Batata Literária – Pedagogia da Paciência

Preciso de paciência

Muita paciência!!!

As pessoas estão muito sem noção

Do mais pobre ao mais alto figurão

Paciência frente à indecência

Paciência frente à demência

Paciência frente à incompetência

Paciência frente à sofrência

 

O que aconteceu com a galera?

Faz filho e não cria

O futuro não brilha

O Estado não cuida

Forma-se exército de pulha

Presente no brejo

Passado no lixo

Ninguém é prolixo

 

Às vezes, dá vontade de fugir

Sumir, sumir, sumir…

Ir para um lugar mais decente

Onde o caráter é mais frequente

Mas aí eu me lembro

Roupa suja se lava em casa

E aí, não segue o exílio tremendo

O povo deve criar sua própria asa

 

E fico eu por aqui

Nessa missão mordaz

Viajando para cá e para ali

Sem direito a um respiro fugaz

Poucos se salvam nesse poço de ineficiência

Quase nenhum alcançará a independência

Será que um dia isso irá mudar?

Já estou perdendo a paciência de tanto esperar!

 

E pensar que tudo poderia ser melhor

Se o brasileiro valorizasse o próprio suor

Mas, só sobra a conversa infame

Barulho demente e inclemente

E uma falta de amor próprio pusilânime

Perdido, no meio disso tudo, o conhecimento

Que podia evitar o sofrimento

Mas aqui, a sabedoria fica mais ao relento

 

Ô povo vacilão!

Assim não dá mais não!

Troca a educação e cortesia

Por uma agressividade e vilania

Parece que não quer aprender

Para, no futuro, aumentar as chances de sofrer

Depois, só vai fazer burrada

Com a mamãe, a vovó, a titia e a amada

 

Quem sabe um dia esse caos não termina

E a gente evita a tragédia bárbara

Quem sabe a família não fica mais aflita

E a gente tem uma vida menos tártara?

Sonhar não custa nada, dizia o poeta

Podemos transformar o país num deleite para o esteta

Precisamos cuidar mais de nosso povo combalido

Pois assim damos às nossas vidas algum sentido

 

É muito difícil consertar

Um erro de mais de quinhentos anos

Precisamos a camisa suar

Para mudarmos o país de antanhos

Assim, comecemos a arregaçar as mangas

E vamos trabalhar às pampas

Pois, não quero que amaldiçoem minha geração

E, no futuro, digam que abandonei a nação

Batata Movies (Especial Festival Do Rio 2018) – Três Faces. A Luta Pela Arte.

Cartaz do Filme

Ainda dentro das análises dos filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje de uma grande joia. Tanto que ela ganhou o prêmio de melhor roteiro em Cannes este ano. “Três Faces” é do meu diretor de cinema predileto, Jafar Panahi. Peço ao leitor mais um pouco de paciência com meus relatos pessoais. Sempre fui um amante do cinema iraniano, desde que vi “O Balão Branco”, do mesmo Panahi. As semelhanças com o neorrealismo italiano, onde gente do povo era utilizada como elenco numa Itália arrasada pelo pós-Segunda Guerra Mundial sempre chamaram muito a minha atenção.

Uma atriz e um diretor numa busca…

E ai, teve uma época em que muitos filmes iranianos passavam por aqui. Entretanto, algumas pessoas começaram a cornetar contra esse tipo de cinema, dizendo que era chato, sem graça, etc. E aí, os filmes iranianos saíram de nossas telonas. Mas continuaram ganhando muitos prêmios por aí, inclusive o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Mesmo assim, os filmes continuaram a não ser exibidos por aqui. E agora, que mais um filme iraniano volta aos holofotes por ganhar um prêmio na Europa, temos a oportunidade de assistir a uma película persa novamente.

Uma atriz em busca da liberdade…

O plot do filme é simples, tornando-se complexo gradativamente. Panahi e uma conceituada atriz iraniana, Behnaz Jafari (eles interpretam a si mesmos) fazem uma viagem para a região das montanhas, pois uma moça, Marziyeh (interpretando ela mesma) mandou um vídeo para o celular da atriz onde ela está desesperada, pois a família não quer que ela vá para Teerã estudar no Conservatório de Arte Dramática para se tornar atriz. A menina termina o vídeo colocando uma corda no pescoço e a imagem tremendo, como se ela tivesse se suicidado. Behnaz ficou desesperada e foi com Panahi para as montanhas, largando as gravações de seu programa na TV. A partir daí, o diretor e a atriz irão fazer uma busca pelo paradeiro de Marziyeh, interagindo com os habitantes das montanhas e com a cultura local, altamente tradicional e com toda uma peculiaridade própria, altamente conservadora.

A atriz é o ícone aceito da modernidade

Como a legendagem do filme estava na própria película, existe uma chance do filme entrar em circuito por aqui (até pelo seu prêmio de roteiro em Cannes) e não darei maiores spoilers. Mas dá para falar de algumas coisas. Esse é mais um filme de diálogo ora maniqueísta, ora culturalista, entre tradição e modernidade, onde a primeira faz as vezes de vilã. Se bem que a película consegue, volta e meia, relativizar um pouco as coisas de forma muito sutil. Os povos das montanhas, vilas e vales são de outra etnia, a ponto de falar turco ao invés de persa. Marziyeh é mal vista pela população local, assim como uma antiga atriz que foi banida daquela sociedade e vive isolada. Embora numa primeira impressão fique parecendo algo bem retrógrado e machista (não dá para pensar diferente) perseguir a moça por querer seguir a carreira artística, o diretor também tenta analisar a cosmogonia local ao dar fala a um habitante idoso da região onde ele diz que Marziyeh não se enquadra à realidade local, pois não cumpre uma função específica em seu povoado. Todos têm uma função específica (plantar, cuidar de animais, etc.), o que é de importância vital para a própria sobrevivência do povoado, mas Marziyeh não quer se enquadrar nisso. Ela quer atuar e estudar, algo que não tem objetivo prático naquela sociedade mais tradicional. Mesmo com essa relativização sutil, ficou bem clara a leitura de Panahi: as pessoas da cidade grande, dentro do arcabouço da modernidade, teriam uma mente mais “aberta” com relação à questão da liberdade para a mulher atuar no campo artístico, onde, por outro lado, no campo isso seria impossível, com outra etnia mais conservadora e até um tanto estrangeira. Mesmo assim, a modernidade invade a tradição, pois o programa de tv de Behnaz é apreciado pelos moradores locais e eles até a perguntam o que acontecerá nos próximos capítulos da novela.

Interagindo com a comunidade local…

No mais, é tudo aquilo que vemos no bom filme iraniano. Um ritmo lento, lindas paisagens, diálogos entre grupos culturais diferentes que levam a interessantes reflexões e, como sempre, uma espécie de grito velado por mais liberdade para o país, que ainda tem muitas restrições típicas daquelas de países com regimes teocráticos.

Fortes diferenças culturais…

Assim, “Três Faces” é mais um bom filme do Festival do Rio 2018. Três faces. Três atrizes. A banida do passado, a consagrada do presente, a que busca um espaço no futuro. Todas elas dialogando (ou não) com uma comunidade tradicional. E, dessa peculiar interação, podemos tirar muitas reflexões. Essa película vale a pena estar em circuito por aqui futuramente. Vamos torcer.

Batata Movies (Especial Festival Do Rio 2018) – O Termômetro De Galileu. Microhistória(s).

Cartaz do Filme

Dando sequência às nossas análises de filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje de “O Termômetro de Galileu”, uma produção portuguesa de Teresa Villaverde. A cineasta fez uma espécie de rosário de depoimentos pessoais, recuperando a memória e as relações entre os membros da família do cineasta italiano Tonino De Bernardi, que vive na região do Piemonte. Esse é um documentário extremamente família, onde vários membros do clã contam suas histórias de vida, indo desde os mais jovens até os mais idosos, com relatos muito comoventes. Um dos momentos mais marcantes do documentário foi quando uma das parentes de De Bernardi falou sobre a história de vida de uma parente já falecida, não em forma de depoimento espontâneo, mas lendo um texto escrito, onde houve a preocupação de se organizar previamente todas as informações daquela pessoa.

Tonino de Bernardi e sua esposa Mariela

Pudemos testemunhar sua juventude, seus sonhos, seus amores, suas perdas e seu definhamento, o que algo que muito nos faz pensar, pois geralmente conhecemos ou estamos com uma pessoa amiga em uma fase de sua e poucas vezes temos um convívio integral com a pessoa, mesmo nas famílias mais tradicionais (você não consegue testemunhar a infância e a adolescência de seus pais, por exemplo, mesmo que fique com eles o resto de suas vidas). Ao se resgatar essa história e memória individuais, a afinidade cresce muito mais e, ao fim do relato, parece que a gente conhece todo o íntimo daquela pessoa como se fosse alguém muito próximo. É aí que está a força desse filme.

De Bernardi em contato com pessoas de seu passado…

Outro detalhe que chama muito a atenção é a harmonia total entre os pares da família de De Bernardi. É claro que toda família tem seus problemas de relacionamento, mas quando eles se reúnem para falar deles mesmos, não há qualquer espaço para conflito, e sim uma afetividade mútua que beira o idílio. Essa também é uma família muito ligada à arte. Temos um trecho onde o próprio Tonino De Bernardi lê uma poesia que sempre o cativou muito.

Dando voz aos que não mais estão aqui. Relatos comoventes…

Já o desfecho, se me permitirem o spoiler, chega a ser engraçado. Vemos a família sentada à mesa com a diretora Teresa Villaverde e De Bernardi reclamando que quer falar para ela algumas coisas que ele não quer que a câmara registre. A diretora, já tão mergulhada no íntimo do clã, pede para De Bernardi desligar a câmara. Ele diz que não sabe fazer isso. Uma das mulheres da família, então, vai tentar desliga-la e, depois de várias instruções da diretora (e de vários supercloses da mão da mulher na nossa cara), a câmara desliga e vêm os créditos finais. Essa forma divertida de desfecho é a cereja do bolo que coroa todo o clima intimista produzido no filme com a família de De Bernardi.

A diretora Teresa Villaverde

Assim, “O Termômetro de Galileu” é mais um filme que chamou a atenção no Festival do Rio 2018 pela recuperação de memória através dos relatos da família de um cineasta italiano, e pelo clima altamente intimista que a diretora Teresa Villaverde consegue passar para o espectador. O ritmo do documentário é extremamente lento, mas vale a pena dar uma conferida, pois o filme transpira amor, carinho, afeto e ternura.