Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 11) Infinito Perpétuo. Escuta A Mamãe!!!

Mãe e filha… iguaizinhas…

E entramos na reta final de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Com esse episódio aqui analisado, faltam apenas mais quatro para tudo ser fechado. E, quais são as expectativas? Pela quantidade de pontas soltas que ainda existem a essa altura, confesso que estou um pouco receoso de que a coisa não se dê muito bem ao final. De qualquer forma, espero que minha língua seja queimada. Mas esse foi um episódio um tanto mediano, que ajudou a desenvolver um pouco mais a história, e nos deu a certeza de uma coisa: Michael Burnham tem a quem puxar, pois sua mãe, Gabriele Burnham, também é um bocado teimosa.

Vamos ao plot. Michael tem um pesadelo, onde vê sua mãe e seu pai no dia da explosão da supernova. As imprecisões científicas já começam aí mesmo. Além de já ter sido mencionado na resenha anterior que observar uma supernova de perto é algo praticamente impossível, devido a estúpida energia que é liberada, ainda vimos o pai dando uns dados que corroboram essa impossibilidade (uma supernova libera a mesma energia que o Sol libera em dez bilhões de anos) e a jovem Burnham olhando o fenômeno por uma luneta sem qualquer filtro. Só isso já começou a pegar mal para um episódio que diz ser de ficção científica. Porém, parece que não há muita preocupação por parte dos roteiristas com essas imprecisões que todas as séries anteriores de Jornada nas Estrelas tinham em se esquivar um pouco. Bem, voltemos. Os klingons aparecem e Michael acorda com aquelas aspiradas fundas e exageradas pela boca. Ela está na enfermaria e recebe a informação de que a sua mãe é o anjo e está sob segurança, mas inconsciente. Spock diz que o traje do anjo tem um diário e Michael ficará com a tarefa de analisar os dados desse diário. Na Seção 31, Leland fala com o controle, que se manifesta em holografias que “trocam” de pessoas. O controle escolhe Leland por seu caráter e injeta no homem da Seção 31 um monte do que parecem ser nanossondas (borg?). Enquanto isso, Michael vê os diários da mãe e obteve a informação de que ela avançou 950 anos no futuro para fugir dos klingons e, por mais que ela tente voltar, sempre retorna a 950 anos no futuro, onde toda a vida na galáxia já foi destruída. Isso acontece, pois o campo de contenção mantém a mãe de Michael mas o universo, pela terceira lei de Newton (temporal?) a puxa de volta aos 950 anos a frente. É necessária mais energia gravitacional para segurar a mãe da Michael e, em uma hora, o Universo “vence” o cabo de guerra. Tudo bem até aí, mas fica a pergunta: a terceira lei de Newton não ocorre instantaneamente? Se joga numa parede para não perceber como você quica e volta na hora…

Tiroteios e tiroteios…

Leland, já possuído pelo controle, diz que a mãe de Michael morreu e não sabe quem estaria ali como mãe dela. Leland pede a Tyler que pegue os dados da esfera para protegê-los na Seção 31. Ou seja, o controle começa a mexer seus pauzinhos com Leland para obter os dados. Analisando os diários, Michael vê sua mãe dizendo que o controle pegou os dados da esfera e ela precisa alterar o passado, colocando a esfera no caminho da Discovery para ver se esta protege os dados da esfera. Quando a mãe de Michael é acordada, ela só quer falar com o capitão. Burnham dá um ataque de pelanca muito infantil, mesmo dizendo que não está tomando uma atitude infantil. Culber, Pike e Spock acham melhor que Burnham ainda não tenha contato com a mãe. Mesmo assim, ela insiste… A mãe de Michael fala a Pike que, enquanto o controle tiver acesso aos dados da esfera, o perigo é iminente. E ela precisa continuar a fazer o trabalho dela de viajar no tempo para buscar evitar isso, ao invés de ficar presa. Ela diz, também, que não sabe nada sobre os sinais. Gabriele (a mãe de Michael) fala para apagar os dados da esfera para o controle não acessá-los e ela quer ser solta. Pike diz que não pode fazer isso e Gabriele diz que todos eles são fantasmas para ela, pois já os viu morrerem centenas de vezes. Gabriele diz que não tem conversa enquanto eles não fizerem exatamente o que ela diz. Apesar dela estar igualzinha a Michael aqui, eu me pergunto: por que não fazem o que ela pede e destroem os dados da esfera de uma vez? A mulher já viu presente, passado e futuro, tentou mil vezes salvar o dia e deve muito bem saber o que está falando. Mas insistem em manter os dados. O que adianta ter esses dados se não vai haver ninguém para ver? Mas o detalhe aqui é que, quando decidiram apagar os dados, estes criaram um dispositivo para se proteger.

Por que não fazem o que a mamãe (ou o anjo) mandou???

Spock vê os diários de Gabriele e escuta dela que ele pode ser o único a ajudá-la, em função de sua lógica e emoção, que dão a ele a capacidade de compreender a existência de Gabriele, assim como a dislexia faz ele superar os efeitos da displasia atemporal (ou seja, uma tecnobabble exagerada para justificar a dislexia do Spock). Spock ainda reconhece que Michael precisa falar com a mãe, pois precisa de respostas às suas perguntas (aff). Michael finalmente convence Pike a falar com a sua mãe mas ela não quer falar com a filha e perguntou se os arquivos da esfera foram destruídos. Michael disse que não conseguiram. A mãe falou que sabia que isso ia acontecer (e aí entra outra questão: por que a mãe não disse para Pike que sabia que os dados desenvolveriam uma resistência a tentativa de serem apagados, pois ela vem do futuro e já deve ter tentado isso?). Gabriele insiste em ser solta, Michael insiste em ela ficar para fazer as tais perguntas. As duas são muito teimosas uma com a outra (como dito acima, duas Michaels, credo!). A mãe diz que se desapegou da filha, pois já a viu morrer centenas de vezes e ainda verá muitas outras. Já a tripulação da Discovery tem a brilhante ideia de mandar os dados da esfera para o futuro, contrariando a mãe de Michael… para que isso??? Parece até implicância com Gabriele. Senão vejamos: eles ainda querem manter a mãe de Burnham no presente deles, impedindo-a de defender os dados no futuro, mas precisam de uma energia equivalente a de uma supernova, que também se encontra na matéria escura que possuem (hein???). Ou seja, além de fazerem o contrário de tudo que Gabriele quer, ainda me metem essa tecnobabble altamente cretina de que matéria escura gera tanta energia quanto uma supernova. Eu sei que a ciência de Discovery é muito falha, mas nesse episódio eles estão se superando. E o Spock ainda tem a cara de pau de dizer que gosta de ciência.

O Controle, no corpo de Leland, tirando a maior onda…

Leland convence a imperatriz de se livrar da mãe de Michael, pois ela viaja no tempo e é muito onipotente, e que é um risco mandar as informações da esfera para um futuro e torcer para que elas não sejam achadas (ele tem uma certa razão, esse plano é horrível). Como Leland ficou sabendo do plano? Pelo Tyler? A gente não vê a informação do plano chegando à Seção 31 (descontinuidade de roteiro?). A imperatriz vai colocar uma espécie de pendrive todo luminoso no traje que vai transferir os dados para a Seção 31 e se autodestruirá, levando tudo a sua volta (traje, mãe, etc.). Quando Philippa está com Gabriele, esta diz para Philippa cuidar da moça e diz ainda que não pode fazer isso pois, para o controle, ela é um risco para uma missão maior (foi o mesmo que Leland falou de Gabriele para Philippa, o que despertou nessa última uma desconfiança com relação a Leland). Philippa colocou os dados para transferir mas diz a Tyler que suspeita de Leland.

A mãe de Michael, obviamente, não concorda com o plano dos dados ficarem desprotegidos no futuro. Tyler e Philippa, então, bloqueiam a transferência de dados. Quando Tyler vai investigar Leland, o descobre cheio de implantes cibernéticos na cara (borg?). Começa, então, a pancadaria da cena de ação. Tyler é ferido mas se comunica com a Discovery e fala de Leland, que se transporta para onde a mãe de Michael está e começa um tiroteio. Os dados voltam a ser transferidos por Leland. Philippa luta caratê com ele. O plano de manter Gabriele vai por água abaixo e os dados precisam ser transferidos para o futuro, junto com a mãe da Michael. O campo de contenção tem que ser destruído, não sem uma birrinha de Michael antes. Mãe e traje voltam para o futuro. Os tripulantes da Discovery são teletransportados e o lugar é destruído com torpedos fotônicos, com Leland junto. Mas parece que ele fugiu. Tyler, por sua vez, foge da Seção 31 em um modulo de fuga. Spock diz a Michael que Leland ficou com 54% dos dados. Michael diz que eles não têm traje, nem cristal, nada para prosseguir. Spock diz que eles têm o agora, a lógica e o instinto, na verdade uma desculpa para lá de esfarrapada para dar um quê mais literário-filosófico para o fim do episódio. E a convida para jogar o bom e velho xadrez tridimensional para buscar a solução para os problemas vindouros.

O que esse episódio teve de bom? Na verdade, não muito. Ele deixa mais uma ponta solta, que é mais um objetivo para a nave: transferir o resto dos dados da esfera para o futuro. Mas é necessário arrumar mais um cristal do tempo para isso. Ainda, agora precisam também trazer a mãe da Michael de volta. Nesse sentido, o episódio deu um direcionamento para o que a gente vai ver daqui para a frente, levando a mais um avanço na trama principal da série. No mais, muita tecnobabble absurda, principalmente com supernovas, mais chiliques da Michael, agora em dose dupla pois a mãe dela é igualzinha e uma teimosia irracional da tripulação da Discovery em manter os dados da esfera. Por que simplesmente não fazem o que a Gabriele sugeriu com tanta veemência? Ela é o Anjo Vermelho, caramba! O mistério a ser desvendado na série. Agora que o Anjo se revela, simplesmente descartam o que ele diz que tem que fazer? Muito estranho isso…

Leland… um borgão???

Agora, cá para nós, a sugestão que tem sido ventilada por aí de que o controle pode ter alguma ligação com os borgs (o episódio deixa evidências com relação a isso) só vai introduzir mais papagaiadas desnecessárias e buscar ainda mais problemas com o cânone original. Sinceramente eu não prefiro que isso aconteça. Mas como em Discovery tudo é possível… pelo menos, espero que os roteiristas tenham a nobreza de reconhecer que estamos em outra linha temporal para que o cânone não seja ainda mais maltratado.

Acabei de ver o décimo-segundo episódio “No Vale das Sombras”. A princípio, foi muito melhor que este aqui. Mas sem spoilers no momento. Fica para a próxima resenha. Até mais!

https://www.youtube.com/watch?v=Nb5UMSWLr8E

Batata Movies – A Prece. Para Heroína, Schygulla E Ave Maria.

Cartaz do Filme

Quando soube do filme “A Prece”, achei que ele seria um saco, já que o plot era sobre um rapaz viciado em heroína que ia para uma espécie de clínica de reabilitação onde os jovens trabalhavam duro e entoavam cânticos religiosos o tempo todo. Já ia desistindo do filme, ao ler a reportagem sobre ele no O Globo, quando descobri que Hanna Schygulla apareceria no filme, mesmo que por uns poucos momentos. Foi o suficiente para ir assisti-lo. Típico caso em que a gente vai ao cinema para ver o ator ou atriz que a gente gosta, seja o que for que ele ou ela façam no filme.

Um rapaz atormentado…

Bom, o filme, dirigido pelo ator Cédric Kahn, era mais ou menos o que eu pensava mesmo, ou seja, um caminhão de clichês. O protagonista, Thomas (interpretado por Anthony Bajon), viciado em heroína, chega à fazenda, recebe as instruções de que a disciplina para recuperação será rígida, vai tentar dar uma escapadinha com um cigarro, vai dar um chilique e fugir ao ser solicitado a pedir desculpas, se apaixona por uma mocinha de uma vila próxima que o convence a voltar ao centro, torna-se o paciente exemplar, mas ainda sem Deus no coração, tem a revelação quando passa por um sufoco e quer ser padre.

Uma comunidade de jovens em recuperação…

Mais clichê, impossível. E tome Ave Maria para cá e para lá, para sacramentar a crença dos fiéis. Então, por que ver esse filme? É que, em alguns momentos, a coisa sai do clichê, seja nas piadas com Jesus Cristo, seja no final do filme, onde um pequeno plot twist acaba mexendo mais uma vez com nosso personagem protagonista. Muito pouco, é verdade, em face dos volumosos cânticos religiosos que permeiam boa parte do filme. Mas eu fui ao cinema para, acima de tudo, ver Schygulla que, mesmo envelhecida pelo tempo (ela já está na casa dos seus 74 anos), ainda mostra aquele sorriso doce e irresistível, coroado pelo azul piscina de seus lindos olhos.

Filme algumas vezes foge dos clichês…

Eu tive a oportunidade de cortejar (e babar muito) a atriz quando ela esteve no Festival do Rio de 2003. Naquela oportunidade, ela musicou um filme de Louise Brooks com um piano, algumas cordas e sua voz, e quase fui fulminado pelo azul dos olhos dela, que tanto vi como luzes numa tela. Eu, que tanto admirei aqueles olhos, naquele fugaz momento de 2003 acontecia o contrário: eram aqueles olhos que me viam. Confesso que um frio elétrico percorreu meu corpo inteiro naquele momento.

Buscando um caminho…

Mas, findo o parênteses do fã histérico e voltando ao filme, Schygulla interpretou a irmã Myriam, que se tornou uma espécie de mentora relâmpago de Thomas, agindo de forma doce e, simultaneamente, muito severa, alertando-o para o fato de sua fé não ser totalmente sincera, depois que ele não conseguiu discursar para a plateia de dependentes sobre sua história de vida, esse o momento mais bonito do filme, não somente pela contrição de Thomas, mas também pelos depoimentos dos outros dependentes. De qualquer forma, Thomas faria o seu discurso no momento oportuno, o que também foi um momento bem comovente.

Frau Schygulla, irresistível como sempre…

Dessa forma, apesar de “A Prece” ser um filme com muitos clichês, ele ainda traz alguns atrativos para o público, como um pequeno plot twist, mas também pela presença etérea de Hanna Schygulla, a eterna Lili Marlene e Maria Braun. Vale a pena dar uma conferida e adorar um pouco uma atriz que é uma verdadeira instituição cultural do pós-guerra.

Batata Movies – Um Homem Comum. E Quando Você Se Importa?

Cartaz do Filme

Um filme perturbador, escrito e dirigido por Brad Silberling (o mesmo de “Cidade dos Anjos”). “Um Homem Comum”, estrelado por Ben Kingsley, mostra o quanto o cheiro de sangue da morte de um culpado pode ser inodoro ou, pelo contrário, trazer a marca amarga do arrependimento.

Um general genocida…

Qual é o plot? Estamos na Sérvia pós-guerra dos Bálcãs. Um general acusado por todo o mundo por atrocidades de guerra (interpretado por Kingsley) vive às escondidas para não ter que encarar o tribunal e as penas para os seus crimes contra a humanidade. Desafiando a tudo e a todos, ele anda tranquilamente pelas ruas, para o desespero de seus seguranças e é tratado como herói por algumas pessoas. Ele troca constantemente de endereço e, quando chega a um novo apartamento, ele se depara com uma jovem e linda moça, Tanja (interpretada por Hera Hilmar), que é a empregada doméstica da antiga moradora. O general então irá submetê-la a uma espécie de interrogatório, digamos, peculiar e pede que a moça seja a sua empregada doméstica em tempo integral. Vai começar uma estranha relação onde o temperamento ríspido do general tenta invadir o íntimo da jovem. Mas algumas reviravoltas ainda iriam acontecer nessa história.

Uma empregada de passado nebuloso…

É um filme que te tira da zona de conforto, pois o protagonista, com o qual o espectador deve se envolver, é um genocida de marca maior. Mas isso não impede que ele tenha um passado, mágoas, sofrimentos e frustrações. E, ao se relacionar com uma jovem que teima em esconder o seu passado, a coisa pode ficar turbulenta em algumas vezes. De qualquer forma, o relacionamento e a proximidade desabrocham, sem qualquer espaço para um romance improvável, dadas as circunstâncias como o próprio espectador irá testemunhar. De qualquer forma, o desfecho é extremamente chocante, o que faz desmoronar a montanha de empáfia e dureza do general, imprimindo novamente a máxima de que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”.

Um relacionamento inicialmente difícil…

Esse é um filme de, basicamente, dois atores: Kingsley e Hilmar. É claro que o grande ator é o centro das atenções e a película gira em função dele. E podemos dizer que ele destilou sua competência de sempre, principalmente pelo fato de que podemos ter sentimentos conflitantes para com o personagem: de uma raiva latente pelo seu descaso com as atrocidades que cometeu, passamos pela forma esporadicamente meiga com a qual ele trata a sua personagem, assim como nos compadecemos com suas dores do passado e com seus lampejos de arrependimento por tudo o que fez.

Mas pode haver um entendimento…

A gente percebe que, à medida que a exibição corre, ele sai de um estado de dureza absoluta para uma vulnerabilidade quase que total, constituindo-se num personagem altamente complexo, que somente um ator do naipe de Kingsley poderia fazer. Já Hilmar teve a dificílima missão de contracenar com Kingsley, não comprometendo em sua atuação, mas parecendo mais uma escada para o ator. De qualquer forma, ela teve uma importância fundamental num momento chave do filme, que o spoiler me impede de dizer.

Indo a lugares distantes e proibidos…

Dessa forma, “Um Homem Comum” é um filme que vale a pena a atenção do espectador, pois conta com o grande talento de Ben Kingsley e é uma película perturbadora, que te tira da zona de conforto, pois vemos um personagem odioso se abrindo aos poucos, tornando-se cada vez mais vulnerável com o tempo. Além disso, o filme tem um desfecho forte, daqueles que fazem a gente sair da sala num estado letárgico, perplexo, abobalhado, até, e que expõe toda a fragilidade da vida humana. É recomendado pelo impacto. Nós não ficamos indiferentes ao que vemos.

Batata Movies – O Grande Circo Místico. Um Filme Lúdico E Fofo.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro, que foi o nosso representante no Oscar 2019. “O Grande Circo Místico” é inspirado no disco de 1983, composto por Chico Buarque e Edu Lobo, sendo um ícone de nossa MPB. As músicas são interpretadas por antológicas figuras como Milton Nascimento, Gal Costa, Jane Duboc, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil, Zizi Possi e os próprios Chico Buarque e Edu Lobo. Agora, Cacá Diegues traz para o cinema a saga desse circo centenário, surgido a partir de uma tradicional família austríaca (Knieps), onde tivemos um romance entre um aristocrata e uma acrobata, que dá início à trupe.

Jesuíta Barbosa e Bruna Linzmeyer

O filme transcorre ao longo de um século, onde vemos um rosário de bons atores: Bruna Linzmeyer, Mariana Ximenes, Juliano Cazarré, Antônio Fagundes. Mas os grandes destaque entre os atores são Vincent Cassel e Jesuíta Barbosa. Cassel interpreta Jean Paul, um homem que quer vender o circo e usar esse capital para investir em terrenos, sendo um marido cruel e violento. O ator, apesar de aparecer pouco, rouba a cena em seus momentos no filme e engrandece em muito a produção.

Mariana Ximenes faz uma evangélica…

Mas a grande figura, sem a menor sombra de dúvida, é Jesuíta Barbosa, que esteve simplesmente extraordinário em seu personagem Celavi (o leitor mais atento deve ter percebido que o nome do personagem é uma corruptela de “C’est la vie”, ou simplesmente, “É a vida”). Esse personagem está no circo por durante todos os seus cem anos, sem sequer envelhecer, acompanhando todas as gerações. Era divertido testemunhar como Celavi mudava de visual (vestuário, cabelos, etc.), com o passar do tempo, se adequando a todas as tendências da moda de cada época. Celavi era vívido, lúdico, brincalhão, amável e respeitoso, o verdadeiro guardião da tradição do circo. Jesuíta Barbosa deu tons altamente marcantes de carisma para seu personagem, surgindo uma empatia imediata entre ele e o espectador. Celavi era o verdadeiro condutor da película. O tempo passava, membros da nova geração chegavam e lá estávamos nós procurando onde Celavi estava.

Participação marcante de Vicent Cassel…

Aqui precisamos dar um alerta de spoiler. Algumas pessoas talvez tenham se incomodado com as excessivas cenas de nudez e sexo. Pelo estilo do diretor, tinha horas que essas cenas nos remetiam ao cinema brasileiro da década de 70. Mas Diegues conseguiu dialogar com o aparente estereótipo e o fez de forma magnífica, principalmente na cena das irmãs gêmeas voando nuas sobre o picadeiro, o ponto alto do filme. A coisa ficou lúdica, inocente, esteticamente muito bonita, repelindo qualquer avaliação que qualificasse a sequência como imoral ou de mau gosto. Foi o ponto alto do filme e de todo o clima lúdico e infantil ao qual a coisa se propunha (a gente já sentia isso de forma muito forte no trailer, que somente confirmou esse quê poético do filme). Definitivamente, é uma justa homenagem em imagens a esse trabalho tão conhecido de Chico Buarque e Edu Lobo.

Borboletas virtuais…

Só é de se lamentar que tudo tenha um fim. Mas como é dito por aí, “C’est la vie”. E o personagem principal do filme não nos deixa esquecer isso um segundo sequer. A vida pode trazer momentos de alegria, típicas dos espetáculos que vemos no picadeiro, mas também podem nos trazer momentos de trevas, melancolias e até de tragédias. Cem anos são muito tempo para experimentarmos uma série de situações felizes e tristes. E, ao final, o olhar sobre o passado nos revela um caleidoscópio de luzes e trevas.

Cacá Diegues e Marcos Frota, que tem um circo de verdade

Dessa forma, apesar de “O Grande Circo Místico” não chegar aos cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uma coisa é certa: esse filme já é em si um grande prêmio, uma pequena joia de nosso cinema que está guardada numa caixinha de música toda ornamentada, com trapezistas, leões, elefantes, domadores, palhaços, bailarinas, e um ícone de lúdico resistente ao tempo. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.