O sexto episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”, “O Som do Trovão”, confirma uma tendência na série esse ano. Episódios bons, ou razoavelmente bons, são alternados por episódios mais fracos. A bola da vez aqui é um bom episódio, obviamente com alguns problemas, e que tem novamente Saru como a figura central (por que será que, nos bons episódios de Discovery Saru sempre tem um destaque?).
Bom, vamos ao plot. Um novo sinal brilhante aparece justamente em cima de Kaminar, o planeta dos kelpianos. A Discovery vai lá para investigar, mas os ba’uls não respondem às frequências de saudação. Pike decide então enviar Burnham para a superfície para interagir com uma aldeia kelpiana e seu pastor, uma espécie de porta-voz entre os kelpianos e os ba’uls que existe em toda a aldeia kelpiana. Mais uma vez teremos a violação da Ordem Geral Um (é usado o argumento de que eles precisam saber o que é o anjo vermelho, que a missão é muito importante, etc). Saru, um pouco ansioso, quer ir, mas Pike acha que seu primeiro oficial ainda não está lidando bem com as mudanças em seu organismo (espinhos apareceram no lugar dos gânglios de medo e Saru parece cada vez mais descolado de qualquer medo e com uma agressividade crescente). Saru peita Pike na ponte e Burnham (sempre ela) coloca panos quentes, dizendo que Saru será importante no contato com os locais, pois a moça é uma alienígena para eles. Na superfície do planeta, Saru encontra Siranna, sua irmã, que agora é pastora e está revoltada com o desaparecimento do irmão, em virtude do medo de retaliações dos ba’uls, que poderiam achar que ele fugiu da sua imolação para o Grande Equilíbrio. A aldeia é chacoalhada por um ataque dos ba’uls e Saru e Burnham retornam à Discovery. Os ba’uls contactam a nave. Eles querem Saru de volta para que se restaure o Grande Equilíbrio, deixando o kelpiano louco de raiva e, ao mesmo tempo, desesperado pois seu povo pode ser atacado a qualquer momento. Pike finalmente coloca ordem na casa e ordena que Saru saia da ponte. Este vai para a sala de transporte e se teletransporta para se entregar. Mas se materializa dentro de algo que parece ser uma construção ba’ul. Siranna também é teletransportada para lá. Enquanto isso, Burnham e Tilly descobrem, com os dados da esfera do episódio “Uma Moeda Para Caronte”, que depois que os kelpianos passavam pelo vahar’ai no passado, eles ficavam muito agressivos e matavam os ba’uls, logo eram esses últimos a verdadeira presa. Os ba’ul então exterminaram os kelpianos pós-vahar’ai e passaram a matar os demais quando chegavam na iminência do vahar’ai, fazendo o Grande Equilíbrio. Saru consegue, depois de se revoltar contra os ba’uls, entrar em contato com a Discovery e eles têm a magnífica ideia de acelerar o vahar’ai de todos os kelpianos do planeta, à despeito da Ordem Geral Um mais uma vez, para mostrar aos ba’ul que os kelpianos também têm um lado racional no pós-vahar’ai. Pike chega até a questionar se isso não será perigoso, mas Burnham diz que os ba’ul têm uma tecnologia mais avançada e o vahar’ai abreviado não seria um perigo para eles. Entretanto, ao perceberem o plano da Discovery, os vahar’ai acionaram seus totens nas aldeias kelpianas para destruir todos os seus habitantes. É nessa hora que o anjo vermelho entra em ação e desativa as armas dos ba’uls. Saru consegue ver o anjo vermelho com sua visão mais aguçada e constata que ele tem uma forma humanoide feminina, com um traje mecânico e com uma tecnologia mais avançada que a da Federação. Siranna retorna à sua comunidade e começa a trabalhar um novo equilíbrio, não sem antes fazer as pazes com o irmão.
O que esse episódio tem de coisas positivas? Em primeiro lugar, ele tem como referência o melhor Short Trek, “The Brightest Star”, onde vemos como Saru saiu de seu planeta, além de conhecermos a existência dos ba’uls e do Grande Equilíbrio. Se naquele curta a gente via a coisa de forma muito maniqueísta, com os ba’uls sendo os predadores malvados e os kelpianos as presas vítimas, aqui a coisa foi problematizada e passamos a compreender a importância dos ba’uls manterem o equilíbrio, mesmo que não concordemos com a matança dos kelpianos. Só foi uma pena a gente não ver especificamente a criação de uma nova ordem, onde os kelpianos e os ba’uls deveriam se encontrar para estabelecer acordos e termos. De qualquer forma, se os roteiristas de Discovery tiverem suas cabecinhas iluminadas, esse episódio poderia dar uma boa sequência no futuro, ou seja, a Discovery poderia voltar lá depois de alguns meses e ver como está o andamento desse novo equilíbrio. Novos conflitos, por exemplo, poderiam surgir, e Saru, junto com Siranna, poderiam ter um papel determinante na resolução desses conflitos, ao invés de Burnham sempre resolver tudo. Assim, aquela relativização que víamos nas séries antigas de Jornada nas Estrelas aparece aqui envolvendo o personagem mais solene, que acaba saindo de sua zona de conforto por estar sentindo as transformações em seu organismo, perdendo o medo que define sua espécie e caindo numa agressividade que ele precisa aprender a controlar. Esse elemento novo deixou Saru muito mais interessante.
Podemos falar, também, um pouco de Pike. Nesse episódio ele foi mais capitão e tomou mais as rédeas da situação. Dava dó de ver como sua autoridade foi um tanto desrespeitada nos últimos episódios (chegou uma hora em que a tripulação trabalhava na ponte em momentos de crise sem lhe dar a mínima satisfação e ainda aparecia um close da cara dele embasbacado; isso é muito tiro no pé, ao invés de um suposto alivio cômico, o que parece ter sido a intenção aqui). Dessa vez, ao contrário, ele falou de forma grossa com os ba’uls, mas também foi diplomático quando preciso, indo bem ao estilo de um capitão da frota. E, principalmente, deu um grito em Saru depois de todos os seus chiliques e uma clara afronta de autoridade em plena ponte. Definitivamente, Pike merece mais respeito e ele fez se impor dessa vez.
E Culber? Eu disse na análise do último episódio que gostei da volta do médico, à despeito da forma miraculosa como a rede micelial fez isso. E por que eu gostei? Por que isso pode trazer mais Stamets para a série, que é um personagem bem interessante, e sem a necessidade dos micélios a tiracolo. E parece que o episódio começou a tatear isso, pois Culber é uma cópia perfeita do original, mas ainda assim não é o Culber propriamente dito. Isso provoca um certo conflito no médico, que pode ainda trazer problemas para a relação entre ele e Stamets. Provavelmente virá algo por aí nesse sentido.
Agora, vamos aos problemas. Em primeiríssimo lugar, mais uma vez a Ordem Geral Um foi vilipendiada aqui, sempre com o argumento de que se deve descobrir o que é o anjo vermelho e o pulso de energia, o que levou Burnham e Saru a entrar em contato com a civilização pré-dobra dos kelpianos. Mas isso foi o de menos, pois houve uma violação pior, muito pior, que foi justamente acelerar o vahar’ai dos kelpianos para provar que eles podiam interagir pacificamente com ao ba’uls mesmo depois da transformação. A coisa não poderia, em hipótese nenhuma, ser feita desse jeito, pois houve uma alteração direta nos corpos dos seres daquela civilização sem qualquer autorização deles. É a mesma coisa que alguns médicos um tanto malthusianos fazem de esterilizar mulheres pobres depois que elas dão à luz, sem o conhecimento delas. Ninguém tem propriedade sobre o corpo de ninguém e isso extrapola a violação da Ordem Geral Um. Talvez a saída aqui fosse alguns kelpianos terem passado pelo vahar’ai no momento de crise (colocando-se que o Grande Equilíbrio momentaneamente não estivesse sendo cumprido) e aqueles kelpianos pós-vahar’ai, juntamente com Saru, convencessem os ba’ul de que a convivência poderia ser pacífica. De qualquer forma, dá para perceber que toda essa querela entre as duas civilizações não pode ser resolvida em somente um episódio de forma muito enxuta. Ela poderia ser perfeitamente mais bem trabalhada num segundo episódio no futuro. Caso contrário, fica a impressão de um desfecho falso.
Uma coisa que me assusta é o que anjo vermelho poderia ser. A sua forma feminina gerou especulações de que poderia ser Burnham vindo do futuro resolvendo algum problema, já que os sinais e o anjo teriam alguma coisa a ver com viagens temporais, como tem sido ventilado nos episódios. Sei não, esse negócio de colocar importância demais na protagonista não é algo que será bom para a série. Já falei aqui que gosto da Burnham quando ela está mais fragilizada e interage mais com a tripulação. Para mim, não há problema em ela chorar tanto desde que ela desça um pouco do pedestal em que a colocaram. Achava melhor que o anjo fosse algo completamente novo, quem sabe até um elemento para ser melhor desenvolvido na terceira temporada. Espero que os roteiristas não estraguem essa ideia do anjo que, confesso, acho boa em seu mistério.
Dessa forma, mesmo com alguns problemas, o episódio “O Som do Trovão” foi relativamente bom a meu ver, pois pegou e desenvolveu a boa ideia mostrada em “The Brightest Star”, confirmando que Saru é realmente um dos personagens mais interessantes da série. Só espero agora que não tenhamos outra bomba no próximo episódio, até porque a terceira temporada de Discovery já está confirmada e a série precisa de mais regularidade. Tempo para isso ela vai ter. Mas a produção dela precisa ser sem percalços, não havendo demissões, remontagens ou refilmagens, pois isso passa a impressão de que a série é uma enorme colcha de retalhos. E fica feio, depondo contra ela mesma. Vamos ver o que vem por aí.