Quando soube do filme “A Prece”, achei que ele seria um saco, já que o plot era sobre um rapaz viciado em heroína que ia para uma espécie de clínica de reabilitação onde os jovens trabalhavam duro e entoavam cânticos religiosos o tempo todo. Já ia desistindo do filme, ao ler a reportagem sobre ele no O Globo, quando descobri que Hanna Schygulla apareceria no filme, mesmo que por uns poucos momentos. Foi o suficiente para ir assisti-lo. Típico caso em que a gente vai ao cinema para ver o ator ou atriz que a gente gosta, seja o que for que ele ou ela façam no filme.
Bom, o filme, dirigido pelo ator Cédric Kahn, era mais ou menos o que eu pensava mesmo, ou seja, um caminhão de clichês. O protagonista, Thomas (interpretado por Anthony Bajon), viciado em heroína, chega à fazenda, recebe as instruções de que a disciplina para recuperação será rígida, vai tentar dar uma escapadinha com um cigarro, vai dar um chilique e fugir ao ser solicitado a pedir desculpas, se apaixona por uma mocinha de uma vila próxima que o convence a voltar ao centro, torna-se o paciente exemplar, mas ainda sem Deus no coração, tem a revelação quando passa por um sufoco e quer ser padre.
Mais clichê, impossível. E tome Ave Maria para cá e para lá, para sacramentar a crença dos fiéis. Então, por que ver esse filme? É que, em alguns momentos, a coisa sai do clichê, seja nas piadas com Jesus Cristo, seja no final do filme, onde um pequeno plot twist acaba mexendo mais uma vez com nosso personagem protagonista. Muito pouco, é verdade, em face dos volumosos cânticos religiosos que permeiam boa parte do filme. Mas eu fui ao cinema para, acima de tudo, ver Schygulla que, mesmo envelhecida pelo tempo (ela já está na casa dos seus 74 anos), ainda mostra aquele sorriso doce e irresistível, coroado pelo azul piscina de seus lindos olhos.
Eu tive a oportunidade de cortejar (e babar muito) a atriz quando ela esteve no Festival do Rio de 2003. Naquela oportunidade, ela musicou um filme de Louise Brooks com um piano, algumas cordas e sua voz, e quase fui fulminado pelo azul dos olhos dela, que tanto vi como luzes numa tela. Eu, que tanto admirei aqueles olhos, naquele fugaz momento de 2003 acontecia o contrário: eram aqueles olhos que me viam. Confesso que um frio elétrico percorreu meu corpo inteiro naquele momento.
Mas, findo o parênteses do fã histérico e voltando ao filme, Schygulla interpretou a irmã Myriam, que se tornou uma espécie de mentora relâmpago de Thomas, agindo de forma doce e, simultaneamente, muito severa, alertando-o para o fato de sua fé não ser totalmente sincera, depois que ele não conseguiu discursar para a plateia de dependentes sobre sua história de vida, esse o momento mais bonito do filme, não somente pela contrição de Thomas, mas também pelos depoimentos dos outros dependentes. De qualquer forma, Thomas faria o seu discurso no momento oportuno, o que também foi um momento bem comovente.
Dessa forma, apesar de “A Prece” ser um filme com muitos clichês, ele ainda traz alguns atrativos para o público, como um pequeno plot twist, mas também pela presença etérea de Hanna Schygulla, a eterna Lili Marlene e Maria Braun. Vale a pena dar uma conferida e adorar um pouco uma atriz que é uma verdadeira instituição cultural do pós-guerra.