E estreou a segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Depois de uma primeira temporada que agradou a alguns mas desagradou a outros, havia uma grande expectativa por parte dos fãs sobre como seria essa segunda temporada. Se tomarmos como referência as outras séries de “Jornada nas Estrelas”, a maioria delas tinha uma primeira temporada meio capenga, com melhorias nas temporadas seguintes. Mas era uma outra época, com longas temporadas sendo produzidas durante um ano inteiro, onde os ajustes poderiam ser feitos ao longo da produção dos episódios. Agora, em dias de streaming, quando toda a temporada é rodada antes de sua exibição, ajustes durante o processo ficam bem mais difíceis. Realmente é uma outra linguagem. Daí a expectativa. Outra questão que o streaming levanta é o de qual modelo atende mais ao novo formato: um único arco nesses poucos episódios mais curtos ou sub arcos e mais episódios avulsos durante a temporada? Quando tínhamos uma temporada de 26 episódios de cerca de 45 minutos, podia se fazer arcos principais, sub arcos e episódios avulsos de construção de personagem, por exemplo. O streaming parece ser mais limitado com relação a isso. E aí, esse foi um problema da primeira temporada de Discovery, pois tentou-se fazer de tudo um pouco e a coisa parece não ter funcionado muito bem. Todas essas questões só aumentaram as expectativas acerca de como seria a segunda temporada.
E o que podemos dizer desse primeiro episódio, “Irmão”? Pareceu aqui que a coisa se aproximou mais do que víamos nas outras séries da franquia. A introdução de Christopher Pike ajudou muito nisso, pois ele se colocou como um capitão mais antenado com o espírito da Federação, se antagonizando imediatamente com Lorca. Ao tirar o comando de Saru, ele chega cheio de dedos e busca se aproximar da tripulação, mas sem abrir mão de mostrar quem é que manda, embora tenha aparecido um momento constrangedor com Michael Burnham, onde a tripulante meio que dá um fora no capitão, algo impensável em outros capitães segundo o que os fãs tem dito por aí. Outra coisa que aproxima o episódio do Universo de “Jornada nas Estrelas” é a existência de um enigma que precisa ser desvendado (uma fonte de energia com o qual as naves da Frota não conseguem lidar e aí a tripulação da Discovery precisa resolver esse problema. Esse enigma também é colocado de forma pictórica na série (na abertura da série há uma silhueta do que aparenta ser um humanóide alado e Burnham também teve uma espécie de alucinação com a mesma imagem durante o episódio). Uma primeira pista para se desvendar esses mistérios está na amostra de asteróide colhida pela Discovery, que se trata de um material altamente energético que não pode ser teletransportado e que tem algo a ver com matéria escura. Aí está um possível gancho para a solução do enigma, bem ao espírito das ficções cientificas das demais séries de “Jornada nas Estrelas”. Esperemos que isso não se torne algo parecido com toda aquela papagaiada do maldito motor de esporos e da rede micelial que, por enquanto, não foram usados, mas que vão dar o ar de sua graça em episódios futuros. A ficção científica deve ser criativa, mas não deve ser muito over, pois ela sai do campo da ficção para o da ópera do absurdo.
Até agora, mencionamos aqui as virtudes da série e de como ela se aproxima do que os fãs mais tradicionais entendem o que é “Jornada nas Estrelas”. Agora, quais são os problemas? Em primeiro lugar, a série ainda se vende mais como uma aventura de ação do que uma ficção científica mais bem escrita. A sequência do asteróide está aí para provar esse ponto. Muitos efeitos especiais mais para espelhar uma corrida no meio de um monte de pedras do que qualquer outra coisa. A gente até entende que isso seja para atender as demandas de um público mais contemporâneo, etc., mas ainda é muito de se estranhar quando se trata de “Jornada nas Estrelas”. Essa impressão aumenta muito em minha pessoa, pois muito recentemente terminei de assistir “Voyager”. Eu vi os dois últimos episódios juntamente com o primeiro episódio da segunda temporada de Discovery e a impressão de que Discovery é muito diferente do Universo de Jornada nas Estrelas (mesmo que esse primeiro episódio tenha melhorado um pouco isso) é ainda muito forte. Em segundo lugar, a repulsa de Spock a Burnham na infância dos dois me pareceu demasiadamente emocional, mesmo para os padrões de uma criança vulcana mestiça. Uma reação fria e de desprezo de Spock para com Burnham seria algo bem mais eficiente e honesto. Esperemos que um dos ícones máximos de “Jornada nas Estrelas” (se não for o máximo) não seja esculhambado nessa temporada, como o foi com o Spock ultraemocional de Zachary Quinto, que saiu na porrada aos gritos com Khan.
E a protagonista Michael Burnham? Ela deu uma melhoradinha. Apesar de seu monólogo irritante no início do episódio, não vimos mais isso ao longo da exibição. Mas ela ainda é tratada como uma espécie de prima-dona que resolve todos os problemas e é dotada de uma certa empáfia que a torna antipática. Burnham precisa ser mais construída em outra direção. Que essa insegurança que ela tem em torno do irmão seja mais bem construída e trabalhada, podendo ser uma boa saída para recuperar a protagonista. Aliás, a construção dos demais personagens da série (só na ponte há uma avalanche de ilustres desconhecidos) faz-se urgente. O problema nisso é o formato de streaming, mas um ponto-chave para a série fazer sucesso é a empatia que o público vai desenvolvendo com os personagens. Com Stamets e Saru, por exemplo, parece que a coisa está sendo bem encaminhada. Mas com Burnham e até Tilly, parece que é necessário remar mais um pouco. Falando dessa última, as piadas funcionaram, mas o que melhor de Tilly tivemos ainda foi o Stamets pedindo para ela falar menos. Entretanto, ela tem um bom coração, não podemos nos esquecer. Ainda sobre os personagens, além da boa surpresa de Pike, tivemos a presença da engenheira Jett Reno, que parece ser uma excelente personagem e cairia como uma luva na engenharia da nave, juntamente com Stamets. Somente a introdução desses dois personagens novos e a qualidade deles é um indicativo de que poderemos ter algo de positivo na série esse ano.
Assim, “Irmão” é um bom episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery” que parece confirmar as expectativas otimistas que os “Short Treks” trouxeram. É um episódio que, apesar de seus problemas, se aproxima mais do Universo de Jornada nas Estrelas que conhecemos. O espírito da Federação encarnado em Pike, o enigma inicial que deve ser resolvido com uma ficção científica que, esperemos, seja sofisticada, típicos das demais séries de Jornada nas Estrelas, estavam lá. Só é de se lamentar a coisa um pouco espetacular e vazia dos filmes de ação regados a efeitos especiais e algumas permanências da primeira temporada, como a marra de Burnham, que a deixa um tanto antipática. Esperemos os próximos episódios para ter uma ideia dos rumos da série.