Dando sequência às análises de alguns filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje de “A Névoa Verde”, de Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson. Taí um filme que podemos chamar de angustiante, pela força de sua montagem. A ideia é criar uma película com fragmentos de muitos filmes, devidamente montados para se buscar algum significado. O pano de fundo é a cidade de São Francisco e uma estranha névoa que paira sobre ela. Alguns acham que o filme foi concebido de forma a homenagear “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”), de Hitchcock.
Mas, a meu ver, “Vertigo” é somente um dos muitos filmes homenageados aqui. O clima de suspense realmente paira no ar. Muitos trechos de filmes policiais ajudam a montar o conjunto inspirado em thriller. Mas a montagem também pode adquirir contornos altamente surreais, como os diálogos altamente truncados entre atores, que mais parecem uma mordaça na atuação, tornando a coisa muito tensa. Pouquíssimas falas são inseridas no filme, volta e meia com um quê de ironia.
Às vezes, faz-se um agregado de imagens que trabalham o mesmo tema (carros andando na rua, o mar de São Francisco e sua famosa ponte, pessoas caindo a la “Vertigo”, etc.). Realmente é complicado para o espectador encontrar uma estrutura narrativa coesa que se espelhe no filme. O que mais parece é uma sucessão de temas e ideias que mais parecem uma coleção de easter eggs. Ou referências. A coisa deixa de ser narrativa e parece mais poética, sensorial até.
Uma coisa interessante está mais ao final, quando vemos de uma forma bem rápida, praticamente subliminar, os títulos de todos os filmes envolvidos na produção. Tem muita coisa de várias épocas diferentes. Os trechos de alguns títulos são perfeitamente identificáveis no transcorrer da exibição, mas outros títulos realmente se mostram como uma grande surpresa ao final.
O que podemos mais dizer? Para o cinéfilo, é uma experiência boa ver o filme, já que podemos testemunhar trechos de muitas obras cinematográficas espalhadas ao longo do tempo, o que nos faz passear por muitas estéticas, do preto e branco ao colorido. Mas o filme também foge do convencional da estrutura narrativa clássica, onde a nossa relação com as imagens é mais livre e direta, e podemos nos relacionar com o materialismo das imagens de uma forma bem mais criativa. Ou seja, essa estrutura “sem estrutura” nos permite fazer uma leitura muito mais subjetiva, criando diferentes afetividades com o que é visto.
Dessa forma, “A Névoa Verde” é mais uma curiosidade com a qual nos deparamos no Festival do Rio 2018. Uma experiência sensorial pouco convencional que nos torna mais íntimos das imagens, pois elas estão mais vinculadas à referências do que a uma estrutura narrativa coesa e tradicional. Vale a pena dar uma garimpada nesse também.