Um ótimo filme brasileiro. “O Nome da Morte”, de Henrique Goldman, é baseado numa história real e fala da trajetória do pistoleiro Júlio Santana (interpretado por Marco Pigossi), que teria matado 492 pessoas e ficado preso apenas um dia de sua vida, estando ainda vivo e morando escondido com sua esposa e filho num sítio no interior do pais. Um filme que consegue ser, simultaneamente repugnante, em virtude das mortes das vítimas do pistoleiro, e um drama, dada a forma como Santana meteu os pés pelas mãos em sua vida. Vamos falar brevemente dessa película aqui sempre lembrando que alguns spoilers serão necessários.
O filme se preocupa em contar toda a trajetória de Santana, desde o início, quando ainda vivia com sua família e não tinha qualquer perspectiva profissional. Até que seu pai pede ao tio e padrinho de Santana, Cícero (interpretado por um irreconhecível André Mattos) que o levasse para a cidade para ser policial. O tio percebe que o menino é bom de mira e. assim, o inicia na vida de pistoleiro. As primeiras mortes serão, podemos dizer, muito dolorosas para Santana. Mas, com o tempo, ele consegue banalizar toda a violência em seu íntimo e passa a cometer seus crimes com muita frieza e naturalidade. O mais interessante é que, à medida que o filme passa, volta e meia um número aparece na tela, que é uma espécie de “placar” que vai contabilizando suas mortes. Mas nem tudo na vida de Santana são flores e ele tem problemas de relacionamento com sua esposa Maria (interpretada por uma deslumbrante Fabíula Nascimento, que rouba a cena por sua beleza e atuação) em virtude de todas as mortes que tem nas costas. Assim, nosso pistoleiro vai pisando em ovos para ganhar a vida e driblar seus problemas pessoais e emocionais.
É claro que o filme incomoda. Nosso protagonista mata as pessoas pelos motivos mais vis, indo de uma briga num jogo de futebol, passando por uma índia que deve estar ocupando as terras desejadas por um grande fazendeiro, chegando até um líder sem terra. Realmente chega uma hora em que a gente quer mais é que o protagonista morra crivado de balas. O problema é que, por ser o protagonista, toda a carga dramática da película é construída em torno dele, o que acaba humanizando um personagem que não merece nada de humano (no bom sentido da palavra). Assim, a gente, como espectador, acaba ficando com os sentimentos meio que embaralhados com relação ao pistoleiro, algo que realmente nos tira de uma zona de conforto. Some-se a esse impasse uma trilha sonora tensa, curiosamente composta por ninguém mais, ninguém menos que Brian Eno, vejam só.
Esse é também um filme de caras conhecidas. Marco Pigossi foi relativamente bem, mostrando desespero e agonia quando estava em conflito nas primeiras mortes de Santana e uma frieza retumbante quando já carregava meio cemitério nas costas. O problema é que um elenco estelar ajudou a ofuscá-lo. Fabíula Nascimento enchia os olhos com a sua atuação e foi até um problema para Pigossi, pois ela contracenou muito com ele, sendo meiga, amorosa, e muito sofredora nos momentos mais obscuros do filme. André Mattos também ofuscou Pigossi e teve, talvez, uma das maiores interpretações de sua carreira, fazendo um tio paternalista e carinhoso com seu sobrinho, sabendo morder e assoprar nas horas certas. Sem dúvida, o grande ator desse filme. Como se não bastasse, Pigossi ainda teve que contracenar com Matheus Nachtergaele que, nos poucos momentos em que apareceu na película, foi soberbo como sempre e aproveitou cada segundo para destilar todo o seu talento como um marido psicopata. O filme ainda contou com uma rápida e bem vinda aparição de Tony Tornado, que deveria estar mais na mídia, pois além de bom ator sempre teve muito carisma. Pois é, mesmo atuando muito bem, a vida de Pigossi não foi fácil nesta película, já que seus colegas tinham muito e muito talento.
Assim, “O Nome da Morte” é mais um grande filme brasileiro. Um filme que nos choca e nos incomoda, por provocar sentimentos tão díspares. Um filme que também acaba nos dando um choque de realidade, pois termina com um certo anticlímax, quando a gente quer um desfecho um pouco mais dramático, que nos ajude a acabar com os sentimentos conflituosos quando vemos essa película. Mas, mesmo que uma decepção paire no ar com o desfecho, se analisarmos mais friamente, não poderia haver desfecho melhor. Vale a pena dar uma conferida para prestigiar essa boa película de nosso cinema.