Mais um episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Anjo Vermelho” despertou muita polêmica na semana passada em virtude da divulgação muito prematura de um spoiler monstruoso do episódio (ainda bem que eu tinha acabado de ver o episódio assim que vi o spoiler). Sim, meus amigos, o anjo é a mãe! Da Michael, é claro, de quem mais podia ser? Pelo menos, a série não caiu no óbvio de ser a própria Michael o anjo, como já tinha sido ventilado por aí. Discovery já foi altamente previsível com o klingon Tyler e o Lorca do Universo Espelho no ano passado. Agora, não fizeram o mesmo com o anjo, embora ele tenha sido a mãe de quem a gente achava que era o bichinho. Devo dizer que esse foi um episódio um tanto complicado, com uma série de problemas, embora haja poucos pontos bons. Quem ainda não viu vai ver spoilers se continuar a ler aqui. Vale sempre lembrar.
Bom, vamos ao plot. O episódio começa com um longo funeral ao personagem secundário Airiam, que a série não nos deu o direito de conhecer profundamente e que agora quer que a gente se emocione com ele. Muitos discursos com direito a uma canção de Saru e o lançamento do corpo da moça dentro de uma casca de torpedo fotônico em direção a um planeta. Qualquer semelhança com o funeral de Spock em “A Ira de Khan” NÃO é mera coincidência. Após o funeral, Tilly, depois de mais uma de suas falas infantis e irritantes (é muita sacanagem o que os roteiristas fazem com a personagem, a atriz que a interpreta e o público) diz que descobriu um arquivo em Airiam chamado “Projeto Dédalo” que diz que o Anjo Vermelho é a Burnham. Confesso que achei isso muito complicado, pois foi um pretexto para o ego de Burnham inflar desgraçadamente nesse episódio, algo que justamente ela não está precisando para melhorar seu personagem, muito pelo contrário até. O detalhe bom aqui é que Spock sacaneia Burnham dizendo que ela entrar na pele do anjo para salvar a galáxia se encaixa no perfil dela (ela se responsabiliza por situações fora do seu controle). Burnham diz, de forma sarcástica, que agradece a Spock por compartilhar isso com todos. Ela ainda pergunta ao irmão que, se ela soubesse de tudo o que estava por vir, por que ela não disse isso a todos? Spock retruca com um argumento muito furado: “talvez você tenha uma propensão ao drama”. Mas ainda sim valeu, pois a gente viu a protagonista onipresente ser zoada um pouquinho, algo que ajuda a humanizar o personagem.
De repente, a Seção 31 chega. Leland e Phillipa sugerem aprisionar o Anjo Vermelho. Confesso que isso muito me incomodou, pois dentro do espírito de Jornada nas Estrelas se esgotariam primeiro todas as possiblidades de comunicação com o anjo, mesmo que houvesse dificuldades apontadas por Spock para isso. O ato de atrair o anjo para uma armadilha e aprisioná-lo me pareceu um pouquinho bárbaro demais para os galantes (e malcriados desrespeitadores de hierarquia militar) oficiais da Discovery. Mas, continuando. Há, também, a revelação de que o anjo e o Projeto Dédalo são, originariamente, da Seção 31, que o desenvolveu para fazer viagens no tempo, depois que foi descoberto que os klingons também desenvolviam projetos de viagens no tempo, formando uma espécie de “corrida armamentista temporal”. Só que os klingons destruíram o traje do anjo e a Seção 31 simplesmente deixou tudo para lá, sem sequer se preocupar se os klingons retomariam o projeto e fariam um anjo, o que acabou acontecendo. Muito esquisita essa parte. Você desenvolve um projeto par lutar com o seu inimigo, ele vem e destrói o projeto e você simplesmente deixa tudo para lá? Nem imagina que o seu inimigo vai pegar os caquinhos do seu projeto destruído, estudá-los e reproduzir seu projeto? Depois reclamam por aí quando se fala que a série é muito mal escrita. Mas vamos lá. Faz-se um plano cheio das tecnobabbles elaboradíssimas e exageradas que só Discovery produz para depois se usar um termo altamente simplório do tipo, a gente vai aprisionar o anjo como se o prendesse a um elástico. Sofrível isso. Mas não teve nada pior nesse episódio que o diálogo de Phillipa com Culber, Stamets e Tilly. Tudo começou assim: Stamets explica o plano de aprisionamento do anjo para Phillipa e ela diz que ele pode ser melhor que o Stamets do Universo Espelho mas bem mais neurótico, além de perguntar se ele nunca pensou em se medicar (uma coisa horrorosa de diálogo). Stamets, elegante como ele só, ignora o que Pihllipa disse e continua e falar sobre o plano. Mas Culber entra na engenharia. Stamets se cala e Phillipa percebe a “tensão masculina”, além de dizer que a tentativa de Tilly de aliviar o constrangimento de tal tensão é brochante., e ainda pergunta se ela nunca curtiu um desconforto e quem a criou. Tilly responde que foi a mãe dela, que não era muito presente, e Phillipa manda ela parar de falar. Phillipa começa a provocar Stamets e Culber pergunta se ela sabe que Stamets é gay. Phillipa diz para Culber não ser tão binário e que o Stamets do Universo Espelho era pansexual, onde Phillipa fazia umas brincadeirinhas com ele, assim como com Culber. Ela chama Culber de Papi (cacilda, eu realmente escutei isso?). Stamets rebate dizendo que tanto ele como Culber são gays. Ela diz que é claro que são e como é bom ver o que está na sua frente. Philipa sai e Tilly pergunta: o que foi isso? Confesso que eu também me perguntei sobre a mesma coisa e, pela primeira vez, achei algo que Tilly disse pertinente. Mas, depois desse espetáculo simplesmente constrangedor, o que a gente pode tirar de bom aqui? A forma meio depravada de ser do Universo Espelho, que tem origem lá na série clássica diga-se de passagem, fez Phillipa abrir os olhos de Culber para Stamets novamente. A Imperatriz apimentou a conversa para cima de Stamets e despertou um ciuminho em Culber. Para quem está torcendo pelo casal (parece novela mexicana do SBT em versão LGBT isso), até que essa conversa muito esquisita rendeu um bom fruto, pois Culber foi procurar a Almirante cara de empada Cornwell depois e ela, como terapeuta, falou em síntese para o rapaz que ele deve fazer suas escolhas e ter coragem de trilhar seus caminhos. E, ainda, cá para nós, como foi bom ver Phillipa mandar a Tilly calar a boca. Agora, foi de uma deselegância extrema e agressiva dizer que Stamets precisava de um remedinho. Também pudera, ela é do Universo Espelho. Mas não deixou de ser surreal.
Saru e Leland trabalham juntos no projeto de aprisionamento do anjo. Leland não gosta da presença de Saru (sente que está sendo vigiado a mando de Pike) e Saru diz que sente que Leland está ainda escondendo algo. Nisso, Michael entra, para mais uma vez se meter na conversa de outros dois personagens (como ocorreu no episódio anterior com a Almirante e Spock). Ela pede para falar em particular com Leland e descobre por ele depois de pressioná-lo a dizer tudo que os pais dela fizeram parte do Projeto Dédalo e estavam sob sua coordenação. Para fazer a roupa do anjo viajar no tempo, era necessário roubar um cristal e ir para um lugar com emissão de muita energia (embora os diálogos do episódio não tenham deixado isso muito claro), no caso, próximo a uma explosão de supernova. Os klingons, por negligência de Leland, rastrearam o cristal e mataram os pais de Burnham, que mete dois socos na cara de Leland (um pelo pai e outro pela mãe) e ainda desconta sua raiva em Tyler por ele ser da Seção 31. Ou seja, Burnham age mais uma vez como uma menina meio mimada. O que me impressiona aqui nessa sequência são duas coisas. Em primeiro lugar, parece que Leland está nessa série para ser sacaneado o tempo todo. Arrumaram um ator com cara de mau para personificar a vilania da Seção 31 e ele é esculhambado a toda hora, seja por Phillipa, seja por Burnham. Fica meio esquisito. E a segunda coisa: a série parece não ter um consultor científico, pois uma explosão de supernova não é brincadeira. É algo equivalente a explosão de um setilhão de bombas atômicas. Para se ter uma ideia da violência da coisa, se a gigante vermelha Betelgeuse, que está a quinhentos anos-luz da Terra lá na constelação de Órion (perto das Três Marias, que fazem o cinturão de Órion) explodisse numa supernova, a radiação emitida por ela acabaria com a vida aqui na Terra. E aí, você vai lá perto da supernova na iminência de uma explosão para assisti-la? Se não há consultor científico aqui, pelo menos que se fizesse uma pesquisa no Google para se saber o que é realmente uma supernova.
Um momento bom do episódio foi a conversa a sós entre Spock e Burnham. Ela descia a porrada no boneco de luta da Academia da Discovery e Spock entra dizendo que compreende sua reação de raiva, pois perdeu uma amiga, que ela é o Anjo Vermelho, e ainda descobriu que perdeu os pais por negligência de Leland. Burnham admite que sempre se culpa sobre as coisas, corroborando o que Spock disse sobre ela (ainda há salvação para a personagem!) e a moça pede desculpas. Spock, compreensivo, diz que ela era uma criança e aceita suas desculpas. Burnham respira aliviada. Ela agradece a ajuda imprevisível de Spock que disse que também não previu essa conversa mas que gostou de tê-la. Na minha modestíssima opinião, esse reconhecimento de Burnham de que ela não pode abraçar o mundo com as pernas e assumir a responsabilidade de tudo a todo o tempo é algo que pode tornar o personagem bem mais agradável para a audiência nos próximos episódios talvez da temporada do ano que vem, indo no passo certo de uma humanização maior de Michael, que agora reconhece seus defeitos.
Uma coisa muito louca no episódio foi a estratégia de aprisionamento do anjo, envolvendo Burnham. Spock conclui que Burnham é a variável do anjo e que ela não pode morrer senão o anjo do futuro não existe (um clássico paradoxo temporal). Assim, para o anjo aparecer, Michael tem que estar em risco de vida. Eles vão para um planeta que tem muita energia para a armadilha do anjo funcionar (Essof IV). Como a atmosfera de lá é irrespirável, Michael ficará sob essas condições para sufocar e o anjo aparecer para salvá-la, quando ele será aprisionado. Ou seja, Michael é a isca. Todas essas coisas conspiram contra o episódio, pois só servem para inflar o ego da Burnham. Mas, vamos lá. Há um momento romântico Tyler-Burnham. Ela vai a Tyler dizer que foi injusta com ele e que não queria que a briga com ele fosse a última conversa entre os dois. Ele a conforta dizendo que tudo vai dar certo e os dois dão um beijo apaixonaaado. Ela chora dizendo que está com medo e ele também está. Apesar desse romance entre os dois estar muito capenga, essa aproximação valeu porque ela implicitamente pediu desculpas pela grosseria e mostrou alguma consideração pelo cara que amou e parece voltar a amar. Interação entre Burnham e os personagens havendo uma troca (mesmo que seja com o Tyler) é o que pode salvá-la na série.
Michael entra na armadilha. A atmosfera tóxica do planeta entra no receptáculo e ela começa a gritar que nem uma doida (um “overacting” muito desnecessário). E nada do anjo aparecer. As pessoas tentam salvar a moça. Michael diz “variável”, ou seja, ela quer que a missão vá adiante e Spock detém todas as tentativas de salvá-la com uma arma. O negócio é deixar ela morrer, segundo Spock, pois somente assim o anjo virá.
Michael morre. O anjo aparece e ressuscita Michael (milagrosamente) mas é aprisionado. Enquanto isso, Leland olha por um instrumento e recebe uma agulhada no olho (indício de que a tecnologia do futuro pode deixar esse personagem finalmente mau como ele merece). E aí, o episódio termina com a constatação de que o anjo é a mãe da Michael!!! Agora posso falar esse spoiler, quase uma semana depois da estreia do episódio…
Pois é, temos um episódio meio enrolado aqui. Um problema é mais uma informação nova que precisa ser amarrada lá na frente, ou seja, o aparecimento da mãe biológica de Michael. Discovery peca pelo excesso e pela omissão. Há episódios em que não vemos um avanço da história. Em contrapartida, há episódios que vomitam tanta informação nova que a gente até se perde. Eu mesmo uso muito a tecla de voltar do meu controle remoto para entender o que aqueles personagens dizem, dado o volume de informação. Essa descontinuidade de um roteiro para outro acaba cansando um pouco. Outra coisa que irrita são alguns diálogos que são de um constrangimento e tristeza enormes. Os roteiristas precisam imediatamente rever como constroem as falas dos personagens. Eu sinto vergonha de presenciar alguns diálogos daqueles. A ideia de aprisionamento do anjo também foi algo um tanto perturbador, pois me pareceu muito agressivo para os supostos ideais da Federação (se é que eles existem nessa série, onde até a hierarquia militar é jogada no lixo). Esse também foi um episódio que trilhou o caminho perigoso de superexaltar Burnham, algo que definitivamente não é necessário aqui. Essa coisa dela ser o anjo a maioria do episódio massageou demais o ego da moça, que agiu com muita empáfia em alguns momentos, bem ao estilo da menina mimadinha. Pelo menos, a conversa entre Michael e Spock onde ela reconhece seus defeitos e limitações foi algo altamente produtivo no sentido de recuperar e humanizar a personagem. Aproveitando o gancho dos pontos positivos, parece que surgiu uma luz no fim do túnel para Culber e Stamets, esse sim um romance que dá para torcer, ao contrário da xaropada entre Burnham e Tyler. O fato de o anjo, ao fim das contas não ser Bunrham também foi outro ponto positivo, pois sai da armadilha do óbvio, em que a série caiu muito na temporada passada.
Assim, “Anjo Vermelho” não foi lá essa maravilha de episódio, mas pelo menos teve poucos pontos positivos. Esperemos o que vem por aí, agora que já chegamos na reta final da série, com um monte de coisas para se amarrar.