Um filme que disputa o Oscar. “Green Book, O Guia” concorre a cinco estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Viggo Mortensen, Melhor Ator Coadjuvante para Mahersala Ali, Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem). Temos aqui uma ótima história baseada em eventos reais que aborda mais uma vez a questão do racismo nos Estados Unidos. Vamos precisar lançar mão dos spoilers aqui.
O plot gira em torno de Tony Lip (interpretado por Mortensen), um leão de chácara ítalo-americano, que resolve seus problemas no trabalho na base da porrada no Night Club Copacabana, local em que trabalha em Nova York. O problema é que um chefão mafioso local ficou chateado pois seu chapéu sumiu no Night Club e ele o “fechou para obras” alguns meses. Assim, Lip precisou encontrar um emprego temporário e ele o obteve com o Dr. Don Shirley (interpretado por Ali), um pianista muito rico e muito refinado que o contrata para ser seu motorista e segurança numa turnê pelo sul dos Estados Unidos, lembrando que Shirley é negro e estamos nos Estados Unidos muito racista da década de 60. Assim, a película mostra como foi essa viagem, a aproximação entre Lip e Shirley e quais foram as situações de racismo que os dois foram encontrando ao longo da viagem.
Esse é um filme sobre identidade e dignidade. Temos aqui um branco ítalo-americano vaca brava que é racista e descobre com Shirley o que é viver sob o estigma do preconceito. Lip também vai descobrir outras coisas com Shirley: o autocontrole, ter mais tato, educação, buscar objetivos construtivos em sua vida, ser politicamente correto e escrever cartas bonitas. Já Shirley aprende com Lip hábitos mais “mundanos” como comer frango frito ou uma forma mais descolada e sincera de ver a vida. No tocante à identidade, o personagem Shirley é o mais interessante, pois ele é negro e não vive como os “seus”, que são de um estrato social mais pobre. Mas mesmo assim é rechaçado pelos brancos. Então ele não é negro nem branco. E Lip é branco mas também é visto com preconceito pelos WASPs por ser de descendência de imigrante italiano. Essa interação entre os dois personagens teve uma química muito boa e justifica inteiramente as indicações a melhor ator e ator coadjuvante, assim como a de melhor filme e roteiro original.
A questão do racismo no sul dos Estados Unidos na década de 60 foi um personagem à parte. O próprio título do filme, “Green Book” se refere a uma espécie de guia turístico para negros em viagem ao sul do país onde são indicados os hotéis e atrações turísticas exclusivas para negros. Chegava a ser surreal as elites sulistas recebendo Shirley com toda a pompa de uma celebridade e lhe reservando os piores lugares como camarim e banheiro na parte de fora (a popular “casinha”), isso sem falar do fato dele ser proibido de jantar nos próprios lugares em que ele tocava.
E aí, todo esse racismo ajudou a cimentar a afinidade entre os personagens protagonistas do filme, servindo de ponte entre eles. Lip deixava de ser racista ao se identificar cada vez mais com Shirley e Shirley se encontrava em sua identidade ao se aproximar de Lip. E o filme cumpria sua função social de denúncia ao chamar a atenção mais uma vez para uma mazela que insiste em perdurar até os dias de hoje.
Dessa forma, “Green Book, O Guia” faz jus a todas as indicações ao Oscar que recebeu, traz uma história real muito instigante, personagens e atores fenomenais e mais uma vez denuncia os problemas do racismo. Mais uma película para ver, ter e guardar.
Carlos,
É interessante comentar que o diretor Peter Farrelly, vem de anos de comédias rasgadas, burlescas, realizadas junto com seu irmão Bob, como “Quem Vai Ficar Com Mary?”, “Debi e Lóide”, “Eu,Você e Irene” , dentre outras.
Daí a grande surpresa desta significativa virada,de empenho artístico, apuradíssimo, com este resultado fascinante, de não tirar os olhos da tela, assistindo um filme tão sóbrio, elegante e pleno de sutilezas, principalmente com dois atores, numa química perfeita, com personagens se transformando e transformando um ao outro. Algo que não é novo no Cinema ( vide o oscarizado “Conduzindo Miss Daisy” e o sucesso francês “Os Intocáveis”, por exemplo)
Mas a força do que se vê em “Green Book-O Guia”.´dentro desta seara, é fantástica, ao começar pela grande sacada de inversão: temos um motorista branco racista e bronco, morador carcamano pobre do Bronx, que trabalha com leão de chácara de boates, conduzindo numa limusine, um célebre e erudito pianista negro, com sua musica clássica particular, pela região mais racista dos EUA que é o Sul, em 1962, durante o governo John Kennedy, algo que terá um peso na história. ´. .
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É desta herança do diretor que deve vir um humor que perpassa o filme, mesmo em situações graves como prisões. Mas é sutil, nada de rasgado. É para sorrirmos com o cantos da boca.
Enfim, este humor em nada suaviza a barra pesada do que é mostrado. Mas traz mais leveza para meditarmos. .
Há frases simples, mas que revelam situações complexas, ainda mais envolvendo um negro em 1962, que segundo as leis em vigor, tem até hora para se recolher. .
Spolers fracos
O pianista, diz algo deste teor: “Pensei que neste momento eu pudesse ficar sozinho!!!
Mais tarde, após pedido de desculpa do pianista, o ítalo-americano, de coração já amolecido e sábio, diz algo deste teor: “Eu trabalhei muito na noite. Eu sei como este mundo e complicado”.
Spoilers fortes
A sequência mais tocante, de nos fazer lacrimar, se dá quando os dois se alteram bastante e discutem o que é ser um branco que se sente tratado como negro e um negro que questiona com raiva e muito dor: “Se eu não sou negro nem branco, nem muito homem, o que que eu sou então?”.
Abraços,
Nelson- 29/01
Ps, Vou fazer postagem com estas ideias expostas.. : . .
Carlos, revi muitos erros e ampliei o comentário já feito. Por favor DELETE o que fiz e deixe este.novo. Fiz o comentário anterior com pressa e deu no que deu!
Abraços,
Nelson
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Horas de se Recolher Sobrepujadas Por Horas de se Entender.
Sobre “Green Book- O Guia” (2018) é interessante ressaltar que o diretor Peter Farrelly, vem de anos de comédias rasgadas, burlescas, realizadas junto com seu irmão Bob, como “Quem Vai Ficar Com Mary?”(1998) , “Debi & Lóide”(1994), “Eu, Eu Mesmo &Irene” (1998), dentre outras.
Daí a grande surpresa desta significativa virada, de empenho artístico apuradíssimo, com este resultado fascinante, de não tirar os olhos da tela, com filme tão sóbrio, elegante e pleno de sutilezas, principalmente com os protagonistas, numa química perfeita, com personagens se transformando e transformando um ao outro.
Algo que não é novo no Cinema. Vide o oscarizado “Conduzindo Miss Daisy”(1989) de Bruce Beresford e o grande sucesso francês “Intocáveis”(2011) de Olivier Nakache, Éric Toledano, por exemplo.
Mas a força do que se vê em “Green Book-O Guia”, dentro desta seara de sentimentos, é fantástica. A começar pela grande sacada de inversão: temos um motorista branco racista e bronco, morador carcamano pobre do Bronx, que trabalha como leão de chácara de boates, conduzindo numa limusine, um célebre e erudito pianista negro, com sua música clássica particular, pela região mais racista dos EUA que é o Sul, em 1962, durante o governo John Kennedy, algo que terá um peso na história.
É desta herança do diretor que vem um humor que perpassa o filme, mesmo em situações graves como prisões. Mas é sutil, nada de rasgado. É para sorrirmos com os cantos da boca.
Enfim, este humor em nada suaviza a barra pesada do que é mostrado. Mas traz mais leveza para meditarmos.
Há frases simples, mas que revelam situações complexas, ainda mais envolvendo um negro em 1962, que segundo as leis em vigor, tem até hora para se recolher.
Spolers fracos
O pianista, diz algo deste teor: “Pensei que neste momento eu pudesse ficar sozinho!!!”
Mais tarde, após pedido de desculpa do pianista, o ítalo-americano, de coração já amolecido e sábio, diz algo deste teor: “Eu trabalhei muito na noite. Eu sei como este mundo é complicado”.
Spoilers fortes
A sequência mais tocante, de nos fazer lacrimar, se dá quando os dois se alteram bastante e discutem o que é ser um branco que se sente tratado como negro e um negro que questiona com raiva e muita dor: “Se eu não sou negro, nem branco, nem muito homem, o que que eu sou então?”.
O imenso talento de Viggo Mortensen já conhecemos há tempos. Já Mahershala Ali confirma com louvor o grande ator que vimos em “Moonlight- Sob Luz do Luar” (2016) de Barry Jenkins, que lhe deu um merecido Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, em personagens completamente diversos.
Sem escamotear graves problemas, o filme aponta em um belo sentido de esperança, simbolizando algo que está muito escasso no mundo e no nosso Brasil, que se apresenta (eternamente?) uma “Terra em Transe” glauberiana.
Nelson- 30/01