Dedé Santana fez muito sucesso como trapalhão e não sai de nossos corações. Agora, do alto de seus 83 anos, tivemos a grande oportunidade de vê-lo no teatro na peça “Palhaços”. E podemos dizer que esse foi um grande presente que só serviu para ratificar a sua já consagrada carreira, pois vemos aqui o humorista desempenhando um papel bem mais complexo que o visto ao lado dos Trapalhões.
Lá a gente testemunhava um espetáculo circense de palhaços que não pintavam o rosto (essa é uma definição muito antiga que foi dada aos Trapalhões) onde Dedé tinha a tarefa específica e difícil de ser a eterna escada do Didi. Em “Palhaços”, além de Dedé ser o protagonista e ter a sua própria escada, o ator Fioravante Almeida, ele tem a tarefa mais complexa de interpretar um personagem que tem o seu grau de humor, mas também com um conteúdo dramático bem intenso, onde podemos tanto nos compadecer com seu personagem como também sentir uma certa aversão por ele, talvez até raiva, em virtude de sua dureza com relação a sua escada.
O plot da peça é bem simples. O palhaço Careta (interpretado por Dedé) descansa entre um número e outro e encontra um rapaz escondido no seu “camarim” (interpretado por Almeida) chamado Benvindo, um vendedor de sapatos. O rapaz fala de toda a sua fascinação pela carreira de artista e Careta começa a perguntar sobre a vida de Benvindo, que é muito simplória e trivial. A peça então toma um rumo um tanto ácido, humorado e existencial, onde os dois personagens avaliam suas vidas. Careta é cruel com as questões existenciais de Benvindo, onde uma relação de amor e ódio acaba se estabelecendo entre os dois.
O que podemos falar de Dedé? Sua interpretação como ator dramático só não é surpreendente pois já sabemos como ele é um excelente ator. Mas ainda assim, vê-lo fazendo um papel dramático chama demais a atenção. Dedé é cativante, envolvente, prende totalmente nossa atenção, despertando em nós sentimentos muito contraditórios pelo grau de afeto e dureza de seu personagem.
Outro elemento que chamou muito a atenção e tornou esse espetáculo todo especial é que o querido trapalhão improvisou, e muito, despertando risadas espontâneas do próprio Dedé e ainda uma pequena observação durante o transcorrer da própria peça: “Hoje, o diretor me mata!”, o que despertou risos gerais da plateia. Ou seja, o homem foi um show total. Já Fioravante Almeida se mostrou um grande talento fazendo o ingênuo Benvindo, além de ser a escada perfeita para Dedé. Seu personagem também tinha uma gama extensa de sentimentos, que iam da esperança, alegria, medo, desesperança, raiva. E Careta tripudiando impiedosamente dos sentimentos de Benvindo, levando a coisa à beira do tragicômico.
Assim, “Palhaços” foi um grande espetáculo que passou pelo Teatro Clara Nunes. Tivemos a oportunidade de ver o querido trapalhão num papel mais dramático que humorístico, mostrando todo o talento desse ícone de nossa cultura. Um ícone nascido num circo bem pobre, como o próprio Dedé fez questão de enfatizar ao final do espetáculo. E este escriba se deu ao direito da tietagem explícita e sentou na primeira fila somente para presentear Dedé com um vasinho de flores, assim como Fioravante Almeida, que muito se emocionou com o pequeno mimo e ainda falou em pleno palco que é hábito da plateia russa dar plantas para os atores. Só é pena que a peça já tenha saído de cartaz. Mas fica aqui o registro.