O décimo-segundo episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” é o que podemos dizer que se trata de uma pequena obra-prima e talvez esteja no rol dos melhores de toda a franquia. “Num Piscar de Olhos” consegue unir aqui, de forma bem magistral, dois elementos das histórias de “Jornada nas Estrelas” que se completam muito bem: a Ciência Astronômica e Física (e a junção delas, a astrofísica) com o Processo Histórico. Já foram mencionados aqui outros episódios onde esse feliz casamento entre esses dois campos do conhecimento rendeu bons frutos. Mas, ao que parece, em “Num Piscar de Olhos”, tivemos o melhor resultado disso.
A história começa mostrando a Voyager se aproximando de um estranho planeta, com formato e características físicas muito peculiares. Quando se aproxima para analisá-lo, a Voyager é atraída por um gradiente gravimétrico e fica presa numa região do espaço. Análises mostram que o planeta tem um campo de táquions (táquions seriam partículas – teóricas para nós – que poderiam ter uma velocidade até maior do que a da luz), que provocariam um campo subespacial no planeta. Ao chegar às proximidades desse planeta, a Voyager interferiu no campo e criou um terceiro pólo, ficando presa nele. Com os motores de dobra incapacitados, eles precisam encontrar uma forma de sair de lá.
Ainda, a presença da nave causa abalos sísmicos no planeta. E o tempo, por causa do campo de táquions, atua de forma diferente no planeta e na nave: para cada um segundo na nave, passa-se quase um dia no planeta. Assim, enquanto a Voyager procura sair da armadilha que entrou, simultaneamente toda uma civilização se desenvolve no planeta, tendo em sua mitologia uma “estrela” que provoca terremotos desde a pré-história do planeta até o momento em que a civilização chega à tecnologia da reação matéria-antimatéria controlada e tenta bombardear a Voyager, que é a causa das atividades sísmicas.
Esse é um episódio que traz muitos elementos interessantes. Em primeiro lugar, a tripulação da Voyager não é a única protagonista do episódio. A civilização do planeta também tem a sua importância e podemos reconhecer em sua História vários estágios de nossa própria civilização: uma pré-história altamente tribal, com a Voyager vista como uma divindade; uma mescla medieval-renascentista, com os primeiros questionamentos científicos surgindo; uma sociedade mais contemporânea, mas ainda sem tecnologia de propulsão espacial, que busca o contato com a Voyager por rádio; uma cápsula espacial finalmente em contato com a Voyager; e o bombardeio de armas de tecnologia matéria-antimatéria (é claro que esse último estágio não é ligado à nossa História, mas sim ao Universo Ficcional de “Jornada nas Estrelas”). A questão da Primeira Diretriz também é levantada: vale a pena a Voyager fazer contato com uma civilização pré-dobra, ainda mais quando a sua simples presença já provocou alterações profundas nos mitos, crenças e culturas daquela sociedade, além dos abalos sísmicos? De qualquer forma, enquanto os nobres oficiais sêniores debatiam, a própria civilização se incumbia de fazer esse contato.
Se a parte histórica enriquece em muito o episódio com todos esses elementos, a parte física e científica nada deixa a desejar. O mais marcante foi a interação entre a faixa temporal da nave (de acordo com a da galáxia) e a faixa temporal do planeta, seja nos três anos que o Doutor passou na superfície do planeta (enquanto que na Voyager se passaram apenas poucos minutos), seja na frequência altíssima das transmissões que a Voyager recebia da superfície do planeta (lembrando-se que a frequência é inversamente proporcional ao tempo), seja nos dois astronautas do planeta andando na Voyager e vendo toda a sua tripulação paradinha, ao mesmo tempo em que os astronautas envelheciam rapidamente. Uma interessante aula de Física com direito a sistemas de referência.
Assim, “Num Piscar de Olhos” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, pois alia magistralmente História e Ciência, usando uma civilização planetária como o espelho de nossa própria, além de usar a lógica da Física para explorar alguns temas presentes no enredo. Vale a pena dar uma conferida.