segunda história, dando-lhe novas perspectivas. Só é pena que esse mangá já seja demasiadamente antigo (eu o consegui num stand de livros a dez reais na Feira da Providência de 2017), mas pode ser que seja possível obtê-lo em lojas e bancas especializadas de quadrinhos. Vale a pena procurar por aí.