Um filme brasileiro muito perturbador. “Mormaço” é uma daquelas películas que apresenta um plot twist tão violento que você simplesmente fica sem ação. Confesso que a experiência foi um pouco decepcionante para mim e que é importante pensar um pouco mais sobre o que foi visto. Entretanto, vamos aqui tentar colocar os pensamentos no lugar e expor as impressões. Obviamente, os spoilers serão necessários.
O filme tem como foco principal a advogada Ana (interpretada pela bela Marina Provenzanno), que defende os direitos dos moradores da Vila Autódromo de continuarem a viver em suas casas. A comunidade é vista pela prefeitura do Rio de Janeiro como um entrave para as obras das Olimpíadas de 2016. Essa difícil missão afetará muito Ana, que passa por um problema semelhante. O seu prédio está na alça de mira de uma rede de hotéis para ser comprado e demolido. A advogada, então, passa por uma pressão igual a dos moradores da Vila Autódromo no âmbito de seu lar. E logo, as consequências disso virão: a moça começará a ter erupções de pele que progressivamente alastram por todo o seu corpo e seu médico não consegue encontrar a causa. Dentro de todo esse contexto, a história se torna um rosário de agonias e injustiças que massacram a cabeça do espectador até o seu (mau) desfecho.
O filme cumpre muito bem o seu papel de tirar o público de sua zona de conforto. Tudo incomoda demais: as erupções de pele de Ana, a injustiça social com a comunidade, a constatação de que essa injustiça social também pode se fazer presente na não tão encastelada classe média alta da Zona Sul. Só que o filme não trilha o caminho esperado. Esperava-se algo mais documental, mais focado na questão social da comunidade da Vila Autódromo, mais voz para os moradores. Há até cenas reais de demolição da Vila Autódromo. Entretanto, a coisa ficcional deixa os moradores mais como uma espécie de pano de fundo das situações insólitas pelas quais a cidade do Rio de Janeiro passa. Esse é um filme mais focado na protagonista do que em qualquer outra coisa. E a forma extremamente agônica com que ela foi tratada pelo roteiro é perturbadora. Tivemos, então, ao invés de um drama social, um forte drama psicológico.
Agora, se tem uma coisa que incomoda, e muito, é o desfecho. Em primeiro lugar, ele é insuficiente. Os entusiastas do filme podem até dizer que esse desfecho deu liberdade para o espectador construir o seu próprio. Entretanto, o grau de pressão psicológica imposto pela película fez com que a gente merecesse um fim melhor, depois de 97 minutos de desconforto e perturbação. Agora, o que irritou mais foi o plot twist, violento demais, trocando os gêneros do filme. Entramos na sala de projeção pensando em ver um drama mais social. Durante a exibição, constatamos que se trata mais de um drama psicológico. Mas, perto do fim, o filme carrega nas tintas do… terror (???). Tal mistura de gêneros não torna a coisa mais interessante, mas sim sem sentido e até um tanto tresloucada. E o pior: esse plot twist tão violento nos minutos finais tem toda uma preparação para se chegar a um clímax apoteótico e pirotécnico. E aí, vem os créditos finais. Ou seja, nem foi mostrado o violento ponto de virada da história ao seu final. Deixa para o espectador montar a sua própria diegese. Ainda assim, não me parece algo satisfatório.
Dessa forma, “Mormaço” atira no que vê e acerta no que não vê. Só achei pena conhecer o trabalho de Marina Provenzanno nessas circunstâncias. Como o filme era focado demais na protagonista, que ela encarasse um pouco mais a jornada artificial do herói. Seria melhor do que ver uma moça bonita toda fragilizada por um monte de perebas alegóricas que retratavam uma degradação imposta pela política desumana de remoções. Pelo menos, ficou essa mensagem.