Um bom documentário brasileiro. “Tá Rindo de Que?”, que tem o ex-casseta Cláudio Manoel entre seus realizadores (os outros são Álvaro Campos e Alê Braga) tem como escopo analisar a produção cultural humorística no período 1964-1985, ou seja, durante o período da Ditadura Militar onde havia a obrigação de um relacionamento com a censura nos anos mais difíceis da repressão.
Dessa forma, o primeiro tema a ser abordado no filme será justamente “O Pasquim”, jornal que combatia abertamente a ditadura, cuja redação foi toda presa após o fatídico balão “Eu quero mocotó!” (frase de uma música famosa da época) sobre a cabeça de D. Pedro I, numa reprodução de “O Grito do Ipiranga” de Pedro Américo. Para falar de “O Pasquim”, temos depoimentos de Jaguar, Chico Caruso, Sérgio Cabral (o pai, pelo amor de Deus) e até um trechinho antigo de Paulo Francis. O mais curioso foi ver os humoristas “reclamando” da abertura política, quando a censura arrefeceu um pouco e eles se viram na obrigação de produzir mais conteúdo, ou seja, trabalhar mais e com mais eficiência, pois não haveria mais a censura para “cortar” as coisas, quando se produzia qualquer besteira para a censura cortar.
Mas o documentário não ficou somente aí. Carlos Alberto de Nóbrega também deu depoimentos sobre o seu programa “A Praça é Nossa”, antigo “A Praça da Alegria”, inventado por seu pai, Manuel de Nóbrega, e falou sobre o estigma de “humor ultrapassado” do programa. Ainda na TV, falou-se de figuras como Jô Soares, Ronald Golias, Zeloni (“A Família Trapo”), Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Renato Corte Real (“Faça Humor, Não Faça Guerra”, “Satiricon”), Chico Anysio (“Chico City”), “Os Trapalhões” e o grupo musical “Asdrúbal Trouxe O Trombone”, com figuras como Evandro Mesquita, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Patrícia Travassos e Nina de Pádua. Ou seja, é um documentário que consegue fazer um mapeamento muito eficiente de todas as matizes de humor nesse período de 21 anos.
O formato do documentário foi um daqueles bem convencionais, sem uma narração em terceira pessoa, mas com muitas e muitas entrevistas dos personagens principais de todo aquele processo, cujas falas são ilustradas por um farto material de imagens de arquivo que, obviamente, despertavam risos da plateia. Foi também uma oportunidade ímpar da gente matar saudades de muitas figuras que já se foram, tais como: Paulo Silvino, Dercy Gonçalves, Agildo Ribeiro, Golias, Mussum, Zacarias…
Quando a gente se lembra que fazer humor é algo muito difícil, pois uma piada só tem graça quando contada da primeira vez e o humorista precisa constantemente se renovar, percebemos como esse documentário é importante, pois ele mostra a nós o alto grau de inventividade de nossos humoristas, já que há vários sub-gêneros do humor e da comédia apresentados durante a exibição da película.
Ou seja, não havia somente uma crítica política e social no humor da época da ditadura (embora essa crítica fosse mais predominante) , mas também um humor como o da “Praça É Nossa”, “A Família Trapo” ou até uma coisa mais circense como “Os Trapalhões” que tinham espaço naqueles dias. A transição do rádio para a TV é mencionada, onde um dos maiores paradigmas foi o programa “Balança Mas Não Cai” e um de seus principais quadros, “O Primo Pobre e o Primo Rico”, interpretados, respectivamente, por Brandão Filho e Paulo Gracindo, primeiro no rádio e depois na TV.
Assim, “Tá Rindo de Que?” é um excelente documentário que mapeia com muita eficiência a produção cultural humorística dos anos da Ditadura Militar. Produção cultural humorística essa que se revela altamente prolífica, com direito a críticas político-sociais, mas também com conteúdos populares e também circenses. Para dinossauros como eu, foi também uma viagem no tempo, onde deu para matar as saudades de humoristas queridos que já não estão entre nós. E o final do documentário já deixou anunciado que haverá uma continuação, falando do humor dos tempos da democracia. Confesso que aguardo ansiosamente. Mas, por hora, vale muito a pena prestigiar essa primeira parte.