Esse ano houve um dia de muita tristeza, quando Agnès Varda nos deixou a 29 de março aos 90 anos. Um dos nomes da Nouvelle Vague, Varda entrou com tudo nesse “Clube do Bolinha” e foi muito inovadora. Com uma alma de artista, ela transitou por diversos campos da arte além do cinema, sempre esbanjando uma criatividade e uma porralouquice para lá de sedutora. Apesar de ela ser multimídia e “atirar para todos os lados”, sua produção artística teve um desfecho, por assim dizer, cartesiano.
A diretora fez em seu último filme um balanço de sua trajetória. Praticamente um testamento, um legado de sua prolífica vida. Dói um pouco o coração quando a gente se lembra disso vendo o filme. Mas Varda era tão vivaz que logo nos esquecemos de qualquer tristeza e mergulhamos de cabeça em seu mundo, como se ela pegasse em nossas mãos e nos levasse até lá com uma leveza delicadíssima e um poder de persuasão infinito.
É claro que o documentário tem como mote a sua produção cinematográfica. Lá, podemos ver Varda em vários períodos e filmes que produziu e de como esses filmes têm uma relação íntima com sua vida. Chama muito a atenção o seu filme que homenageava os cem anos do cinema (um retumbante fracasso de bilheteria), mas que reuniu megaestrelas como Catherine Deneuve, Robert de Niro, Alain Delon, Hanna Schygulla, Jeanne Moreau.
Dá para perceber como nossa homenageada aqui tinha lastro com os medalhões. Outro detalhe que chama a atenção foi a reciclagem de suas latas de filmes. Com a era digital, os filmes de 35 mm ficaram obsoletos e encostados. Varda então os usa como material para suas exposições de artes plásticas, onde o cinéfilo vai poder ter contato com os afetuosos fotogramas.
Ainda, Varda era também uma artista preocupada com o meio social em que vivia, e retratou as pessoas pobres que viviam da xepa das feiras, ou de pessoas que pegavam no campo batatas que eram descartadas por simplesmente estarem fora de padrões de mercado.
Ela, inclusive, fez obras de arte com essas batatas descartadas, o que levou a uma exposição onde ela mesma se fantasiava de batata (!!!). Ou seja, Varda sempre nos surpreende de uma forma positiva e engraçada. Por fim, seu filme com o fotógrafo JR, onde eles viajam pela França fazendo fotos gigantes de pessoas comuns, usando-as para ornamentar casas, prédios, galpões, dando visibilidade aos anônimos da sociedade.
Assim, “Varda por Agnès” é a chance que o cinéfilo mais devoto tem de se despedir dessa importante artista da Nouvelle Vague e um exemplo vibrante de vida. Uma artista original que atuou vividamente em vários campos da arte. Um programa imperdível. Agnès Varda vai fazer falta. E muito.