Os roteiristas da Turma da Mônica Jovem mostram estar mais uma vez antenados com questões de seu tempo e lançam a história “O Portal das Trevas”, em duas partes (edições 14 e 15 da segunda temporada, lembrando que depois do número 100, foi iniciada uma nova coleção; então há uma espécie de duas temporadas da revista). Aqui, a velha temática da luta entre o bem e o mal é explorada, mas que toca, de uma forma um tanto sutil, um problema muito presente em nossos dias: a querela de todo o ódio virtual/real que viaja pelas nuvens da internet. Esse problema contemporâneo está lá, bem escondido nas entrelinhas.
Do que se trata a história? Cascão tem uma briga com Cebola, que fica doente após assistir a um filme de terror na escola. Todos que assistem ao filme têm o mesmo fim e Cascão decide investigar o que está acontecendo, com a ajuda de Xaveco, Denise e Jeremias. Tomado por uma mágoa profunda, Cascão precisa lidar com seus sentimentos e se livrar de sua raiva contida. Nesse percurso, ele conhecerá Brilhante, uma entidade benigna que o ajudará a lutar contra espectros do mal que adentram o nosso mundo através do filme, mas também de equipamentos eletrônicos, assim como suga os personagens da Turma para o lado do mal. Lutando contra inimigos malignos altamente poderosos, Cascão luta contra o tempo para salvar seus amigos. Mas o pior inimigo pode estar mais próximo do que se imagina.
A história é carregada de expressões de cunho místico, com uma retórica bem enigmática. Mas os instrumentos eletrônicos estão sempre ali desempenhando uma função importante na trama, pois eles tornam possíveis as comunicações com as forças do bem, mas também com as forças do mal. Quando os personagens da Turma da Mônica estão no mundo amaldiçoado, a coisa se torna muito angustiante, pois os personagens estão, numa hora, lutando contra as forças do mal e, noutra hora, possuídos por elas, se voltando contra seus próprios companheiros. E isso pode acontecer a qualquer momento, com qualquer um, numa alegoria de como o ódio pode envenenar qualquer pessoa de uma hora para a outra, e o contato com esse ódio liberado se faz sempre pelos aparelhos eletrônicos, sendo uma TV passando um filme de terror, ou um celular conectado à internet. O jeito aterrorizante como essa história foi construída, onde os personagens da Turma da Mônica são implacavelmente perseguidos por entidades monstruosas e malignas, das quais não se parece ter escapatória, com os próprios personagens se transformando nessas entidades malignas, incomoda e choca muito, provocando um impacto emocional que nenhum outro número da Turma da Mônica Jovem tinha provocado. E foi, provavelmente, o produto cultural que tratou da forma mais contundente possível essa questão da intolerância nas redes sociais, constituindo-se num pontaço para a equipe de roteiristas de Maurício de Sousa, que trouxe muitos elementos para a reflexão. Até onde nos tornamos monstros se usamos essa ferramenta magnífica que é a internet para disseminar ódio e intolerância? E até onde podemos usar essa mesma ferramenta de forma benéfica, disseminando compreensão, cortesia e tolerância? Você prefere fugir dos espectros do mal ou se deixar tomar por eles? Essa é a questão que “O Portal das Trevas” levanta para nós.
Assim, esse mangá dedicado ao público infanto-juvenil se torna uma leitura novamente cada vez mais adulta. Uma história que, cá para nós, é útil até para educadores trabalharem com seus alunos a questão da tolerância. Uma revista que aborda um tema contemporâneo e altamente problemático e que merece muito a nossa atenção. Não deixe de conferir.