Um bom documentário brasileiro. “Vinte Anos”, de Alice de Andrade, é uma espécie de continuação do documentário “Lua de Mel”, onde a diretora, cerca de vinte anos atrás, foi a Cuba para documentar a vida de casais cubanos no dia-a-a-dia do embargo americano nos tempos do pós-ajuda soviética. A intenção era ver como a ilha se saía ao enfrentar a crise econômica provocada pelo embargo. Agora, anos depois, Cuba passa por um processo de abertura, e Andrade decide retornar à ilha para poder atestar como três daqueles casais vivem atualmente.
E a documentarista encontra certas permanências mas também rupturas com o que viu vinte anos antes. Dentre as permanências, a situação de dificuldade financeira continua. Mas a ilha já mergulha numa ética capitalista, onde preços de imóveis alcançam níveis absurdos, ou já vemos carros um pouco mais modernos circulando pelas ruas, assim como várias reformas de prédios antigos em curso.
Os três casais revisitados espelham diferentes situações: há um casal cuja família vive toda em Cuba, onde a esposa já é praticante de uma religião evangélica; a segunda família tem duas irmãs gêmeas, onde uma toca clarinete e permanece em Cuba, ao passo que a segunda é violinista e estuda na Orquestra Sinfônica da Costa Rica; já a terceira família emigrou para Miami com a autorização do governo cubano, pois como havia migrantes dessa família já estabelecidos em Miami, essa família era considerada separada. Mas uma das filhas não pôde viajar para os Estados Unidos, pois o avô dela não deixou (a menina era fruto de outro casamento), com a família permanecendo partida.
Uma coisa o documentário atesta de forma bem marcante: a realidade dos cubanos agora é bem diferente, com uma maior liberdade religiosa ou acesso a recursos tecnológicos como a internet e o celular, o que possibilita a comunicação por vídeo com até outros países, algo impensável na Cuba de outrora. Mas, da mesma forma que o capitalismo traz benesses, ele traz também um nível de vida mais puxado, onde o preço dos imóveis dispara, indo além da realidade econômica do povo da ilha, que agora tem sua economia indexada pelo dólar, ao invés do baratíssimo peso cubano. Ou seja, nem sempre o capitalismo trouxe apenas benefícios para os cubanos.
Uma coisa incomoda: o documentário não se aprofundou muito na explicação das mudanças pelas quais Cuba passa e optou por exibir tais mudanças apenas analisando o cotidiano das famílias. Tal situação presente do país poderia muito bem ter sido explicada de uma forma um pouco mais didática, ao invés de deixar nas costas do espectador o fardo de intuir as mudanças nas entrelinhas da materialidade das imagens. Isso daria um pouco mais de clareza para o cotidiano daquelas famílias e para compreendermos melhor a situação atual da ilha.
Assim, “Vinte Anos” é um bom documentário brasileiro que busca esclarecer a quanta anda o cotidiano da ilha. Se ele não o faz de forma didática, ainda assim podemos intuir e deduzir tudo pelo que é apresentado nas imagens. A forma como as famílias foram tratadas e exibidas no documentário traz a gente um nível de intimidade com esses personagens reais como se nós os conhecêssemos há bastante tempo, dando uma empatia muito alta entre espectador e os personagens. O cotidiano dos personagens é outro detalhe que chama a atenção, já que sabemos que eles terão que se adaptar à ética capitalista, por bem ou por mal. Quem sabe Alice de Andrade não faz uma terceira parte do documentário daqui a alguns anos? Fica aqui a sugestão. Por ora, não deixem de assistir a esse documentário pelo seu primor de qualidade.