E finalmente chegamos ao último episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Alguns acharam “Doce Tristeza Parte 2” um desfecho magistral. Outros acharam que ficou a desejar. Confesso que a impressão que tive desse episódio foi a mesma dos episódios recentes de Discovery, ou seja, despertou sentimentos contraditórios e não foi um dos melhores da temporada (os melhores estavam lá mais para o início). Vamos tentar conversar um pouco sobre esse desfecho da temporada.
Retomando o plot do episódio anterior, a batalha entre Discovery e Enterprise com as trinta naves da Seção 31 está prestes a começar. Aí um detalhe já chama a atenção: a quantidade estúpida de naves auxiliares e caças (hein?) que saem de dentro das duas naves protagonistas. Não parece que elas possam comportar tantas naves assim. Da mesma forma que, quando vemos o elevador da Discovery circulando pela nave, ela parece ser muito maior que é. Essas inconsistências podem até não afetar muito o produto final mas incomodam. Enquanto isso, na Discovery, o traje é montado e a grande maioria dos tripulantes mostram a sua grosseria habitual que incomoda bastante. Nunca podemos nos esquecer que estamos num meio militar e há a necessidade de respeito a uma hierarquia, sem espaço para forinhas. É incrível como as pessoas se destratavam em pleno ambiente de batalha, mostrando que a tripulação não estava totalmente focada em seu trabalho. As duas naves poderiam, muito bem, ter explodido por causa disso. Alguns diriam que tal situação pode até ser compreendida, pois todos estavam sob um forte estresse, etc. Tudo bem. Ainda assim, é necessário um mínimo de autocontrole numa situação extrema dessas e os tripulantes pareciam mais preocupados em deflorar seus repertórios de mimimis.
As trinta naves da Seção 31 com o Leland borguificado (desculpem, mas não resisto à zoação) chegam e mostram que também têm um milhão de navezinhas para o combate. Algumas pessoas assinalaram, com muita propriedade, que essas navezinhas todas são inspiradas nas navezinhas que destruíram a Enterprise no filme três do Abramsverso. Parece ser por aí mesmo, até para deixar os efeitos especiais mais espetaculares, que realmente foram muito bons para uma batalha que durou praticamente o episódio inteiro.
Ao transferirem o traje do Anjo já pronto para a baia de lançamento, há uma explosão que fere Stamets seriamente. Vemos claramente que isso é para levar o personagem mais albino (natural) de Jornada nas Estrelas aos cuidados de Culber, que diz que quer reatar (que fofo, eu estava torcendo por isso!!! Tivemos um bom desfecho de temporada aqui). O curioso foi ver a falta de ação, num breve momento, tanto de Michael quanto de Tilly, ao ver Stamets seriamente ferido. Mais um indício de falta de preparo em situações extremas. As duas passando pelo teste do Kobayashi Maru seria um desastre total.
Finalmente o traje chega a baia de lançamento. Spock vai acompanhar Burnham numa nave auxiliar, orientando seu voo para uma área mais segura, distante da batalha. Enquanto isso, Leland invade a ponte da Discovery e começa a atirar, como acontecido na visão de Michael. Mas agora a tripulação consegue se esquivar, com alguns tripulantes só ficando feridos e não morrendo ninguém. Leland se tranca em outro compartimento para procurar os dados da esfera. Spock e Michael pousam numa carcaça de nave destruída. Mas Michael não consegue programar o Anjo para ir para o futuro. Já a Enterprise sofre, como na visão de Michael, um ataque de um torpedo fotônico, que fica preso no casco do disco sem explodir, embora a explosão em quinze minutos seja inevitável, o que provocaria a destruição total da nave. Nessa hora, Pike manda para a parte de fora do disco uns robozinhos para fazer reparos (seriam astromecs de Guerra nas Estrelas?).
Um detalhe interessante aqui é que, na hora em que parecia que a Enterprise e a Discovery seriam derrotadas, caças ba’uls apareceram sob o comando de Siranna, irmã de Saru (será que os malignos kelpianos dominaram os inocentes ba’uls? Tome violação da Primeira Diretriz!) assim como os klingons mandaram reforços, com direito a dois D7s produzidos em tempo recorde (os klingons devem ter aprendido a produzir armamentos assim tão rápido com os russos da Segunda Guerra Mundial, onde uma fábrica de tanques na Sibéria produzia dois mil tanques por mês). É aí podemos ver Tyler e L’Rell falando finalmente um bom idioma klingon, numa prova de que há fonoaudiólogos no Império (qa’plá!), embora L’Rell ainda pareça estar com um chumaço de algodão na boca (ela, como chanceler, deve ser uma pessoa muito ocupada e deve ter faltado a algumas sessões de fonoaudiologia).
Spock, ao ver os reforços, pensa um pouquinho com seus botões e conclui que os cinco sinais apareceram para que tudo fosse encaminhado para aquele momento da batalha. Ou seja, Michael não conseguia ir para o futuro, pois eles estavam presos num loop temporal. Então Michael deveria ir para o passado, em cada evento dos cinco sinais, para voltar ao momento da presente batalha e “destravar” a viagem para o futuro. Ou seja, uma lógica um pouco sem conexão, mas que justificaria as aparições do Anjo no passado. E aqui, podemos ver que Discovery caiu novamente no que já pahrecia óbvio: Michael é o Anjo, assim como Tyler era klingon na primeira temporada e todo mundo já sabia. A coisa da mãe como Anjo acabou mesmo sendo algo para despistar.
Georgiou e a oficial de segurança Nham (pois é, esse é o nome dela na versão legendada, ela até faz uma piada com isso) conseguem alcançar Leland e partem para uma porradaria geral com direito a dois red shirts (não tão reds assim) que aparecem do nada e morrem numa despressurização (eu juro que voltei a cena várias vezes e até agora não vi de onde eles apareceram para morrer; se alguém aí souber, me avise por favor). Leland é atraído para a Câmara de esporos (os dados estariam escondidos na Seção do motor de esporos) e é trancado lá. Georgiou magnetiza a Câmara e as nanossondas saem de Leland, matando-o, sob o olhar sádico de Georgiou.
Enquanto isso, a Almirante Cornwell tenta desarmar o torpedo incrustado na Enterprise, sem sucesso. Ela vê dentro da sala onde está o torpedo um mecanismo para fechar uma porta de segurança e isolar o torpedo do resto da nave, mas que pode somente ser fechado por dentro. Cornwell então decide se sacrificar e sela a porta, explodindo com torpedo e tudo. Agora, só me explica uma coisa. O torpedo tinha força para destruir quatro deques. E aí uma portinha segura uma explosão desse naipe, a ponto de Pike assistir Cornwell ser incinerada pelo vidro e do outro lado da porta? E ainda: numa moderna nave estelar, a capitânia da Frota, a mais importante, não há um mecanismo computadorizado que tranque a porta por fora? São em detalhes como esse que Discovery peca, e muito.
Michael viaja para o passado, indo ao local dos cinco sinais. De volta ao campo de batalha, Michael diz ao capitão Saru que enviará um sexto sinal para orientar a Discovery na viagem para o futuro. Spock não consegue fazer sua nave auxiliar decolar (ela ficou danificada com um tiro) e ele não vai poder acompanhar Michael. Começa então todo um dramalhão onde Spock diz que foi salvo pela Michael (como era de se esperar numa série dessas), etc., etc., além de receber um conselho da Michael de interagir com a pessoa que mais fosse diferente dele (é o Kirk, não é?). Ele termina dizendo “eu te amo” para a irmã. Ou seja, Discovery sendo Discovery como novela mexicana. Spock diz ainda que queria ter certeza da segurança de Michael e ela retruca que ele terá certeza disso, pois ela lhe enviará um sétimo sinal. Spock é teletransportado para a Enterprise. Aí fica a pergunta: a nave abaixou os escudos sob fogo cerrado, ou a batalha já acabava depois da morte do Leland? E outra pergunta ainda mais perturbadora: se Leland está morto e o Controle derrotado, por que cargas d’água a Discovery ainda precisa ir para o futuro com a Michael, até porque a nave só está com parte dos dados da esfera e o Controle, mesmo que volte, não terá acesso integral aos dados? E mais, como um controle quer ser sensciente com os dados da esfera se ele já está atrás dos dados? O fato dele já estar atrás dos dados não seria a comprovação de que ele já é sensciente? Loops de furos de roteiro aqui. De qualquer forma, a protagonista voa em direção ao futuro e com Discovery a reboque. Todos desaparecem, ficando só a Enterprise, os caças ba’uls e as naves klingons, juntamente com um monte de escombros.
Há um interrogatório sobre o que aconteceu. O interrogador, onde vemos somente algumas partes do rosto (ficou um gosto de mistério aqui) faz as perguntas, não sem receber algumas respostas muito malcriadas que bem poderiam render uma corte marcial. Mas o que ficou marcante nessa sequência foi que se atestou a necessidade de uma reformulação completa da Seção 31, precisando ficar mais transparente, com essa tarefa de reformulação sendo atribuída a Tyler. Foi dito também que o Controle foi totalmente eliminado. Mas o que mais chamou a atenção é o que foi mais intrigante foi a recomendação de Spock (prontamente atendida pelo Comando da Frota) de tornar a Discovery, sua tripulação e o motor de esporos um assunto altamente confidencial, com a sua divulgação sob pena de traição. Além disso, viagens no tempo não devem ser feitas. Peraí, deixa ver se eu entendi direito: a série Discovery renega a própria Discovery para salvar um Canon que a série insistia em desrespeitar e encaixar coisas que não encaixavam? Confesso que fiquei um pouco pasmo com isso. É como se fosse um atestado de incompetência assinado pelos próprios roteiristas: “pois é, tentamos fazer uma série que se encaixasse com o Canon mas não conseguimos. Assim, jogamos a Discovery para bem longe no futuro e começamos tudo de novo”. Esse foi mesmo o fim SENSACIONAL que alardeiam por aí? E, para botar a pá de cal em tudo, temos ao final derradeiro a Enterprise de Pike, o Spock de uniforme e barbeado, com a tripulação da Enterprise começando uma nova missão, a despeito do sétimo sinal enviado por Michael para o irmão que somente irá analisá-lo. Todos sabemos que muita gente quer uma série Pike-Spock na Enterprise. Não sei se isso irá acontecer. Mas o que perturba aqui foi como a Discovery foi tão colocada de lado no final. Eu diria desprezada, até, como se fosse um empecilho. E isso em sua própria série. Muito doido isso. Uma prova de que os roteiristas e os vários showrunners (um péssimo sinal essa quantidade enorme de showrunners, diga- se de passagem) não sabem muito bem o que estão fazendo. Cá para nós: não é fácil escrever Jornada nas Estrelas. Cinquenta anos de série e um Canon muito grande, cheio de furos inclusive, são um obstáculo para uma coerência com o que já se viu. Talvez os fãs mais novos nem se importem tanto com o Canon assim e vejam somente a série como um produto de entretenimento, tudo bem. Mas há fãs que se divertem com as referências colocadas de modo inteligente e sutil, não tão jogadas na cara. E tais referências se encaixando direitinho com o já visto no passado. E isso requer um estudo meticuloso da franquia antes que se escreva qualquer coisa. Parece que em Discovery ficou provado que esse dever de casa não foi feito além do agravante de não haver um consultor científico, com tecnobabbles muito forçadas e confusas, sendo explicadas com comparações muito simplórias e pífias.
Outro problema foi a forma forçada e desajeitada de inserir temas de ordem mais política e de inclusão social. Jornada nas Estrelas sempre fez isso com sutileza e maestria, o que não aconteceu aqui. O empoderamento feminino foi colocado de forma tão forçada que datou muito a série (lembrem -se que estamos no século 23 e não há mais espaço para machos alfa, essas questões já deveriam ter sido resolvidas, mesmo que tenhamos um Kirk todo serelepe em sua macheza). Mais ainda, bife vegano numa época de sintetizador de alimentos??? Ou uma pessoa andando de cadeira de rodas num século onde ela já poderia estar andando pelo menos num exoesqueleto? Muito complicada essa forma atabalhoada de se mostrar inclusão e respeito à diferença na série. Forma essa que atingiu também a personagem principal, Michael Burnham. Uma excelente ideia a princípio que foi mal desenvolvida (esse é o problema crônico de Discovery a meu ver, boas ideias mal desenvolvidas). O protagonismo excessivo dado a personagem a torna antipática ao invés de atraente. Ela é tão perfeita e fodona que não há uma chance dela interagir com os demais personagens de igual para igual, desenvolvendo uma relação humana e de companheirismo mais aprofundada, uma coisa que a gente gosta tanto de ver em Jornada nas Estrelas. E, quando essa relação finalmente acontecia, era acompanhada de um melodrama que beirava o insuportável. Sacanagem com Sonequa Martin Green e com Michael Burnham. Sacanagem também com Mary Wiseman e Tilly, outra boa ideia de personagem, que recebeu o presente de grego dos roteiristas de falas completamente imbecis e sem sentido. Era constrangedor e emputecedor ver Wiseman e Tilly falando todas aquelas asneiras. Onde esses roteiristas estavam com a cabeça? Constrangedor também foi ver a falta de respeito com a hierarquia militar. Não que eu seja um militarista, muito longe disso, até. Mas Jornada nas Estrelas sempre primou por uma hierarquia militar respeitosa, onde até o superior respeitava o oficial inferior (“Senhor Sulu, Senhor Chekov”, lembram?) e agora vemos um monte de oficiais seniores se tratando como alunos mal educados em uma sala de aula. Jornada Nas Estrelas passa longe disso.
Pelo menos a segunda temporada foi melhor que a primeira. Os episódios de Terralísio e de Kaminar foram muito bons, bem ao estilo de Jornada nas Estrelas. As referências a Talos IV e à tragédia pessoal de Pike também foram muito bem vindas.
Resta agora especular o que vem por aí. Série do Pike? Gostaria muito, mas não há nada certo. Série da Seção 31? Pelo amor de Deus não. E a terceira temporada de Discovery, a única coisa certa aqui? Bom, Michael enviou o sinal para Spock, a Discovery provavelmente está em Terralísio (51 mil anos-luz no quadrante beta, era onde o sinal estava ao fim do episódio) e tripulação da nave deve estar a procura da mãe de Michael. No mais, eles tentariam voltar para o século 23, mesmo descumprindo o sigilo total? E a Discovery abandonada no futuro que vimos no Short Trek? Como ela se encaixa com tudo isso? Como se pode ver, há pano para a manga para se desenvolver. O medo é o que esses roteiristas toscos e descuidados de Discovery irão fazer. Mais uma vez boas ideias. Continuarão elas sendo mal desenvolvidas? Respostas na terceira temporada, no ano que vem.