Uma perturbadora co-produção Áustria/Alemanha. “Mademoiselle Paradis” conta a história real da pianista Maria Theresia Paradis (interpretada pela bela Maria Dragus), que vivia na Áustria do século 18 e era cega. Esse é um filme que mostra a venalidade humana em fortes cores e como uma mocinha, a princípio indefesa perante tudo isso, cresce e se fortalece para viver nesse mundo. Mais uma vez os spoilers serão necessários.
Paradis, apesar de seu mal, era uma exímia pianista e servia como uma espécie de suporte para seu pai e sua mãe, que ganhavam uma pensão em função das apresentações da filha. O semblante cego da moça causava muita estranheza e ela era fortemente controlada por sua mãe, que dizia como ela devia se portar, falando até como usar suas expressões faciais. Os pais, incomodados muito mais com a má impressão dos olhos cegos de Paradis, buscam a ajuda de um médico, o doutor Franz Anton Mesmer (interpretado por Devid Striesow). Sua terapia, revolucionária para a época, consistia em usar magnetismo para curar diversas doenças.
Inicialmente, Paradis estranhou muito o ambiente, que tinha até pacientes com esgotamento nervoso agudo. Mas, com o tempo, a moça foi se adaptando, fez amizade com uma criada e passou até a enxergar cores e vultos, além de estabelecer um forte vínculo com Franz. O grande problema é que o médico, para ser aceito pela sociedade, precisava submeter Paradis, assim como seus pais faziam, a testes públicos para provar o êxito de sua medicina.
Só que, com uma visão mínima, Paradis não mais conseguia se concentrar em suas apresentações de piano, pois as teclas lhe pareciam embaralhadas, o que tornava seus recitais um fracasso retumbante. E aí, a pobre moça era engolida de forma impiedosa pelos membros da alta sociedade que a ridicularizavam publicamente. Isso provocava a ira dos pais que, ao invés de ficarem do lado da filha e do médico, tinham um comportamento igualmente agressivo, que acabou resultando na saída de Paradis da casa do doutor.
O filme parece ter um desfecho infeliz. Em parte isso realmente aconteceu, pois se Paradis tivesse continuado o tratamento (ainda considerado um tanto revolucionário para os dias de hoje), provavelmente ela teria tido alguma visão, mesmo que limitada. Entretanto, a moça muito cresceu e amadureceu com essa experiência, peitando frontalmente os pais e, mais tarde, se tornando uma pianista e até professora de música, como é dito nos créditos finais. Só é de se lamentar que poucas de suas composições tenham sobrevivido e chegado até nós. Coisas de uma sociedade de Antigo Regime para lá de machista.
A produção do filme é muito bem cuidada. Temos lindas locações e um figurino esplendoroso, o que colocava a gente no ambiente do século 18, tanto aquele dos livros de História e de Arte, quanto aqueles que estão mais escondidos, onde nada havia de glamouroso como, por exemplo, os tratamentos de médicos anteriores a que Paradis era submetida, que mais prejudicavam a saúde e enchiam seu couro cabeludo de pus. Ecos da medicina menos desenvolvida da Europa no período. Mas, preciosa mesmo, foi a captura da empáfia da cultura de Antigo Regime, onde as aparências contavam muito mais do que qualquer coisa, até a vida e a felicidade de uma filha. Nesse ponto, a diretora Barbara Albert e a roteirista Kathrin Resetarits foram perfeitas. Lembrando sempre que a história é baseada no romance de Alissa Walser.
Assim, “Madeimoselle Paradis” é um programa imperdível, pois é um drama histórico bem construído, com personagens bem elaborados e que mostra de forma contundente aspectos da cultura de Antigo Regime. Vale muito a pena dar uma conferida.