Dentro do Festival Varilux de Cinema Francês 2019, tivemos o excelente “A Revolução em Paris”, um drama histórico sobre a Revolução Francesa. Foi feito um filme bem didático, privilegiando a parte factual da coisa. Como a Revolução Francesa é um assunto extenso, que durou vários anos, privilegiou-se o recorte temporal que foi da Queda da Bastilha à execução de Luís XVI na guilhotina.
Para quem já se esqueceu das aulas de História, vai aqui um plot histórico rápido. A situação da França no fim do século XVIII era de crise profunda. Famílias inteiras passavam muita fome devido à situações como enchentes, nevascas e secas. Como se isso não bastasse, ainda tinham que pagar impostos pesados para que o rei desse privilégios para a nobreza feudal e o clero. Houve uma convocação da Assembleia dos Estados Gerais, onde o rei ouvia sugestões do clero, da nobreza e do Terceiro Estado. Essa última classe social consistia no grosso da sociedade e foi sugerido por ela que clero e nobreza pagassem impostos, mas essas duas classes se negaram a isso.
Assim, o Terceiro Estado se intitulou Assembleia Nacional e se reuniu em separado para escrever uma Constituição para a França, numa clara afronta ao poder real, já que um rei absolutista colocado no trono por Deus teria que obedecer um conjunto de leis criado pelos súditos. Com isso, o rei decide dissolver a Assembleia Nacional, mas esta contra-ataca com a ajuda do povo mais pobre dos meios urbanos (“sans-culottes”; esse termo é utilizado, pois as pessoas não tinham dinheiro para comprar as caras calças culottes, que tinham uma folga no quadril) e destroem a Bastilha, uma prisão para os opositores do rei. Além disso, obrigam Luís XVI a sair de Versalhes e se estabelecer em Paris.
A Assembleia Nacional, enquanto redige a Constituição, também redige a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um conjunto de ideias Iluministas que são a base dos atuais Direitos Humanos. Mas a França está sob ataque dos outros países absolutistas da Europa, que temem que as ideias revolucionárias se alastrem pelos seus territórios.O próprio rei da França, Luís XVI, participa, às escondidas, dessa conspiração e é descoberto, sendo condenado por alta traição e guilhotinado.
Vemos todos esses momentos e mais alguns dados factuais que ajudam a rechear todo o contexto durante a exibição da película, que mostra, também, outras curiosidades. Em primeiríssimo lugar, esse é um filme que fala da Revolução do ponto de vista dos “sans-culottes” que, segundo a película, aparentavam ter uma vida política muito mais ativa do que se pensava, com direito até a parlamentar com os deputados da Assembleia Nacional, cuja relação era conflituosa pois os “sans-culottes” eram vistos como escória da sociedade até por alguns segmentos mais conservadores da Revolução como os girondinos, colocados à direita da Assembleia.
Por outro lado, os jacobinos, colocados à esquerda, primavam pelas pautas sociais, até para que não houvesse uma revolta generalizada da população e a Revolução perdesse o controle, indo de Danton, passando por Robespierre (interpretado por Louis Garrel) e chegando a Marat (interpretado por Denis Lavant), o mais radical de todos. Logo, vemos que os revolucionários não eram exatamente um grupo coeso e houve vários conflitos entre eles dentro de todo o processo.
O que podemos falar dos atores? Dentre os acima citados, Garrel fez um Robespierre altamente sereno e verborrágico. Lavant fez um Marat bem vibrante, como não poderia deixar de ser. Mas os “sans-culottes” merecem destaque. Olivier Gourmet faz um fabricante de vidros que tinha muita consciência política mas que fica cego num dos combates populares contra setores mais conservadores da Revolução. E a belíssima Adèle Haenel faz Françoise, uma mulher do povo, praticamente uma encarnação de Marianne, o símbolo da República Francesa e o cartaz do Festival Varilux desse ano. Já Laurent Lafitte fez um Luís XVI demasiadamente blasé e que foi tratado na película mais como vítima do que como vilão. Confesso que soou esquisito isso, pois fica parecendo que os revolucionários, ao executarem o rei na guilhotina, tinham um caráter mais bárbaro e vingativo do que o ato de praticar justiça. E devemos nos lembrar sempre que a guilhotina foi uma invenção para tornar as execuções mais rápidas e indolores, pois as decapitações, antes da guilhotina, eram feitas com machados e nem sempre a cabeça saía toda logo na primeira machadada, sendo o condenado obrigado a sofrer sucessivos golpes de machado no pescoço até a cabeça se separar completamente do corpo, tornando todo o processo mais longo e bem mais doloroso.
Dessa forma, “A Revolução Em Paris” é um filme obrigatório que passou no Festival Varilux de Cinema Francês 2019 e que deve entrar em circuito. Vale a pena dar uma conferida, já que temos aqui uma história contada de uma forma bem didática com direito a alguns detalhes factuais que nos ajudam a entender o contexto da Revolução. Programa imperdível.