A Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna, a mais antiga da América Latina, e que teve Procópio Ferreira, Tereza Rachel, Denise Fraga, Joana Fomm e Aderbal Freire Filho entre seus alunos, apresenta mais uma peça teatral de seus formandos. A turma da noite apresenta a boa peça “Por Que Hécuba?”, escrita por Matei Visniec.
O tema da peça é muito curioso: na Guerra de Troia, Hécuba, a mãe de todos os filhos de Troia, precisa amargar a morte dos mesmos na guerra contra os gregos micênicos, por pura vontade e capricho dos deuses. Quando a mesma esconde um de seus filhos num reino vizinho, ela também o perde, pois o rei temia a fúria dos deuses sobre ele caso mantivesse o filho vivo. E, ainda: quando os deuses decidem que Hécuba sofrera demais e concluem que ela deve receber uma compensação, preparam uma surpresa para ela, surpresa essa que consiste em dar a mão de sua filha em casamento para Aquiles, o carrasco grego dos troianos, que havia morrido em batalha. Isso significa que sua filha terá que ser sacrificada para se encontrar com Aquiles na outra vida. Ou seja, Hécuba, a mulher, a mãe, tem que se submeter ao capricho altamente machista de deuses que se ancoram nas tradições para justificar todo o estado de belicismo, guerra e violência entre os povos da Grécia.
A temática da história, apesar de se passar na Antiguidade, nunca pareceu tão atual, sobretudo quando nos lembramos da violência insuportável a qual somos obrigados a nos submeter e, dentro disso, da frágil posição da mulher numa sociedade cada vez mais preconceituosa e misógina. Assim como Hécuba era obrigada a sofrer todo o tipo de martírio dos deuses em nome de uma tradição, as mulheres de hoje são violentamente atacadas em seus direitos por grupos que também se acham guardiões de tradições que eles acham que todos são obrigados a se sujeitar. Ainda, o choro de Hécuba que perde seus filhos na guerra é o mesmo choro das mães de comunidades que perdem seus filhos para a nossa guerra cotidiana. E a mulher não tem sequer direito a levantar a sua voz contra isso, como a nossa protagonista, que gritava a plenos pulmões contra as injustiças, sendo desvalorizada e ridicularizada de todos os lados com relação a isso.
O mais curioso é que, durante o transcorrer do espetáculo, todas as atrizes da turma interpretaram Hécuba em algum momento, dando uma mensagem de que Hécuba é uma alegoria do que todas as mulheres passam nessa sociedade tão profundamente machista, ainda mais em terras tupiniquins. Ao fim do espetáculo, todas se perfilam diante a plateia e falam de seus desejos com relação ao nosso cotidiano. O direito a um amor livre e a repulsa ao feminicídio foram lembrados.
Foi muito interessante também perceber como a areia foi utilizada no espetáculo. Todo o interior do teatro estava revestido da mesma. E os atores o tempo todo interagiam com ela, como se a própria areia acabasse sendo uma espécie de personagem. Somente para citar, os filhos mortos de Hécuba viraram cinzas, e estavam misturados lá entre toda aquela areia.
Assim, “Por Que Hécuba?” consegue ser mais uma grande realização dos sempre talentosos alunos da Escola Técnica de Teatro Martins Penna; Uma peça que busca na Grécia Antiga, alegorias para criticar o autoritarismo latente da nossa sociedade contemporânea e a frágil posição da mulher. Cabe dizer aqui que, por se tratar de uma Escola de Teatro do Estado, a situação continua grave. Dois processos seletivos de formação de turmas foram cancelados. E a nossa cultura segue sendo estrangulada. Esperamos que se chame a atenção para a resolução de tal problema, pois um povo sem cultura não é absolutamente nada. Se você quer dar uma prestigiada, a peça está em cartaz até o próximo dia 3 de setembro, de quinta a sábado, às oito da noite e domingo, às sete da noite. A Escola de Teatro Martins Penna fica na Rua Vinte de Abril, pertinho do Campo de Santana.