Uma curiosa co-produção Brasil, França e Catar. “Deslembro”, de Flávia Castro, é mais um filme que aborda a questão dos perseguidos políticos da ditadura militar da década de 60, só que do ponto de vista das crianças que tiveram parentes que sofreram perseguições. Esse não é um tema inédito (tivemos algo parecido no filme “O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias”). Entretanto sempre é uma experiência curiosa ver como crianças e pré-adolescentes encararam essa situação insólita tão de frente.
Vemos aqui a família de Joana (interpretada por Jeanne Boudier), uma pré-adolescente que vive em Paris e que está de mudança para o Brasil, seu país natal, em virtude da lei de anistia de 1979. Sua mãe vive com um ativista chileno e seu pai desapareceu no Brasil durante os anos mais pesados da repressão. Ao chegar ao Brasil, ela vê esse país inicialmente como uma terra estrangeira, pela qual não tem qualquer afinidade, e vai, aos poucos, buscando uma maior interação com sua terra natal. Para isso, ela contará com a ajuda da avó (interpretada por Eliane Giardini) e um namoradinho, que lhe apresentará o samba e a MPB. Joana sente muita falta de um núcleo familiar convencional, pois sua mãe e seu padrasto estão muito engajados no movimento político e estão constantemente ocupados ou até fora de casa. Mesmo sabendo de todo o passado pregresso do pai, ela não se conforma de a família já dá-lo como morto ao invés da condição oficial de desaparecido político.
O mais curioso desse filme é que ele, por mostrar as coisas sob uma ótica infanto-juvenil, fala de um tema altamente politizado (a luta contra a ditadura militar) da forma mais despolitizada possível. É curioso perceber como a película dá voz a um grupo que também foi vítima da ditadura e quase não tem direito a manifestação nesse contexto, que é o grupo das crianças de famílias que eram ativistas contra o regime de exceção. Só é pena que um protagonismo excessivo tenha sido dado a Joana, onde todos os seus dilemas, crises e aspirações inundam o filme. Havia crianças menores na película cujos anseios poderiam também ter sido explorados.
Pelo menos, a película terminou de forma bem simplória e singela, dando ao seu desfecho uma tremenda cara de anticlímax, algo bem mais adequado com a realidade, dando um ambiente de letargia de pessoas que passaram um pouco mais incólumes ao processo da ditadura, caso das crianças da história.
Assim, “Deslembro” é uma película que tem um título bem adequado: para se lembrar de todo aquele período sombrio que não se conheceu direito, é melhor se esquecer e olhar para a frente. A dor da perda de um pai não pode ser justificativa para um estado de letargia perante o mundo, embora essa perda sempre deixe uma sequela. Apesar de um ritmo muito lento, o filme merece uma conferida.