Debate ético à vista hoje na análise de “Jornada nas Estrelas, Voyager”! O oitavo episódio da quinta temporada, “Nothing Human”, traduzido no Brasil como “Desumano”, lança questões extremamente complexas que embaralham a cabeça de qualquer um. Mas tal debate é a mostra de como “Jornada nas Estrelas” tem a sua grande força no ponto de vista da reflexão e da discussão.
Para podermos entender toda a magnitude desse poder reflexivo, vamos fazer uma breve sinopse da história. A Voyager sofre um severo impacto de uma onda de choque que, curiosamente a coloca em contato com uma inteligência alienígena. Ela acaba recebendo as coordenadas de uma nave e vai a sua assistência. Lá, descobrem uma forma de vida bem ferida e a transportam para a enfermaria da nave, mas a fisiologia do alienígena (que parece uma lacraia com uns bracinhos mais longos) é totalmente desconhecida do Doutor. Numa infelicidade, o bichinho pula em B’Elanna e faz uma espécie de simbiose com seus órgãos internos. Para poder resolver o problema, o Doutor instrui a Kim que desenvolva um holograma especializado em exobiologia a partir do banco de dados da nave.
E a maior autoridade é justamente um cardassiano, com quem o doutor tem, inicialmente, um excelente relacionamento profissional. Mas B’Elanna, com sua metade klingon, torce imediatamente o nariz para o novo médico holográfico que irá tratá-la. A situação piora quando um tripulante bajoriano que esteve num campo de prisioneiros cardassiano, reconheceu o médico como um açougueiro que usava cobaias bajorianas para testar novos tratamentos médicos, sendo uma espécie de “Dr. Josef Mengele” de Cardássia. B’Elanna recusa o tratamento que custou a vida de milhares de bajorianos, preferindo morrer. E assim, o Doutor se vê diante de um perigoso dilema ético, onde qualquer saída terá implicações morais graves.
Esse episódio coloca uma questão para a qual não há resposta. Se o tratamento do carrasco for usado para salvar B’Elanna, abre-se um precedente perigoso onde se legitima o sacrifício de vidas para salvar outras. E, se o tratamento não for usado, uma vida preciosa da mais qualificada engenheira da Voyager será ceifada e o Doutor não cumprirá o mandamento da ética médica de preservar a vida. Assim, foi necessário que a Capitã Janeway assumisse a responsabilidade da decisão de levar o tratamento adiante, independente do que B’Elanna achasse ou não, o que estremeceu o relacionamento entre as duas. Para a coisa não parecer muito feia, o Doutor teve a autonomia de decidir se iria usar o holograma cardassiano e seu tratamento em situações futuras, e ele acaba rechaçando isso. De qualquer forma, as palavras do cardassiano antes de ser “apagado” são emblemáticas: quando era necessário que o tratamento fosse usado para salvar a engenheira da nave, assim foi feito, sem qualquer dilema moral. Agora que o tratamento não se faz mais urgente, ele é simplesmente deletado. Dois pesos e duas medidas? Onde está a ética aí?
Dá para perceber, pelo teor da conversa, que o episódio conseguiu colocar um debate muito espinhoso em pauta, debate esse para o qual não há qualquer saída totalmente moral ou ética. É imperativo que se tome uma decisão e se arque com as consequências, o que sempre vai provocar uma mancha severa na consciência. Esse é o tipo de episódio que dá bastante força a “Jornada nas Estrelas, Voyager”, uma série que alguns não consideram tão boa, se comparada às outras da franquia de “Jornada nas Estrelas”. Mais um episódio que merece uma visita do caro leitor.