Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – Quando Voam As Cegonhas. Espera Eterna.

Cartaz do Filme

Dando sequência às análises da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural no Rio de Janeiro, falemos hoje do ótimo filme “Quando Voam as Cegonhas”. Produzido em 1957, com duração de 97 minutos e dirigido por Mikhail Kalatozov. Esse é um dos melhores filmes da mostra, abordando um tema já muito conhecido aqui no cinema ocidental: a Segunda Guerra Mundial, tema esse que pode, com toda justiça, ser também abordado pelo cinema soviético, já que a Rússia foi o país que mais perdeu vidas nas duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra Mundial, foram perdidas de nove a treze milhões de pessoas, sendo que três milhões delas foram russas. Já na Segunda Guerra Mundial, foram perdidas de cinquenta e cinco a sessenta milhões de pessoas, sendo que vinte e cinco milhões foram russas.

Um casal separado pela guerra…

Mas, do que se trata a história? Vemos aqui um casal fortemente apaixonado, Boris (interpretado pelo ótimo Aleksey Batalov, que também está em outro filme da mostra, “Nove Dias de um Ano”), e Veronika (interpretada por Tatyana Samoylova). Esse casal será separado pela guerra, com Boris se alistando voluntariamente para o front.

Desencontros na despedida…

O problema é que, por uma série de desencontros, eles não conseguem se despedir. Com o início da guerra, a casa de Veronika é bombardeada e ela vai morar na casa de Boris. Só que um primo do rapaz pega Veronika à força durante outro bombardeio. Os dois acabam se casando, o que provoca um tremendo mal estar entre Veronika e a família de Boris. A própria moça se culpa por tudo o que aconteceu e não consegue viver bem com toda essa dor. E aí fica a expectativa do que se vai fazer quando Boris voltar do front. Se ele voltar… Vamos precisar lançar mão dos spoilers para podermos analisar melhor o filme…

Filme tem linda fotografia…

Essa é uma película temática já um pouco batida (a questão dos relacionamentos que se desfazem em virtude da separação promovida pela guerra) mas, ainda assim, muito complexa, pois a situação deve ser analisada de todos os ângulos.

A mulher, sempre culpada de tudo…

O senso comum machista joga toda a culpa pelo imbróglio no colo da mulher, como sempre ocorre, mas se analisarmos a situação de Veronika, além de ela não ter certeza de que Boris retornaria, ela ainda teve uma relação não consentida com o primo de Boris, que a pegou à força. Ou seja, para esconder a vergonha do estupro e salvar sua honra, ela preferiu assumir uma relação com o primo e fazer o casamento, sendo igualmente rechaçada pela família. Ou seja, ela estava entre a cruz e a caldeirinha. Só é interessante notar como certos valores ditos mais tradicionais e burgueses aparecem nessa sociedade socialista, numa prova de que algumas permanências são vistas na sociedade revolucionária.

Se recusando a aceitar a morte do amado…

De qualquer forma, o mau caratismo do primo se revelou e Veronika se livrou dele. A moça, que esperou por seu Boris por toda a guerra acabou tendo confirmada, no dia da chegada do vitorioso Exército Vermelho, a notícia da morte de Boris no front. E aí, tivemos talvez um dos melhores desfechos da História do Cinema, onde Veronika, não sabendo a quem distribuir as flores destinadas a Boris, recebe a sugestão de distribuí-las a quem ela acha que merece, com a moça dando as flores para a multidão que recebia os soldados, ou seja, o povo russo.

Um dos desfechos mais lindos da História do Cinema…

Tal desfecho arrancou aplausos da plateia que lotava a sala do Cinema 2 da Caixa Cultural. Vale a pena ressaltar aqui que a mostra tem presenciado uma boa presença de público, sendo isso uma grata surpresa e, talvez, um sinal dos tempos turbulentos que temos vivido.

O diretor Mikhail Kalatozov

Assim, “Quando Voam as Cegonhas” é um daqueles filmes inesquecíveis que tocam fundo na nossa alma. Um filme com bons atores, linda fotografia, movimentos frenéticos de câmara meticulosamente calculados nas cenas de desespero de Veronika, e uma história instigante e reflexiva, com um lindíssimo desfecho. Vale a pena procurar por esse filme. Fiquem agora com o magnífico desfecho desse filme, legendado em inglês.

Batata Movies – Finalmente Podemos Falar De Han Solo: Uma História Star Wars (Parte 2)

Um Solo chocado com a guerra.

Vamos hoje continuar a falar das impressões de “Han Solo: Uma História Star Wars”.

O filme dá sequência, avançando três anos no tempo e mostrando Han num cenário de batalha, com cenas de guerra e uma vestimenta toda inspirada na Segunda Guerra Mundial, o que deu um tom de veracidade à película. Nada de stormtroopers branquinhos e assépticos. A gente via uma guerra suja mesmo, no meio do barro e com pessoas sendo pulverizadas e mortas de forma implacável. Nós víamos inclusive soldados imperiais andando até dentro de trincheiras, ao bom estilo da Primeira Guerra Mundial. Confesso que a gente se lembra um pouco de Rogue One nesse pequeno momento, o que é um grande trunfo para o filme. Vai ser nesse ambiente altamente caótico que Han conhecerá Thomas Beckett (interpretado por Woody Harrelson), um exímio pistoleiro do Exército Imperial que tem toda uma série de trejeitos que Han terá mais tarde nos filmes clássicos. Nosso protagonista quer se aliar a Beckett, mas este o rechaça, pois Han nota que Beckett não é um militar, mas sim uma espécie de mercenário, algo que fascina Han. Só que o aspirante a contrabandista se dá mal ao tentar chantagear Beckett e acaba preso com uma fera que não come há três dias.

Beckett, fonte de inspiração para Han…

Tal fera não coloca medo no público, pois todo mundo já sabe quem é: Chewbacca (interpretado agora pelo jogador de basquete finlandês Joonas Suotamo). Aqui, aparece outro lance que despertou uma certa polêmica: Han falando a língua de Chewbacca para planejar uma fuga. Alguns acharam a coisa um pouco boba. Vou novamente em defesa do filme e digo que achei tudo muito divertido, bem ao espírito dos filmes mais antigos que tinham lances muito cômicos, daqueles de despertar gargalhadas, muito bem encaixados na ação. O Han falando o idioma de Chewie também serviu para dar uma química imediata à dupla que é antológica no Universo de “Guerra nas Estrelas”.

Han e Chewie finalmente juntos…

Conseguindo levar a fuga adiante, Han avista a nave de Beckett e implora para que os dois sejam levados, o que acaba acontecendo. Han e Chewie, então, passam a fazer parte do grupo. Há um momento aqui que tem que ser destacado, quando todos estão em volta de uma fogueira conversando uns com os outros e se conhecendo, sendo um bom momento de construção dos personagens.

Enfys Nest, o temido pirata…

O grupo terá uma grande operação a fazer: roubar um vagão inteiro de coaxium. Essa será a segunda sequência de ação do filme, onde há a tentativa de roubo do vagão, a disputa com os mercenários liderados pelo pirata Enfys Nest (os piratas são mais uma referência ao Universo Expandido) e a subsequente explosão do vagão quando este colide com uma montanha. A ação acabou por desmantelar o grupo de Beckett, sobrando apenas Solo e Chewie com ele. Mas esse não era o problema maior: a carga de coaxium era para o líder do Sindicato do Crime Aurora Escarlate, Dryden Vos (interpretado pelo “Visão” Paul Bettany). Os sindicatos do crime são mais outra referência ao Universo Expandido. Vos é, simultaneamente, paternalista e cruel, e não aceita fracassos. Beckett, Solo e Chewie terão que se explicar com Vos em seu gigantesco Iate e lá Solo reencontra Qi’ra, agora como subordinada de Vos.

Dryden Vos, o vilão paternalista e cruel…

O grupo traça um plano para roubar coaxium bruto, um material extremamente volátil e perigoso, que vai precisar ser refinado rapidamente para não explodir. O problema é que esse coaxium bruto está num planeta na rota de Kessel (touché!), que passa dentro de uma nebulosa com um poço gravitacional muito intenso (mais conhecido como buraco negro em nossa galáxia). Será necessária uma nave cargueiro bem rápida para a missão. E aí, Qi’ra tem a pessoa certa para isso. Isso mesmo, caro leitor: Lando Calrissian (ou melhor, Landonis; pois é, seu nome original é revelado), um personagem também muito interessante e muito bem trabalhado aqui, a começar pelas referências que Qi’ra nos fornece: uma pessoa elegante, de bom gosto. Há o famoso jogo de sabacc (o jogo de sabacc é mais uma referência ao Universo Expandido) entre Solo e Lando (interpretado por Donald Glover que, ao contrário do que muita gente tem pensado por aí, não tem rigorosamente nada a ver com o Danny Glover), e, diferente do que imaginávamos, foi Lando quem tomou a nave de Solo, com o manjado truque de carta na manga.

E surge Lando!!!!

De qualquer forma, é aí que Qi’ra e Beckett aparecem e conseguem convencer Lando a usar a Millenium Falcon na missão do roubo de coaxium por uma bagatela de 25% dos lucros. Aqui, surge um personagem bem interessante, até seguindo a linha de robôs interessantes de “Guerra nas Estrelas”: L3-37, uma robô “fêmea” (interpretada por Phoebe Waller-Bridge) será a co-piloto de Lando, tendo duas características especiais: ela tem um mapa de navegação da galáxia muito completo (o que impede de sua memória ser apagada) e ela é uma ferrenha defensora dos direitos dos robôs a terem seu próprio livre arbítrio e a não se submeter à autoridade de seres vivos. Essa segunda característica é muito marcante, pois ela nos remete imediatamente a Isaac Asimov e às suas histórias de robôs lá de meados das décadas de 40 e 50. Em algumas histórias de Asimov, os robôs eram tratados com muita discriminação pelos seres humanos, de uma forma parecida com a que brancos tratam determinados grupos étnicos como os negros ou asiáticos.

L3-37, uma belíssima aquisição à história…

Essa visão preconceituosa do robô como elemento subalterno se repete em “Guerra nas Estrelas”, embora aqui os robôs tenham bem mais personalidade. Se C3-PO aparece como uma figura submissa, parecendo ser controlado pelas três leis da robótica de Asimov e é praticamente espezinhado por figuras como o próprio Han Solo, R2-D2 é muito mais atrevido e ativo, salvando o dia (e a vida) dos humanos em várias situações. Sua personalidade só não é mais atrevida e forte porque ele fala através de uma sequência de bips incompreensíveis. O robô que exibirá essa linha totalmente atrevida será o K2SO de “Rogue One”, onde a gente compreende muito bem o que ele fala e a sua personalidade, sem falar que seu carisma dava a nós uma empatia imediata com ele (muita gente por aí diz que a “morte” mais sentida de “Rogue One” foi justamente a de K2SO). Pois bem, L3-37 consegue ir além: ela não somente tem personalidade forte e não tolera o preconceito dos humanos, mas também se torna uma espécie de ativista que luta pelos direitos de seus pares. E aí, mais uma vez, a gente se curva à importância cultural de “Guerra nas Estrelas”: se Asimov canta a pedra lá nas décadas de 40 e 50, falando de um preconceito de humanos contra robôs, “Guerra nas Estrelas” desenvolve o tema através de personagens robôs que, gradativamente vão enfrentando essa empáfia humana e se afirmam, mostrando muito carisma e encantando o público, numa mostra de que a saga cada vez mais deixa de ser uma fantasia espacial infantil blockbuster para se tornar algo mais maduro, capaz de abordar temas altamente reflexivos.

No próximo artigo, vamos falar do roubo propriamente dito do coaxium e da famosa corrida de Kessel. Até lá!

Paul Bettany e Ron Howard durante as filmagens…

Batata Movies – Finalmente Podemos Falar De Han Solo: Uma História Star Wars (Parte 1)

Cartaz do Filme

E estreou “Han Solo: Uma História Star Wars”, um filme esperado com uma certa expectativa e muito temor por parte dos fãs, já que as notícias referentes às filmagens não eram muito boas: trocas na direção, refilmagens, a necessidade de um coach para o ator que interpretava o protagonista, etc. Pode-se até dizer que havia um clima de desânimo no ar por parte de alguns e de “vamos ver no que deu” por parte de outros. Confesso que fiquei no segundo time, acreditando na afirmação de Mark Hamill de que os spin-offs seriam mais interessantes do que os episódios em si, ainda mais depois de alguma decepção com o Episódio VIII. Agora, passada a estreia e algumas idas ao cinema para se tornar mais íntimo da película, finalmente chegou a hora de se colocar as impressões aqui, lembrando sempre de que precisaremos dos spoilers para uma análise mais aprofundada e fundamentada.

Um Han Solo jovem…

E o que podemos falar em primeiríssimo lugar? Contrariando as expectativas mais pessimistas, “Han Solo” foi um bom filme. Uma boa película de aventura para apresentar um dos personagens mais cafajestes e atraentes de “Guerra nas Estrelas”. Um filme que conseguiu acrescentar, de uma forma bem harmônica, elementos do Universo Expadido e do cânone unificado pós-Disney, o que torna a história atraente para uma maior gama de fãs com um grau relativamente alto de exigência.

O filme já começa no planeta natal de Han (interpretado por Alden Ehrenreich), Corellia, que se especializa na construção de naves espaciais, informação presente no Universo Expandido. Os tempos de juventude de Solo o mostram sobrevivendo nas ruas e submetido aos caprichos de Lady Proxima (interpretada por Linda Hunt), uma espécie de lacraia gigante que controla todo o submundo de Corellia. Solo e sua namorada Qi’ra (interpretada por Emilia Clarke) tentam fugir de Proxima com uma pequena amostra de coaxium, o combustível dos motores hyperdrives, ou seja, os motores que viajam à velocidade da luz, sendo muito potentes e, consequentemente, de um potencial explosivo enorme.

Lady Proxima, a rainha do submundo de Corellia…

A fuga de Han e Qi’ra das (muitas) garras de Lady Proxima é responsável pela primeira cena de ação do filme, onde uma perseguição com speeders se dá nas ruas de Corellia e conhecemos todo um ambiente altamente poluído e industrializado, o que nos dá uma noção de como a vida de Han poderia ser difícil naquele ambiente. Han e Qi’ra chegam ao espaçoporto, mas somente Han consegue fugir, já que Qi’ra é capturada pelos capangas de Proxima. Han promete voltar, mas ainda é perseguido no espaçoporto. Para poder despistar os stormtroopers, ele acaba se alistando no serviço militar imperial, pois também tinha o desejo antigo de pilotar uma nave. Aqui, podemos abrir um parênteses para falar de algumas coisas. Em primeiro lugar, mais uma referência ao Universo Expandido, pois lá há a menção de que Han fazia parte do corpo militar do Império.

Han e Qi’ra numa fuga alucinante pelas ruas de Corellia…

Em segundo lugar, vemos como aparece o nome Solo: o militar que o alistava lhe deu esse nome depois que Han alegou não ter ninguém, que era sozinho. Algumas pessoas não gostaram muito dessa origem do nome. Eu particularmente a achei bem interessante, pois casa um pouco com o lado errante do personagem, onde sua vida vai sendo traçada pelo acaso, pelo sabor dos acontecimentos. Nada melhor do que um lance casual para explicar a origem de seu nome.

No próximo artigo, vamos ver como Han se encontra com Tobias Beckett, que se tornaria um exemplo de vida, e com Chewbacca. Até lá!

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – O Início De Uma Era Desconhecida. A Duas Mãos.

Cartaz do Filme

Ainda dentro da mostra “Nouvelle Vague Soviética” da Caixa Cultural, vamos falar hoje de “O Início de Uma Era Desconhecida”. Esse é um filme de 1967 e de 75 minutos, que conta duas histórias conduzidas por diretores diferentes. A primeira história, “Anjo”, dirigida por Andrey Smirnov, fala de um grupo de camponeses que viaja de trem durante a guerra civil entre russos brancos e russos vermelhos (1918-1921).

Um grupo de pessoas num trem durante a guerra civil…

Só para recordar, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando com a vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica.

Capturados pelos russos brancos…

Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.

Uma seca que assola um povoado…

Mas, voltando ao filme após esse pequeno parênteses histórico, o ano é 1920 e, no grupo, há um membro do Partido Comunista que se vê como uma autoridade sobre aquele punhado de pessoas. O problema é que as pessoas não o vêm muito como autoridade, o que gera alguns conflitos naquele grupo. A situação ir´se agravar, pois eles são capturados pelos russos brancos, vistos como os verdadeiros vilões da história, esses sim maus como um Pica-Pau, cometendo as piores atrocidades possíveis. Essa foi uma história bem curta e pouco desenvolvida.

Um estudante procura salvar uma comunidade

A segunda história, intitulada com algo parecido como “Roda Elétrica”, foi dirigida por Larisa Shepitko, e teve uma duração um pouco maior com um clima, digamos, mais prosaico. Ela conta a trajetória de um estudante que levava a ideologia do partido a uma comunidade assolada pela seca. Lá, ele vai se deparar com a desesperança de um povo e a fé que ainda sustentava o pouco de esperança em poucas pessoas, algo conflituoso com a ideologia marxista ateia.

A diretora Larisa Shepitko

Mas o estudante vai encontrar um homem que usa o motor de uma moto como um gerador elétrico. O rapaz, então, vai tentar usar o motor da moto como uma espécie de bomba para puxar água do subsolo para salvar a comunidade da seca e trazer a redenção para o povo.

O diretor Andrey Smirnov

Dois filmes, duas histórias e o socialismo como personagem redentor, com uma leve crítica a esse personagem na primeira história. Esse é o perfil de “O Início de uma Era Desconhecida”, mais um dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, da Caixa Cultural. A Batata Espacial encontrou o filme completo, só que, infelizmente, sem legendas. Ele é reproduzido integralmente aqui para que o caríssimo leitor possa ter uma ideia.

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética)- Nove Dias De Um Ano. Triângulo Amoroso Radioativo.

Cartaz do Filme

Falando novamente da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, ocorrida no fim do mês de maio e início do mês de junho na Caixa Cultural, vamos hoje analisar o bom filme “Nove Dias De Um Ano”, de 1961. Essa película de duração de 111 minutos foi dirigida por Mikhail Romm, considerado um mestre da cinematografia em seu país, e veio com uma proposta, digamos, ousada: os protagonistas eram nada mais, nada menos que físicos nucleares, trabalhando para o governo soviético. O objetivo deles era conseguir detectar nêutrons ao desmembrarem átomos, algo que traria avanços enormes na direção da construção da Bomba H russa e também para gerar uma fonte praticamente limpa e inesgotável de energia.

Goosev, um cientista dedicado…

Dessa forma, o filme se passa em sua parte num Instituto de Física Nuclear, com altas discussões científicas. Mas se engana quem acha que vai ver uma boa película de ficção científica. Aqui esse gênero funciona mais como um verniz do que realmente é a essência: temos aqui uma verdadeira história de drama e, por que não, de amor, configurando um triângulo amoroso entre o físico Goosev (interpretado por Aleksey Batalov) que lidera as pesquisas na detecção de nêutrons, uma física chadada Lyolya (interpretada por Tatiana Lavrova) e um físico teórico chamado Ilya Kulikov (interpretado por Innokentiy Smoktunovskiy, esse lembra muito o Christopher Waltz no seu jeitão de ser!) , cujos cálculos serão indispensáveis na detecção.

Lyolya e Ilya, outros vértices de um triângulo amoroso..

O problema é que, para levar adiante a pesquisa e chegar na sonhada detecção de nêutrons, Goosev se deixa tomar fortes doses de radiação, o que afeta violentamente a sua saúde, colocando-o em risco de morte. Lyolya, que estava indecisa entre Goosev e Ilya, acaba optando por casar com o primeiro e fica infeliz com a rotina do casamento, não achando ser uma perfeita casada (uma leitura bem burguesa, a meu ver), ao passo que Goosev não dava muita bola para a esposa, por estar obcecado por sua pesquisa.

Problemas no casamento…

E, no meio disso, llya dava umas incertas, até por ser também indispensável para a pesquisa, colocando esse relacionamento a três num equilíbrio instável, somente para usar um jargão mais de físico. Assim, a grande vedete da história não era a pesquisa em si, mas esse curioso e civilizado triângulo amoroso, regado a um drama de padrões um tanto burgueses para uma sociedade socialista (ou, pelo menos, a ideia que os capitalistas têm de sociedade socialista) e muita, muita radioatividade.

Descuido com a radiação leva Goosev a tensas conversas com o médico…

Aqui muito chama a atenção o trabalho dos atores, que conduziram muito bem o filme e que criam uma ótima empatia com o público. A gente compra a serenidade de Goosev, a sensibilidade e fragilidade de Lyolya, e a simpatia meio cafajeste de Ilya. A interação entre esses personagens faz o filme fluir levemente e a gente nem percebe os 111 minutos da película passando, de tão fácil que fica de acompanhar a história. Os personagens agradam e convencem muito.

O diretor Mikhail Romm

Assim, “Nove Dias Em Um Ano” é um bom filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética”. Um filme de bons atores, com um verniz de ficção científica, mas que é, na verdade, um bom drama conduzido por uma história bem escrita e que nada deixa a dever aos dramas cinematográficos ocidentais. E aqui na Batata Espacial, você tem a oportunidade de assisti-lo na íntegra, com legendas em inglês.

Batata Movies (Especial Mostra Nouvelle Vague Soviética) – O Primeiro Professor. Ao Mestre, Sem Carinho.

Cartaz do Filme

A Caixa Cultural organizou uma mostra intitulada “Nouvelle Vague Soviética”, que mostrou alguma coisa da produção do cinema da União Soviética pós Stalin. Foram vinte e um filmes exibidos, com direito a palestras e debates, além de um prolífico catálogo cheio de artigos e de entrevistas. Foi uma excelente mostra que durou duas semanas e a Batata Espacial esteve lá vendo alguns filmes. Faremos aqui a análise de alguns deles. Hoje vamos falar de “O Primeiro Professor”, de Andrei Konchalovsky. Essa película de 1965 e duração de 102 minutos, fala de um professor do Quirguistão, filiado ao Partido Comunista, e sua saga empreendida para abrir uma escola numa comunidade muçulmana no interior do país. O mestre é sistematicamente ridicularizado pela comunidade, mas não desiste na sua tarefa de levar a educação e a cartilha do Partido Comunista para as crianças. Só que muitos problemas e atritos aconteceriam nessa empreitada, levando a situações extremas.

Um professor e sua melhor aluna…

Esse é um filme que mais uma vez aborda a velha questão da relação entre a tradição e a modernidade. Aqui o moderno é a palavra do Partido, a alfabetização, a matemática, a chance de simplesmente ter luz elétrica e de se falar ao telefone. E a tradição está na religião islâmica e suas práticas onde, em tempos mais antigos, as meninas eram “casadas” pelos seus pais, de acordo com as conveniências. No meio de tudo isso, uma comunidade submissa a um fazendeiro local que a explora impiedosamente. O professor será uma espécie de paladino socialista da liberdade e justiça, mas é fortemente rechaçado pela comunidade, que quer seguir firme em suas tradições e que teme a ação dos mais ricos contra ela. Tudo isso vai gerar uma violenta situação de desgraça e conflito, onde a comunidade culpará o professor de todas as coisas ruins que se abaterão sobre ela, mesmo que o docente não tivesse culpa de nada.

Um fazendeiro local que oprime a todos…

E a reação do professor nem sempre foi das melhores, onde ele ignorava a cultura local em sua missão de levar, a qualquer custo, a educação e a aprendizagem para lá. Mesmo com todo esse conflito latente, o filme não optou por uma relativização e tomou partido da cartilha da modernização, com o professor destruindo o maior símbolo de tradição, uma árvore mantida com afinco por gerações nas estepes, para usar sua madeira para construir uma escola, símbolo da modernidade, e destruída por um incêndio provocado pelo fazendeiro local, lembrando sempre que a escola funcionava num estábulo com galinhas no meio das aulas, sendo ela uma espécie de símbolo contra o descaso geral da comunidade com a educação, embora o professor tenha tido uma resposta muito boa das crianças à sua proposta, não sem antes passar por alguns percalços (se me permitirem uma piada docente, é que ele não tinha feito o planejamento).

A aluna segue os passos da luta contra a tirania…

Assim, “O Primeiro Professor” é um curioso filme dessa mostra da Nouvelle Vague Soviética, que mais uma vez aborda a questão da tradição e da modernidade, mas sem relativizar a discussão. Aqui, o moderno é visto de forma virtuosa e a tradição é vista de forma negativa, criando um discurso um tanto maniqueísta. Ainda assim, o filme vale como uma interessante reflexão sobre esses dois pólos.

O diretor Andrei Konchalovsky
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