E depois da maratona de análises de episódios de “Jornada nas Estrelas Discovery”, voltemos a analisar episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”. Hoje vamos falar de um episódio um tanto inusitado. “Coletividade” vai levantar a seguinte questão: e se um cubo borg fosse controlado por… adolescentes? A ameaça seria maior? Menor? Parece que os roteiristas Andrew Price e Mark Gaberman estavam com problemas com as crianças em casa (se é que eles as têm).
Bom, vamos ao plot. Chakotay, Kim, Paris e Neelix jogavam uma partida de pôquer na Delta Flyer quando foram atacados por um cubo borg. Eles são capturados. Kim desaparece e os demais tripulantes estão numa câmara de assimilação. Entretanto, tem alguma coisa de errado. O cubo parece sem tripulação e ninguém foi assimilado. Um corpo com traços errôneos de assimilação paira na câmara. A Voyager, por sua vez, percebe que o cubo tem um comportamento altamente errático e identifica somente cinco assinaturas de drones em toda a nave, que geralmente abriga cinco mil tripulantes. Os borgs entram em contato com a nave e há uma negociação: em troca dos tripulantes da Voyager, eles querem o defletor navegacional da nave. Mas a Voyager ficaria impossibilitada de entrar em dobra. Sete de Nove acredita que os borgs querem o defletor para entrarem em contato com a coletividade. Janeway envia Sete para o cubo e ela descobre que as cinco assinaturas são de borgs adolescentes que ainda não atingiram o estado de maturação total, vindo daí o comportamento errático, típico dos adolescentes. Esses adolescentes perderam o link com a coletividade e buscam recuperá-lo. Sete retorna a Voyager com o corpo de um drone adulto para análises e o Doutor descobre que os borgs foram mortos por um vírus. Os borgs adolescentes não morreram pois estavam nas câmaras de maturação protegidos. As câmaras abriram previamente devido a falhas no sistema provocadas pela morte dos borgs. O Doutor também isolou o vírus, que ficou como uma alternativa para matar os adolescentes, pois eles se revelavam muito perigosos. Janeway deixa isso como uma opção na manga, à despeito do olhar de reprovação do Doutor depois que Sete, friamente, fala a uma capitã em dúvida de que os jovens borgs matariam sem hesitar. Já o acordo com a Voyager é mudado: ao invés do defletor, a nave dará aos borgs a oportunidade de Sete consertar as avarias do cubo. O líder dos adolescentes diz que as avarias precisam ser consertadas em duas horas, caso contrário os reféns da Voyager serão mortos. Kim está na Delta Flyer, recobra a consciência e tenta contato com a Voyager. Já Sete busca relembrar aos adolescentes a vida antes da assimilação para tentar evitar o link com a coletividade. Sete, ao analisar os sistemas do cubo, descobre que os borgs desistiram do cubo e dos adolescentes, pois eles estão avariados, mas os adolescentes não conseguem entender isso. Kim é capturado e tem implantes colocados no corpo, numa assimilação mal feita. O líder dos adolescentes perde a paciência e exige novamente o defletor enquanto Sete tenta convencer os demais borgs de que a coletividade não mais os procura. A Voyager emite um pulso de energia sobre o cubo e consegue transportar Neelix, Chakotay e Paris. Mas Sete e Kim permanecem no cubo. O líder, num acesso de fúria, ataca Sete mas o segundo borg em comando contra ataca. O core transwarp do cubo sobre uma instabilidade e Sete diz que o cubo precisa ser evacuado. O líder não aceita isso e, ao tentar consertar o cubo, é atingido por uma descarga, morrendo nos braços de Sete. Com todos de volta à Voyager, Kim é tratado pelo Doutor, que também retira os implantes das crianças, com elas voltando a ser o que eram antes da assimilação.
O plot do episódio não deixa de ser interessante, apesar de ser uma alegoria de um problema altamente cotidiano: como lidar com a chatice dos adolescentes. Ficou bem claro no episódio que um cubo borg com cinco adolescentes pode ser muito mais perigoso que um cubo com cinco mil drones adultos, pois o primeiro é altamente instável da mesma forma que os adolescentes são. Será que temos um preconceito implícito aí? A gente pode realmente colocar todos os adolescentes nesse patamar de rebeldia e imprevisibilidade? É o tal negócio. Se fosse qualquer outra série de TV, esse tema passaria batido e seria aceito numa boa. Mas em Jornada nas Estrelas há todo um discurso de diversidade e respeito às diferenças. E aqui pareceu que os adolescentes não tiveram esse privilégio de terem a sua diversidade respeitada. Eles foram rotulados como problemáticos e ponto. Logo, esse episódio acaba ficando datado com os preconceitos da época em que foi realizado. A gente percebe que nem a coletividade queria mais os garotos por estarem “com defeito”.
Outra coisa que incomoda é o desfecho. Sete de Nove é o único drone (fora Locutus) que voltou da assimilação para seu estado anterior. Isso a tornava muito especial na série. De repente, quatro dos cinco adolescentes voltam ao estágio anterior também, tirando de Sete seu destaque. Confesso que preferia um final mais “triste”, com os borgs adolescentes sendo não só desprezados pela coletividade, mas também sendo sacrificados no cubo (essa alternativa ficou apenas para o líder). Creio que seria muito mais impactante os adolescentes morrerem, pois, desprezados por sua cultura borg, não teriam mais onde se encaixar e dariam fim a si mesmos. Isso também seria uma alegoria de um problema atual, onde muitos adolescentes sentem a falta de apoio em suas famílias e meio que piram na batatinha por isso. Ou seja, por serem rotulados de “chatos” são tratados como párias, onde alguns chegam até à situação extrema da depressão profunda e do suicídio. Já que o episódio decidiu meter sua colher nesse problema cotidiano, que fosse até o fim com ele, ao invés de enveredar pelo fácil e previsível caminho do “happy end”.
Dessa forma, “Coletividade” é um episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager” que foge um pouco da ficção científica por retratar um problema cotidiano que é o difícil problema de relacionamento com adolescentes. O episódio caiu no erro de reproduzir preconceitos (o que é complicado numa série que se vende como respeitando as diferenças) e perdeu a oportunidade de falar da questão do abandono que alguns adolescentes sofrem, por optar por um final feliz. Um episódio que merece uma revisita, desde que visto sob um aspecto mais crítico.